O tempo em que, para comer, a criança fazia birra e reclamava do verdinho ali ou da carninha acolá do prato acabou. A refeição agora pode ser divertida e sofisticada. Se antes a garotada batia o pé e só aceitava bife, arroz e batata frita, a onda agora é saborear as opções gourmets. Chegando à mesa em menor porção, as sugestões são saborosas e cheias de requinte, como as dos pais. Dessa forma, os pequenos mostram que comer bem não tem idade e, sim, boa vontade e estratégias criativas.
Imagine uma criança em um restaurante qualquer com o cardápio nas mãos avaliando o que vai querer. Surpreendentemente ela dispara: quero um arroz de pato. Pode parecer estranho, mas essa cena é comum no Antiquarius Grill. De acordo com o proprietário, Manuel Pires, as opções infantis não são tão diferenciadas das dos adultos, pois a criança precisa aprender a comer bem desde muito cedo, prega o estabelecimento. “Por isso a comida é tão condimentada quanto a dos pais. Assim, eles provam e se acostumam com o sabor”, explica.
Na casa, os pequenos se deparam, além do arroz com pato, com opções como fettuccine Alfredo (com creme de leite fresco, manteiga e queijo) e linguadinho com legumes sauté. “Geralmente, eles não sabem direito o que estão comendo. No caso do pato, se falar que é frango, para eles, será frango. E, dessa forma, a criança é estimulada a provar outros sabores”, acredita Pires. Segundo Rafaella Dourado, nutricionista, especialista em nutrição infantil, o exemplo deve sempre vir dos pais. Se eles não comem determinado prato, naturalmente a criança também não vai degustá-lo.
Ela explica que, até os 3 anos, são os pais que comandam a alimentação das crianças. Depois disso, geralmente elas passam a querer opinar e fazer escolhas, mas, com pulso firme, é mantido o padrão alimentar. “Algumas crianças têm personalidade mais forte, mas é preciso que os pais mostrem autonomia para que essa implicância com os alimentos não dure muito tempo”, ensina Dourado. Para ela, quanto melhor a apresentação do prato, mais interesse os meninas e as meninas terão pela comida. “Pratos com desenhos ligados ao cotidiano estimulam a prova dos alimentos. E os pais podem dizer que é gostoso e pedir aos filhos que experimentem”, explica.
Pirulito de peixe
É justamente a apresentação da comida que desperta a vontade dos pequenos frequentadores do Haná. O sushiman da casa, Tarin Mercadante, conta que até mesmo aqueles que não gostam da culinária japonesa sucumbem aos pirulitos de sashimi e às máscaras do pânico feitas de arroz, cream cheese, salmão e atum. “Inicialmente, nós fazíamos os desenhos para enfeitar, mas eles sumiam, as pessoas gostavam. Então, passamos a colocá-los no buffet. A criançada acho bonito, gostoso e nem percebe que está comendo o que dizia não gostar”, garante.
O sushiman conta que decide o desenho para depois escolher os ingredientes. Para os olhos, geralmente fica bom usar o salmão. O nariz é representado pelo atum e a boca, feita de cream cheese. “Fazemos também pandas, que ficam bem bonitinhos. Os pirulitos ganham sabor com molho de morango ou de maracujá. Como é docinho, as crianças gostam bastante”, diz.
A ideia de dar nova utilidade aos ingredientes também se mostrou eficaz no Bhumi Cozinha Orgânica & Saudável. Lá, o tão malquisto hambúrguer é uma opção para deixar os pais orgulhosos. Isso porque o fast food é preparado com berinjela, avelãs e gergelim tostado, e é servido no pão orgânico de nozes, alface, cebola roxa caramelizada e maionese de iogurte temperada com salsa e hortelã. A chef Beth Vargas conta que prepara a “carne falsa” triturando todos os ingredientes. Depois de modelado o hambúrguer, leva-se ao forno para assar. “É saudável, sem fritura e o sabor suave conquistou os pequenos”, conta.
Beth conta que inseriu outros legumes ao hambúrguer para que o sabor amargo da berinjela não sobressaísse. “É um sabor suave, com tempero leve, não tem como não gostar”, garante. O restante dos ingredientes finaliza perfeitamente, como o iogurte e a cebola caramelizada no açúcar mascavo. “Fica parecendo um molho barbecue”, diz.
Quase trivial
Assim como os adultos, as crianças por vezes não querem se arriscar nas opções gastronômicas e buscam um prato garantido: gostoso, mas sem muitas novidades. Nesse momento, uma carne bem assada ou uma massa com molho conhecido agrada bastante. No Barbacoa, por exemplo, a picanha vai à mesa escoltada de arroz branco e batata sorriso ou espaguete com molho de tomate. A carne pode ser trocada pelo hambúrguer preparado com carne do gado Black Angus.
Como a salada é sempre bem-vinda, as crianças ganharam uma versão especial no Pampulha, feita com alface americana, tomate cereja, palmito, cenoura raladinha e azeitona. A porção pode acompanhar o bife de filé mignon, com arroz e feijão, ou o hambúrguer preparado na casa. O Mercado 153 tornou o filé de frango mais suculento: um empanado com farinha e parmesão que é escoltado por purê de batata e minissalada.
De acordo com o chef do La Tambouille Kennis Henon, com bom tempero e uma bela apresentação, fica fácil conquistar a criançada. A casa sugere aos pequenos o paillard de mignon ou de frango servido com fettuccine ao molho branco ou pomodoro. “A carne, bem fininha, é grelhada e a massa fica ainda mais gostosa porque colocamos queijo”, descreve.
Saúde no menu
A preocupação em tornar os pratos mais atrativos também deve passar pelos aspectos nutricionais do menu escolhido. Presentes em legumes e hortaliças, as fibras têm papel preponderante para o funcionamento do organismo. E são pouco consumidas pelas crianças brasileiras. Segundo o pesquisador Edilson Nascimento Silva, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a ingestão de fibras entre meninos e meninas com 10 a 13 anos é 82% abaixo do recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Nessa mesma faixa etária, o consumo de gordura é 89% acima dos padrões. O de açúcar, 80%.
Texto de Rebeca Ramos publicado na coluna "Gastronomia" do "Jornal do Commercio", Rio de Janeiro, edição de 31 de agosto e final de semana 1 e 2 de setembro de 2012. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa,