Quantcast
Channel: S T R A V A G A N Z A
Viewing all 3442 articles
Browse latest View live

A PECUÁRIA NO BRASIL COLONIAL

$
0
0


Criação de gado

No período em que nos fixamos, exercia a criação de gado, na economia social, uma importância bem maior do que hoje. De fato, antes da era da máquina, o gado bovino, cavalar e muar, além de produto básico de alimentação, servia como agente motor e meio de transporte. Na Espanha, o gado lanígero, numa época em que estava mais desenvolvida na Europa a indústria lanígera que a do algodão, originou a “Mesta”, grande associação de criadores que comprovou, pelo seu poder e grandeza, a importância da criação animal.4

D. Ana Pimentel, esposa e procuradora de Martim Afonso de Sousa, providenciou, em 1534, para que se introduzisse gado bovino na capitania daquele donatário. Tomé de Sousa introduziu muito gado na Bahia. Usou mesmo, especialmente para tal serviço, de uma caravela, a Galga, que ia buscá-lo na ilha de São Vicente.

É provável que muitos donatários tivessem tido idêntica iniciativa. Na Capitania de São Vicente, a sua criação se desenvolvia lentamente, e, muitos anos mais tarde, o padre Nóbrega recomendava parcimônia em seu consumo, para que pudesse tomar maior incremento.

Foi a zona do açúcar, porém, que deu origem à primeira fase da grande criação de gado. Os antigos cronistas, Gândavo, Gabriel Soares, Fernão Cardim, Frei Salvador, e outros, são acordes em constatar a atenção que ia despertando a criação no centro-nordeste brasileiro. É que a indústria do açúcar era importante consumidora de gado. Os trapiches e engenhos, movidos por bois, faziam grande desgaste; as carretas para lenha e para o açúcar exigiam número considerável de cabeças, em porção, talvez, igual ao da escravatura ocupada.5 A alimentação de carne era necessária para os que se dedicavam aos intensos trabalhos dos engenhos.6 Junto aos engenhos havia currais cercados, em que se abrigavam as cabeças utilizadas no seu funcionamento.

A intensa procura que se estabeleceu, com o rápido crescimento da indústria, estimulava a criação. Já nas terras brasileiras ia-se verificando, porém, o conflito, existente no Velho Continente, entre os criadores e os lavradores, em defesa das plantações. Não havia o arame, o grande elemento pacificador e protetor da cultura dos campos. Daí uma das razões da retirada dos currais de criação para o sertão brasileiro, longe dos engenhos, dos canaviais e dos mandiocais e em terras mais pobres que não poderiam ser aproveitadas para as culturas exigidas pelo número crescente dos engenhos do litoral. Uma Carta Régia de 1701 proibia mesmo a criação a menos de 10 léguas da costa.

Os currais foram, então, penetrando e ocupando o interior. Começaram pelo sertão da Bahia. Era mais fácil aos criadores, do que aos senhores de engenho, estabelecerem um modus vivendi pacífico com os íncolas. O trabalho das fazendas de criar era incomparavelmente mais suave e mais adaptável ao temperamento dos íncolas do que o rude labor dos engenhos em que o autóctone perecia em pouco tempo. Daí, as alianças com diversas tribos selvagens, que permitiam a mais rápida expansão dos currais. Isso não impediu, no entanto, que se tornassem necessárias várias guerras de expulsão e de extermínio a muitas tribos, que se opuseram à expansão dos currais, ou que vieram a hostilizá-los.

Já no governo de Tomé de Sousa, iniciou Garcia de Ávila o estabelecimento de currais pelo interior da Bahia. Ele e os seus descendentes transformaram-se nos maiores criadores do sertão baiano, chegando a possuir “duzentas e cinqüenta léguas de testada na margem do rio São Francisco e deste ao Parnaíba setenta léguas”.

Em 1589, Cristóvão de Barros ocupou a costa até o São Francisco, expulsando os selvagens. Iniciaram-se também as distribuições de sesmarias no sentido ascendente do mesmo rio.

Os Ávilas e os seus associados prosseguem na invasão do sertão com os seus currais, passando o divortium acquarum, levando-os ao Maranhão, Piauí, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Outros grandes criadores, os Guedes de Brito, ocuparam também largas faixas dos sertões baianos.

Subindo o São Francisco, atingem o interior mineiro. Passando para os vales do Tocantins e Araguaia, estende-se a criação para os sertões goianos de Amaro Leite.

Via Goiás, penetrou o gado às regiões do Mato Grosso, onde foi de encontro às manadas que subiam da Vacaria e das possessões espanholas; assim também o gado que subia o São Francisco encontrar foi-se com o que pela Capitania de São Vicente tinha sido introduzido em Sabarabuçu e vale do rio das Velhas, em Minas Gerais.

São Vicente, Bahia e Pernambuco foram, portanto, os centros irradiadores da criação para a região central e nordeste do Brasil. Nos campos de Curitiba, parece ter sido o gado originário de São Vicente. Os dos campos do sul do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande, supõe-se terem sido introduzidos principalmente pelas missões jesuíticas espanholas.7

Criadores da zona do açúcar

As fundações de fazendas de criar de sesmarias abriram novas possibilidades aos sertões da costa, permitindo também o descongestionamento dos engenhos de açúcar do litoral. Para as novas sesmarias, descobertas pelos audaciosos sertanistas, afluíram os indivíduos que não dispunham de emprego estritamente produtivo, ou vadios, isto é, as populações livres dos mestiços de toda a casta. A esses, atraíam os grandes sesmeiros para fundar currais, pois o pastoreio, como observa Oliveira Viana, é a forma mais generalizada da exploração da terra no período colonial.8

Não se processou, no entanto, sempre pacificamente, essa entrada dos vaqueiros. No último quartel do século XVII, houve um célebre levante de índios nos sertões da Bahia, alguns dos quais procedentes de antigas tribos conversas. Lutando com sérias dificuldades para vencê-los, resolveu o Governo da Bahia recorrer aos paulistas que exploravam, permanentemente, a indústria da guerra, como elemento básico no ofício de caça ao bugre, principal atividade da gente de Piratininga.

Daí os socorros chefiados por Domingos Barbosa Calheiro, Brás Rodrigues Arzão, Estêvão Ribeiro Baião Parente e outros.

Seguiram esses paulistas com suas expedições, por via marítima, embarcando em Santos. Com o transporte dos dois últimos e de sua gente, em 1671, despendeu a Câmara de São Salvador 10:000$000, equivalentes a cerca de 500 contos em moeda de hoje. Foram os paulistas bater os índios que se haviam rebelado e assassinado os vaqueiros de Aporá. Mais tarde, por terra, Domingos Jorge Velho, Matias Cardoso de Almeida, Morais Navarro e outros foram empregados no combate aos paiacus, janduís e icós, nas ribeiras do Açu e Jaguaribe.

“Muitos dos paulistas empregados nas guerras do Norte não tornaram mais a São Paulo, e preferiram a vida de grandes proprietários nas terras adquiridas por suas armas: de bandeirantes, isto é, despovoadores, passaram a conquistadores, formando estabelecimentos fixos. Ainda antes do descobrimento das minas sabemos que nas ribeiras do rio das Velhas e do S. Francisco havia mais de cem famílias paulistas, entregues à criação de gado.”9

Esta informação é confirmada por Pedro Taques, que diz terem sido numerosas as famílias de São Paulo que, em contínuas migrações, procuravam essas zonas afastadas e aí se instalavam com suas fazendas de gado. Domingos Mafrense, também conhecido por Domingos Sertão, ficou no Piauí, onde fundou 39 fazendas de criar gado vacum, mais tarde doadas aos jesuítas. Domingos Jorge Velho, penetrando no sertão da Paraíba, na ribeira do Piancó, aí fundou fazendas com reses trazidas das margens do São Francisco. Em Goiás penetraram as primeiras reses tresmalhadas dos rebanhos do São Francisco e, em princípios do século XVIII, foram instaladas, também por paulistas, as primeiras fazendas de criar nos ótimos campos goianos.

O vaqueiro

“Adquirida a terra para uma fazenda, o trabalho primeiro era acostumar o gado ao novo pasto, o que exigia algum tempo e bastante gente; depois ficava tudo entregue ao vaqueiro. A este cabia amansar e ferrar os bezerros, curá-los das bicheiras, queimar os campos alternadamente na estação apropriada, extinguir onças, cobras e morcegos, conhecer as malhadas escolhidas pelo gado para ruminar gregoriamente, abrir cacimbas e bebedouros. Para cumprir bem com seu ofício vaqueiral, escreve um observador, deixa poucas noites de dormir nos campos, ou ao menos as madrugadas não o acham em casa, especialmente de inverno, sem atender às maiores chuvas e trovoadas, porque nesta ocasião costuma nascer a maior parte dos bezerros e pode nas malhadas observar o gado antes de espalhar-se ao romper do dia, como costumam, marcar as vacas que estão próximas a ser mães, e trazê-las quase como à vista, para que parindo não escondam os filhos de forma que fiquem bravos ou morram de varejeiras.

“Depois de quatro ou cinco anos de serviço, começava o vaqueiro a ser pago; de quatro crias cabia-lhe uma; podia assim fundar fazendas por sua conta. Desde começos do século XVIII, as sesmarias tinham sido limitadas ao máximo de três léguas separadas por uma devoluta. A gente dos sertões da Bahia, Pernambuco, Ceará, informa o autor anônimo do admirável Roteiro do Maranhão a Goiás, tem pelo exercício nas fazendas de gado tal inclinação que procura com empenhos ser nela ocupada, consistindo toda a sua maior felicidade em merecer algum dia o nome de vaqueiro. Vaqueiro, criador ou homem de fazenda, são títulos honoríficos entre eles.

“As boiadas procuravam os maiores centros de população, isto é, as capitais da Bahia e Pernambuco.”10

Antonil, em 1711, confirma, em interessantes informações, a importância que assumira a criação de gado no Brasil central. Referindo-se ao sertão da Bahia, acentua:

“É porque as fazendas, e os currais de gado se situam aonde a largueza de campo, e agora sempre manente de rios, ou lagoas: por isso os currais da parte da Bahia estão postos na borda do rio de S. Francisco, na do rio das Velhas, na do rio das Rãs, na do rio Verde, na do rio Pe- ramirim, na do rio Jacuípe, na do rio Itapicuru, na do rio Real, na do rio Vaza-Barris, na do rio de Sergipe; e de outros rios, em os quais, por informação tomada de vários, que correram este sertão, estão atualmente mais de quinhentos currais: e só na borda d’aquém do rio de S. Francisco, cento e seis lagoas. E na outra borda da parte de Pernambuco, é certo que são muito mais. E não somente de todas estas partes e rios já nomeados vêm boiadas para a cidade e recôncavo da Bahia, e para as fábricas dos engenhos; mas também do rio Iguaçu, do rio Carainhaém, do rio Corrente, do rio Guaraíra, e do rio Piaguigrande, por ficarem mais perto, vindo caminho direito, à Bahia, do que indo por voltas a Pernambuco.

“E posto que sejam muitos os currais da parte da Bahia, chegam a muito maior número os de Pernambuco, cujo sertão se estende pela costa desde a cidade Olinda até o rio de S. Francisco, oitenta léguas: e continuando da barra do rio de S. Francisco até à barra do rio Iguaçu, contam-se duzentas léguas. De Olinda para Oeste até o Piagui, Freguesia de Nossa Senhora da Vitória, cento e sessenta léguas, e pela parte do norte estende-se de Olinda até ao Ceará-Merim, oitenta léguas, e daí até o Açu, trinta e cinco léguas, e até ao Ceará Grande, oitenta léguas: e por todas vem a estender-se desde Olinda até esta parte, quase duzentas léguas que, por terem junto de si pastos competentes, estão povoados com gado (fora o rio Preto, o rio Guaraíra, o rio Iguaçu, o rio Corrente, o rio Guarignae, a lagoa Alegre, e o rio de S. Francisco, da banda do norte), são o rio de Cabaços, o rio de S. Miguel, as duas Alagoas com o rio do Porto do Calvo, o da Paraíba, o dos Bariris, o do Açu, o do Podi, o de Jaguaribe, o das Piranhas, o Pajeú, o Jacaré, o Canindé, o de Parnaíba, o das Pedras, o dos Camarões e o Piagui. Os currais desta parte hão de passar de oitocentas léguas: e de todos estes vão boiadas para o Recife, e Olinda, e suas vilas, e para o fornecimento das fábricas dos engenhos desde o rio de S. Francisco até ao rio Grande: tirando os que acima estão nomeados desde o Piagui até à barra de Iguaçu, e de Pernágua, e rio Preto; porque as boiadas destes rios vão quase todas para a Bahia, cujo melhor caminho é pelas Jacobinas, por onde passam, e descansam. Assim como aí também param, e descansam as que às vezes vêm de mais longe. Mas quando nos caminhos, se acham pastos, porque não faltarão às chuvas, em menos de três meses chegam as boiadas à Bahia, que vêm dos currais mais distantes. Porém se por causa da seca forem obrigados a parar com o gado nas Jacobinas: aí o vendem os que o levam, e lá descansa seis, sete e oito meses, até poder ir à cidade.”

Quanto às estatísticas, atribui:
à Bahia................................................ 500.000 cabeças
a Pernambuco................................... . 800.000 cabeças
ao Rio de Janeiro.................................. 60.000 cabeças

Computando São Paulo e os campos de Curitiba, “onde vai crescendo e multiplicando cada vez mais o gado”, não é difícil avaliar em mais de 1.500.000 o número de cabeças existentes nessa época, na colônia lusitana, sem contar o gado bravo dos campos do Sacramento.

Conforme Antonil, os currais variavam de 200 a 1.000 cabeças; as fazendas, muitas com avultado número de currais, chegavam a ter até 20.000 cabeças de gado.

“As do sertão da Bahia, que pertenciam às duas grandes famílias - a da Torre e a do defunto mestre-de-campo, Antônio Guedes de Britto - eram ocupadas parte pelos donos, que arrendavam o resto, à razão aproximada de 10.000 anuais por légua.

“Para os engenhos, para os lavradores de cana, tabaco, mandioca, serrarias, lenha; para a alimentação era grande o consumo de gado. E o couro exportado em ‘cabelo’ e em meias-solas, só por si indica uma matança anual de mais de 55.000 cabeças.”

Os transportes se faziam por boiadas de 100 a 300 cabeças de gado.

“Os que as trazem são brancos, mulatos, e pretos e também índios, que com este trabalho procuram ter algum lucro. Guiam-se, indo uns adiante cantando, para serem desta sorte seguidos do gado; e outros vêm atrás das reses tangendo-as, e tendo cuidado, que não saiam do caminho e se amontoem. As jornadas são de quatro, cinco, e seis léguas, conforme a comodidade dos pastos, aonde hão de parar. Porém, aonde há falta d’água, seguem o caminho de quinze, e vinte léguas, marchando de dia e de noite, com pouco descanso, até que achem paragem, aonde possam parar. Nas passagens de alguns rios, um dos que guiam a boiada, pondo uma armação de boi na cabeça, e nadando, mostra às reses o vão, por onde hão de passar.”

Época do couro no Norte

Com a expansão da criação passou-se a fazer uso intenso do couro.

“De couro era a porta das cabanas, o rude leito aplicado ao chão duro, e mais tarde as camas para os partos; de couro todas as cordas, a borracha para carregar água, o mocó ou alforje para levar comida, a maca para guardar roupa, a mochila para milhar cavalo, a peia para prendê-lo em viagem, as bainhas de faca, as bruacas e surrões, a roupa de entrar no mato, os bangüês para curtume ou para apurar sal; para os açudes, o material de aterro era levado em couros puxados por juntas de bois que calcavam a terra com seu peso; em couro pisava-se tabaco para o nariz.”11

As descobertas de salinas no Ceará e em Alagoas, a existência de barreiros salgados no vale de São Francisco e a maior proximidade de Portugal, grande produtor e exportador de sal, favoreceram a expansão criadora do Norte. A ilha de Joanes, atual Marajó, foi também povoada de gados no início do século XVIII. A expansão contínua dos currais nas terras que os sesmeiros isoladamente não podiam explorar, deram origem aos “sobrados”, assim chamadas as sobras das sesmarias também ocupadas pelos vaqueiros.12

O sistema de vida e a necessidade de maior golpe de vista sobre a propriedade, conduziam os vaqueiros a construir suas habitações nos lugares altos, contrastando com as habitações nos vales, características dos agricultores do Sul.

O surto minerador

A ocupação de uma grande área do sertão brasileiro pelos criadores, formando a retaguarda econômica dos engenhos, ao mesmo tempo que constituía uma eficaz proteção contra as incursões dos selvagens nas zonas litorâneas do açúcar, exerceu ainda uma alta finalidade, quando se verificou a expansão mineradora do Brasil central. De fato, a mineração produziu uma rápida concentração de populações em zonas pouco férteis, provocando uma grande procura de alimentação e crises terríveis de fome que as crônicas relatam sob as mais sombrias cores.

Os mineradores de Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais foram abastecidos pelos criadores do vale do São Francisco e sertões do Nordeste. A alta que se verificou nos preços do gado nos campos de mineração, foi de tal monta, que repercutiu em toda a zona criadora, provocando os protestos dos senhores de engenho, já grandemente prejudicados com a elevação, da mesma origem, registrada nos preços dos escravos.

E, se pelos “caminhos dos currais”, iam dos sertões da Bahia para as zonas de mineração socorros alimentares, pelas mesmas estradas poderia ser contrabandeado o ouro, fugindo ao pagamento dos quintos... Daí a Carta Régia de 7 de fevereiro de 1701, ordenando que as Capitanias da Bahia e Pernambuco não se comunicassem com as minas de São Paulo pelos sertões, para que dessas minas não se ^pudessem ir buscar mantimentos ou gados das mencionadas capitanias.13

Tal determinação foi logo depois atenuada, consentindo-se que pelo caminho dos currais passasse apenas o gado em demanda dos campos de mineração.

De acordo com a mesma ordem de idéias, a Carta Régia de 7 de maio de 1703 mandou que se dessem de sesmaria as terras dos campos das minas até a serra dos Órgãos e mais próximas do Rio de Janeiro com a condição de cada donatário pôr um curral de gado dentro de três anos “no sítio que se lhe der, por se entender que com a fertilidade destas terras abundarão essas capitanias em gado e a Fazenda Real terá um grande lucro nos dízimos’’.14

Um documento de 1703 ainda constata a continuação do fornecimento de gado do vale do São Francisco.

“Pelo dito rio ou pelo seu caminho, lhe entram os gados de que se sustenta o grande povo que está nas minas, de tal sorte que de nem uma parte lhe vão nem lhe podem ir os ditos gados, porque não os há nos sertões de S. Paulo nem nos do Rio de Janeiro.”

O gado do sul

A emulação provocada pelo alto preço do gado bovino nas zonas de mineração e as dificuldades decorrentes do fornecimento exclusivo proveniente da faixa de criação ligada à economia do açúcar, quando as catas se distendiam por longínquas áreas, trouxeram como consequência a instalação de fazendas em Minas, Goiás e Mato Grosso e a procura do gado da região sulina que os paulistas, aliás, visitavam desde os princípios do século XVII. Portugal, com o hábil gesto político da ocupação da Colônia do Sacramento, firmou sua resolução de levar as suas lindes às águas do Prata, incorporando ao patrimônio lusitano uma grande região onde abundava o gado.

São contraditórias as notícias sobre a introdução dos primeiros gados no Vale Platino. Southey assim reproduz o lendário conto das “Vacas de Gaeta”:

“Na governação de Yrala (1556) trouxe o capitão, Juan de Salazar, sete vacas e um touro da Andalúzia para o Brasil, levando-as daqui por terra, seguindo provavelmente a mesma direção tomada por Cabeça de Vaca para o Paraná defronte da foz do Mondaí. Ali construiu uma jangada para o gado, deixando um certo Gaeta que o transportasse por água para Assunção, enquanto ele seguia por terra. Uns poucos de meses gastou na viagem a jangada, cujo arrais recebeu em recompensa uma das vacas. Ainda hoje se diz proverbialmente entre os espanhóis - a vaca de Gaeta - querendo significar coisa de grande valor; mas, embora este ditado implique passar agora aquele pagamento por ter sido ridiculamente desproporcionado ao serviço, tinha provavelmente outro sentido na sua origem. Quando mais de sete vacas não havia no país, nada podia ser de tanto valor como uma delas. Em 1580 se embarcou de Buenos Aires para a Espanha o primeiro carregamento de couros, e uns trinta anos depois se levaram das cercanias de Sta. Fé para o Peru nada menos de um milhão de cabeças de gado, dizem, tão rapidamente se multiplicara este nas imensas pampas dentre Tucumã e o Prata. (Azara diz que os fundadores de Buenos Aires para ali levaram em 1580 algum gado, parte do qual se tornou bravio, multiplicando-se grandemente no país para os lados do rio Negro.) Mas a segunda fundação de Buenos Aires foi em 1546, e no mesmo ano da terceira fundação se exportava o primeiro carregamento de couros. Lapso ainda mais singular se nota no mesmo capítulo do Essai sur ''Histoire Naturelle des Quadrupedes de la Province du Paraguai, pelo referido Azara. Atribui ele a origem do gado bravo da margem do norte do Prata a algum que ele supõe terem deixado ficar os espanhóis do Paraguai, em 1552, ao serem expulsos da cidade de São João Batista, que haviam tentado fundar defronte de Buenos Aires. Esquece, porém, que esta tentativa de fundação à margem esquerda, talvez no sítio da Colônia, tivera lugar, segundo ele mesmo refere, quatro anos antes da introdução do primeiro gado da Europa. Muito antes deste tempo devia haver gado no Brasil, sendo muito mais provável que o bravio, a que alude Azara, proviesse da Capitania de São Vicente do que do Paraguai, de onde o Paraná e o Uruguai teriam oposto à migração insuperáveis obstáculos. Espontaneamente não se mete o gado à água, nem obrigam jamais a fazê-lo sem que ocorra alguma perda. Observa Do- brizhoffer que quando grandes manadas atravessam um rio, sempre se afogam mais touros do que vacas. Não tardou a haver quem por milhares e por dezenas de milhares contasse o seu gado num país onde as pastagens eram do tamanho de qualquer freguesia rural da Europa, excedendo à área de uma só estância muitas vezes a de um condado da Inglaterra. Não faltavam pessoas que possuíssem cem mil cabeças, nem Reduções que tivessem mais de meio milhão, número não desmesurado, onde mais de quarenta reses se cortavam diariamente para consumo dos moradores. Uma grande porção era furtada, outra, maior ainda, era presa dos índios hostis, tigres e cães bravos, perecendo miseravelmente um sem-número de bezerros vítimas das moscas que se pode chamar por excelência a praga do Paraguai. O gado bravo muito excedia em número, o semidomesticado. Com igual rapidez se haviam multiplicado os cavalos. A grande propagação destes animais numa terra, onde antes da descoberta nenhum existia daquela espécie, veio alterar até as características físicas do país. Desapareceram as plantas bulbosas e as numerosas espécies de pitas ou caraguatás, que antes cobriam as planícies, vindo substituí-las um pasto fino e uma sorte de cardo rasteiro assaz forte para resistir ao pisar dos animais que fora o que destruíra a primitiva ervagem.”

Virgílio Correia Filho em uma de suas Monografias Cuiabanas, assim comenta o incidente:

“O nome do esperto boiadeiro gravou-se nos fastos da pecuária sul-americana, insculpido pela pena do primeiro cronista paraguaio, que lhe historia o feito relevante.”

Enquanto proliferava, ao redor de S. Vicente, o rebanho bovino, trazido em 1534, por ordem de D. Ana Pimentel, consorte do donatário, e procurador dele, os povoadores de Assunção nutriam-se apenas do que lhes fornecia a abundante lavoura indígena.

Mas freqüentavam-se os dois povos, através dos sertões que lhes impediam o intercâmbio.

De uma feita, em S. Vicente, encontraram-se o capitão Salazar, que vinha da Espanha, e Melgarejo, proveniente de Guaíra, cujo embarque foi impedido pelas autoridades vicentinas. Jornadeariam, juntos, com suas famílias, rumo de Assunção, obscuramente, como qualquer viajante da época, se não se tivessem associado aos filhos de Luís de Góis, povoador da vila de Martim Afonso, de nomes Cipriano e Vicente, que lhes deram relevância à expedição. Empreendedores, conduziram a primeira boiada, bem modesta, em verdade, com que se deveria iniciar a pecuária no Uruguai.

Eram sete vacas e um touro, confiados ao vaqueiro Gaeta “que llegó con ellas à la Assunción con grande trabajo y dificultad solo por el interés de una vaca, que se le senalo por salario, de onde quedó en aquella tierra un proverbio que dice: son más caras que las vacas de Gaete”.

Ao comentar este passo Angelis confirma a primazia atribuída aos irmãos Góis, como implantadores da pecuária no Paraguai, embora descontando os exageros do deão Funes, que lhes ampliou a influência da iniciativa por toda a região platina.

Quanto à introdução do gado na margem oriental do rio Uruguai, estudos de Caviglia e outros atribuem-na a Hernanderías, que, em 1608, teria aí formado sua estância. Outros atribuem-na aos jesuítas, que fundaram suas missões no atual Rio Grande, em 1618. Como quer que seja, a existência de abundante gado na região do Sul e os preços elevados que alcançaram na Capitania de São Paulo justificavam o fomento de seu comércio e o seu transporte pela costa, até ao porto de Laguna e dali o seu embarque até os portos de Santos, Iguape, Parati e Rio de Janeiro.

Antes de existir na parte oriental do continente de São Pedro qualquer núcleo de povoação, que só se fundou em 1725, havia um frequente comércio de gado entre os habitantes primitivos das terras do Rio Grande e os moradores de Laguna. Esse comércio era autorizado e mesmo recomendado pelo governo da Capitania de São Paulo, que estendia a sua jurisdição por todo o país até o Rio da Prata.16

O ato do governo de São Paulo, de 17 de janeiro de 1725, demonstra que o comércio de animais com os índios constituía já uma séria preocupação para os homens de negócio da Colônia.17

Encontramos, ainda em 1725, o bando de D. Rodrigo César de Meneses permitindo o transporte de gado vacum do sertão de Curitiba e dos campos de Vacaria para a zona de mineração.18

Para atender ao incremento do comércio do Sul, urgia a abertura de um caminho por terra, unindo os campos do Rio Grande à grande zona consumidora. Foi o paulista Bartolomeu Pais de Abreu quem primeiro propôs ao governo, mediante determinadas mercês, ligar São Paulo ao Rio Grande. Não apoiado pelo governador Rodrigo César de Meneses, somente em 1727 tal cometimento pôde ser levado a efeito por Francisco de Sousa Faria, quando do governo de Antônio Caldeira da Silva Pimentel.

Outorgou-lhe este governador apoio e favores; e, com o auxílio de Cristóvão Pereira, subiu Faria pelo vale do Araranguá, rompendo, com grandes dificuldades, a serra do Mar, e encontrando, nos campos de Lajes e São Joaquim, pastos admiráveis, com grande porção de gado aí lançado pelos tapes, das aldeias jesuíticas. Em 1730, alcançou Faria os campos de Curitiba. Nessa região, explorada pelos paulistas que iam ali à cata de ouro, desde meados do século XVIII, Gabriel de Lara fundara, em 1614, a Vila de Curitiba.

Foi ainda Cristóvão Pereira quem retocou a estrada e levou por ela a primeira tropa que chegou a São Paulo em 1733.

Sul de Mato Grosso

Nos campos de Vacaria, no sul de Mato Grosso, a criação do gado bovino, originário das estâncias dos missionários paraguaios, tinha assumido um grande desenvolvimento. Dele também lançaram mão os paulistas.

Estabeleciam-se, assim, as correntes comerciais de gado pelo interior do Brasil, funcionando a zona de mineração como um providencial elo de interesses econômicos, unindo, pelo sertão, os homens do Norte, do Centro e do Sul.

Foi essa mineração que também provocou o rápido crescimento da população brasileira, que, em um século, decuplicaria.

Com a ocupação definitiva da Capitania de São Pedro e dos campos da Colônia do Sacramento, registrou-se ainda um fato que bem demonstra a relevância dos fatores econômicos. Devido ao clima, aos pastos, às facilidades de locomoção, o gado se desenvolveu nos campos do Sul, ainda mais facilmente do que no Norte. O preço da carne, na costa nordestina, sempre foi elevado.19

Tal circunstância permitiu o desenvolvimento das indústrias de charque, nas regiões sulinas, para o suprimento, por via marítima, das populações litorâneas do Centro-Norte brasileiro. No Norte, já era conhecida a carne-de-sol, carne-seca ou carne-de-vento, particularmente nos sertões do Ceará. Passaram a consumir em grande escala a carne de charque, preparada com sal e de maior duração que aquela.

As leis econômicas foram, assim, delimitando, dentro das fronteiras brasileiras, as zonas de preponderância de gado e de melhor carne bovina. As dificuldades de transportes e o aumento de população promoveram, também, a fundação de fazendas de criar nas Capitanias de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás, regiões que passaram, com o correr do tempo, a ser fornecedoras do gado em pé para o consumo dos grandes centros populosos, Rio de Janeiro e São Paulo.

No comércio bovino, como na hegemonia econômica do país, perdia o Norte a sua predominância inicial. O comércio do couro e os níveis de preço de gado refletiam, de seu turno, tal alteração.

Preços do gado bovino

No século XVI os primeiros bois valiam, na Bahia, 100$000, normalizando-se, depois, os preços para 10$000 a 12$000 por cabeça, ou sejam quase 2:000$000 em valor aquisitivo de hoje; e em Pernambuco o dobro, tal a procura que havia pelos engenhos (Warden).

Em 1618, nos Diálogos das Grandezas do Brasil se lê que no Norte uma vaca valia de 4$000 a 5$000; um boi de carro de 6$000 a 7$000 e um boi já feito de 12$000 a 13$000, valores que, multiplicados por 228, coeficiente de correção para o poder aquisitivo de hoje, representam:

4$000.................................. 912$000
5$000............................... 1:140$000
6$000............................... 1:368$000
7$000 .............................. 1:596$000
12$000 ............................ 2:736$000
13$0000 .......................... 2:964$000

Esta informação confirma a de Warden, para fins do século XVI. No entanto, nas mesmas épocas, em inventários paulistas, verificamos que uma vaca valia 1$000 e um boi capado 2$000, isto é, a quinta ou sexta parte do valor do gado do Norte.

Em 1711, segundo Antonil, uma rês ordinária valia, na Bahia, de 4$000 a 5$000; e nas Jacobinas centro de feiras de gado, valia de 2$500 a 5$000, representando isto 200$000 de hoje, para a rês ordinária, 350$000 para os bois.

“Porém nos currais do rio de São Francisco os que têm maior conveniência de venderem o gado para as Minas, o vendem na porteira do curral pelo mesmo preço que se vende na cidade.”

Era pequena a diferença quanto às boiadas de Pernambuco e do Rio de Janeiro.

No entanto, em 1700, na zona de mineração, chegou-se a pagar 100 oitavas por um boi, o que representa mais de 50 libras esterlinas, ou sejam cerca de 10 contos de réis em poder aquisitivo de hoje.

Em 1768 já valia o boi na Bahia de 3$200 a 4$000, segundo carta do Marquês de Lavradio, o que representa 160$000 em poder aquisitivo de hoje.

Em 1800, em Goiás, valia o gado 4$800 quando vendido para regiões do Sul e 1$500 quando vendido para regiões do Norte.

Nessa mesma época, já era muito abundante o gado no Rio Grande do Sul, onde, nas estâncias, o preço da rês girava em torno do mil-réis (50$000 de hoje).

Em 1828, Luís d’Alincourt, no seu recenseamento econômico de Mato Grosso, registrava, para o custo de um boi gordo, de 4$800 a 6$000, e se comprado diretamente na fazenda, de 2$400 a 3$000. Uma vaca, de 2$400 a 3$000, mas, nas fazendas, 1$700. Um boi manso de carro, 7$200.

Raças, pastos e climas

O gado colonial originou-se das raças da Península Ibérica, trazidas pelos portugueses, acrescido dos contingentes do Vice-Reinado do Peru, via Paraguai, dos da região platina, via Missões, Colônia do Sacramento e, finalmente, da contribuição holandesa e francesa, durante a permanência destes europeus no Brasil.

Dos cruzamentos livremente realizados, numa verdadeira confusão zootécnica, se fixaram, no entanto, principalmente em função do clima e natureza dos pastos, alguns tipos nacionais.

Apontam os técnicos como característicos o caracu, o franqueiro ou pedreiro, o curraleiro, o bruxo, o mocho e o pantaneiro ou cuiabano.

Todos esses produtos são resultados de uma transação entre os cruzamentos dos primitivos espécimes, com as condições climatéricas e a natureza das forragens. Não houve o trabalho de seleção ou de apuração da raça mais apropriada ao meio, o que concorreu para a sua fácil degeneração.20

Não obstante as correções de altitude e a boa qualidade de muitas pastagens naturais, a geografia econômica nos ensina que as regiões sulinas são as mais propícias ao desenvolvimento do gado bovino de corte, o mais procurado nos grandes centros consumidores.

No caso brasileiro, contribuíram, ainda e decisivamente, para o predomínio pecuário do Sul sobre o Norte, o aparecimento da mineração e o declínio da indústria açucareira.

No Sul, em zona temperada, o gado pôde ser continuamente melhorado pela importação de espécimes selecionados dos climas temperados, em que a criação alcançou um grande adiantamento. Às mais vantajosas condições mesológicas, juntaram-se as possibilidades da contínua melhoria pela atuação do homem.

A evolução do comércio dos couros teve marcha semelhante. Os do Sul começaram a surgir, fazendo concorrência vitoriosa de preço e qualidade aos do Norte, e influindo, talvez imperiosamente, na expansão para o Sul, resolvida pela Coroa portuguesa.
 
Época do couro no Sul

A região austral experimentou, como a do norte, a influência da abundância do couro em todas as atividades dos seus colonizadores.

Contreiras Rodrigues, em seu valioso trabalho sobre a Economia Colonial.,21 faz a propósito as seguintes considerações: “quando começou a ocupação do Rio Grande, procedente de Laguna e de origem paulista (1715) com João de Magalhães e Francisco de Brito, seu sogro, já estava o extremo sul do país povoado de gado vacum e cavalar, sobretudo na campanha pertencente ao Sacramento e nas estâncias e vacarias ligadas aos Sete-Povos. Nas estâncias estavam os rodeios de gado costeado pelos trabalhos da indiada, em pastorejos, tropeadas e mangueiras. Esta palavra deriva precisamente da manga ou da taipa, em forma de espiral, com a entrada bem ampla, que construíam os campeiros, quando pretendiam agarrar e domesticar as pontas de gado bravio da circunvizinhança. Na manga o encerravam todos os dias até perder a querência dos banhados e matos e agarrar nova querência em campo limpo.

Mais tarde a espiral foi substituída pelo círculo perfeito com uma entrada ladeada de duas linhas retas convergentes a ela, em forma de ângulo muito aberto. Estas linhas conservaram sempre o mesmo nome de mangas e o círculo adquiriu a denominação de mangueira. Isto nas estâncias, onde se queria o gado manso; mas nas vacarias, ele se conservava alçado e sem dono. Já nesse tempo a vaca de Gaeta se tinha multiplicado aos milhões. “Os campos não têm fim”, diz Simão de Vasconcelos, “o número de gado são milhões, donde só pelos couros se mata, e se carregam muitos navios deles, deixando a carne por inútil.” No dizer deste cronista houve também no extremo sul a idade do couro. Não é exagero afirmar que essa época do couro no extremo sul começada com a fundação da Colônia do Sacramento (1680), dominando a colonização jesuítica das Missões, passou à civilização portuguesa destas regiões, no terceiro século, e prolongou-se até fins do IV século da existência do Brasil. De 1680 a 1880, nas estâncias do sul, desde as vacarias do Mato Grosso até as vacarias do Rio Grande e do Sacramento, cosia-se a existência com tentos de couro. Tetos de macega, ou de Santa Fé, apertados com couro cru, portas e janelas de couro, bancos e cadeiras de couro, botas de couro cru de garrões de animais cavalares sacrificados só para isso, os correames, os arreios, as camas, as pirogas de passar os rios que não davam vau, às quais chamavam de 'pelotas', segundo atestam hoje os nomes de dois rios - Pelotas - que interceptam a primitiva estrada dos tropeiros e dos guerreiros daqueles recuados tempos, o rio que liga as lagoas Mirim e dos Patos e o rio Uruguai na sua parte mais alta. Faziam os campeiros uma armação de madeira, em forma de semicírculo e bem adaptado a ela secavam o couro de uma rês, que suportava perfeitamente o peso de um homem com os arreios. Atirava o campeiro o seu cavalo ao rio, e preso ao rabo fazia-se rebocar pelo bucéfalo resfolegante até a margem oposta. É fácil de imaginar o espetáculo bárbaro de um exército ou de uma tropa nesse transe. Baús de couro e até obras de arte primorosas de couro cru.”

O comércio do couro

Nessa época em que o animal era o principal veículo de transporte, em que a vida urbana era diminuta, fazia a população rural grande consumo do artigo, em múltiplas utilidades. Não se conheciam então tecidos impermeáveis, papelões e outros produtos que eram supridos pelo couro.

No Brasil exportaram-se couros e peles durante todo o período colonial. Segundo Antonil, o couro em cabelo, valia, em 1710, 50% do preço do boi. Aqui, além dos usos mais conhecidos, era ainda o artigo empregado, em larga escala, para encourar o rolo de fumo destinado à exportação e, mais tarde, foi utilizado para o fabrico de surrões para acondicionamento do açúcar e outros produtos. Negociavam-se couros salgados, secos, atanados e meios (meio-couro) de sola.

A sua procura era tão intensa e tão grande movimento teve a criação nas regiões platinas, que ali, antes do estabelecimento da indústria do charque e dos modernos frigoríficos, matava-se o gado só para aproveitamento do couro.

Antonil (1711) dá o orçamento do preparo do artigo curtido e o custo final do meio de sola posto em Lisboa:

Vale cada couro em cabelo .....2$100
De o salgar e secar.....................$200
De o carregar ao curtume .........$040
De o curtir.................................$600
Importa tudo............................2$940
Um meio de sola vale..............1$500
De o carregar à praia.................$010
Do frete do navio.......................$120
De descarga para a alfândega....$010
Por todos os direitos..................$340
Importa tudo............................1$980

Não tardou que os platinos viessem fazer concorrência, no Rio de Janeiro, ao couro nacional. Acorreu, solícito, o Governo português em defesa do Erário Real e um Alvará de 1680 proibia o consumo de sola no Brasil que não fosse fabricada dentro do reino. É de supor que a abundância e o baixo preço do artigo, na bacia do Prata, tivessem também influído no ânimo real para a instalação da Colônia do Sacramento, nesse mesmo ano.

Todas as fazendas de criar pagavam dízimos de acordo com a sua importância e produção. Na nova Colônia do Sacramento, a maioria dos couros exportados, era, porém, proveniente de gado bravio caçado nos pampas, quando não do contrabando das possessões espanholas para ali levados pelos índios. Escapavam assim aos dízimos; daí a solicitude do Governo Real criando, em 1699, os quintos do couro da Colônia do Sacramento, e determinando que todo o artigo ali produzido fosse exportado para o Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano lançavam-se novos impostos sobre os couros importados de Buenos Aires.

Em 1702 é adjudicado o contrato das vendas dos quintos dos couros reais por 6 anos a 60.000 cruzados anuais, mais de 1.000 contos de réis em poder aquisitivo de hoje.

Em 1729 já o couro valia menos e a adjudicação foi feita na base de 500 réis, cruzado e quarto, por peça exportada.

Em 1705, o contrato dos quintos dos couros era arrematado pelo tropeiro Cristóvão Pereira de Abreu. Em 1732 o ajuste estabelecia 550 réis por couro de boi e 400 réis pelo de vaca ou novilha.

Em 1747 as rendas dos quintos dos couros da Colônia do Sacramento subiam a mais de 40.000 cruzados anuais.

Em 1758, por decreto de 8 de abril, proibiu-se o despacho nas alfândegas de “solas e atanados fabricados fora desse reino”, sob a alegação de que as proibições anteriores relativas ao uso de sola estrangeira não estavam sendo devidamente cumpridas.

O comércio do couro brasileiro continuava importante. Em 1759 a frota da Companhia de Comércio do Pará-Maranhão levava: 171.000 meios de solas, 96.640 couros em cabelo e 29.000 atanados.

O valor aproximado desse carregamento seria de 200.000 libras esterlinas, correspondentes a mais de 40.000 contos, poder aquisitivo atual. Nesse carregamento incluíam-se principalmente artigos de outras capitanias e a produção de mais de um ano.

O Alvará de 14 de abril de 1757 constituiu ainda uma demonstração da atenção que esse comércio estava merecendo da metrópole; essa ordem real estabelecia limite de fretes para o reino, “sem diferenças de portos”. Da Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco, os máximos.

Para couro em cabelo........................................................ 300 réis
Para atanados..................................................................... 400 réis
Para meio de sola............................................................... 200 réis

Em 1761 um decreto real procurava favorecer a exportação desses artigos para o exterior, isentando-os de direitos de entrada e de saída. Em 1766 os fretes para os reinos foram reduzidos para:
Couro em cabelo e atanados............................................... 250 réis
Meio de sola........................................................................150 réis

Preparo e exportação

Roland de La Platière, em interessante trabalho publicado em Paris, em 1790, faz uma análise dos processos de criação de bovinos no Brasil, da preparação e comércio de couros aqui e no Prata.

Acentua que os couros do Norte eram de preferência salgados, enquanto que os do Sul, Rio de Janeiro e Buenos Aires eram secos, influência talvez da carência do sal no Sul.

Para secá-lo, depois de retiradas as patas, parte da cabeça e rabo, era o couro limpo, esticado, estaqueado e exposto ao sol. O seu preparo requeria cuidados especiais, visando à uniformidade na espessura e ao aproveitamento da maior área; para transportá-lo, dobravam-no ao meio, no sentido do maior comprimento; os couros salgados eram dobrados pelo lado interno e empilhados.

Da Bahia e Pernambuco, exportavam-se também atanados de vacas e vitelas, principalmente para a Itália.

La Platiére acha que no Brasil se curtia mal, empregando-se matéria-prima inferior. Elogiava a cola forte, feita na Bahia, com os resíduos dos couros.

Em Portugal consumia-se o couro verde, sendo dali reexportado o brasileiro.

Couros secos

Dos secos, eram mais estimados os de Buenos Aires, melhor talhados e preparados; tinham o pêlo uniforme, ausência de furos no pescoço e cabeça de pequeno tamanho. Esta última circunstância era valiosa, e explicava a desvalia de certos couros; é uma parte que curte mal, e o couro era vendido a peso.

O seco era, no entanto, atacado por um inseto, a “Polilla”, que morre nos climas frios. Oferecia ainda o risco de aparecer com furos, quando submetido ao banho de cal para perder os pêlos: atribui-se tal defeito à possível fervura ao sol de bolhas de sebo impregnadas no couro e que o destruíam nesses pontos.

Rouen, Amsterdã e Flandres eram os principais mercados para o artigo.

Rouen, porto distribuidor para a França, procurava peças de 32 libras (15 quilos). Amsterdã e Flandres preferiam-nas mais leves, de 27 libras, tendo em vista menor capital de movimento na exploração dos curtumes.

Valiam nessa época os couros secos, em Lisboa:
Peça na base de 32 quilos a 65 réis por libra................... 2 080 réis
Frete do Brasil................................................  ................... 260 réis
Despesas de embarque........................................................ 140 réis
Total...................................................................................2.480 réis

Couros salgados

Nessa espécie, os mais afamados eram os de Pernambuco. Procuravam-se os mais pesados, bem descarnados, sem patas compridas, bem espessos e de bom pêlo. Negociavam-se por peças, sendo a Itália, Flandres e Holanda os seus melhores mercados. Em Rouen, consumia-se pouco desse artigo, do qual exigiam o peso mínimo de 31 libras.

Seu preço era de:

No Brasil:
2.300 a 2.400 réis, peça de 31 a 32 libras.
Em Lisboa:
Valor posto a bordo em porto brasileiro.......................... 2 350 réis
Frete................................................................................... 260 réis
Despesas de reembarque.................................................... 160 réis
Total..................................................................................2.770 réis

Os couros secos eram mais baratos pela maior abundância oriunda da criação argentina. Os salgados, quase só brasileiros, tinham menor produção. Havana oferecia couros salgados de pior qualidade que os brasileiros.

Do Brasil se exportava muito couro seco pelo porto do Rio, originário, em boa parte, do Rio Grande.

La Platière atribuía ao Brasil uma exportação anual de 100 mil peças. É pouco. O balanço do comércio do reino de Portugal, para o ano de 1777, que a Biblioteca Nacional possui, em manuscrito, (1.13.2.52) acusa uma exportação de 288.069 peças, valendo acima de 561 contos de réis, ou sejam, mais de £ 150.000. Já mencionamos uma exportação de cerca de 200.000 peças em 1759.

Seja como for, não será exagerado avaliar-se em mais de £100.000 anuais a exportação do couro brasileiro durante o século XVIII.

Computando-se o consumo de carne no país, o uso do gado bovino como elemento trator, o largo emprego industrial do couro e os aspectos sociais e políticos decorrentes da atividade pecuária, compreende-se o valor da contribuição anual e permanente dessa exportação e os benéficos proventos que dela resultaram para a formação política e econômica nacional.22

A Colônia de Sacramento. As fronteiras meridionais

Uma valiosa conseqüência política do comércio de gado foi a definitiva integração de vastas regiões sulinas ao território pátrio. Em suas batidas à cata do gentio, já freqüentavam os paulistas, desde o início do século XVII, e, talvez, desde fins do XVI, as regiões da lagoa dos Patos. Ficou célebre a bandeira Aracambi em 1635. Em 1660, fundou-se a vila de São Francisco. Em 1675, ocupou-se a ilha de Santa Catarina e, em 1676, Domingos Brito Peixoto fundou Laguna. A ocupação desses portos se deve, principalmente, à necessidade da expulsão definitiva dos robusteiros, que se haviam instalado numa faixa da costa não policiada, quer por espanhóis, quer por portugueses.

A preocupação da Coroa de manter a primazia no comércio de couro, aliada à de estender os seus domínios até ao Prata, levaram-na, deli- beradamente, a fundar a Colônia de Sacramento. Para esse fim, D. Manuel Lobo contou com o apoio e auxílio dos paulistas e dos santistas.

O governador de Buenos Aires, numa violenta investida, destruiu a Colônia, em 1681. Portugal, forte na Europa, exigiu a restituição da Colônia à Coroa portuguesa, e de 1682 a 1704 esteve ela incorporada ao Estado do Brasil, alcançando apreciável desenvolvimento econômico.

Retomada pelos espanhóis, foi de novo restituída a Portugal pelo Tratado de Utretch, e de 1715 a 1762, exatamente na época do apogeu da mineração, esteve na posse dos portugueses. Nos campos que a ela ficaram incorporados, e que abrangiam grande parte da atual ilação uruguaia, muito se desenvolveu a criação de bovinos e muares.

Em 1725, João de Magalhães fixou-se no Rio Grande do Sul com fazendas de criar. Dessa data em diante, estimulados pela procura sempre crescente de gado, estabeleceram os portugueses duas cunhas de penetração: uma, partindo das margens do Patos, a outra, do Sacramento, visando à obtenção de maior área possível e a incorporação à Coroa portuguesa de novas terras de criar.

O Tratado de Madri, de 1750, as guerras do Sul de 1762 a 1777, o Tratado de São Ildefonso, de 1778, concorreram para que perdêssemos a Colônia de Sacramento; mas, em compensação, ficaram integradas no território brasileiro grande parte do atual Rio Grande do Sul e grandes regiões do Centro e Norte do País.

A incorporação das missões jesuíticas da margem oriental do Uruguai, que deveria ser feita pelo tratado de 1750, e que motivou as guerras contra os Guaranis, promovidas de 1753 a 1756 pelos exércitos aliados portugueses e espanhóis, só ocorreu de fato, definitivamente, em 1801.

O fundamento econômico da expansão no Sul foi, pois, o gado e a sua valorização, provocada pela mineração e pelo crescente consumo dos couros.

Para se aquilatar da importância da Colônia de Sacramento, basta verificar os contratos de arrendamento dos quintos do couro.23

As regiões do Sul tornaram-se as fornecedoras por excelência do gado muar e cavalar, cujo mercado crescera vertiginosamente com a indústria da mineração.

O gado que partia dos campos de Sacramento invernava, a princípio, nas imediações do Rio Grande e Pelotas e, depois, nas cercanias de Laguna, onde embarcava. Mais tarde, subia pela estrada de Ara- ranguá e invernava nos campos de Santa Catarina e Paraná, antes de chegar a Sorocaba, a caminho das Minas Gerais. Posteriormente, usava o caminho direto do interior, a que já aludimos.

Esse caminho atravessava os campos de Vacaria, depósito de gado mandado fazer pelas Missões jesuíticas, onde era criado à lei da natureza, servindo de reserva eventual às necessidades das populações. Campos idênticos foram encontrados ao sul de Mato Grosso. De todos eles tiraram grande proveito os colonizadores portugueses.

Gado cavalar

Nesse tempo, não havendo estradas de rodagem e escasseando os meios de transporte, o cavalo exercia relevante função na evolução ecônomo-social. Daí a preocupação da sua criação no Brasil, onde representava o principal meio de condução e o elemento indispensável nas vilas, nos engenhos, nas fazendas de criar ou no comércio de gado. A sua importância ainda mais se avolumou com a penetração nos sertões do Nordeste, do Centro e do Sul.

Criavam-se cavalos em todas as Capitanias, principalmente no interior do Maranhão e Piauí. Relatam as crônicas o grande apreço em que eram tidos os animais de raça, pelos senhores de engenho.

Indispensáveis às forças armadas, Portugal vinha também buscá-los aqui, durante o século XVII e parte do XVIII, para as suas campanhas e montarias na África. Abundam as Cartas Régias incentivando esse comércio. Tornou-se obrigatória a inclusão de cavalos na carga de todos os navios que do Brasil demandassem Angola. A Carta Régia de 14 de dezembro de 1666, participando a vitória do governo de Angola, ordena que para ali se mandasse o maior número possível de cavalos. A de 16 de setembro de 1668 ordena que os navios que saíssem do Estado do Brasil para o Reino de Angola levassem na razão de 100 toneladas de arqueação, 2 cavalos para os serviços das tropas. Cartas Régias e Provisões de 1706, 1707, 1712, 1715, 1719, 1720, 1721, 1722, 1726, 1753, 1754, repetem reiteradamente a recomendação de que não partisse embarcação alguma para Angola sem conduzir cavalos. A de 1726 determina que quando algum navio, por sua pequenez, não pudesse transportá-los, fosse obrigado o seu senhorio a conduzir, por sua conta, em outra qualquer embarcação, o cavalo que não coubera na sua.

Com a instalação da nova Colônia de Sacramento, surgem também as Cartas Régias determinando a remessa para ali de grande cópia desses animais (1694-1699).

A mineração. Tropas e tropeiros

A mineração ia promover a fundação das primeiras cidades no interior do Brasil. Pela natureza da indústria, exigia a concentração de massas consideráveis de mineradores em determinados pontos. Daí surgiram os núcleos de habitações, as vilas e as cidades. A indústria da criação, anterior àquela na ocupação do interior do país, atuava, no entanto, como elemento de rarefação de populações.

Essas aglomerações de mineiros exigiam vultosos transportes de artigos para os seus consumos e instalações; na própria exploração das minas usava-se gado muar em abundância e o transporte do ouro, com sua comitiva de guardas, incrementava a sua utilidade.

Acentuou-se, então, a vantagem do emprego das mulas, surgindo a figura do tropeiro que, durante dois séculos, exerceria relevante função nas ligações de nosso interior, onde até hoje, em vários lugares, é o elemento indispensável à manutenção das comunicações.

Dos campos da Colônia de Sacramento, dos de Viamão, das missões espanholas, acorriam as tropas e muares, transportadas via Laguna. Em 1738, o grande tropeiro paulista, Cristóvão Pereira, que, três anos antes, socorrera militarmente a Colônia de Sacramento, na sua épica resistência contra as acometidas espanholas, abriu o caminho direto pelo interior, ligando os campos de Curitiba, através das coxilhas rio-grandenses, até às margens do Prata.24

Partindo do Rio Grande do Sul, “das alturas de S. Antônio da Patrulha declinaram para oeste, por S. Francisco de Paula, pontas do rio das Antas, Vacaria, primeiro passo do rio Pelotas (Uruguai superior), Lajes ou vacaria catarinense; e daí em diante pelo caminho de Francisco Faria até o Iguaçu e pelos campos do Paraná, seguindo, talvez, a trilha dos bandeirantes, ou pontos de Tibaji, Itararé e Sorocaba, o ponto terminal dessa viagem extenuante de dois mil quilômetros mais ou menos ao passo das bestas. Iam esses pacientes tropeiros fazendo invernagens pelo caminho, nos pontos mais indicados. Antes de atravessarem a barra do rio Grande, que deveria exigir enorme sacrifício aos animais e depois de atravessarem também a nado o Pelotas do Sul; depois, outra inverna gem na vacaria rio-grandense, antes de atravessarem o Pelotas do Norte; depois, nos campos do Paraná, aproveitando as águas do Tibaji, e por fim em Sorocaba, a grande feira do terceiro e princípios do quarto séculos da nossa vida de nação”.25

O comércio de tropas no Sul tomou cada vez maior incremento, alcançando as boas mulas o preço de 12$000, equivalente, a mais de 500$000 em moeda de poder aquisitivo de hoje. Em consequência, começou a perecer o comércio de cavalos e as fazendas de sua criação nos sertões da Bahia, do Maranhão e do Piauí sentiram logo a sua repercussão, não encontrando o fisco, no ano de 1757, arrematadores para os seus dízimos.

Surgiram os protestos dos criadores. A Carta Régia de 19 de junho de 1761 procurou sanar bruscamente esse mal. Ei-la:

“Conde de Bobadela, Mestre-de-Campo, General dos Meus Exércitos, Principal Comissário e Plenipotenciário da Divisão dos Limites da América Meridional das partes do Sul, Governador e Capitão-General das Capitanias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Amigo. Eu el-Rei vos envio m. saudar como aquele que Amo. — Sendo-me presente que pelo costume que de anos a esta parte se tem introduzido no continente do Estado do Brasil de fazerem os moradores dele os seus transportes em machos e em mulas deixando por isso de comprar os cavalos; de sorte que se vai extinguindo a criação deles; por não terem saída, em grave prejuízo de meu Real serviço, e dos criadores, e Bem Comum dos lavradores dos sertões da Bahia, Pernambuco e do Piauí. E atendendo ao que por eles me foi representado: Sou servido ordenar, que em nenhuma cidade, Vila ou lugar do Território dos vossos Governos se possa dar despacho por entrada, ou por saída a machos ou mulas. E que antes pelo contrário, todos e todas as que neles se introduzirem depois da publicação desta, sejam irrimissivelmente perdidos e mortos pagando as pessoas em cujas mãos forem achados os sobreditos machos ou mulas, a metade do seu valor, para os que os descobrirem. Nas mesmas penas incorrerão as pessoas que de tais cavalgaduras se servirem ou seja em transportes, ou em Cavalaria, ou em carruagens, depois de ser passado dum ano, que lhes concedo para o consumo dos que atualmente tiverem já, sendo matriculados para se conhecerem. E para obviar as fraudes, que se podem maquinar contra esta Minha Real Determinação, Vos ordeno que logo que receberes esta, e depois de a fazeres publicar por Editais afixados nos lugares públicos dessa capital, e das demais povoações dessas Capitanias: Passeis as ordens necessárias para que se faça um exato inventário de todos os machos e mulas que se acham nos distritos desses Governos com a declaração das suas idades e sinais para por eles serem confrontados os que de novo aparecerem; e se proceder na execução desta Minha Real Determinação contra as transgressões desta pela prova que resultar das ditas confrontações. O que tudo executareis e fareis executar com a exatidão que de Vós confio. Escrita no Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, a 19 de junho de 1761. (a) Rei”.

Tão absurdas disposições não poderiam prevalecer por irem de encontro a irreprimíveis determinismos econômicos. Cartas Régias de 1764 procuraram atender à reação verificada, estabelecendo nas fazendas a obrigação de uma quota mínima de criação de cavalos, estimulando, ao mesmo tempo, a de muares dentro das fronteiras portuguesas, dificultando a entrada dos de procedência espanhola.26

Era avultada essa importação, pois a criação nacional não supria suficientemente à crescente procura.27

Mas, à medida que se concentravam as populações da zona de mineração, era natural que aí se fundassem estabelecimentos agrícolas e principalmente fazendas de criar para atender às crescentes solicitações de gado vacum e muar.

Os registros

Surgiu, então, outro aspecto da questão. Foram os protestos dos governadores das Capitanias de São Paulo, receosos do decréscimo das rendas arrecadadas nos registros de Curitiba pela passagem do gado muar, cujo comércio ameaçava diminuir com o declínio da mineração e com o estabelecimento da criação na própria região das minas.

A troca de correspondência entre D. Luís Antônio de Sousa, capitão-geral da Capitania de São Paulo e o vice-rei do Estado do Brasil, de 1769 a 1773 , extraída dos Documentos Interessantes do Arquivo do Estado de São Paulo, elucida essa circunstância.28

Não obstante os receios manifestados pelo fisco, incrementou-se sempre a corrente de comércio do grande agente de transporte do interior do Brasil.

Mesmo após a Independência, houve vários anos em que a maior renda da Capitania de São Paulo provinha dos registros do Rio Negro, Guarapuava e Sorocaba.29

Para se aferir da repercussão política de tal comércio, basta citar que uma das causas apontadas para a Revolução dos Farrapos, em 1835, fora a desses direitos de entrada do gado rio-grandense nas outras províncias, julgados excessivos, como de fato o eram, pelos criadores gaúchos.30

E todos os centros de comércio do interior, onde a distância ou acidentado do terreno não permitiam o carro de boi, lá ia o tropeiro preencher a sua insubstituível função. Avolumou-se de tal forma o comércio de mulas, que se instituiu a grande Feira de Sorocaba, cuja importância culminou em princípios do século XIX e onde se reuniam representantes do Norte, Nordeste, Centro e Sul brasileiros.

Outras raças e espécies de gado

Assim como os bovinos, os eqüinos eram de origem peninsular, onde predominavam as raças galegas, célticas, lusitanas e andaluzas, com evidente mescla de origem árabe.

Os asininos eram espanhóis e africanos.

Importaram-se também, na Colônia, os suínos, ovídeos e caprinos, em todos predominando as raças ibéricas.

Desse gado menor, o suíno foi o que tomou maior desenvolvimento.

Feiras de gado

Graças à intensificação do comércio de gado e ao aumento das populações, a partir do século XVIII, foram surgindo várias feiras: de Santana, Curralinho e Candeúba, na Bahia; Itabaiana e Brejo d’Areia, na Paraíba; Campos de Santana e São Cristóvão, no Rio de Janeiro; Itapemirim-mirim, no Maranhão; Três Corações do Rio Verde, Benfica e Sítio, em Minas; Sorocaba, em São Paulo. Esta, a mais importante feira de gado em fins do Brasil colonial, foi descrita por Saint-Hilaire:

“Grande parte dos animais muares da feira é trazida da província do Rio Grande. Essas tropas, manadas de bestas bravas, põem-se em marcha nos meses de setembro e outubro, época em que os pastos começam a reverdecer. Alguns negociantes fazem suas tropas viajar continuamente, chegando nos meses de janeiro, fevereiro e março. Outros deixam-nas se refazerem um ano inteiro nas proximidades de Lajes, em Santa Catarina. Os negociantes de Minas compram em Sorocaba suas mulas e as conduzem ao seu país, onde fazem amansá-las. Há anos que vêm 30.000 mulas do Rio Grande.

“Este comércio proporcionava ao governo somas consideráveis. Em 1820 pagavam-se 3$500 por mula vinda do Sul. Dessa importância, 1$000, pertencentes à província do Rio Grande, deveriam ser pagos no registro de Santa Vitória (margem do rio Pelotas), na divisa da Capitania. Para facilitar o comércio, permitia-se que tudo fosse pago em Sorocaba. Em Santa Vitória, dava-se aos negociantes permissão de passagem, recebendo estes uma guia em que se achavam registrados o número e natureza dos animais, mediante a entrega de obrigações, tiradas em triplicatas, do valor do imposto. Uma dessas vias era enviada ao recebedor de Sorocaba, outra ao governador da Província do Rio Grande, a terceira à Junta da Fazenda Real, em São Paulo, que deveria fiscalizar essa arrecadação, recebê-la do coletor de Sorocaba e liquidá-la com o governo da província do Rio Grande, por intermédio da Junta da Fazenda Real local. Dos 2$500 restantes, 1$250, os chamados “direitos do contrato”, eram arrendados cada três anos. Os últimos 1$250 eram chamados “direitos da casa doada”. Tinham sido originariamente outorgados a favor de quem havia aberto a estrada de São Paulo ao Sul. Mais tarde passou para a receita comum da província.31

“Quando os animais entravam em Minas Gerais, pagavam novos impostos.”

“As mulas sendo, na maior parte do Brasil, os únicos meios de transporte, gravá-las de tal maneira era por certo pouco favorecer o comércio e a agricultura, que, nesse país, necessita de tanto encorajamento”, comenta o sábio francês.

Réclus, depois de admitir que chegavam a se reunir 200.000 animais na feira anual de Sorocaba, salienta as palavras de Eduardo Prado sobre o papel que desempenhou na consolidação da unidade nacional, em virtude da reunião de interesses econômicos e comerciais, que logrou promover. A decadência de Sorocaba é atribuída, por esse escritor, ao aparecimento das estradas de ferro.

Aspectos da vida do tropeiro e do comércio de Sorocaba, no tempo da feira, são ainda focalizados por Abreu Medeiros, em suas Curiosidades Brasileiras.32

O consumo do sal

O sal, elemento essencial para a alimentação humana e produto indispensável para a criação foi desde os primeiros tempos importado de Portugal. No entanto, os forais concedidos por D. João III aos colonos e aos futuros moradores, nas várias capitanias, garantiam “a isenção para sempre de quaisquer direitos de sisas, impostos sobre o sal ou outros quaisquer tributos não constantes da doação do foral”.

No período da guerra holandesa, descobriram-se salinas em Mossoró e no Ceará. No vale do rio São Francisco, apareceram os barreiros salgados que poupavam aos criadores as elevadas despesas com o produto.

Na descrição do Estado do Maranhão, Pará, Corupá e Rio das Amazonas, de Maurício de Heriarte (1662 - 1667), lê-se na parte referente ao Maranhão:

“Só em Jaguapipora se conserva uma aldeia grande (de índios), de que é principal o Copaúba, que tem o cuidado de beneficiar umas grandes salinas, que estão no Maracaná, ou Guatapu, que dão quantidade de sal, que faz por conta de S. Majestade.”

Segundo Soutomaior, a renda das salinas, no Maranhão, produzia 2.000 cruzados (primeira metade do século XVII). Aí, sob a direção dos jesuítas, chegaram os índios a retirar cerca de 5.000 alqueires de sal.

Com o desenvolvimento da Colônia, começou a se tornar interessante para o Erário Real o monopólio de sal no Brasil e, a exemplo dos demais, o seu estanco era geralmente arrematado por contratadores, que se obrigavam a uma contribuição anual fixa à Fazenda Real.

A metrópole “proibiu que as águas salgadas se fizessem secar, para com isso obter o sal, em prejuízo das marinhas de Setúbal, da Alverca ou da Figueira. As primeiras proibições dataram de 1665; mas a Carta Régia de 28 de fevereiro de 1690 dispôs positivamente que, havendo Jacques Granate arrematado o contrato do sal para o Brasil, ficava neste país proibida a fatura dele, e até o aproveitar-se do que a natureza produzisse, coalhando-o em salinas ou lagoas. O contrato era tão lesivo aos povos que de meia pataca o alqueire, conforme se pagava antes, havia depois dele subido até a cruzado, o que era enorme, ainda tendo em conta a depreciação de valor operada no numerário. O resultado foi abrir-se mão dessa indústria, tão natural para o Brasil (por demandar poucos braços e muito sol) que em alguns sítios, como em Cabo Frio, se apresenta ele fabricado por si mesmo.”33

Rodolfo Garcia, em uma de suas admiráveis anotações à obra de Porto Seguro, elucida:

“Em 1658 e seis anos seguintes fora contratador no Rio de Janeiro Luís de Pina Caldas. Por Cartas Régias de 14 de março de 1676 foi determinado que o sal não ficasse mais em contrato, mas por conta da Fazenda Real; e tomando-se depois nova resolução, se ratificou a Manuel Dias Filgueira a arrematação dele, em 28 de julho de 1703. - Pizarro, Memórias históricas, 2, 155. Em 1727 Bento da Cunha Lima arrematou o que restava de um contrato anterior, e meses depois, a 50.000 cruzados por ano, os seis anos seguintes a 1732. De 1744 a 1750 teve-o Luís de Abreu Barbosa a 90.000 cruzados anuais. De 1750 a 1756 Baltasar Simões Viana, por 49.000 cruzados. Em 10 de outubro de 1755 se havia arrematado por seis anos a José Álvares de Sá; mas em 7 de março de 1758, pelo mesmo preço e também por seis anos, com três associados. Em 1764 juntaram-se quatro sócios, que o arremataram por outros seis anos, na razão de 41:005$000. - conf. citado vol. II da 1a ed. desta História, ps. 289 - (G).”

É no fim do século XVII que se inicia o movimento do rápido aumento da população do Centro-Sul da Colônia, atraída pelas minas e o crescente interesse pela criação. Como consequência, registraram-se grande incremento no consumo do sal e a incapacidade dos contratadores de acompanharem a curva ascensional da sua procura.

Não obstante a renda já auferida com o estanco, a metrópole viu, nessa procura do artigo, um meio de obter, por adicionais, novas rendas de que carecia. O sal era artigo de grande consumo, fácil tributação e arrecadação.

Surgiram os protestos dos povos e começaram também, paralelamente, a repontar os das Câmaras das Capitanias. 34 Com a insuficiência da navegação, davam-se ainda crises sucessivas de falta do produto, habilmente exploradas por atravessadores e pelos próprios contratadores.

Cartas Régias de 1698 a 1699 determinavam que, na falta da mercadoria, os oficiais da Câmara se entendessem com o administrador dos contratos de sal, para tirar o necessário das marinhas de Cabo Frio; o preço deveria ser arbitrado segundo sua qualidade, e de maneira que “os senhores das marinhas e o contratador tivessem algum lucro”.

A abertura das minas nos sertões da Capitania de São Paulo provocou a necessidade do guarnecimento e da fortificação do porto de Santos, para se evitar qualquer ataque de surpresa; criou-se, sobre todo o sal que por ali transitava, um imposto adicional e 1 cruzado por alqueire, destinado “às despesas da infanteria para guarnição da Fortaleza da Barra da Capitania de Santos” (1699).

Já existiam 160 réis de imposto para honorários e soldo dos governadores, cobrados em todas as Capitanias, elevando o preço do contratador de sal, de 720 réis o alqueire para 880 réis. Contra esse preço, representaram os oficiais, da Câmara do Rio de Janeiro, que o classificavam de excessivo “e prejudicial aos moradores e aos povos pobres e cativos que por sua carestia comem muitas vezes sem sal”.

A essa carestia também se atribui o uso da canjica, cujo preparo dispensava esse condimento, como base da alimentação dos paulistas.

A pecuária na formação econômica brasileira

Alongamo-nos, talvez em demasia, sobre vários aspectos da indústria pecuária nos tempos coloniais, para melhor acentuar o salientíssimo papel que desempenhou na formação econômica brasileira.

Primeira retaguarda econômica dos engenhos de açúcar, promoveu nos séculos XVI e XVII a ocupação de uma vasta região do sertão.

O avanço irregular dos limites baianos e pernambucanos, por trás de outras capitanias e pelo vale do São Francisco, originou-se nas sesmarias concedidas para a criação estimulada pela procura de gado em São Salvador e Recife, os dois principais mercados consumidores do primeiro período colonial.

Com a expansão para o Norte, formaram-se estados como Piauí e Maranhão, cujas lindes foram evidentemente subordinadas à ocupação das planícies e dos vales dos rios, pelas fazendas de criar e pelas concessões das sesmarias decorrentes dessa ocupação.

O critério geométrico da primitiva divisão de D. João III foi vencido, no interior, pelo determinismo econômico.

No vale do São Francisco, que se constituiu, na frase de Capistrano de Abreu, “o condensador por excelência da população sertaneja”, encontraram-se os elementos paulistas com os que vinham do Norte.

Essa formação pastoril permitiria mais tarde o socorro alimentar à industria de mineração. Não sendo as suas reservas suficientes e tampouco em situação geográfica adequada para a sua dupla função, junto às indústrias açucareira e mineradora, socorreram-se os paulistas do gado do Sul, criando ali a grande procura, que ia justificar, economicamente, a ocupação definitiva das regiões de Vacaria, Mato Grosso, Campos Gerais de Curitiba, Guarapuava, Vacaria do Rio Grande, Viamão, Tapes e das Missões. Foi, portanto, o ciclo do gado o fator econômico gerador da expansão sulina e da formação de nossas lindes meridionais.

A princípio, era o gado bovino o elemento principal, na indústria pecuária colonial. Seguiu-se-lhe o gado cavalar, de tão acentuado valor antes do aparecimento do veículo motorizado. Surgiram, enfim, no século XVIII, a tropa muar e a figura estóica do tropeiro, o grande assegurador dos meios de comunicação nos séculos XVIII e XIX e que até hoje tão importante papel desempenha em várias regiões do Brasil.

Foi o gado o elemento de comércio por excelência em toda a hinterlândia brasileira, na maior parte da fase colonial.

Indústria muito mais pobre, relativamente, que a do açúcar, apresentava, porém uma feição caracteristicamente local, formadora de gente livre e com capitais próprios. A indústria açucareira, com outra organização social, funcionava, em grande parte, com capitais da metrópole, aos quais eram atribuídos os seus maiores proventos. A produção da pecuária e o seu rendimento ficavam incorporados ao país.

As suas feiras, entre as quais avultava a de Sorocaba, exerceram uma função inconfundível na formação da nossa infra-estrutura econômica unitária, antes da Independência.35

Se a indústria mineradora originou o rápido crescimento da população e a construção das cidades no interior, foi por intermédio da pecuária e dos laços criados pelo comércio do gado bovino e cavalar, pelos transportes organizados pelas grandes tropas muares que se estabeleceram elos indestrutíveis na unidade econômica brasileira.

A pecuária goza da faculdade peculiar de ocupar grandes áreas com pequena população; é uma indústria extensiva por excelência. Desaparecido o interesse da caça ao bugre, e extinta praticamente a mineração, foi a pecuária que consolidou economicamente a ocupação de vastíssimas regiões do país, as quais, sem ela, teriam sido, talvez, condenadas ao abandono. Foi ela igualmente que amparou as populações do Sul entre o fim da mineração e o advento do café.

Alargadas as fronteiras econômicas, ocupadas as vastas regiões dos sertões brasileiros, as economias e os capitais nacionais estavam representados, em fins do período colonial, nos engenhos, na escravaria e na pecuária. Foi a acumulação destes dois elementos, pela mineração, que facilitou a rápida expansão da cultura cafeeira, cultura esta que, por sua natureza especial, exigiria fartos braços e amplos meios de transportes.

Não se houvessem acumulado no Centro-Sul brasileiro essas massas de gente e de gado, e não teríamos os elementos suficientes ao desenvolvimento de outras atividades, à expansão da cultura cafeeira e ao reerguimento econômico do país, na era de reajustamento, quando o declínio da mineração e a concorrência de outros países produtores de açúcar ocasionavam a crise econômica, nos fins do século XVIII.

O gado alcançava maiores preços nos mercados consumidores do Norte, até o terceiro quartel do século XVII; passou a valer mais nos centros consumidores do Sul, a partir da mineração.

Dentro do ciclo da pecuária, também se manifestou, no Sul, a preponderância econômica do matuto e do gaúcho sobre o sertanejo e vaqueiro do Norte.

Na elaboração de todos esses fatos econômicos, teve magna par's o expansionismo paulista, cujo estudo será objeto de nossas próximas conferências.

Notas

4 Em 1800, a lã representava, na Europa, 75% da matéria-prima utilizada na fabricação de tecidos, o linho 20% e o algodão 5%. Em 1900, já o algodão entrava com 70%, a lã 22% e o linho 8%. A “Mesta”, que existiu acerca de 600 anos (1223-1836), era um grêmio dos criadores de ovelha de Castela, e representou um grande esforço no sentido de fomentar a produção e o comércio de uma matéria-prima então essencial. Foi utilizada como um fator de unidade nacional, na Espanha.
5 Em Pernambuco, segundo Koster, um bom estabelecimento carecia quarenta negros adultos de ambos os sexos, outros tantos bois e igual número de cavalos. Henri Raffard, na sua Indústria Sacarífera no Brasil, admite para os engenhos número igual de escravos e de bois, mas prevê a renovação total dos últimos cada três anos.
6 Vide a propósito a "Descrezão da fazenda que o Colégio de Santo Antão tem no Brasil e de seus rendimentos", do padre Estêvão Pereira, S. J., a que já nos referimos no capítulo V.
7 Do ilustrado patrício Sr. Aurélio Porto recebemos a seguinte missiva: “Rio, 29 de julho de 1937. “Ilm2 Sr. Prof. Dr. Roberto Simonsen. “Preclaro e ilustre patrício. “Recebi com vivo prazer e li o trabalho que teve a gentileza de me enviar e com o qual aprendi também alguma coisa, não obstante as largas indagações que tenho feito nos arquivos sobre as origens do “gado crioulo” do Rio Grande do Sul. E essa confissão bastaria para significar o valor do seu brilhante estudo. Mas, não devo fugir às contingências de sua solicitação gentil e é por isto que lhe envio as despretensiosas notas, tomadas à pressa, de um grande acervo documental que possuo sobre o assunto. “Tenho também o prazer de lhe enviar os três primeiros fascículos do “Dicionário Enciclopédico” que estou organizando, onde encontrará mais algumas notas sobre aspectos econômicos do Rio Grande do Sul. “Inteiramente às suas ordens e me felicitando pela honra de conhecê-lo pessoalmente, me subscrevo. (a) Aurélio Porto”.
8 Oliveira Viana - A Evolução do Povo Brasileiro.
9 Capistrano de Abreu - Capítulos de História Colonial.
10 Capistrano de Abreu — Op. cit.
11 Capistrano de Abreu — Op. cit.
12 Esta explicação foi-nos fornecida pelo nosso erudito mestre, Dr. Rodolfo Garcia.
13 "... e para que tenha em tudo mui pontual observância esta minha disposição me parece ordenar-vos (como por esta o faço) encarregueis ao procurador e administrador das ditas Minas, examinem se entram nelas algumas coisas vindas das ditas Capitanias pelo sertão e que tendo notícia disso, dêem logo buscas e façam autos e tomem por perdido tudo o que assim for achado, aceitando para esse efeito denunciações ainda em segredo, e procedendo em tudo na forma que nesta parte se dispõem no Regimento da Alfândega desta cidade, sobre as fazendas e que as mesmas denunciações declareis se possam dar as justiças e vos recomendo apertadamente que pelos lados dos sertões, se impeça com toda a vigilância estas comunicações. Escrita em Lisboa, a 7 de fevereiro de 1701. REI.”
14 “Dom Álvaro da Silveira de Albuquerque”. Eu EL-REI vos envio m. Saudar. Para que essa Capitania e as mais do Sul abundem em gados, e se possa prover com eles as minas, sem lhe ser necessário abrir porta delas para a Bahia e evitarem-se os descaminhos que desta Comunicação podem resultar os quintos de ouro. Me pareceu ordenar-vos deis de Sesmaria a maior parte que vos for possível das terras dos Campos das minas que se estendem para a parte dessa Capitania até junto a serra dos Órgãos a que mais perto for do Rio de Janeiro, com a obrigação de cada um dos donatários pôr um curral de gado dentro de dois até três anos no sítio que se lhe der, por se entender que com a fertilidade destas terras abundarão essas capitanias em gado e a Fazenda Real terá um grande lucro nos dízimos. Escrita em Lisboa, a 7 de maio de 1703. (a) REI.
15 Southey - History of Brazil.
16 General Borges Fortes — Cristóvão Pereira.
17 Bando do Governador de São Paulo, de 17 de janeiro de 1725: “E quando assim os índios como os castelhanos daquela Pampa vierem às Povoações com gados e cavalgaduras os moradores os trataram com todo o carinho para que o negócio seja franco e quando se quiserem retirar-se lhes não proibirá a fazerem-no, salvo havendo presunção certa que possa ser prejudicial a sua retirada e nessa forma serão represados. “Também poderão ir à ilha de Santa Catarina comerciar com aqueles moradores levando os seus gados pelos campos daqueles distritos porque assim se poderão fazer nas campanhas muitas carnes secas para se transportarem para todos os portos, do que se segue a utilidade à real fazenda, e bem comum, e como na dita ilha é a barra mais franca com mais facilidade se poderão carregar nas embarcações não só carnes, mas bestas muares e por meio destes comércios se conservará a amizade dos minuanos com os portugueses.”
18 Bando de D. Rodrigo César de Meneses, Governador da Capitania de São Paulo, permitindo o transporte do gado vacum, do sertão de Curitiba e dos campos de Vacaria para as minas de Cuiabá. (8 de novembro de 1925) “Por ser conveniente ao real serviço de V. Maje q’ Ds. ge., e ao aumento das novas minas de Cuiabá, meter-se nelas gados vacuns para sustento dos mineiros, e mais pessoas, que se acharem naquele descobrimento, de que também resultará grande conveniência aos moradores desta capitania, os que quiserem mandar, ou levar, para as das minas do Cuiabá, e por me constar, que nesta dita capitania, há vários moradores que têm currais de gado no sertão da vila de Curitiba desta comarca, donde se podem conduzir, para as ditas minas de que lhe resultarão grandes utilidades, o poderá fazer toda a pessoa que quiser no tempo que lhe parecer mais oportuno, e também poderá amansar, e conduzir de paragem chamada Vacaria gados, para as ditas minas sem se lhe pôr impedimento algum.”
19 Em 1654, no Maranhão, a carne era vendida a 40 réis a libra, obrigando-se a Câmara a ficar com a que não era vendida. Ora, isso representa cerca de 90 réis o quilo, ou sejam cerca de 6$000 em poder aquisitivo de hoje. Em 1670, a carne baixou a 30 réis; em 1687, a 20 réis, em 1688 a 18 réis que representam cerca de 1$500, valor de hoje. Em 1727, o preço em São Salvador era de 640 réis a arroba, ou sejam mais de 2$000 em valor atual.
20 Para o estudo dessa origem, processos de seleção e fixação do gado nacional, natureza de climas e pastagens, que foge à alçada desta cadeira, vejam-se, entre outros, os trabalhos do professor Otávio Domingues, São Paulo, 1929; professor Nicolau Athanasof, São Paulo, 1910; Antônio da Silva Neves, 1917, Sociedade Nacional de Agricultura; Dr. Mário Maldonado, São Paulo; Urbino Viana, Rio, 1927; Virgílio Correia Filho, Mato Grosso.
21 Contreiras Rodrigues - Traços da Economia Social e Política do Brasil Colonial. É um estudo consciencioso e erudito sobre vários aspectos da nossa sociedade e economia até o século XIX.
22 Na Encyclopedia Métodique encontramos um “Tableau des Arts & Métierrs qui ont les peaux et cuirs pour objet, et qui les emploient”, que resumimos no Anexo V, por oferecer uma idéia da larga aplicação do artigo, na época, no continente europeu.
23 No inventário dos documentos relativos ao Brasil, existentes no Arquivo da Marinha e Ultramar, publicado por Eduardo Castro de Almeida, encontram-se sucessivas Cartas Régias dispondo sobre os pagamentos relativos a esses contratos.
24 General Borges Fortes - Cristóvão Pereira.
25 Contreiras Rodrigues — Op. cit.
26 Anexos II e III.
27 No admirável Roteiro do Maranhão a Goiás, escrito entre 1770 e 1780 e publicado no volume 62 da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, lê-se, à página 126: “Os nossos sertões, e mais capitanias, assim do Sul como do Norte, e não podem fornecer ainda quanto as minas carecem neste gênero. Pelo sul entram de Espanha muitas bestas muares; os mineiros, achando maior utilidade em se servirem delas, as preferem aos nossos cavalos, e de aqui se segue a soma considerável de ouro que passará à Espanha, e o baixo preço em que estão pelo sertão do Norte os cavalos, como são os da Bahia, Pernambuco, Ceará e Piauí. “Não se pode duvidar, que para conduções excedem as bestas muares aos cavalos; mas, também ninguém duvidará que a utilidade, que nas ditas conduções acham os mineiros servindo-se de bestas muares de Espanha deva ceder à utilidade do estado, o qual pede, que não saia dele para mãos estranhas o ouro, e que dentro de si mesmo se promova nos lugares mais convenientes, enquanto for necessário a criação deste gênero tanto em uma como em outra espécie.”
28 Anexos IV, V, VI, VII.
29 No Ensaio dum Quadro Estatístico da Província de São Paulo, organizado em 1838 pelo Marechal Daniel Pedro Muller, verifica-se que para uma receita presumível (1835-1836) de Rs. 292:701$359, figuravam nas rubricas:
Imposto e renda dos animais em Sorocaba............... 22:074$216
Carne verde e subsídio Literário............................... 19:170$442
Contribuição de Guarapuava................................... ... 9:596$140
Animais no Rio Negro............. ....................... ......... 81:869$950
Total..........................................................................132:710$748
30  Anexo IX
31 “No Vol. II dos Documentos Históricos, publicados pelo Arquivo Nacional, há uma Carta Régia, datada de 4 de maio de 1747, dispondo que em remuneração de serviços, fez D. João V mercê ao coronel Cristóvão Pereira da metade dos direitos que pagam os gados e cavalgaduras que entram na Capitania de São Paulo pelo registro de Curitiba, por tempo de doze anos, que seriam cobrados pela Provedoria de Santos, tributo que Cristóvão Pereira receberia trimestralmente.” (General Borges Fortes — Op. cit.).
32 Anexo X.
33 Porto Seguro - História Geral da Brasil.
34 Câmaras Municipais. — “João Francisco Lisboa fez notar, ainda que se referindo especialmente ao Maranhão e Pará, a importância que assumiram na história do Brasil as Câmaras Municipais. Mas o mesmo se pode dizer em relação às demais cidades do Brasil, e em especial do Rio de Janeiro e de São Paulo. Elas não só taxavam o preço dos salários e dos artigos de comércio, mas regulavam o curso e o valor da moeda; estabeleciam providências sobre toda a atividade econômica da Colônia; atreviam-se a impor ou a recusar tributos; deliberavam sobre a criação e localização das povoações e sobre a paz ou a guerra com os índios; prendiam ou castigavam funcionários; faziam alianças políticas entre si; e, finalmente, chegavam a nomear e a suspender governadores. Só nas cidades, como a Bahia e o Rio de Janeiro, onde residiu o governador-geral esta suprema autoridade da Colônia conseguiu preservar o seu poder do domínio das Câmaras Municipais, o qual nas demais capitanias se fez sentir com preponderância. Segundo Rocha Pombo, algumas Câmaras da Colônia chegaram a ter em Lisboa representantes efetivos” (Jaime Cortesão - História de Portugal).
35 A propósito de nossa tese, formação da infra-estrutura unitária econômica do Brasil, na era colonial, explanada nesta e em outras conferências, enviamos ultimamente a seguinte missiva ao Correio Paulistano: “Sr. Redator, O erudito publicista patrício, Dr. Afonso Arinos de Melo Franco, fez uma oportuna conferência no Salão Mendes de Almeida, em nossa Faculdade de Direito, sobre a “Unidade da Pátria”, que o seu conceituado jornal publicou, na íntegra, a 29 de julho próximo findo. “Quando se refere à influência do fator econômico na formação dessa unidade, na era colonial, o ilustrado conferencista adotou o método objetivo e as linhas fundamentais de estudo, que, sobre o assunto, lançamos, há cerca de um ano, no Curso de História Econômica do Brasil, da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo. “Muito nos desvanecemos ao verificar que essa orientação foi abraçada pelo jovem intelectual patrício. A gentil referência que fez aos nossos trabalhos leva-nos, porém, a uma explicação suplementar. S. Ss declarou: “Recentemente, Roberto Simonsen, em estudo documentado e minucioso, que só pode pecar, talvez, por excessivamente prudente, nos oferece a base mínima de trezentos milhões de libras para o valor da exportação do açúcar colonial”. “Tratando-se de uma avaliação feita entre nós pela primeira vez — pois que todos os nossos historiadores limitavam-se a referir números esparsos de arrobas exportadas em determinados anos, ou de engenhos instalados em certos períodos, ou, ainda, incidentemente, cotações do artigo em valor monetário da época — essa prudência se impunha. Mesmo Antonil (1711), dando o cômputo da exportação de um ano, não avaliou o das épocas anteriores. “Para as conclusões a que chegamos, alinhamos, pacientemente, todas as informações que pudemos colher e, organizando nossos gráficos e tabelas relativos ao século XVII, deparamos, para o petíodo áureo do açúcar, citações que nos pareceram em desarmonia com o número de engenhos em atividade, e com certos elementos de verificação de que dispúnhamos. Aplicamos a esses algarismos, que reputávamos elevados, um coeficiente redutor, de segurança, de 50%. “Documentos que recebemos após a divulgação de nossas conferências pela Escola de Sociologia, mostram que andamos acertados. “De fato, os números que sofreram esse ajustamento foram, principalmente, os indicados por Burlamaqui (1862) e Raffard (1884). Parece-nos agora, à vista desses elementos, que teriam chegado eles a esses elevados índices, provavelmente por terem multiplicado a exportação em caixas, na época em apreço, por 35 arrobas - capacidade adotada por Antonil, quando no Brasil holandês o peso habitual era de 20 a 24 arrobas. “As caixas, na era colonial, variavam, principalmente entre 20 e 50 arrobas. A referência de Antonil é um algarismo médio para a época em que escreveu. “Adotando o coeficiente de 50% sobre os maiores números de Raffard, ficamos, ainda, dentro da realidade — o que não teria acontecido se não agíssemos com tal prudência. “O conceito que nos merece o ilustre conferencista e sua valiosa contribuição à idéia que reputamos sagrada — da “Unidade da Pátria” — levaram-nos a esta explicação complementar, que será, estamos certos, generosamente acolhida, por essa ilustrada redação. - Do pattício, admirador e amigo, obrigado. - (a.) Roberto Simonsen. - São Paulo, 2 de agosto de 1937.”

Texto de Roberto C. Simonsen em "História Econômica do Brasil 1500-1820" Editora do Senado Federal, Brasilia, 2005, excerto pp. 196-234 & 238-241. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

LES GRAND MYTHE DES ROIS BRETONS

$
0
0



La royauté bretonne a été éphémère. Mais les ducs d’abord, puis le celtisme du xixe siècle firent de Nominoë et surtout d’Arthur de prestigieux ancêtres, capables de rivaliser avec les puissants souverains francs.

Hâte-toi de reporter ces paroles à ton roi [Louis le Pieux] : les champs que je cultive ne sont pas les siens, et je n’entends point recevoir ses lois. Qu’il gouverne les Francs ; Murman [Morvan] commande à juste titre aux Bretons, et refuse tout cens et tout tribut […]. Aussitôt que la France apprendra ta criminelle réponse, elle frémira d’une juste colère, et se précipitera sur tes états […], et le vainqueur triomphant se parera de tes armes. »

Ce furieux dialogue rapporté par Ermold le Noir dans ses Faits et gestes de Louis le Pieux1 traduit bien l’accès de fièvre entre Francs et Bretons dans les années 818-820 : incertain depuis le temps de Charlemagne lui-même, le contrôle de l’empereur des Francs sur les Bretons, assuré par une marche militaire centrée sur les comtés de Rennes et Nantes, requiert toutes les forces disponibles : l’insoumission bretonne n’est pas compatible avec la sécurité de l’Empire carolingien sur ses autres frontières.

UN POUVOIR FORT

Le ton véhément de l’abbé Witchaire, émissaire de Louis le Pieux envoyé auprès du roi breton Morvan, augure donc bien de l’issue du contentieux : Morvan meurt en combattant les armées franques, probablement près de Priziac, en 818. Wihomarc’h, un autre dignitaire breton, connaît le même sort en 825. Louis le Pieux pense bien alors pouvoir aboutir à la pacification et à l’acculturation tant recherchées en intégrant les chefs de guerre bretons dans des liens de service et de fidélité. Il impose également aux moines bretons, jusque-là restés fidèles à des usages celtiques, la règle bénédictine partout en vigueur dans l’Empire carolingien.

Mais, méfiant devant la capacité de résistance des aristocrates bretons, le Carolingien innove en nommant en 831 l’un d’entre eux, Nominoë, comme comte de Vannes et envoyé de l’empereur (missus) à la tête de ses frères de sang, alors que les territoires nouvellement soumis sont traditionnellement confiés à un commandement franc. Nominoë se comporte en gardien fidèle de la Bretagne, avant d’être obligé de défaire par les armes le successeur de Louis le Pieux, Charles le Chauve, qui tente de remettre en cause les équilibres locaux lors de la bataille de Ballon en 845.

Un pouvoir fort émerge donc en Bretagne durant le ixe siècle. Jusqu’alors, et depuis les derniers feux de l’Empire romain, le paysage politique de cette périphérie au contact des territoires des Francs était pluriel : l’émigration des Bretons au ve siècle depuis l’île de Grande-Bretagne, entraînée par le repli des légions romaines chargées de défendre le coeur de l’empire, n’a abouti à aucune royauté unitaire.

L’Armorique juxtapose alors trois royaumes (Domnonée au nord, Cornouaille au sud, auxquels s’ajoute rapidement le Vannetais) gouvernés par des roitelets qui incarnent avant tout des pouvoirs militaires et claniques. Nulle comparaison n’est possible avec la royauté sacrée que représente le pouvoir franc ou la royauté wisigothique d’Espagne.

C’est l’historiographie régionaliste bretonne, parfois exaltée, du xixe siècle, qui a fait de Nominoë le « père de la patrie » (Tad ar Vro), un unificateur des Bretons et un infatigable patriote. L’historien Arthur de La Borderie n’écrit-il pas : « Les vieux saints avaient fondé le peuple breton. Nominoë l’a constitué en nation2 » ? De fait, tué en 851 lors d’un raid mené en pleine Francie occidentale, fondateur d’une dynastie poursuivie par son fils Erispoë (851-857), puis son neveu Salomon (857-874), Nominoë est une personnalité complexe qui a incarné une réelle souveraineté.

Les dénominations changeantes de sa charge dans l’administration carolingienne prouvent toutefois qu’elle n’a jamais été assimilée par la chancellerie franque à un office de nature royale, alors qu’Erispoë et surtout Salomon sont nettement désignés du terme de rex par les clercs impériaux.

L’entreprise de Nominoë inaugure quatre décennies de paix précaire, marquées par plusieurs alliances formelles entre le Carolingien et le souverain breton en place, notamment le traité d’Angers après une nouvelle victoire remportée par Erispoë contre l’ost royal de Charles le Chauve en 851.

L’ancienne marche militaire franco-bretonne disparaît au profit d’un royaume breton institué sur une base ethnique, comme l’avait été la Bavière avant lui. Le roi des Bretons Salomon gouverne désormais des territoires étendus jusqu’au Cotentin, à la Sarthe et au pays de Retz, et incarne l’apogée de la royauté bretonne, sorte de vice-royauté autonome unifiée relevant du royaume de Francie occidentale à l’instar du royaume d’Aquitaine.

Mais l’éclat que représente le règne de Salomon débouche sur son assassinat en 874. Le déclin de l’expansionnisme breton est alors enclenché, et la royauté bretonne s’efface comme acteur politique de premier plan, victime des rivalités entre aristocrates. Le titre royal disparaît avant même la victoire d’Alain Barbetorte, arrière-petit-neveu de Salomon et héritier des derniers vestiges de son pouvoir, contre les Vikings venus du Nord en 937.

Cependant, le souvenir de Nominoë et de ses deux successeurs dynastiques n’est pas complètement oublié. Il ressurgit cinq siècles plus tard dans la Chronique de Saint-Brieuc, une compilation historiographique inachevée préparée dans l’entourage du duc Jean IV vers 1400.

On retrouve ensuite la royauté bretonne du IXe siècle dans les travaux de Pierre Le Baud et d’Alain Bouchart, deux chroniqueurs bretons proches de la cour ducale d’Anne de Bretagne au moment de ses mariages successifs avec les rois de France Charles VIII (1491) puis Louis XII (1499).

Leurs travaux ne sont pas neutres. Face à la volonté des rois de rattacher le duché à la France, ils exploitent la référence historique pour souligner que les Bretons sont des alliés particuliers des Francs, qui ne se sont jamais trouvés en situation d’infériorité. Le genre de la chronique universelle remontant traditionnellement à la Genèse et aux temps bibliques puis romains, ils jouent de l’antériorité de la présence bretonne en Gaule romaine et de l’ancienneté de leur christianisation par rapport aux Francs de Clovis pour fonder la légitimité et le prestige de l’autonomie bretonne.

Chrétien de Troyes n’est pas le seul auteur à évoquer la forêt de Brocéliande ou la fontaine de Barenton. Au milieu du xiie siècle, le chroniqueur Wace, familier de la cour Plantagenêt, témoigne dans le Roman de Rou de son voyage en Bretagne armoricaine pour y retrouver la trace des contes sur les merveilles de Bretagne entendus de la bouche de bardes bretons. Mais de l’aveu même de l’auteur, l’expédition fut vaine : « Je vis la forêt et je vis le pays ; j’étais en quête de merveilles, mais je n’en ai pas trouvé. Je revins aussi sot que j’étais parti. » Dans les romans arthuriens des siècles suivants, la forêt de Brocéliande réapparaît, notamment parce que la fée Viviane y retient Merlin prisonnier. Quant à la Bretagne elle-même, Chrétien de Troyes en fait à nouveau le théâtre d’une scène célèbre en localisant à Nantes, en présence du roi Arthur, le couronnement d’Érec à la fin du roman Érec et Énide.

Mais au-delà de ces indices médiévaux, l’association entre Brocéliande et la forêt de Paimpont est à imputer à un certain celtisme du xixe siècle qui, en réaction à l’unification territoriale française en cours, a participé de l’« invention des régions », comme en Provence ou en Occitanie. Il s’agissait alors de mettre en avant l’« âme celtique » contre les développements du rationalisme et de la révolution industrielle dans les domaines intellectuel et socio-économique.

Dans le prolongement ultérieur du celtisme, il revient au chimiste et bibliophile rennais Félix Bellamy d’avoir fixé, peu avant 1900, l’identification des lieux dans un ouvrage publié sous le titre aguicheur : La Forêt de Bréchéliant, la fontaine de Bérenton, quelques lieux d’alentour, les personnages qui s’y rapportent.

Ils célèbrent le légendaire couronnement royal de Nominoë, avec sceptre et diadème, et le montrent en bienfaiteur des églises, alors que Clovis lui-même est vite éludé (son baptême et son couronnement ne sont même pas rappelés), comme il l’était des Vies de saints du ixe siècle qui leur servent de repère. Au total, la magnanimité de Nominoë n’a d’équivalente que l’implication bienveillante dans les affaires bretonnes de Childebert, roi de Paris (511-558) et fils de Clovis, qui réorganise les diocèses bretons.

Cette prudence dans la mise en scène de deux pouvoirs souverains qui se respectent conforte l’hypothèse d’un traité d’alliance entre rois mérovingiens et chefs bretons, mentionné par Ermold le Noir et peut-être lié au règne de Clovis lui-même : les Bretons n’auraient pas eu de tribut à payer aux Mérovingiens voisins en échange de leur renoncement au titre royal, pour lequel les rois francs ne voulaient pas avoir de concurrents en Gaule.

L’objectif de ces chroniqueurs est double : démêler les aspects problématiques de la relation entretenue par les « rois, ducs et princes royaux de Bretagne » avec les rois de France, sensibles pour un duché jaloux de son indépendance, et rappeler la force des droits d’Anne de Bretagne sur son duché, où la loi salique propre aux Francs ne s’applique pas puisque le principe de la souveraineté y est d’une autre origine. Dans l’ensemble il fut atteint.

LA FIGURE DU ROI ARTHUR

Nominoë ne représente pas la seule référence à la royauté dans cette principauté particulière. Le plus grand mythe fondateur de la royauté bretonne durant les temps médiévaux est plutôt à rechercher du côté de la figure du roi Arthur, historicisé sous les couleurs de la chronique par Geoffroy de Monmouth dans son Histoire des rois de Bretagne (1138) et par le clerc normand Wace dans son Roman de Brut (1155).

Best-seller médiéval, l’oeuvre de Geoffroy de Monmouth rassemble un vaste matériau auquel elle donne l’apparence de l’épaisseur historique. Puisant à une double tradition écrite et orale qui fait d’Arthur un chef de guerre breton repoussant les assauts des envahisseurs saxons pour défendre la paix et la chrétienté dans l’île de Bretagne (la Grande-Bretagne actuelle) Geoffroy est le premier à l’ériger en roi conquérant, unificateur de la Bretagne insulaire et triomphateur de l’empereur romain lui-même.

Seule la trahison de son neveu Mordret terrasse ce roi élu de Dieu, alors que sa grande victoire sur les Saxons au mont Badon (483), lieu non identifié de Grande-Bretagne, a accordé un répit à ses sujets. Traduisant cette « matière » en ancien français, Wace est bien plus qu’un admirateur servile puisque c’est lui qui invente le thème de la Table ronde et de ses chevaliers.

Dès lors, la « matière de Bretagne », bien distincte de la « matière de Rome » (portant sur les héros de l’Antiquité) et de la « matière de France » (centrée sur Charlemagne et ses paladins), est lancée. Son immense succès, relayé par Chrétien de Troyes en France, mais aussi Béroul ou Thomas d’Angleterre de l’autre côté de la Manche, ne se démentira plus.

Cette matière apporte à l’image de la royauté bretonne ce que Nominoë ne pouvait lui offrir : des origines prestigieuses, une inscription dans la longue durée historique, un cycle de batailles glorieuses soutenant un véritable patriotisme breton avant la lettre, et un messianisme quasi identitaire.

En effet, au-delà d’Uther Pendragon son père, la généalogie d’Arthur remonte à Maximus, roi breton devenu empereur des Romains à la faveur des soubresauts militaires de l’empire au ive siècle, et surtout à Brutus qui, à l’instar de son arrière-grand-père Énée quittant l’antique cité de Troie en flammes pour aller fonder un nouveau foyer en Italie, aborde une île inconnue qui devient éponyme : la « Britannia » (Grande-Bretagne) des premiers Bretons.

L’exploitation du mythe des origines troyennes, reprise de l’Histoire des Bretons (Historia Brittonum) longtemps attribuée à un Gallois nommé Nennius (IXe siècle), est un grand service rendu par Geoffroy de Monmouth à la cause bretonne : l’ascendance troyenne est la référence des références au sein des cours royales médiévales (les Capétiens font la même chose avec Clovis descendant de Francion ou Francus, fils d’Hector), et elle donne une noblesse incomparable à tout ce qu’elle touche.



L’ILE MERVEILLEUSE D’AVALON

La richesse de la généalogie d’Arthur permet en outre de donner du lustre à la figure de Conan Mériadec, cousin de l’empereur Maximus qui l’installe comme roi à l’extrémité occidentale de la Gaule romaine pour en faire une « deuxième » Bretagne. Selon Geoffroy de Monmouth, après Arthur, la puissance de la royauté bretonne insulaire résiste encore aux Saxons jusqu’au roi Cadwalladr, mais ne se prolonge pas en Bretagne armoricaine.

Les ressorts de cette matière de Bretagne apparaissent donc inépuisables, et il ne faut pas s’étonner qu’elle ait revêtu une dimension populaire au Moyen Age. Wace évoque ainsi les conteurs bretons qui « disent maintes fables » sur Arthur et la Table ronde, et le troubadour occitan Peire Vidal réprouve en 1187 les moqueries que rencontre le thème de la survie d’Arthur dans l’île merveilleuse d’Avalon, l’île des fées, le monde des morts, après son abdication sur le champ de bataille de Camlann. A la même époque, Henri II Plantagenêt devient maître de la principauté bretonne. Il concède aux seigneurs bretons que l’héritier tout juste né chez son fils Geoffroy de Bretagne soit prénommé Arthur, en souvenir du grand roi. La référence à la royauté arthurienne a donc quelque chose de rassembleur dans une forme «panbrittonique».

A la fin du Moyen Age, la monarchie d’Angleterre revendique plus nettement ses origines arthuriennes insulaires pour les opposer à la France dans la guerre de Cent Ans. Arthur est donc repoussé du côté anglais, même si la grandeur de sa geste est appréciée de toutes les cours européennes. Cependant, en Bretagne, du temps des prédécesseurs immédiats de la duchesse Anne confrontés à la volonté des rois Valois de réduire leur puissance, il reste valorisé pour soutenir les prétentions du duc à l’autorité en son duché.

Non pas que la référence royale soit maintenue telle quelle : la Chronique de Saint-Brieuc expose « qu’il y eut un roi autrefois,/ Maintenant un duc qui a mêmes droits/Que le roi, ni plus ni moins ». Le titre royal n’est donc pas explicitement revendiqué, mais le duc se comporte comme un roi parce qu’il considère tenir son duché « par la grâce de Dieu » et se sent responsable de ses peuples, qu’il veut unir autour de lui et gouverner selon des pouvoirs en tout point régaliens.

Avec le temps, que reste-t-il du souvenir de cette royauté ? A-t-elle totalement disparu avec le rattachement de la Bretagne à la France scellé en 1532?

On peut remarquer qu’il n’y a pas eu d’attachement en Bretagne moderne puis contemporaine à la dynastie de Nominoë, pas de nécropole vénérée ni de culte royal, contrairement au culte de Venceslas en Pologne ou d’Étienne en Hongrie. Le roi breton a seulement été honoré d’une statue érigée en 1952 à Ballon (aujourd’hui Bains-sur-Oust), en souvenir de sa victoire sur Charles le Chauve, avant qu’une autre statue ne vienne orner le parvis de la cathédrale de Dol-de-Bretagne (2010).

En revanche, depuis la royauté bretonne du IXe siècle, les frontières de la province historique ont peu bougé. Dans la culture orale, La Villemarqué a collecté pour son Barzaz Breiz (1839 puis 1845) un chant intitulé « Tribut de Nominoë ». Le roi Arthur est aussi présent dans d’autres chants collectés, notamment le fameux « Dialogue entre Arthur, roi des Bretons, et Gwynglaff », enjeu d’une féroce controverse seulement refermée en 1924. C’est peut-être la marque de la survivance d’une ombre portée culturelle, participant du sentiment de profonde originalité que nourrissent plus ou moins confusément beaucoup de Bretons vis-à-vis de leur passé.

**********



BROCÉLIANDE, FORÊT DE LÉGENDE

C’est là que la fée Viviane retenait Merlin prisonnier.

Plus encore que la forêt de Sherwood pour l’Angleterre, la forêt de Brocéliande rassemble tous les éléments du lieu mythique associant une géographie particulière et un motif imaginaire célèbre. Sa localisation géographique correspond aujourd’hui à la forêt de Paimpont, vaste étendue boisée située à une trentaine de kilomètres au sud-ouest de Rennes. Parcouru par la petite rivière de l’Aff, ce massif forestier abrite de très nombreux étangs au fond de vallées assez encaissées. Quelques points culminants y contrastent de façon saisissante avec le relief plat du pays rennais. Les futaies qui donnent son unité au lieu, interrompues par des zones de landes, inversent le rapport au paysage environnant en multipliant les petites clairières et les ambiances intimistes.

L’association entre la géographie de cette contrée de haute Bretagne et la « matière de Bretagne » est un processus complexe, réalisé en deux étapes. Sous les formes « Brécilien », « Bréhélien », « Brékilien » ou même « Bréchéliant », le toponyme de Brocéliande se retrouve dans des documents du XVIIe siècle, et même dans un document médiéval, la Charte des usements et coutumes de la forêt de Brocéliande (1467).

On sait par ailleurs que Geoffroy Plantagenêt, duc de Bretagne (mort en 1186) et troisième fils d’Henri II Plantagenêt et d’Aliénor d’Aquitaine, fut surnommé « seigneur de Brocéliande » sur la fin de sa vie par le troubadour aquitain Bertran de Born, à une époque où le rapprochement entre la dynastie Plantagenêt et la royauté arthurienne était très fort. L’incorporation de la forêt dans la géographie imaginaire arthurienne a donc des origines médiévales. De fait, les enchantements de cette forêt ont inspiré Chrétien de Troyes dès le xiie siècle dans son Yvain ou le Chevalier au lion. Le début du roman met en scène la Fontaine bouillante, dont l’eau répandue sur le perron par le passant déclenche l’orage et la tempête, avant qu’un mystérieux Chevalier noir, défenseur de la fontaine, ne vienne y imposer l’aventure du duel. Yvain, jeune chevalier impétueux et neveu du roi Arthur, y triomphe du Chevalier noir et épouse sa veuve, Laudine. Par la suite, la fontaine figure comme un élément central du roman, symbole de la porte sur l’Autre Monde celtique.

L’« ÂME CELTIQUE »

En effet, parti tournoyer durant une année, Yvain déçoit sa dame en oubliant sa promesse de revenir auprès d’elle. Rejeté par Laudine, il sombre dans la folie et vit en sauvage dans la forêt de Brocéliande, jusqu’à ce qu’un onguent magique le guérisse. Ce n’est qu’après avoir affronté plusieurs adversaires redoutables, accompagné d’un lion qu’il avait autrefois sauvé, qu’il gagne le pardon de Laudine, devenue entre-temps la « Dame de la Fontaine ». Beaucoup de commentateurs ont voulu reconnaître dans cette fontaine un édifice assez singulier que l’on peut encore visiter.

Par Amaury Chauou dans " Les Collections de L'Histoire", France, Janvier-Septembre2017, Nº 76, pp.22-27. Numérisée, adapté et illustré par Leopoldo Costa.

LE DIETE NON FUNZIONANO

$
0
0



Sto seguendo la dieta dei trenta giorni. Finora ho perso 15 giorni.
(Totie Fields)


Non sono una nutrizionista, né una biologa e neppure un medico. Sono una donna. E, come tale, vivo bombardata sin da piccola da una raffica di informazioni relative alle diete. Per anni le riviste femminili mi han detto come e perché dovevo drenare, sgonfiare, depurarmi, dimagrire, rassodare, ridisegnare, perdere peso, taglie, centimetri “lì dove serve!”. Gli spot pubblicitari a cui sono sottoposta mi parlano in continuazione di pillole, beveroni, bustine, compresse, integratori, sciroppi e di come gli stessi mi farebbero perdere peso senza fatica, e di come questo dimagrimento mi porterebbe sicuro successo e felicità.

E così, io come voi, ho battezzato innumerevoli diete di lunedì (per poi interromperle il giovedì), annunciando orgogliosamente agli altri, ma soprattutto a me stessa, “da oggi comincio la dieta”; ho appeso al frigorifero tabelle, conta calorie, menu settimanali, comprato bilance di precisione, metri da sarta, e disseminato nei pensili della cucina messaggi minatori rivolti a me medesima (“non aprire questo vasetto!”), per evitare di sgarrare. Per la mia generazione frasi come “ti vedo dimagrita” o “quell’abito ti snellisce” sono il miglior complimento che si possa ricevere (e fare). “Ricordati che devi dimagrire” è il nostro undicesimo comandamento. Essere a dieta è considerato uno stato normale, oscillare tra rinunce e sensi di colpa è un sentimento comune, citare nello stesso pomeriggio Coco Chanel – “non si è mai abbastanza magri, né abbastanza ricchi” o “diets always begins tomorrow” (le diete iniziano sempre domani) – è una dolce frustrazione compagna di molte. E anche quando finalmente siamo riuscite a perdere qualche chilo, erano sempre i chili migliori che avevamo: seno, guance, buonumore, equilibrio, senso dell’umorismo!

Quindi, nonostante non sia uno scienziato, credo conveniate che io possa liberamente affermare, per esperienza diretta, indiretta (le mie amiche, compagne e colleghe) e induttiva (le donne di cui leggo i blog, quelle che ingrassano i fatturati dell’industria delle diete, quelle per cui vengono scritti fiumi di inchiostro sui magazine specializzati), di sapere parecchie cose sulle diete.

Ma in particolare ne so una: le diete non funzionano. Se funzionassero, io e tutte le donne di cui sopra saremmo magre.

Spesso noi donne seguiamo una dieta senza che ciò sia dettato da esigenze di salute, ma unicamente per ragioni estetiche. Siamo tutte ossessionate da un ideale estetico e sociale che ci impone un unico modello: essere magre, avere un corpo asciutto e sodo, senza un filo di cellulite, persempregiovane. Per questo motivo ci impegniamo come forsennate ponendo nelle diete un’abnegazione totale, perché dimagrire è, per noi, non solo una perdita di peso, ma un modo per affermare noi stesse e uno status sociale: dobbiamo essere magre, o almeno desiderare di diventarlo.

Così ci imbarchiamo nell’odissea della dieta, spesso fai da te, e spesso lasciandoci sedurre da facili imbonitori che ci promettono di perdere 4 o 5 chili in maniera indolore con tecniche pressoché infallibili: fare la fame con restrizioni caloriche. Avete presente la colazione, il pranzo, la cena? Be’, le donne a dieta no! Vien da sé che se non si mangia nulla o non si mangia abbastanza, il nostro peso diminuisce.

Quando si comincia una dieta, entra però in gioco un forte elemento psicologico: siamo pienamente consapevoli di fare qualcosa di punitivo. E, oltretutto, ogni donna che abbia provato una dieta sa perfettamente che dopo aver perso qualche chilo gli stessi tornano a farci visita, si insediano su fianchi, cosce, addome e guance e sono sempre di più. Lo sappiamo già prima di cominciare che la dieta non è altro che giorni di privazione e stenti per dimagrire, che precedono giorni di sconforto e delusione per essere nuovamente ingrassate. Le donne sono consce del fatto che le diete non funzionano (altrimenti non chiederebbero “funziona?” ogni volta che l’amica consiglia loro una dieta), ma hanno bisogno di credere che questa volta non sarà così. Si fanno allora abbindolare dai messaggi che promettono dimagrimento e felicità, comprano l’acqua che drena, lo yogurt che sgonfia, la crema che snellisce mentre dormi, il fango che fa piatta la pancia, le barrette che le faranno rientrare nei jeans del liceo (mi son sempre chiesta: ma perché mai dovremmo rientrare in un paio di jeans di vent’anni fa? Non faremmo prima a comprarne di nuovi, alla moda e più comodi?) o i cereali che ci faranno conquistare la sicurezza in noi stesse, giorno dopo giorno, in una settimana. E inizia la guerra, a colpi di fuoco amico, contro il nostro corpo. Ma nella guerra tra te e te non potrai che uscirne sempre sconfitta, no?

Le diete non funzionano perché sono contronatura

La dieta è incontrovertibilmente una privazione, una punizione masochistica che imponiamo al nostro corpo. Rassegnatevi: a nessuna donna piace la dieta. È un obbligo morale a cui sottostiamo a malincuore, ma quando siamo nell’intimità del nostro cucinino, sole e lontane da occhi indiscreti, e dobbiamo rinunciare al nostro piatto preferito, non ce la facciamo proprio a volerci così male, quindi spesso sgarriamo. E ciò finisce per farci sentire irrimediabilmente, terribilmente, inconfessabilmente in colpa. Non ci credete? Ingenue… non avete mai sentito uscire dalla vostra bocca frasi tipo: “era solo una piccola porzione” davanti a una fiamminga di tagliatelle da sfamare un’intera famiglia; oppure “ne ho mangiato solo un pezzettino”, sì, un pezzettino da mezzo chilo; o anche “oggi non ho praticamente pranzato”, ma in realtà avete fatto un pasto completo; “ne ho bevuto solo un bicchiere”, e allora chi ha finito la bottiglia? A forza di indulgenze, omissioni e prese in giro, secondo uno studio condotto da un’agenzia inglese, sono ben 474 le bugie che noi donne ci diciamo ogni anno quando si tratta di cibo. Si tratta in generale di negare l’evidenza e, in poche parole, di indorarci l’amara pillola del senso di colpa. Insomma, ce la raccontiamo. Come quando ci giustifichiamo con frasi tipo “mangio cioccolato perché ho bisogno di affetto”. Perché mai dovremmo trovare una scusa per mangiare cioccolato invece di farlo in santa pace? Il fatto è che non è socialmente accettabile che noi non ci sentiamo in colpa, e nella società in cui viviamo, in cui l’immagine è più importante della realtà, certe piccole bugie sono tollerate in virtù di un valore ben più alto, quello dell’apparenza: ufficialmente siamo a dieta (lo abbiamo scritto sulla bacheca di Facebook, su Twitter e sul nostro Tumblr, no?) e già questo ci fa sentire meglio. Ma non diciamoci che una cosa che odiamo e disprezziamo come la dieta, alla quale sappiamo già di sgarrare, perché non sarebbe umanamente possibile fare altrimenti, possa funzionare! Siamo dunque tutte consapevoli che le diete sono l’invenzione più triste e martoriante della nostra società? Bene, e allora chi può amare le diete?

Le uniche persone che amano le diete sono quelle che lavorano nell’industria dei prodotti dimagranti, light o dietetici, che si arricchisce grazie al desiderio che le donne hanno di perdere peso. Quest’industria pensa evidentemente che fare la dieta sia una cosa bella e desiderabile perché non manca di comunicarcelo tramite incessanti messaggi pubblicitari. Ci avete mai fatto caso? Donne felicissime di sostituire il proprio pasto con una barretta che ha il sapore e la consistenza del polistirolo, di ingurgitare improbabili beveroni dai colori tutt’altro che invitanti, di inghiottire pasticche grandi come palline da golf, convinte di far del bene a se stesse praticando restrizioni alimentari da carestia.

In realtà le diete non funzionano, semplicemente perché non devono funzionare e il fatto che una tira l’altra è alla base della loro stessa esistenza

Ad esempio, avete mai pensato ai nomi delle diete: è un puro esercizio di branding. Ogni dieta è un nome, un brand, una questione puramente di marketing e notiziabilità con il solo scopo mediatico di fare moda: il crudismo, la dissociata, la Scarsdale, quella del fantino, la Beverly Hills, quella del minestrone, le monoalimento, la cronodieta, senza considerare quelle associate al nome delle celebrità (da Kim Kardashian a Madonna, da Paris Hilton a Jessica Simpson) o quelle che hanno fatto arricchire i loro inventori (Dukan o Atkins, per esempio), accomunate dal fatto di non avere la minima garanzia di risultati duraturi.

Pensiamo di farci del bene (perché tutti i messaggi che riceviamo a corredo delle pubblicità di diete inducono a convincerci di questo), ma in realtà ci stiamo insinuando in un tunnel senza ritorno. Le diete non sono la giusta risposta alla perdita di peso, ma solo una trovata commerciale e di marketing per vendere prodotti dimagranti e alimenti light e favorire l’industria dell’ansia per il corpo. Cominciate una dieta, e ce ne sarà sempre un’altra da provare.

Una delle attiviste più agguerrite nel denunciare questo assurdo e insano paradosso delle diete e a scagliarsi contro l’industria dei prodotti dimagranti è la psicoterapeuta inglese Susie Orbach (da oltre trent’anni si occupa di disordini alimentari ed è autrice di vari libri in materia, tra cui Corpi, edito in Italia da Codice Edizioni), la quale sostiene che se le diete funzionassero basterebbe seguirne una per essere a posto tutta la vita. E invece, una volta cominciata la prima, poi si è destinati a stare a dieta per sempre… e una vita a dieta, che razza di vita è? Il gruppo di ricerca guidato dalla Orbach, promotore anche della campagna Ditching Dieting, ha dimostrato che il 95 per cento delle persone che ha perso peso grazie a una dieta ha riacquistato tutti i chili (e anche di più) nel giro di cinque anni.

In pratica, le diete ipocaloriche ingannano il nostro metabolismo, simulando una situazione di emergenza e obbligandolo a rallentare e ad assorbire il nutrimento necessario al funzionamento del corpo da quel poco di cibo che viene ingerito. Finita la dieta, perché siamo soddisfatte del risultato ottenuto (okay, siamo entrate nei jeans del liceo!), o interrotta perché limitativa (i nostri amici ci evitano, nessuno ci invita a cena e il macellaio si rifiuta di tagliarci l’ennesima fetta di prosciutto spessa come una ciglia), o inconciliabile con i ritmi e la logistica delle nostre vite (al bar sotto l’ufficio hanno messo un cartello: “non chiedeteci di contare le foglie di lattuga nelle nostre insalate”), il metabolismo ingannevolmente rallentato resterà settato in posizione di emergenza, quindi continuerà ad assorbire tutto il cibo che viene ingerito con la conseguenza che si riacquisteranno i chili persi con tanto di interessi. Che fare? Quando sarò ri-ingrassata mi sentirò sconfitta, frustrata e mi rifugerò nell’ennesima fallimentare dieta, aspettandomi che ripetere la stessa cosa mi porti a risultati diversi. E perché mai dovrebbe? Si tratta del cosiddetto effetto yo-yo, così chiamato perché, proprio come nel giochino di legno, i chili vanno e vengono in maniera ciclica, alternati a lanci e rilanci di diete. Questo circolo vizioso di perdita e recupero di peso, che è la conseguenza più frequente delle diete dimagranti fatte solo per ragioni estetiche, è il principale fattore di rischio per l’obesità. Si tratta di una trappola, una fat trap, come la chiamano gli anglosassoni. È qui che entra in gioco il paradosso che fa più arrabbiare la Orbach: l’industria delle diete si basa sul continuo fallimento dei suoi stessi prodotti e risultati. Le aziende che pubblicizzano prodotti dimagranti, i magazine che scrivono di diete e i programmi televisivi sulla perdita di peso lo fanno spesso con messaggi scorretti e ingannevoli, e senza le sufficienti informazioni al consumatore: dovrebbero dire “probabilmente dimagrirai qualche chilo se ti attieni rigorosamente a ciò che ti dico, ma avrai la certezza pressoché matematica di riprendere ogni grammo”, oppure “ti piacerebbe stare a dieta tutta la vita con gravi conseguenze per i tuoi reni, il tuo fegato, il tuo cuore e la tua psiche?” In certi casi dovrebbero riportare la scritta: “nuoce gravemente alla felicità”.

L’industria delle diete si presenta come una forza benigna, ma in realtà provoca alle persone gravi scompensi per la propria salute, sia fisica sia mentale, perché si è indotti a credere che i fallimenti siano dovuti alla scarsa motivazione, ma in realtà la questione è fisiologica e il più delle volte non ha nulla a che fare con la nostra tenacia.

Le diete trovano terreno fertile in un’epoca di prosperità e abbondanza – in cui, per capirci, il cibo è proprio l’ultima cosa che manca e mangiare non è solo un bisogno primario, ma soprattutto un passatempo – e si fortificano grazie a un substrato mediatico che ci rimbambisce di messaggi schizofrenici: i programmi televisivi con chef, prove del cuoco, vip ai fornelli, cotti e mangiati, boss delle torte sono intervallati da altrettanti programmi sugli obesi, extreme makeover, famiglie a dieta, grassi contro magri, dimagrire con gusto. Nei magazine le pagine delle ricette precedono quelle delle creme dimagranti e degli integratori, al supermercato i prodotti dietetici sono a fianco alle bombe caloriche, i bestseller sono libri di cucina, seguiti da quelli sulle diete.

Le diete non funzionano soprattutto prima dell’estate o dopo Capodanno

Puntualmente ogni anno, in primavera, inizia il bombardamento mediatico che ci suggerisce di perdere qualche chilo prima delle vacanze: “perdi cinque chili in un mese”, “in quindici giorni”, “in una settimana”, “in ventiquattrore” (in ventiquattrore?), e via via con il countdown che precede il mese di agosto. E tutti a domandarci “sei pronta per la prova costume?”, manco fosse l’esame di maturità. Vi siete mai chieste chi sia quello str**** che ha inventato la “prova costume”? Non vi puzza di trovata pubblicitaria dell’industria delle diete? Perché mai dovremmo, ogni dannata estate, superare una prova? E, soprattutto, si ripete sempre la famigerata e spudorata violenza psicologica del waiting to be thin – in attesa di essere di magri – che ci impone di procrastinare quello che vorremmo fare (metterci un costume, fare un colloquio di lavoro, comprare una minigonna, tagliarci i capelli) al momento in cui saremo sufficientemente magri per farlo. Così, ogni anno, ci ricaschiamo, come se fossimo affetti da un’amnesia… Ma si sa, le prove non finiscono mai: sbaglia chi crede che il momento dell’anno più stressante per i dietofagi sia l’estate, in realtà sono le festività natalizie. In quel periodo non si fa altro che parlare di cosa e di quanto si mangerà, di bilancia e di chili di troppo. E dopo le feste è obbligatorio dover perdere i chili che abbiamo acquistato e, naturalmente, farlo entro gennaio. Gli inglesi hanno perfino coniato il nome janopause (pausa di gennaio) per indicare un periodo di sobrietà, dieta e depurazione dopo le abbuffate di dicembre, come se un mese di restrizioni fosse un valido alibi per la propria coscienza. Ma le feste non eran fatte apposta per essere santificate ingozzandoci di pandori, panettoni, zamponi, lenticchie, tacchini, pranzi di Natale, Cenoni di Capodanno e calze della Befana? Non ci avevano ammorbato per tutto dicembre con servizi tv, numeri speciali di riviste con ricette di Natale, menu di Capodanno, offerte imperdibili e così via? Se dicembre è il mese più ghiotto per i fatturati dell’industria alimentare, gennaio lo è per l’industria della dieta. E se vi dicessi che i grandi colossi alimentari sono gli stessi che detengono i marchi di prodotti dietetici? Heinz controlla Weight Watchers, Unilever controlla Slimfast, per esempio. Sono le stesse industrie che contribuiscono a favorire un comportamento alimentare scorretto (come vedremo al capitolo quinto). Se vi dicessi che la spinta moderna all’ideale di magrezza corrisponde a un ormai consolidato aumento dell’obesità? Vi siete chieste come è possibile che noi riusciamo a essere contemporaneamente un popolo perennemente a dieta e sempre più obeso? In un caso e nell’altro, ci sono interessi commerciali da sfamare. In ossequio a queste logiche abbiamo disimparato a nutrirci, quello che è l’atto istintivo più naturale lo abbiamo delegato ad altri.

Dunque, tornando a quel che è il primo motivo per non cominciare una dieta: le diete non funzionano. Se le diete funzionassero come potrebbe prosperare quella fiorentissima industria chiamata “infelicità femminile”, fatta di ideali di magrezza irraggiungibili, messaggi menzogneri di promesse di felicità e successo, sensi di colpa, prove da superare e schemi in cui ricadere, frustrazione e odio per il proprio corpo? La realtà è che le donne frustrate sono ottime consumatrici. Ma potete tirare un sospiro di sollievo, noi donne lo abbiamo capito, ci stiamo ribellando, e questo sistema malato ha i minuti contati.

Uno dei tanti spot di integratori dietetici che passano in TV recita: “È l’ora di essere la donna che vuoi”. Be’, è ora di essere la donna che voglio, non più la donna che vuoi tu!

Testo di Martina Liverani  pubblicato in "10 Ottimi Motivi per Non Cominciare una Dieta", Laurana Editore, Milano, 2012.  Digitalizzati, adattato e illustrato per Leopoldo Costa

UNA RIVOLUZIONE STRISCIANTE: IL PROGRESSO

$
0
0



La crescita vertiginosa delle conoscenze negli ultimi due secoli, in cui nuove idee hanno soppiantato antiche convinzioni, la si deve allo scambio continuo di cognizioni e all’affermazione del principio: è vero solo ciò che si può sperimentare scientificamente.

Qual è la spiegazione per il vertiginoso miglioramento delle condizioni di vita a cui abbiamo assistito negli ultimi due secoli? Quando si comincia a ragionare sull’origine della crescita economica moderna, per dirla con le parole del Premio Nobel 1988 per l’Economia Robert Lucas, “diventa difficile pensare ad altro”. E se questo è il pensiero di un esperto mondiale di cicli economici, che cosa dovrebbero pensarne gli storici dell’economia? La letteratura sull’argomento è già vastissima e a prima vista non sembrerebbe ci sia nulla da aggiungere a un argomento già così sviscerato.

Tuttavia, c’è anche un aspetto curioso, ossia che fino a oggi la cultura – intendendo con questo termine l’insieme delle convinzioni, delle preferenze e dei valori di una società, inclusi gli orientamenti sociali, morali e la religione – ha giocato un ruolo assai marginale nel dibattito. Finora la parte del leone l’ha sempre fatta l’economia, forse perché gli esperti del settore, ai quali si deve gran parte del lavoro storico sull’argomento negli ultimi decenni, hanno sempre osteggiato l’idea di includere la cultura in qualunque spiegazione di natura storica.

Ma negli ultimi anni si è assistito a un cambiamento di tendenza, e ora sembra arrivato il momento giusto per domandarsi se nella cultura europea precedente al 1750 ci fosse effettivamente qualcosa di specifico che ha innescato l’enorme progresso scientifico e tecnologico da cui è scaturito il “Grande Arricchimento” (nome che qualcuno ha voluto dare all’ingente prosperità dell’era moderna).

Innanzitutto, però, bisogna stabilire di quali aspetti della cultura stiamo parlando, e di quale cultura. Per cominciare a far luce sulla questione, dunque, serve dipanare la sua definizione, un’operazione troppo grande perché la possa compiere un singolo studioso. Per questo recentemente molti economisti hanno concentrato la loro attenzione sulle élite intellettuali e sulla loro fiducia in quelle che gli scrittori del XVIII secolo chiamavano “filosofia naturale” (la scienza) e “arti utili” (la tecnologia).

Coloro che scoprirono l’energia a vapore, il vaccino contro il vaiolo, il carbone coke e l’illuminazione a gas appartenevano a un livello molto colto ed educato della società ed erano – quasi senza eccezione – persone che facevano vaste e variegate letture, che si tenevano in costante contatto le une con le altre per scambiarsi quelle che chiamavano “conoscenze utili”.

Oggi ricordiamo ancora i nomi di alcune di queste “società di intellettuali” e i luoghi in cui si riunivano: la Lunar Society di Birmingham e la società della Chapter Coffee House di Londra sono tra gli esempi più famosi. Questa nuova, brillante generazione di pensatori era arrivata a concepire l’idea che da una maggiore comprensione dei fenomeni naturali sarebbe potuto scaturire un miglioramento nelle condizioni di vita dell’essere umano: un pensiero che a noi oggi sembra del tutto normale – per non dire banale – ma che nel 1600 (anno in cui Francis Bacon lo formulò per primo) era ancora una controversa novità.

Fu così che gli sforzi congiunti di scienziati, matematici, ingegneri e artigiani finirono per avere un successo addirittura superiore alle aspettative, tanto che l’innalzamento del tenore di vita e della disponibilità di comfort materiali di cui il mondo ha beneficiato a partire dalla Rivoluzione industriale va giustamente considerato il più importante evento economico della storia umana.

Dunque, come ci siamo arrivati? Per trovare una risposta bisogna innanzitutto constatare che l’essere umano si direbbe geneticamente programmato per onorare la sapienza dei suoi antenati e sentirsi inferiore di fronte alle conoscenze del passato. Che si tratti di fede nel Talmud (uno dei testi sacri dell'ebraismo), nel Corano, in Confucio, in Aristotele o in Galeno, la nostra storia sembra pervasa dalla convinzione che la “verità” sia stata rivelata a quelli venuti prima di noi e che la sapienza autentica si possa trovare solo esaminando gli scritti del passato e dissezionandoli fino a far emergere il loro “vero significato”.

L'epoca dello scetticismo 

Ma nel XVI secolo quella convinzione subì un colpo fatale. È vero che nel 1580 un professore di Oxford poteva ancora vedersi multato di cinque scellini per aver insegnato qualcosa che contraddiceva l’autorità di Aristotele, ma Oxford era una realtà retrograda: all’epoca il canone classico era già messo pesantemente sotto accusa da vari fronti. Se il mondo intellettuale del XV secolo era vissuto all’ombra dell’insegnamento classico, quello del XVI e dei successivi generò “ribelli senza rispetto” come Paracelso, Harvey, Ramus, Brahe e Boyle, che, forti delle loro nuove osservazioni sperimentali, gettarono alle ortiche i testi classici di fisica e medicina preferendo quelle che ai loro occhi erano prove logiche e persuasive. Nel suo innovativo testo De Magnete (1600) lo scienziato inglese William Gilbert arrivò ad affermare che non avrebbe più perso tempo “a citare i Greci e gli altri antichi” per supportare le sue tesi, dato che gli errori che aveva riscontrato in autori classici come Plinio e Tolomeo erano diffusi “come le peggiori erbacce nocive in un rigoglioso giardino”.

Peraltro le norme per stabilire il vero e il falso non cambiarono dall’oggi al domani: l’assioma per cui “Aristotele (o la Bibbia) dice così, quindi deve essere vero” non era più ritenuto valido da buona parte degli intellettuali, ma le menti più conservatrici scatenarono una enorme resistenza, dando origine alla famosa battaglia tra “antichi” e “moderni” che caratterizzò fortemente quell’epoca e si concluse con la chiacciante vittoria dei secondi. I grandi testi classici conservarono il loro posto nei curricula universitari, ma persero qualunque autorevolezza in campi come la comprensione della natura. E una volta che la nuova generazione di pensatori ebbe tolto il monopolio della conoscenza ad Aristotele, Tolomeo e Galeno e aperto l’era del Nullius in verba (“Non fare affidamento sulle parole di nessuno”, motto ufficiale della Royal Society), nacque la modernità. Insomma, si potrebbe dire che il punto di partenza del progresso sia stato lo scetticismo.

Il mercato delle idee 

Sorge però una nuova domanda: perché tutto ciò accadde nell’Europa cinquecentesca e non, per esempio, in Cina o nell’Impero Ottomano? Alcuni fattori potrebbero essere i grandi viaggi di scoperta intrapresi in quel secolo dalle potenze europee e la nuova possibilità di osservare fenomeni ignoti alla conoscenza classica (per esempio l’invenzione del microscopio, del telescopio e della pompa a vuoto), che crearono una dissonanza cognitiva a sua volta destinata a generare nuovi dubbi. La medesima dissonanza produsse la Riforma protestante, altro esempio di ribellione e pensiero critico verso qualcosa che fino ad allora era percepito come sacrosanto. Ma c’è di più.

Secondo l’economia, le idee innovative sono stimolate dalle forze della domanda e dell’offerta oltre che dalle convinzioni culturali di una società. Da qui i filosofi e gli economisti hanno proposto il concetto di “mercato delle idee”, che si baserebbe sulla persuasione e l’influenza: tutti gli intellettuali dell’epoca, da Lutero a Copernico, da Spinoza a Newton, avrebbero concepito nuove idee e, conseguentemente, cercato di “venderle” nei rispettivi ambienti usando le prove, la logica, la retorica, l’analisi matematica e i risultati sperimentali.

Si tratta chiaramente di una vendita metaforica, senza alcun coinvolgimento di denaro, ma i benefici che ne derivarono furono reali: dalla fama nacquero le offerte di patrocinio, e gli intellettuali più noti vennero beneficiati e finanziati da sovrani, aristocratici e ricchi borghesi.

Alcuni dei più grandi scienziati dell’epoca erano medici che lavoravano per i propri mecenati. Il celebre biologo italiano Francesco Redi era medico di corte della famiglia Medici nonché segretario e supervisore della loro farmacia e della loro fonderia. Leibniz fu consigliere di più di un re. Altri, tra cui Isaac Newton da giovane, si cercarono impieghi sicuri nelle università, dove le cattedre di ruolo di fatto funzionavano come un patrocinio. A volte, nei casi di “celebrità dell’intelletto” come Galileo, Newton, Huygens e Leibniz, tutto ciò non significava solo sostegno economico, ma anche accesso alle maggiori figure d’autorità e, di conseguenza, status sociale, prestigio e autorevolezza.

Repubblica delle Lettere 

Un altro motivo che rese l’Europa precedente al 1750 terreno fertile per la nascita di nuove idee era la sua predisposizione pressoché unica a sfruttare al meglio quel rapporto tra dimensione e competitività che sta alla base di qualunque “mercato” di successo. L’economia ci insegna che il mercato tende a essere più produttivo, creativo e affidabile quando è competitivo, ma per creare vera competizione serve un buon numero di partecipanti. Nel contempo, però, esistono le economie di scala: le grandi unità che dominano i rispettivi mercati sono in grado di ottenere risultati impossibili per le unità più piccole. Il “mercato delle idee” andò incontro allo stesso dilemma: la necessità di una sana competizione da cui tuttavia nasceva un ambiente che avrebbe potuto non riuscire a raggiungere mai un’economia di scala.

Ora, considerate la situazione politica dell’Europa all’inizio dell’era moderna: il continente era frammentato in una miriade di entità politiche di piccole e medie dimensioni, uno stato di cose che nemmeno gli sforzi del Sacro Romano imperatore Carlo V furono in grado di cambiare. Persino i Paesi più grandi, come Francia e Spagna, erano divisi al loro interno in regioni, città e gruppi d’interesse in reciproca competizione. La Germania e l’Italia, poi, erano di fatto formate da una costellazione di staterelli indipendenti.

A tutto ciò faceva da corollario la competizione religiosa, da quando la Chiesa cattolica aveva perso il proprio monopolio. Eppure questa frammentazione, che portò a infiniti e sanguinosi conflitti, ebbe anche effetti positivi. Nel 1742 David Hume scrisse: “Nulla è più favorevole allo sviluppo della buona educazione e della cultura di un buon numero di Stati indipendenti e confinanti, interconnessi da legami di commercio e politica. Lo spirito di emulazione che sorge naturalmente in tali circostanze… è un ovvio motore di miglioramento”.

In un ambiente così competitivo le singole entità politiche incontravano difficoltà a reprimere le nuove idee, persino le più eterodosse o eretiche. Molti Stati ci provarono lo stesso con le persecuzioni e la censura, e alcuni intellettuali sfortunati (tra i casi più famosi Michele Serveto, messo al rogo dai calvinisti, e Giordano Bruno, arso vivo dall'Inquisizione cattolica) pagarono con la vita, ma si trattava di misure condannate al fallimento sul lungo periodo.

Spostandosi spesso e pubblicando i loro scritti all’estero, gli intellettuali innovatori potevano sfruttare a proprio vantaggio le rivalità dei poteri politici: autori particolarmente eversivi come il medico svizzero Paracelso e il filosofo ed educatore moravo Giovanni Amos Comenio si trasferirono più volte da un capo all’altro dell’Europa. Tra il 1500 e il 1700 le forze reazionarie erano ancora potenti e determinate, ma destinate a fallire per mancanza di coordinamento, al punto che i loro sforzi si poterono considerare conclusi già attorno al 1650.

La vittoria andò alla fine al nuovo spirito di tolleranza intellettuale religiosa.

Tuttavia, proprio a causa della frammentazione c’era il rischio che la creatività finisse per scontrarsi con problemi legati ai “numeri”: i potenziali lettori che avrebbero potuto apprezzare i lavori di Newton o Cartesio o Vesalio in ogni singolo Paese o regione erano semplicemente troppo pochi perché valesse la pena scrivere solo per loro. Uno studioso del XVI o del XVII secolo che volesse crearsi una reputazione doveva necessariamente rivolgersi a un pubblico europeo, non a uno inglese o francese o fiammingo. Dunque quella che emerse nell’Europa della prima età moderna fu una comunità intellettuale, integrata e sovranazionale dentro la quale le nuove idee venivano diffuse, discusse, valutate e accettate o rifiutate solo in base alla loro validità.

Un nuovo concetto enunciato a Londra sarebbe stato presto discusso a Edimburgo, Parigi, Amsterdam, Madrid, Napoli e Stoccolma. L’Europa possedeva insomma il meglio delle due situazioni: c’erano i vantaggi della frammentazione, ma senza che le nuove opere d’ingegno dovessero rinunciare a un pubblico di proporzioni continentali. La comunità intellettuale che andò a formare questo “mercato” chiamò se stessa “Repubblica delle Lettere”, e “cittadini” i suoi componenti.

A rendere possibile tutto ciò fu una compresenza di fattori antichi e meno antichi. Le radici medievali della situazione affondavano nelle comunità intellettuali sovranazionali nate in seno alla Chiesa cattolica (il latino stesso rimase la lingua franca degli studiosi per tutto quel periodo).

La stampa ovviamente rese più economico l’accesso alle opere scritte e ridefinì i parametri della comunicazione intellettuale. Ma di eguale importanza furono gli scambi epistolari, favoriti dalla grande crescita delle comunicazioni e dal diffondersi di un sistema postale, senz’altro costoso, lento e inaffidabile ma nondimeno indispensabile.

Dall’esame di questi carteggi (molti dei quali sono arrivati fino a noi) emerge bene la stretta rete di comunicazione tra gli intellettuali europei: la Repubblica delle Lettere era una comunit à “virtuale”, che collegava persone che si conoscevano le une con le altre solo per fama e reputazione intellettuale. Era un sistema lento, ma funzionava, e la gente dell’epoca era pienamente consapevole del suo significato: a metà del XVIII secolo Voltaire, riflettendo sul passato, scrisse che “…Si era creata, quasi senza che nessuno se ne accorgesse, a dispetto delle guerre e delle differenze religiose, una Repubblica delle Lettere…

Grazie a essa tutte le scienze e le arti ricevevano mutua assistenza… I veri studiosi di ciascun campo del sapere annodarono i fili di questa vasta società di intelletti, ovunque diffusa e ovunque indipendente… E tale istituzione esiste ancora, ed è una delle maggiori consolazioni ai mali che la politica e l’ambizione hanno diffuso sulla faccia della Terra”.

Le Meta-idee 

Una delle chiavi del successo della Repubblica delle Lettere fu la sua natura internazionale, che permetteva a qualunque studioso che avesse la necessità di riparare all’estero di trovare accoglienza presso chi lo conosceva per fama e lo apprezzava. Hobbes scrisse Il Leviatano a Parigi, Locke stese la Lettera sulla tolleranza ad Amsterdam e Pierre Bayle, l’editore francese delle Notizie dalla Repubblica delle Lettere, lavorava nella sicurezza garantita dalla città di Rotterdam. Insomma fu proprio la Repubblica delle Lettere a far funzionare il “mercato delle idee”, anche se sarebbe errato sostenere che ciò portò al trionfo automatico delle “idee migliori” (l’Europa tentò invano di sconfiggere le malattie infettive e di controllare l’elettricità fino alla seconda metà del XIX secolo, giusto per fare un esempio).

Tuttavia, ci furono successi nel “mercato del progresso” che sono ammirati ancora oggi: nel 1650 il modello cosmologico tolemaico (che poneva la Terra al centro dell’Universo) era stato del tutto abbandonato; la scoperta dell’atmosfera terrestre e quella del vuoto resero possibili le macchine a vapore; l’unione di geografia e matematica portò al concetto che, comparando l’ora di un punto qualsiasi del globo con quella di un punto prefissato, si può calcolare la longitudine. Quest’ultima scoperta stimolò gli orologiai a tentare di costruire un cronometro che permettesse di eseguire queste misurazioni, opera infine realizzata da John Harrison.

Ma i maggiori trionfi nel campo della ragione furono probabilmente le meta-idee, ovvero non le idee su specifiche questioni scientifiche, ma quelle sul “come” e sul “perché” si dovesse fare filosofia naturale. Il “perché” fu presto perfettamente chiaro se nel 1664 Robert Boyle, facendo eco al suo predecessore Francis Bacon, poteva scrivere: “Se i veri principi di questa fertile scienza (la fisiologia) fossero pienamente conosciuti, esaminati e applicati, nel mondo si verificherebbe un cambiamento talmente universale e vantaggioso che è difficile immaginarlo”. Nel Settecento i pionieri della tecnologia compresero di aver bisogno del supporto degli scienziati, e attorno alla metà del secolo protagonisti della Rivoluzione industriale quali John Smeaton, Josiah Wedgwood e James Watt cercavano assiduamente il consiglio degli studiosi all’avanguardia nei vari campi della scienza.

I cambiamenti che investirono il “come” furono altrettanto fondamentali grazie al trionfo del metodo sperimentale, ovvero la comprensione che il sistema migliore per verificare un’ipotesi erano i dati ricavati da un esperimento, e non l’autorità di Aristotele. La scienza sperimentale richiese una maggiore precisione sia negli strumenti sia nei materiali impiegati, la creazione di una terminologia standard e di unità di misura universali e una comunicazione chiara e dettagliata che permettesse di riprodurre e verificare ogni esperimento.

La ricerca stessa divenne più formale e matematica: fu Galileo a fare la famosa affermazione secondo la quale il libro della Natura è scritto nella lingua della matematica. Già a metà del XVII secolo era impossibile dedicarsi seriamente alla fisica senza possedere una solida preparazione matematica. E, dove non poteva arrivare l’analisi matematica, arrivava l’osservazione diretta: si potevano guardare, contare, catalogare e classificare realtà di ogni genere, dalle piante ai pianeti, nella speranza che emergessero regole e schemi che avrebbero aiutato a comprendere meglio il funzionamento della natura. In questi campi si distinsero celebri astronomi e naturalisti come Flamsteed e Linneo.

In conclusione, questa tesi va contro il materialismo storico, ovvero l’idea che il motore del progresso sia quello dei bisogni materiali. A dirigere la storia sono le idee, non meno di quanto le condizioni materiali dirigano i cambiamenti intellettuali. Quel che è certo, in ogni caso, è che la storia della crescita economica nell’era moderna verrà raccontata, spiegata e interpretata in molti modi diversi. Il che, ancora una volta, dimostra tutta l’utilità di un “mercato delle idee” ben funzionante.

Testo di Joel Mokyr  pubblicato in "BBC History Italia", , Italia, Luglio 2017, n. 75, estratti pp.66-71. Digitalizzati, adattato e illustrato per Leopoldo Costa

NAG HAMMADI E LE PAROLE SEGRETE DI GESÚ

$
0
0


Alto Egitto, massiccio del Djebel el Tarif, inverno del 1945: alcuni contadini si avventurano all'interno di una grotta della falesia a picco sul Nilo, alla ricerca di antichi monili. Nella penombra appaiono i contorni di una vecchia giara ...

Inizia cosi il racconto di un'avventura scientifica che aprirà le porte a una scoperta straordinaria: quella dell'affascinante universo filosofico e religioso dei maestri della gnosi.

I VANGELI DA NAG HAMMADI

Quattro sono i Vangeli di Nag Hammadi: il Vangelo di verità, il Vangelo secondo Tommaso, il Vangelo secondo Filippo e il Vangelo degli Egiziani. A essi possiamo aggiungere il Vangelo di Maria (Maddalena) del codice di Berlino e il Vangelo di Giuda del codice Tchacos, scoperto nel 1980 e solo di recente pubblicato (2006).

In realtà, il titolo di «vangelo» non rispecchia il genere letterario di questi testi. Non si tratta, infatti, di vangeli assimilabili a quelli canonici, cioè narrazioni fatte da un apostolo nell'intento di trasmettere il messaggio di Cristo e di portare a conoscenza i vari episodi della sua vita terrena. Sono invece vangeli nell'accezione data loro dagli gnostici. cioé dialoghi tra Gesú e gli apostoli in cui vengono affrontate tematiche astratte, nonché i grandi quesiti esistenziali che si pongono al l'uomo.

Non tutti i discepoli che intervengono in questi testi hanno avuto una posizione di primo piano nella Chiesa ufficiale, ma sono stati oggetto di particolare venerazione nelle tradiz ioni gnostiche: è il caso di Tommaso, di Filippo e di Maria Maddalena.

UN MITO DI ESILIO

Un mito fondatore percorre la letteratura gnostica. Già descritto e commentato dagli eresiologi, esso trova a Nag Hammadi nuove, ampie attestazioni. Si tratta di un mito di esilio, estremamente complesso e ricco di personaggi, che narra le disavventure di Sophia (Saggezza, in greco), ultima emanazione («eone») del Padre celeste. Nelle sue grandi linee può essere cosi riassunto: Sophia abbandona il mondo superiore («pleroma») e il suo compagno celeste (il è formato di entità in coppia), insoddisfatta della sua condizione e desiderosa di nuove sconosciute dimensioni. Ma precipita verso il basso e fa sua caduta provoca, in ultimo, il concepimento di un figlio imperfetto, un aborto nato da lei sola.

Questo aborto è il demiurgo, di cui si è già parlato, l'autore della creazione. Morte e oblio ricoprono l'universo. Persa in un universo oscuro che ha contribuito lei stessa a creare, Sophia prende coscienza del suo errore e cerca di tornare alla patria perduta, unendosi nuovamente al suo compagno spirituale.

La trasgressione di Sophia ha dato luogo a grandi affreschi che, sotto il velo del mito, affrontano tematiche non solo teologiche ma anche cosmologiche e antropologiche, ed è stato elaborato principalmente nelle scuole eredi del pensiero di Valentino.


STORIA DEL ANIMA

La vicenda di Sophia permette agli gnostici di affrontare il tema dell'anima - al centro della riflessione della filosofia antica come del pensiero cristiano. Quali sono le sue origini? Qual è il suo rapporto con Dio? Qual è la sua relazione con il corpo?

In linea generale, i pensatori gnostici considerano l'anima come un'entità di origine divina, caduta in un mondo e un corpo ostili, che giunge alla salvezza (cioè alla conoscenza) se perviene a reintegrare il regno divino a cui appartiene. L'anima ha un «doppio», lo spirito, rimasto nel regno. Sarà lui il salvatore dell'anima: descritto sovente come uno sposo, talvolta identificato con Cristo, lo spirito scende nel mondo, risveglia l'anima dall'oblio e, riveladole la conoscenza, la riconduce al luogo delle sue origini. Il doloroso esilio prende cosi fine e l'anima, unendosi allo spirito, ritrova l'integrità perduta.

Una tale dottrina è in forte contraddizione con le posizioni cristiane, che tendono a sottolineare la distanza che separa l'anima dall'essenza di Dio, anche se tali teorie su un tema cosi sensibile non erano ancora del tutto fissate nel primo cristianesimo. La vicenda dell'anima è al centro di vari scritti di Nag Hammadi ed è stata elaborata in modi diversi.

Presentiamo uno scritto del codice Il di Nag Hammadi, L'interpretazione dell'anima, un racconto allegorico di una decina di pagine, che narra con arte, attraverso la riutilizzazione di temi tip ici dei romanzi ellenistici, le tragiche vicende di Psiche. L'anonimo autore sceglie i registri della sessualità, dell'inganno, dell' illusione per descrivere la condizione umana. L'anima è qui rappresentata in sembianze femminili. Caduta dal regno superiore divino ove era vergine e androgina presso il Padre, essa s'incarna nel corpo, perde la sua verginità diventando la schiava sessuale di numerosi amanti che approfittano di lei, poi l'abbandonano. Figli malati nascono da queste unioni impure.

POTENZE MALVAGIE

Nell'allegoria, gli amanti sono le potenze malvagie che hanno imprigionato l'anima nella catena della sessualità e delle generazioni, perpetuando cosi la sua schiavitù; i figli malati sono i simboli delle passioni. Al sommo della disperazione, l'anima prende coscienza dei suoi errori e invoca il Padre. Questi compie un atto che le permetterà di ritrovare le sue caratteristiche originali di vergine e di donna. Questo atto consiste nel rivoltare il sesso dell'anima dall'esterno verso l'interno- essa infatti aveva assunto le caratteristiche sessuali maschili prostituendosi con i suoi amanti.

Attraverso questa metafora, unica nella letteratura antica, l'autore esprime la superiorità di ciò che è «interno» su ciò che è «esterno» un leitmotiv del pensiero gnostico. Il Padre invia inoltre all'anima il suo sposo celeste: abbandonata la vita di prostituzione, l'anima lo attende con ansia, un sogno gliene rimemora le sembianze, dimenticate nell'oblio che si è impossessato di lei. Adornata come una sposa, dopo aver sparso profumi nella camera nuziale ormai pronta, l'anima si unisce allo spirito in nozze spirituali. ritrovando in tal modo la sua condizione primordiale: «Questo matrimonio non è come il matrimonio della carne. Coloro che si sono uniti l'uno all'altro s'inebriano di questa unione e si liberano, come da un fardello, dal tormento del desiderio e non si separano piú I'un dall'altro. Questo matrimonio non è cosi. Se si congiungono l'uno all'altro, diventano una sola vita»
(Interpretazione dell'anima, Il, 6132,27-351)

IL GEMELLO DI GESÙ

Nel Vangelo secondo Tommaso (Nag Hammadi, codice Il, 1). lo statuto privilegiato di Tommaso è indicato dal nome che porta: Tommaso è il gemello di Gesú, Didimo (didumos) infatti significa, in greco, « gemello»; per di piú il nome «Tauma» (da cui deriva il nome Tommaso) significa, in aramaico. « gemello». Si tratta beninteso di una parentela spirituale: Didimo Tommaso era considerato il doppio terrestre di Gesú celeste.

Una siffatta presentazione di Tommaso ci induce a pensare che questo vangelo gnostico sia stato composto in Siria, in greco o in aramaico, forse nella zona di Edessa, dove la figura di Tommaso fu oggetto di particolare venerazione e ispirò numerose tradizioni apocrife. Molte di queste tradizioni appaiono negli Atti di Tommaso, uno scritto di tono romanzesco degli inizi del IlI secolo, che riprende tradizioni piú antiche. Vi si narrano le molteplici avventure dell'apostolo, inviato da Gesú a convertire le regioni dell'Oriente, al momento della spartizione tra i discepoli delle zone di missione. Dopo aver percorso ed evangelizzato la Mesopotamia, Tommaso sarebbe partito via mare alla volta dell 'India, ove operò numerose conversioni.

Quando fu pubblicato per la prima volta, negli anni Cinquanta, il Vangelo secondo Tommaso suscitò una grande emozione. Se ne parlò come di un quinto vangelo che rivelava episodi sconosciuti della vita di Gesú. Negli Stati Uniti, ancora oggi, è oggetto di riflessioni da parte di varie sette esoteriche che si pretendono «gnostiche». Ma già nel 1957 Henri Charles Puech polemizzò contro queste interpretazioni infondate e ridimensionò la portata storica di questo testo, pur riconoscendone il grandissimo va lore a livello di pensiero religioso.

Davanti a questa importante raccolta di logia che formano il tessuto del Vangelo, ci si è chiesti se si trattava di detti autentici, pronunciati da Gesù. Rispondere è naturalmente impossibile. Puech opta per la prudenza, sottolineando tuttavia che alcuni detti attestano tradizioni molto antiche. I 114 detti erano già in parte noti tramite i Vangeli canonici, altri erano citati in alcuni vangeli apocrifi che circolavano nei primi secoli dell'era cristiana, testimoni della varietà di correnti che attraversavano il cristianesimo. Una quarantina di detti sono invece del tutto nuovi.

Per quanto riguarda i detti presenti anche nei Vangeli canonici, è legittimo chiedersi se il Vangelo secondo Tommaso sia anteriore o posteriore a essi oppure se tutti questi testi abbiano utilizzato un'unica fonte comune.

La chiave di volta dell'insegnamento del Vangelo secondo Tommaso è la conoscenza di sé. che è nel contempo conoscenza di Dio. Questa gnosi apre le porte del regno:

“Se i vostri capi vi diranno, ‘Vedete, il Regno è nei cieli’, allora gli uccelli dei cieli vi precederanno. Se vi diranno, ‘È nei mari’, allora i pesci vi precederanno. Invece, il Regno è dentro di voi e fuori di voi. Quando vi conoscerete sarete riconosciuti, e comprenderete di essere figli del Padre vivente. Ma se non vi conoscerete, allora vivrete in miseria, e sarete la miseria stessa».

La miseria diviene qui simbolo della condizione di ignoranza che incatena l'uomo al mondo. liberandosene, prenderà coscienza delle proprie origini e del proprio destino, perché inizio e fine sono una stessa identica cosa.

«l discepoli dissero a Gesú: Dicci come sarà la nostra fine. Gesú disse: Avete forse scoperto il vostro inizio per cercare la fine? Perchè là dove c'è inizio, là ci sarà la fine. Beato colui che sarà nell'inizio perché egli conoscerà la fine e la morte non lo toccherà».

Gesú è colui che riassume in sé il principio e la fine:

« Gesú ha detto: lo sono la luce che è su tutti loro. lo sono il Tutto: il Tutto è uscito da me ed è pervenuto fino a me».

Il Tutto è sinonimo del «pleroma», il mondo perfetto e trascendente da cui proviene Gesú. Ma per raggiungere il Tutto, è necessaria una disciplina di vita fatta di distacco, di rinuncia e di isolamento. Carne e corpo sono violentemente condannati nel testo, cosi come il sesso e la procreazione: il mondo è un cadavere.

In questo testo si delinea l'ideale del «monakos», del solitario - prima attestazione del termine nella letteratura cristiana- che fa della rinuncia al mondo il punto di partenza della conoscenza. Allora l'uomo ritroverà se stesso:

«Colui che si abbevererà alla mia bocca - dice Gesú - diventerà come me e anch'io diventerò lui e ciò che è nascosto gli sarà rivelato»

Didimo Giuda Tommaso. 

IL VANGELO SECONDO TOMMASO
(Nag Hammadi, codice Il. 1)

Ecco le parole segrete pronunciate da Gesú vivente e messe per scrito da Didimo Giuda Tommaso. «Ed egli disse: colui che troverà il senso di queste parole la morte non lo toccherà». Si apre con queste parole il piú celebre dei Vangeli gnostici, la cui redazione risale a II secolo. Il Vangelo secondo Tommaso non ha alcun quadro narrativo: è una raccolta di parole di Gesú, di logia (logion in greco= parola), 114 di numero, alcuni sorprendentemente brevi, che assumono la forma di sentenze, di aforismi, di consigli, talvolta di parabole. Tali logia sono in genere introdotti dalla formula «Gesú ha detto». l discepoli che intervengono nel testo sono Simon Pietro, Matteo, Maria (Maddalena). Salomé e Tommaso. Quest'ultimo è il discepolo preferito, colui che riveste il ruolo di interprete dell'insegnamento esoterico di Gesú e che, nella finzione letteraria, ha messo per iscritto le sue parole.

Ecco la versione integrale

Queste sono le parole segrete che Gesù il Vivente ha detto e Didimo Giuda Tommaso ha trascritto.

1. Gesù disse: “Chiunque trova la spiegazione di queste parole non gusterà la morte”.
2. Gesù disse: “Coloro che cercano cerchino finché troveranno. Quando troveranno, resteranno commossi. Quando saranno turbati si stupiranno, e regneranno su tutto.”
3. Gesù disse, “Se i vostri capi vi diranno, ‘Vedete, il Regno è nei cieli’, allora gli uccelli dei cieli vi precederanno. Se vi diranno, ‘È nei mari’, allora i pesci vi precederanno. Invece, il Regno è dentro di voi e fuori di voi. Quando vi conoscerete sarete riconosciuti, e comprenderete di essere figli del Padre vivente. Ma se non vi conoscerete, allora vivrete in miseria, e sarete la miseria stessa.”
4. Gesù disse, “L’uomo di età avanzata non esiterà a chiedere a un bambino di sette giorni dov’è il luogo della vita, e quell’uomo vivrà. Perché molti dei primi saranno ultimi, e diventeranno tutt’uno.”
5. Gesù disse, “Sappiate cosa vi sta davanti agli occhi, e quello che vi è nascosto vi sarà rivelato. Perché nulla di quanto è nascosto non sarà rivelato.”
6. I suoi discepoli gli chiesero e dissero, “Vuoi che digiuniamo? Come dobbiamo pregare? Dobbiamo fare elemosine? Quale dieta dobbiamo osservare?”
Gesù disse, “Non mentite, e non fate ciò che odiate, perché ogni cosa è manifesta in cielo. Alla fine, nulla di quanto è nascosto non sarà rivelato, e nulla di quanto è celato resterà nascosto.”
7. Gesù disse, “Fortunato è il leone che verrà mangiato dall’umano, perché il leone diventerà umano. E disgraziato è l’umano che verrà mangiato dal leone, poiché il leone diventerà comunque umano.”
8. Gesù disse, “L’uomo è come un pescatore saggio che gettò la rete in mare e la ritirò piena di piccoli pesci. Tra quelli il pescatore saggio scoprì un ottimo pesce grosso. Rigettò tutti gli altri pesci in mare, e poté scegliere il pesce grosso con facilità. Chiunque qui abbia due buone orecchie ascolti!”
9. Gesù disse, “Vedete, il seminatore uscì, prese una manciata e seminò. Alcuni semi caddero sulla strada, e gli uccelli vennero a raccoglierli. Altri caddero sulla pietra, e non misero radici e non produssero spighe. Altri caddero sulle spine, e i semi soffocarono e furono mangiati dai vermi. E altri caddero sulla terra buona, e produssero un buon raccolto, che diede il sessanta per uno e il centoventi per uno.”
10. Gesù disse, “Ho appiccato fuoco al mondo, e guardate, lo curo finché attecchisce.”
11. Gesù disse, “Questo cielo scomparirà, e quello sopra pure scomparirà.
I morti non sono vivi, e i vivi non morranno. Nei giorni in cui mangiaste ciò che era morto lo rendeste vivo. Quando sarete nella luce, cosa farete? Un giorno eravate uno, e diventaste due. Ma quando diventerete due, cosa farete?”
12. I discepoli dissero a Gesù, “Sappiamo che tu ci lascerai. Chi sarà la nostra guida?”
Gesù disse loro, “Dovunque siate dovete andare da Giacomo il Giusto, per amore del quale nacquero cielo e terra.”
13. Gesù disse ai suoi discepoli, “Paragonatemi a qualcuno e ditemi come sono.” Simon Pietro gli disse, “Sei come un onesto messaggero.” Matteo gli disse, “Sei come un filosofo sapiente.” Tommaso gli disse, “Maestro, la mia bocca è totalmente incapace di esprimere a cosa somigli.” Gesù disse, “Non sono il tuo maestro. Hai bevuto, e ti sei ubriacato dell’acqua viva che ti ho offerto.” E lo prese con sé, e gli disse tre cose. Quando Tommaso tornò dai suoi amici questi gli chiesero, “Cosa ti ha detto Gesù?” Tommaso disse loro, “Se vi dicessi una sola delle cose che mi ha detto voi raccogliereste delle pietre e mi lapidereste, e del fuoco verrebbe fuori dalle rocce e vi divorerebbe.”
14. Gesù disse loro, “Se digiunate attirerete il peccato su di voi, se pregate sarete condannati, e se farete elemosine metterete in pericolo il vostro spirito.
Quando arrivate in una regione e vi aggirate per la campagna, se la gente vi accoglie mangiate quello che vi offrono e prendetevi cura dei loro ammalati.
Dopo tutto, quello che entra nella vostra bocca non può rendervi impuri, è quello che viene fuori dalla vostra bocca che può rendervi impuri.”
15. Gesù disse, “Quando vedrete uno che non è nato da una donna, prostratevi e adoratelo. Quello è il vostro Padre.”
16. Gesù disse, “Forse la gente pensa che io sia venuto a portare la pace nel mondo. Non sanno che sono venuto a portare il conflitto nel mondo: fuoco, ferro, guerra. Perché saranno in cinque in una casa: ce ne saranno tre contro due e due contro tre, padre contro figlio e figlio contro padre, e saranno soli.”
17. Gesù disse, “Vi offrirò quello che nessun occhio ha visto, nessun orecchio ha udito, nessuna mano ha toccato, quello che non è apparso nel cuore degli uomini.”
18. I discepoli dissero a Gesù, “Dicci, come verrà la nostra fine?” Gesù disse, “Avete dunque trovato il principio, che cercate la fine? Vedete, la fine sarà dove è il principio. Beato colui che si situa al principio: perché conoscerà la fine e non sperimenterà la morte.”
19. Gesù disse, “Beato colui che nacque prima di nascere. Se diventate miei discepoli e prestate attenzione alle mie parole, queste pietre vi obbediranno.
Perché vi sono cinque alberi per voi in Paradiso: non mutano, inverno ed estate, e le loro foglie non cadono. Chiunque li conoscerà non sperimenterà la morte.”
20. I discepoli dissero a Gesù, “Dicci com’è il Regno dei Cieli.” E lui disse loro, “È come un seme di mostarda, il più piccolo dei semi, ma quando cade sul terreno coltivato produce una grande pianta e diventa un riparo per gli uccelli del cielo.”
21. Maria chiese a Gesù, “Come sono i tuoi discepoli?” Lui disse, “Sono come bambini in un terreno che non gli appartiene. Quando i padroni del terreno arrivano, dicono, ‘Restituiteci il terreno.’ E quelli si spogliano dei loro abiti per renderglieli, e gli restituiscono il terreno. Per questo motivo dico, se i proprietari di una casa sanno che sta arrivando un ladro staranno in guardia prima che quello arrivi e non gli permetteranno di entrare nella loro proprietà e rubargli i loro averi. Anche voi, quindi, state in guardia nei confronti del mondo. Preparatevi con grande energia, così i ladri non avranno occasione di sopraffarvi, perché la disgrazia che attendete verrà. Che fra voi ci sia qualcuno che comprenda. Quando il raccolto fu maturo, lui arrivò subito con un sacco e lo mieté. Chiunque abbia due buone orecchie ascolti!”
22. Gesù vide alcuni neonati che poppavano. Disse ai suoi discepoli, “Questi neonati che poppano sono come quelli che entrano nel Regno.” E loro gli dissero, “Dunque entreremo nel regno come neonati?”
Gesù disse loro, “Quando farete dei due uno, e quando farete l’interno come l’esterno e l’esterno come l’interno, e il sopra come il sotto, e quando farete di uomo e donna una cosa sola, così che l’uomo non sia uomo e la donna non sia donna, quando avrete occhi al posto degli occhi, mani al posto delle mani, piedi al posto dei piedi, e figure al posto delle figure allora entrerete nel Regno.”
23. Gesù disse, “Sceglierò fra voi, uno fra mille e due fra diecimila, e quelli saranno come un uomo solo.”
24. Dissero i suoi discepoli, “Mostraci il luogo dove sei, perché ci occorre cercarlo.” Lui disse loro, “Chiunque qui abbia orecchie ascolti! C’è luce in un uomo di luce, e risplende sul mondo intero. Se non risplende, è buio.”
25. Gesù disse, “Amate il vostro amico come voi stessi, proteggetelo come la pupilla del vostro occhio.”
26. Gesù disse, “Voi guardate alla pagliuzza nell’occhio del vostro amico, ma non vedete la trave nel vostro occhio. Quando rimuoverete la trave dal vostro occhio, allora ci vedrete abbastanza bene da rimuovere la pagliuzza dall’occhio dell’amico.”
27. “Se non digiunate dal mondo, non troverete il Regno. Se non osservate il Sabato come Sabato non vedrete il Padre.”
28. Gesù disse, “Ho preso il mio posto nel mondo, e sono apparso loro in carne ed ossa. Li ho trovati tutti ubriachi, e nessuno assetato. Il mio animo ha sofferto per i figli dell’umanità, perché sono ciechi di cuore e non vedono, poiché sono venuti al mondo vuoti, e cercano di andarsene dal mondo pure vuoti.
Ma nel frattempo sono ubriachi. Quando si libereranno dal vino, cambieranno condotta.”
29. Gesù disse, “Se la carne fosse nata a causa dello spirito sarebbe una meraviglia, ma se lo spirito fosse nato a causa del corpo sarebbe una meraviglia delle meraviglie. Eppure mi stupisco di come questa grande ricchezza si sia ridotta in tale miseria.”
30. Gesù disse, “Dove ci sono tre divinità, esse sono divine. Dove ce ne sono due o una, io sono con lei.”
31. Gesù disse, “Nessun profeta è benvenuto nel proprio circondario; i dottori non curano i loro conoscenti.”
32. Gesù disse, “Una città costruita su un’alta collina e fortificata non può essere presa, né nascosta.”
33. Gesù disse, “Quanto ascolterete con le vostre orecchie, proclamatelo dai vostri tetti ad altre orecchie. Dopo tutto, nessuno accende una lampada per metterla in un baule, né per metterla in un posto nascosto. Piuttosto, la mette su un lampadario così che chiunque passi veda la sua luce.”
34. Gesù disse, “Se un cieco guida un cieco, entrambi cadranno in un fosso.”
35. Gesù disse, “Nessuno può entrare nella casa di un uomo robusto e prenderla con la forza se prima non gli lega le mani. A quel punto uno può sottrargli la casa.”
36. Gesù disse, “Non vi tormentate, dalla mattina alla sera, al pensiero di cosa indossare.”
37. I suoi discepoli dissero, “Quando ci apparirai, e quando tornerai a visitarci?” Gesù disse, “Quando vi spoglierete senza vergognarvi, e metterete i vostri abiti sotto i piedi come bambini e li distruggerete, allora vedrete il figlio di colui che vive e non avrete timore.”
38. Gesù disse, “Spesso avete desiderato ascoltare queste parole che vi dico, e non avevate nessuno da cui ascoltarle. Vi saranno giorni in cui mi cercherete e non mi troverete.”
39. Gesù disse, “I Farisei e gli accademici hanno preso le chiavi della conoscenza e le hanno nascoste. Non sono entrati, e non hanno permesso a quelli che volevano entrare di farlo. Quanto a voi, siate furbi come serpenti e semplici come colombe.”
40. Gesù disse, “Una vite è stata piantata lontano dal Padre. Poiché non è robusta, sarà sradicata a morrà.”
41. Gesù disse, “Chiunque ha qualcosa in mano riceverà di più, e chiunque non ha nulla sarà privato anche del poco che ha.”
42. Gesù disse, “Siate come passanti.”
43. I suoi discepoli gli dissero, “Chi sei tu per dirci queste cose?” “Non comprendete chi sono da quello che dico. Invece, siete diventati come i Giudei, che amano l’albero ma odiano i frutti, o amano i frutti ma odiano l’albero.”
44. Gesù disse, “Chiunque bestemmia contro il Padre sarà perdonato, e chiunque bestemmia contro il figlio sarà perdonato, ma chiunque bestemmia contro lo spirito santo non sarà perdonato, né sulla terra né in cielo.”
45. Gesù disse, “L’uva non si coglie dai rovi, né i fichi dai cardi, poiché essi non danno frutti. I buoni producono bene da quanto hanno accumulato; i cattivi producono male dalla degenerazione che hanno accumulato nei loro cuori, e dicono cose malvagie. Poiché dal traboccare del cuore producono il male.”
46. Gesù disse, “Da Adamo a Giovanni il Battista, fra quanti nacquero da donna nessuno è tanto più grande di Giovanni il Battista da non dover abbassare lo sguardo. Ma vi dico che chiunque fra voi diventerà un bambino riconoscerà il regno e diventerà più grande di Giovanni.”
47. Gesù disse, “Un uomo non può stare in sella a due cavalli o piegare due archi. E uno schiavo non può servire due padroni, altrimenti lo schiavo onorerà l’uno e offenderà l’altro. Nessuno beve vino stagionato e subito dopo vuole bere vino giovane. Il vino giovane non viene versato in otri nuovi, altrimenti si guasta. Non si cuce un panno vecchio su un abito nuovo, perché si strapperebbe.”
48. Gesù disse, “Se due persone fanno pace in una stessa casa diranno alla montagna ‘Spostati!’ e quella si sposterà.”
49. Gesù disse, “Beati coloro che sono soli e scelti, perché troveranno il regno. Poiché da lì venite, e lì ritornerete.”
50. Gesù disse, “Se vi diranno ‘Da dove venite?’ dite loro, ‘Veniamo dalla luce, dal luogo dove la luce è apparsa da sé, si è stabilita, ed è apparsa nella loro immagine.’ Se vi diranno, ‘Siete voi?’ dite, ‘Siamo i suoi figli, e siamo i prescelti del Padre vivente.’ Se vi chiederanno, ‘Qual è la prova che il Padre è in voi?’ dite loro, ‘È il movimento e la quiete.’ “
51. I suoi discepoli gli dissero, “Quando riposeranno i morti, e quando verrà il nuovo mondo?” Lui disse loro, “Quello che aspettate è venuto, ma non lo sapete.”
52. I discepoli gli dissero, “è utile o no la circoncisione?” Lui disse loro, “Se fosse utile, il loro padre genererebbe figli già circoncisi dalla loro madre. Invece, la vera circoncisione nello spirito è diventata vantaggiosa da ogni punto di vista.”
54. Gesù disse, “Beato il povero, perché suo è il regno dei cieli.”
55. Gesù disse, “Chi non odierà suo padre e sua madre non potrà essere mio discepolo, e chi non odierà fratelli e sorelle, e porterà la croce come faccio io, non sarà degno di me.”
56. Gesù disse, “Chi è arrivato a conoscere il mondo ha scoperto una carcassa, e di chiunque ha scoperto una carcassa il mondo non è degno.”
57. Gesù disse, Il regno del Padre è come un uomo che ha dei semi. Il suo nemico di notte gli ha piantato erbacce fra i semi. L’uomo non ha voluto che i braccianti gli strappassero le erbacce, ma ha detto loro, ‘No, altrimenti per strappare le erbacce potreste finire per strappare anche il grano.’ Poiché il giorno del raccolto le erbacce saranno molte, e saranno strappate e bruciate.”
58. Gesù disse, “Beato l’uomo che si è impegnato e ha trovato la vita.”
59. Gesù disse, “Guardate colui che vive finché vivete, altrimenti potreste morire e poi cercare di scorgere colui che vive, e non ne sareste capaci.”
60. Vide un samaritano che portava un capretto e andava in Giudea. Disse ai suoi discepoli, “Quell’uomo […] del capretto.” Loro gli dissero, “Così che possa ucciderlo e mangiarlo.” Lui disse loro, “Non lo mangerà finché è vivo, ma solo dopo averlo ucciso e ridotto a cadavere.” Loro risposero, “Non potrebbe fare altrimenti.” Lui disse loro, “E così pure voi, cercatevi un posto per riposare, o potreste diventare cadaveri e venire mangiati.”
61. Gesù disse, “In due si adageranno su un divano; uno morirà, l’altro vivrà.” Disse Salomè, “Chi sei tu signore? Sei salito sul mio divano e hai mangiato dalla mia tavola come se qualcuno ti avesse inviato.” Gesù le disse, “Sono quello che viene da ciò che è integro. Mi sono state donate delle cose di mio Padre.” “Sono tua discepola.” “Per questa ragione io ti dico, se uno è integro verrà colmato di luce, ma se è diviso, sarà riempito di oscurità.”
62. Gesù disse, “Io rivelo i miei misteri a coloro che ne sono degni. Che la vostra mano sinistra non sappia cosa fa la destra.”
63. Gesù disse, “C’era un ricco che aveva molto denaro. Disse, ‘Investirò questo denaro così che io possa seminare, mietere e riempire i miei magazzini con il raccolto, e che non mi manchi nulla.’ Queste erano le cose che pensava in cuor suo, ma quella stessa notte morì. Chi fra voi ha orecchie ascolti!”
64. Gesù disse, “Un uomo organizzò un ricevimento. Quando ebbe preparato la cena, mandò il suo servo a invitare gli ospiti. Il servo andò dal primo e gli disse, ‘Il padrone ti invita.’ E quegli disse, ‘Ci sono dei mercanti che mi devono dei soldi, e vengono da me stasera. Devo andare a dargli istruzioni. Lo prego di scusarmi ma non posso venire a cena.’ Il servo andò da un altro e disse, ‘Il padrone ti ha invitato.’ Quegli disse al servo, ‘Ho comprato una casa, e devo assentarmi per un giorno. Non avrò tempo per la cena.’ Il servo andò da un altro e gli disse, ‘Il padrone ti invita.’ Quegli disse al servo, ‘Un mio amico si sposa, e devo preparargli il banchetto. Non potrò venire. Lo prego di scusarmi se non posso venire.’ Il servo andò da un altro e gli disse, ‘Il padrone ti invita.’ Quegli disse al servo, ‘Ho comprato una proprietà, e sto andando a riscuotere l’affitto. Non potrò venire, Lo prego di scusarmi.’ Il servo ritornò e disse al padrone, ‘Quelli che avevi invitato a cena chiedono scusa ma non possono venire.’ Il padrone disse al servo, ‘Vai per la strada e porta a cena chiunque trovi.’
Acquirenti e mercanti non entreranno nei luoghi del Padre mio.”
65. Lui disse, Un […] uomo possedeva una vigna e l’aveva affittata a dei contadini, così che la lavorassero e gli cedessero il raccolto. Mandò il suo servo dai contadini per farsi consegnare il raccolto. Quelli lo afferrarono, lo picchiarono, e quasi l’uccisero. Poi il servo ritornò dal padrone. Il padrone disse, ‘Forse non li conosceva.’ Mandò un altro servo, e i contadini picchiarono anche quello. Quindi il padrone mandò suo figlio e disse, ‘Forse verso mio figlio mostreranno un qualche rispetto.’ Poiché i contadini sapevano che lui era l’erede della vigna, lo afferrarono e lo uccisero. Chi ha orecchie ascolti!”
66. Gesù disse, “Mostratemi la pietra scartata dai costruttori; quella è la chiave di volta.”
67. Gesù disse, “Quelli che sanno tutto, ma sono carenti dentro, mancano di tutto.”
68. Gesù disse, “Beati voi, quando sarete odiati e perseguitati; e non resterà alcun luogo, dove sarete stati perseguitati.”
69. Gesù disse, “Beati quelli che sono stati perseguitati nei cuori: sono loro quelli che sono arrivati a conoscere veramente il Padre. Beati coloro che sopportano la fame, così che lo stomaco del bisognoso possa essere riempito.”
70. Gesù disse, “Se esprimerete quanto avete dentro di voi, quello che avete vi salverà. Se non lo avete dentro di voi, quello che non avete vi perderà.”
71. Gesù disse, “Distruggerò questa casa, e nessuno sarà in grado di ricostruirla […].”
72. Un uomo gli disse, “Dì ai miei fratelli di dividere con me i loro averi.” Lui disse all’uomo, “Signore, e chi mi ha nominato spartitore?” Si girò verso i discepoli e disse, “Non sono uno spartitore, vero?”
73. Gesù disse, “Il raccolto è enorme ma i braccianti sono pochi, perciò pregate il mietitore di mandare i braccianti nei campi.”
74. Lui disse, “Signore, sono in molti attorno all’abbeveratoio, ma non c’è nulla nel pozzo.”
75. Gesù disse, “In molti si affollano davanti alla porta, ma sarà il solitario ad entrare nella camera nuziale.”
76. Gesù disse, “Il regno del Padre è come un mercante che ricevette un carico di mercanzia e vi trovò una perla. Il mercante fu accorto; vendette la mercanzia e si tenne solo la perla. Così anche voi, cercate il tesoro che è eterno, che resta, dove nessuna tarma viene a rodere e nessun verme guasta.”
77. Gesù disse, “Io sono la luce che è su tutte le cose. Io sono tutto: da me tutto proviene, e in me tutto si compie. Tagliate un ciocco di legno; io sono lì.
Sollevate la pietra, e mi troverete.”
78. Gesù disse, “Perché siete venuti nella campagna? Per vedere una canna scossa dal vento? E per vedere un uomo vestito in abiti raffinati, come i capi e i potenti? Quelli sono vestiti in panni raffinati, e non sanno cogliere la verità.”
79. Una donna nella folla gli disse, “Fortunato il grembo che ti generò e il seno che ti nutrì.” Lui le disse, “Fortunati coloro che hanno ascoltato la parola del Padre e l’hanno veramente conservata. Poiché vi saranno giorni in cui direte, ‘Fortunato il grembo che non ha concepito, e il seno che non ha allattato.”
80. Gesù disse, “Chi è arrivato a conoscere il mondo ha scoperto un cadavere, e chi ha scoperto un cadavere è al di sopra del mondo.”
81. Gesù disse, “Lasciate che chi è diventato ricco regni, e che chi ha il potere vi rinunci.”
82. Gesù disse, “Chi è vicino a me è vicino al fuoco, e chi è lontano da me è lontano dal regno.”
83. Gesù disse, “Le immagini sono visibili alla gente, ma la loro luce è nascosta nell’immagine della luce del Padre. Lui si rivelerà, ma la sua immagine è nascosta dalla sua luce.”
84. Gesù disse, “Quando vedete ciò che vi somiglia siete contenti. Ma quando vedrete le immagini che nacquero prima di voi e che non muoiono né diventano visibili, quanto dovrete sopportare!”
85. Gesù disse, “Adamo è partito da un grande potere e una grande ricchezza, ma non era degno di voi. Perché se fosse stato degno, non avrebbe conosciuto la morte.”
86. Gesù disse, “Le volpi hanno tane e gli uccelli hanno nidi, ma gli esseri umani non hanno un posto dove stendersi e riposare.”
87. Gesù disse, “Quanto è misero il corpo che dipende da un corpo, e quanto è misera l’anima che dipende da entrambi.”
88. Gesù disse, “I messaggeri e i profeti verranno da voi e vi daranno ciò che vi appartiene. Voi, da parte vostra, date loro quello che avete, e dite a voi stessi, ‘Quando verranno a prendere quello che gli appartiene?'”
89. Gesù disse, “Perché sciacquate l’esterno della coppa? Non capite che quello che ha creato l’interno è anche quello che ha creato l’esterno?”
90. Gesù disse, “Venite a me, perché il mio giogo è confortevole e il mio dominio è gentile, e troverete la vostra pace.”
91. Gli dissero, “Dicci chi sei così che possiamo credere in te.”
Lui disse loro, “Voi esaminate l’aspetto di cielo e terra, ma non siete arrivati a comprendere colui che è di fronte a voi, e non sapete come interpretare il momento attuale.”
92. Gesù disse, “Cercate e troverete. Nel passato, comunque, non vi ho rivelato le cose che allora mi chiedeste. Ora vorrei dirvele, ma voi non le chiedete più.”
93. “Non date le cose sacre ai cani, perché potrebbero gettarle sullo sterco. Non gettate perle ai porci, o potrebbero […].”
94. Gesù disse, “Colui che cerca troverà, e chi bussa entrerà.”
95. Gesù disse, “Se avete denaro, non prestatelo a interesse. Piuttosto, datelo a qualcuno da cui non lo riavrete.”
96. Gesù disse, “Il regno del Padre è come una donna. Prese un po’ di lievito, lo nascose nell’impasto, e ne fece grandi forme di pane. Chi ha orecchie ascolti!”
97. Gesù disse, “Il regno è come una donna che portava una giara piena di farina. Mentre camminava per una lunga strada, il manico della giara si ruppe e la farina le si sparse dietro sulla strada. Lei non lo sapeva; non si era accorta di nulla. Quando raggiunse la sua casa, posò la giara e scoprì che era vuota.”
98. Gesù disse, “Il regno del Padre è come una persona che voleva uccidere un potente. Prima di uscire di casa sfoderò la spada e la infilò nel muro per provare se il suo braccio riusciva a trapassarlo. Poi uccise il potente.”
99. I discepoli gli dissero, “I tuoi fratelli e tua madre sono qui fuori.” Lui disse loro, “Quelli che fanno il volere del Padre mio sono i miei fratelli e mia madre. Sono quelli che entreranno nel regno di mio Padre.”
100. Mostrarono a Gesù una moneta d’oro e gli dissero, “Gli uomini dell’imperatore romano ci chiedono le tasse.” Lui disse loro, “Date all’imperatore quello che è dell’imperatore, date a Dio quello che è di Dio, e date a me quel che è mio.”
101. “Chiunque non odia padre e madre come me non può essere mio discepolo, e chiunque non ama padre e madre come me non può essere mio discepolo. Poiché mia madre […], ma la mia vera madre mi ha dato la vita.”
102. Gesù disse, “Maledetti i Farisei! Sono come un cane che dorme nella mangiatoia: il cane non mangia, e non fa mangiare il bestiame.”
103. Gesù disse, “Beati quelli che sanno da dove attaccheranno i ribelli. Possono organizzarsi, raccogliere le risorse imperiali, ed essere preparati prima che i ribelli arrivino.”
104. Dissero a Gesù, “Vieni, oggi preghiamo, e digiuniamo.” Gesù disse, “Quale peccato ho commesso, o di quale impurità mi sono macchiato? Piuttosto, quando lo sposo lascia la camera nuziale, allora lasciate che la gente digiuni e preghi.”
105. Gesù disse, “Quando farete dei due uno diventerete figli di Adamo, e quando direte ‘Montagna, spostati!’ si sposterà.”
107. Gesù disse, “Il regno è come un pastore che aveva cento pecore. Una di loro, la più grande, si smarrì. Lui lasciò le altre novantanove e la cercò fino a trovarla. Dopo aver faticato tanto le disse, ‘Mi sei più cara tu di tutte le altre novantanove.'”
108. Gesù disse, “Chi berrà dalla mia bocca diventerà come me; io stesso diventerò quella persona, e tutte le cose nascoste gli si riveleranno.”
109. Gesù disse, “Il regno del Padre è come una persona che aveva un tesoro nascosto nel suo campo ma non lo sapeva. E quando morì lo lasciò a suo figlio. Il figlio non ne sapeva nulla neanche lui. Diventò proprietario del campo e lo vendette. L’acquirente andò ad arare, scoprì il tesoro, e cominciò a prestare denaro a interesse a chi gli pareva.”
110. Gesù disse, “Lasciate che chi ha trovato il mondo, ed è diventato ricco, rinunci al mondo.”
111. Gesù disse, “I cieli e la terra si apriranno al vostro cospetto, e chiunque è vivo per colui che vive non vedrà la morte.” Non dice Gesù, “Di quelli che hanno trovato se stessi, il mondo non è degno?”
112. Gesù disse, “Maledetta la carne che dipende dall’anima. Maledetta l’anima che dipende dalla carne.”
113. I suoi discepoli gli chiesero, “Quando verrà il regno?” “Non verrà cercandolo. Non si dirà ‘Guarda, è qui!’, oppure ‘Guarda, è lì!’ Piuttosto, il regno del Padre è sulla terra, e nessuno lo vede.”

Adattato di testo di Madeleine Scopello pubblicato in "Archeo", Milano, Italia, Aprile 2012,Anno XXVIII, n. 4 (326). Digitalizzati e illustrato per Leopoldo Costa

PERFUMES: O LADO GLAMUROSO DA INDÚSTRIA FRANCESA

$
0
0


Oriundos de uma tradição plurissecular, os perfumes franceses representam hoje uma boa parte das exportações mundiais, e quatro dos oito maiores grupos do setor são franceses. Produto evanescente por excelência que garante milhares de empregos e um faturamento colossal, o perfume é um produto de luxo em constante democratização e um setor em fase de grandes transformações há alguns anos.

Raramente um setor industrial tão importante reúne tantos paradoxos: quintessência do luxo, da sensualidade e do refinamento, a indústria do perfume envolve também industriais poderosos, especialistas em marketing e lançamento publicitário de nível mundial. Apesar da conotação frívola do produto, ele atravessou a recessão sem ser muito abalado, com uma taxa de crescimento na França que passou de 12,3% em 1991 para 4,2% em 1993 e 3,2% em 1994, sem jamais alcançar um índice negativo (na França, nove mulheres sobre dez e um homem a cada dois se perfumam). Tendo origem numa tradição plurissecular, os perfumistas franceses empregam hoje as mais modernas tecnologias.

Elaborados por criadores inspirados (os famosos “narizes”, que sabem misturar as essências), acompanhando as últimas descobertas da química e a evolução das caras matérias-primas naturais, cuidadosamente embalados, batizados com nomes significativos, assinados pelos nomes mais famosos da moda, os perfumes também estão se democratizando, agora presentes nas prateleiras das grandes redes de distribuição. Paralelamente, eles agora estão seduzindo não apenas as mulheres, mas também e cada vez mais os homens, os jovens e até mesmo as crianças, representando um mercado em plena expansão.

Nesse setor a França ocupa um lugar de destaque, com quatro empresas no pelotão de frente, seguidas de uma miríade de empresas mais modestas. O conjunto representa um mercado interno de 29,4 bilhões de francos (ou 5,8 bilhões de dólares, para 1 franco = 0,20 dólares) na França, ao qual se acrescentam cerca de 5,5 bilhões de francos (aproximadamente 1 bilhão de dólares) de importações e 29,7 bilhões de francos (5,9 bilhões de dólares) de exportações em 1995. Sem esquecer que os perfumes franceses representam uma boa parcela das exportações mundiais do setor.

Mais de cem lançamentos por ano

Em 1995, assim como em 1994, uma centena de novos perfumes foram lançados, em operações que continham enormes implicações. No outono europeu (os lançamentos mais importantes são feitos no fim do ano, em função dos presentes de Natal), a Lancôme lançou seu Poème; Dior, o Dolce Vita; e Cartier, o So Pretty. Sem falar do Mâle, de Jean-Paul Gaultier, ou o Nilang, da Lalique... e, é claro, mais meia-dúzia de perfumes assinados por estilistas italianos ou americanos, muitas vezes fabricados pelos grandes do setor. Lançamentos cujo custo publicitário eleva-se a 100 milhões de francos (20 milhões de dólares) para Cartier, o triplo para Dior e Lancôme (sem contar o custo da concepção, dos frascos, da embalagem, etc... que representa cerca de 100.000 dólares).

[...] Os lançamentos são feitos um após o outro e as marcas jogam pesado: depois do lançamento mundial em 1987 do Poison, de Dior, para ser um sucesso, um lançamento tem que ser mundial e em grande escala. O que significa atingir 200 milhões de dólares de faturamento anual.

Produto frívolo de efeitos fugazes, o perfume é a base de uma indústria de um porte considerável. Entre os grandes fabricantes, os franceses estão amplamente presentes: a L’Oréal vem em segundo lugar depois do grupo americano Estée Lauder, com um faturamento de 6 bilhões de francos em 1994 (1,2 bilhões de dólares) no setor de perfumes. A campeã francesa dos perfumes e cosméticos fabrica e distribui as marcas Lancôme, Ralph Lauren, Cacharel, Guy Laroche, Giorgio Armani, Paloma Picasso e Lanvin. Na mesma esteira: Louis-Vuiton Moët-Hennessy (LVMH), proprietária de Christian Dior, Guerlain, Givenchy e Kenzo (volume de negócios: 5,4 bilhões de francos, ou aproximadamente um bilhão de dólares).

O grupo Elf Aquitaine também participa desse jogo através de sua filial, a Sanofi, com as marcas Yves Saint-Laurent, Nina Ricci, Van Cleef & Arpels e Oscar de la Renta (volume de negócios: 4,5 bilhões de francos, ou 900 milhões de dólares). E finalmente Chanel, que apresenta um faturamento de 3,5 bilhões de francos (700 milhões de dólares) com a marca de mesmo nome, e Ungaro. Uma coisa pode ser constatada: os grandes colecionam uma infinidade de marcas e algumas delas, que se acreditava serem americanas ou italianas, pertencem a grupos franceses. Num intercâmbio de bons procedimentos, o estilista Jean-Paul Gaultier fez seu perfume – cujo frasco representa um busto feminino – juntamente com o japonês Shiseido...

Por trás dos grandes grupos, uma infinidade de pequenas empresas vivem e sobrevivem. Assim como a Cartier (volume de negócios: 280 milhões de francos em 1994, ou 56 milhões de dólares para o perfume, ou 5 a 7% do faturamento global do grupo) e Annick Goutal (grupo Taittinger), cujos “sumos”, bastante elaborados, ainda não atingiram uma grande notoriedade. Entre tantas outras, casas de luxo como a joalheria Boucheron ou os cristais Lalique também lançaram seus perfumes, mas também de marcas menos conhecidas como a Ulric de Varens, campeã dos perfumes baratos, distribuídos, pelo menos na França, unicamente nas grandes lojas.

Criação de um perfume, apanágio dos “narizes”

Se Mademoiselle Chanel pôde criar pessoalmente seu famoso Nº 5, que continua figurando entre os perfumes mais célebres, hoje essa época já vai longe. A criação de um novo “sumo” é agora da alçada de um punhado de criadores particularmente hábeis na manipulação das essências: os “narizes”. Não existe diploma para essa profissão, que exige antes de tudo  amor e dom para os odores, além de um longo aprendizado... sem esquecer que um “nariz” não pode fumar e evita tudo que possa prejudicar seu talento. Porque os raros especialistas – que podem ser contados nos dedos das mãos – devem poder se situar diante de uma gama de vários milhares de odores, que é preciso ainda por cima saber combinar.

Para que um perfume venha a nascer, é preciso de fato misturar várias dezenas de essências, e escolher o que os especialistas chamam de “nota de cabeça” – o odor que se percebe imediatamente –, uma “nota de coração”, que dá sua característica ao perfume, e uma “nota de fundo”, que fixa o conjunto. Da mistura entre notas fruitées (de frutas) ou verdes, de madeira, florais ou animais, nascerá o perfume. Alguns deles estão ligados a uma maison como Jean-Paul Guerlain, criador do Samsara, outros criam para uma marca, como Jacques Cavalier ou Jean Guichard, de Grasse.

Conhecer na ponta... do nariz as notas olfativas não basta para criar um perfume que se tornará célebre. Para isso é preciso ter uma sensibilidade do que está ligado à época, como foi o caso para o Shalimar de Guerlain, criado em 1925, ou mais recentemente para o Opium (1977) de Yves Saint-Laurent ou Poison (1985), de Dior. Hoje os perfumes são mais surpreendentes, como o Eau d’Issey Miyaké, de notas marítimas acentuadas. Ou mais discretos, para as jovens, como o Eden de Cacharel... Na maior parte dos casos, assim como na moda ou na criação artística, o sucesso nasce de um encontro entre um público e uma sensibilidade. Mas é preciso para isso que o perfume corresponda também a uma marca em lançamento e esteja de acordo com sua imagem –, luxo, juventude, sensualidade, mistério, originalidade... A coerência deve ser total entre o perfume, seu frasco e a imagem que ele veicula.

Grasse,capital dos perfumes

Na origem dos perfumes estão as flores e algumas essências animais como o almíscar e o âmbar.

É graças às flores que a verdadeira capital dos perfumes na França não é Paris, mas Grasse, na Côte d’Azur. Um lugar onde há vários séculos são cultivadas as rosas, o jasmim, a lavanda, as íris e a mimosa, assim como as plantas aromáticas das quais se extraem essências.

Nessa pequena cidade ensolarada, encarapitada nos contrafortes dos Alpes-de-Haute-Provence, 2.000 pessoas trabalham para a perfumaria e os aromas, gerando um volume de negócios de cerca de 3 bilhões de francos por ano (600 milhões de dólares), ou 50% do mercado da perfumaria e dos aromas alimentares franceses e 6% do mercado mundial. Alguns grandes grupos da perfumaria, como o Sanofi, estão instalados aí.

Mas a profissão em Grasse é a essência, com nomes como Givaudan-Roure ou Robertet. Mesmo que as flores praticamente já não sejam mais cultivadas localmente, em razão de custos de produção excessivamente elevados, as flores e, é claro, as especiarias, vêm da Bulgária, da Turquia ou de Madagascar. Apesar das dificuldades e das diferentes localizações, a tradição persiste em Grasse. É lá que a Robertet fabrica, em especial, essências sob medida para a clientela do Oriente Médio, que chega a pagar de 3.000 a 5.000 francos (600 a 1.000 dólares) pelo litro de composições onde são misturadas as essências mais nobres.

Esse reino do perfume vê nascerem vocações: duas irmãs, herdeiras da marca Fragonard, acabam de relançar alguns dos perfumes dessa marca que antigamente foi famosa. Mas, inversamente, o custo da mão-de-obra e as preocupações com o meio ambiente – a indústria de perfumes é altamente poluente – levam algumas delas a pensar em se instalarem em outros locais.
 
Texto de Alix Villeneuve em " Label France"  na  "Revista de Informação do Ministério das Relações Exteriores". Brasília, nº 24, junho de 1996, pp. 26-28. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

O BRASIL COLONIAL VISTO POR FRANCESES

$
0
0


As primeiras impressões deixadas pelos letrados franceses sobre os indígenas brasileiros no século XVI, as de Montaigne de Jean de Léry, foram por assim dizer de admiração. Mesmo o costume da antropofagia, tão comum naquela época, não lhes pareceu tão condenável visto as circunstâncias em que os nativos se encontravam. A imagem idealizada que criaram, especialmente a transmitida por Montaigne, inspirou muitas teses sobre a bondade natural do homem. Com a passagem dos séculos, porém, essa segurança do nativo brasileiro ser um Adão no Paraíso deu lugar a uma outra, bem mais realista, a apresentada pelo etnólogo Claude Lévy-Strauss quando visitou o interior do Brasil nos anos 30 do século XX. Sua percepção pouco indulgente também nos ajudou, pois "os franceses, usando a sua língua, empregando os seus métodos, nos punham dentro do país", como disse o professor Antônio Cândido.

Michel de Montaigne

Montaigne e os Tupinambás 

"Mas, que diabo, essa gente não usa calças."
(Montaigne - Ensaios, 1572-80)

Michel de Montaigne foi o primeiro homem de letras de peso a encontrar um par de índios brasileiros e deixar um belo registro disso. Foi em Ruão, quando uns homens de raça vermelha recém-desembarcaram trazidos do Novo Mundo. Trouxeram-nos afim de serem exibidos ao rei Carlos IX, que posou para os índios, vistos então quase como extraterrestres, como transformado num agradável hospedeiro, fazendo-lhes festas e mostrando-lhes o cotidiano da corte. Tratava-se de um grupo de tupinambás, com tangas e penas, que uns marinheiros bretões arrastaram a bordo como amostra viva e testemunhos das suas viagens. Serviram eles, tupinambás acrescidos de um grupo de tabajaras, como figurantes numa sensacional festa em Ruão, organizada pelos mercadores locais em homenagem a um outro rei, Henrique II, e que contou com a presença da bela Mary Stuart, rainha da Escócia (festa que de tão fabulosa mereceu várias gravuras, aparecidas em 1551).

O Filósofo e o Morubixaba 

Tentou o sábio, com o auxílio de um trôpego intérprete, comunicar-se com eles, relatando esse encontro nos seus Essais (Ensaios I, Capítulo XXXI, Dos Canibais), escrito entre 1572-80. Recordou que uma das coisas que mais espantaram os selvagens recém-chegados é de "que há entre nós gente bem alimentada, gozando das comodidades da vida, enquanto metades de homens emagrecidos, esfaimados e miseráveis, mendigam à portas dos outros". O que parecia ser o morubixaba, o chefe do grupo, disse que achava extraordinário que "essas metades de homens suportem tanta injustiça sem se revoltarem e incendiarem as casas dos demais."

Esse, presume-se, foi o primeiro diálogo registrado na alta literatura entre um francês e um nativo do Brasil. Montaigne, um tanto antes deste inusitado encontro, fornira-se de informações trazidas por um serviçal seu que, como homem do mar, havia estado um decênio antes na França Antártica.

 Não conheciam fé, lei, nem rei 

O pensador mostrou-se entusiasmado ao saber que nos trópicos desconhecia-se hierarquia, que ninguém tinha a menor idéia do que poderia ser uma autoridade ou um magistrado e que tudo era comum a todos, "pessoas sem fé, sem lei, sem rei", como então diziam deles. Mesmo os atos terríveis que os indígenas cometiam com seus inimigos, as cenas de decapitação e atrozes suplícios, seguida por rituais de canibalismo, que tantos relatos tiveram foram entendidas por Montaigne como uma prova de medição da coragem da vítima. Não diferindo, meditou ele, das que os brancos praticavam entre si. Afinal das contas, disse o pensador, porque horrorizar-se com a antropofagia, que diziam ser atividade comum em todo o Novo Mundo, se ela não se distanciava muito do tétrico costume da Santa Inquisição de mandar queimar vivos os hereges num auto-de-fé. Cerimonial pavoroso que largamente era praticado em praça pública na Espanha e em Portugal, bem ali ao lado da França.

Louvou-lhes "a felicidade de limitar seus desejos ao que exige a satisfação de suas necessidades naturais, tudo o que as excede lhes parecendo supérfluo."

Jean de Léry

O Calvinista Jean de Léry 

Sérgio Buarque de Holanda, por sua vez, encontra em Jean de Léry, um outro francês, como um dos mais preclaros idealizadores do nativo americano. Ao contrário de Montaigne, De Léry chegou a pôr os pés no Brasil. O jovem missionário calvinista aportou na ilha de Villegagnon, na baía da Guanabara, em 1557. Revelou-se autor de um livro estupendo não apenas pela aventura em si, mas pelo detalhado levantamento dos costumes dos nativos, que o qualificaram como o primeiro etnólogo do Brasil. Se atentarmos para a sua descrição indulgente das virtudes físicas e morais dos tupinambás e caraíbas que vivam nas redondezas da baía, registradas na Histoire d'un voyage fait en la terre du Brésil (Viagem à terra do Brasil), observa-se que mesmo quando descreve os horrendos rituais antropofágicos, sua indulgência para com os selvagens é a mesma que encontra-se em Montaigne. Concluiu dizendo que "não vejo nada de bárbaro ou selvagem no que dizem daqueles povos; e, na verdade, cada qual considera bárbaro o que não se pratica na sua terra."

O Bom Selvagem 

Revela-se em ambos, o pensador céptico e o missionário protestante, a predisposição dos intelectuais daqueles tempos para encantarem-se com a vida primitiva, da mesma forma que 15 séculos antes deles o historiador romano Tácito exaltava os costumes dos germanos, elogiando-lhes a pureza e a transparência dos seus sentimentos. Havia tal necessidade psicológica entre os europeus ilustrados daquela época em querer dourar tudo o que dizia-se encontrar por aqui que os levou a alimentar por muito tempo a lenda da descoberta do paraíso terreal. Um historiador sueco, Sverder Arnoldsson, num trabalho erudito, verificou que essas descrições, deslumbradas e maravilhadas, seguidas de entusiasmo pela organização dos selvagens, eram muitas vezes copiadas das antigas descrições que o escritor romano Ovídio fizera sobre a Idade do Ouro. Relato que há mais mil e quinhentos anos circulava entre os europeus cultos. Portanto havia por assim dizer uma tradição européia dessas narrativas edênicas, que vinha sendo repetidas desde os tempos da antiga Roma, quiçá até anteriores, todas elas reveladoras do anseio quase que desesperado dos intelectuais em querem encontrar em algum lugar qualquer da Terra uma sociedade feliz.

 Os Índios e a Revolução 

Foi partindo do capítulo de Montaigne que, dois séculos depois dele, Jean-Jacques Rousseau desenvolveu a tão celebrada e polêmica tese do "bom selvagem", defendida no Discours sur les arte et sciences (Discurso sobre as Artes e as Ciências, 1750), que causou furor a partir da sua publicação. Considerando que toda a estrutura cultural conhecida havia apenas servido para corromper e perverter a natureza bondosa do ser humano, o pensador genebrino lançara um repto à sociedade européia: o mundo dito selvagem era superior ao civilizado. O relato de Montaigne igualmente chegou a outros filósofos, como o inglês Locke, que também denunciou as instituições políticas da sua época como inibidoras da felicidade e da realização dos homens. Foram essas apreciações, somadas a tantas outras, que levaram Affonso Arinos de Mello Franco à imaginativa e erudita tese, seguindo as pegadas do francês Waldemar George, que ligara os nativos brasileiros ao ideal rousseauniano, de que fôra o índio tupinambá, com sua aura de homem bom e livre de convenções, apresentando ao mundo culto por Montaigne, o mentor distante, o ícone longínquo e inspirador que terminara por empurrar os acontecimentos rumo à Revolução Francesa de 1789 (O índio brasileiro e a Revolução Francesa, 1937)

Os trópicos são tristes 

Passados quatro século daqueles relatos e das inúmeras fabulações sociais que geraram, o fascínio para com o Novo Mundo desapareceu. Com o passar dos tempos lentamente desfizeram-se as fantasias e os delírios utópicos. A tal ponto que o próprio título do livro de viagens do mais célebre dos etnólogos, o francês Claude Lévy-Strauss, fala por si: Tristes tropiques, (Tristes Trópicos, 1955). Livro que depois considerou-se como a bíblia da antropologia contemporânea.

Desembarcando no Rio de Janeiro em 1935, nem a beleza da paisagem o comoveu. Mal humorado, o Pão-de-açúcar, o Corcovado e os demais picos espalhados ao redor da baía de Guanabara, pareceram-lhe uma bocarra banguela com meia dúzia de dentes expostos. Como se fosse o morubixaba que falara três séculos e meio antes com Montaigne, escandalizou-se com a abismal diferenças de classes, dizendo que ali, na cidade do Rio de Janeiro, a situação de cada um poderia ser medida por um curioso altímetro invertido, quanto mais para o alto dos morros alguém morasse, mais miserável ele era, e quanto mais próximo das praias, mais abençoado podia-se considerar. Para o estudioso francês, se havia ainda algum vestígio de uma Idade de Ouro nos trópicos, ela estava reservada apenas "para os que tinham dinheiro", os que habitavam a cidade do luxo, não as do lixo. Somando-se isto com o que viu depois no interior do Brasil, quando visitou inúmeras tribos indígenas, ele desencantou-se. Ao contrário da terra do sol e do mel, os trópicos eram uma miséria de dar dó. Opinião, aliás, não muito diferente da do conde de Gobineau que esteve no Rio de Janeiro na época do II Império como embaixador da França.

Entre Serpentes Caipiras 

Em São Paulo, onde assumira a cadeira de sociologia da USP, divertiu-se muito com o provincianismo da elite paulista e com a feudalização e superficialidade da vida intelectual. Ironizou-lhes as mesuras com que tentavam ocultar o desejo de "se destruírem mutuamente" o que faziam, assegurou Lévy-Strauss, "com persistência e ferocidade notáveis". Viu na sociedade bandeirante um verdadeiro serpentário de caipiras.

Mais tarde, quando finalmente adentrou na mata pelos lados do Brasil central, no Rio das Garças, aventura que ele comparou aos rigores do serviço militar, deparou-se com a aldeia Kejara, dos Bororo. Foi um choque. Impressionou-se não com a tão propalada independência e liberdade dos aborígenes, tão aclamada e enaltecida pelos seus conterrâneos europeus dos séculos anteriores, mas sim com a constrangedora miséria dos índios. E assim seguiu sua viagem, observando os demais, os caduveo, os nambikwara e os tupi-kawahib, deixando, de todos eles, um quadro desolador.

Pobres mas ainda alvo de interesse

Nem os achou tão saudáveis assim, verificando a existência entre as tribos de inúmeros doentes jogados nas palhoças, inclusive leprosos. Não se furtou, entretanto, em tentar entender-lhes as estruturas, as complicadas relações familiares e subclânicas, seu sistema de organização tribal, seus artefatos brasonados, a distribuição das ocas segundo a determinação geográfica e seus rituais de casamentos e enterros.

Confessou que gostava ao entardecer, exausto, ainda na aldeia Bororo, de adormecer com o canto quase monocórdio entoado pelos guerreiros, ao som de cabaças cheias de cascalhos que se estendiam pela noite adentro. Amansavam com suas vozes, diziam eles, o espírito da caça abatida. Tentavam conformá-la com o destino de ser em breve devorada pela tribo. Parece que para Lévy-Strauss, ali, dormindo na rede, era o único momento em que o trópico deixava de ser infeliz.

O Fim do Éden 

Com Tristes Trópicos, que Jacques Rancière chamou de "o último episódio de uma ciência do século 19", encerrou-se uma longa relação dos escritores franceses (além dos já mencionados, somam-se André Theret, Claude d'Abeville, Yves d'Évereux e Paul Gaffarel) que deixaram testemunhos abertamente idealizados do Brasil. A imagem inicial do Éden em plena selva - do encontro com as fontes de juventude, das serras apinhadas de ouro, de rios de esmeralda, de lagoas encantadas, de amazonas, de gente linda, saudável e exuberante - deu lugar, no século 20, a uma avaliação mais opaca, menos sentimental e bem mais realista. Despia-se daquelas esperanças ingênuas com que alguns dos primeiros europeus viram inicialmente o Novo Mundo. Com o livro de Lévy-Strauss, desencanta-se finalmente o Novo Mundo, diluindo-se desde então o sonho generoso de Rousseau.

Texto de Voltaire Schilling disponível na internet em http://educaterra.terra.com.br/voltaire/index_artigos.htm.Digitalizado,adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.















A BIBLIOTECA DE NAG HAMMADI

$
0
0


Biblioteca de Nag Hammadi é uma coleção de textos gnósticos do cristianismo primitivo (período que vai da fundação até o Primeiro Concílio de Niceia em 325 d.C.) descoberta na região do Alto Egito, perto da aldeia de Nag Hammadi em 1945.

Helmut Koester em seu livro "Introdução ao Novo Testamento' sustenta que cerca de dez escritos achados em Nag Hammadi são anteriores ao ano 150.

Em dezembro de 1945, Mohammed Ali Samman e seu irmão, enquanto procuravam por fertilizante em cavernas de rocha calcária perto da atual Hamra Dom no Alto Egito, encontraram numa jarra de argila treze códices de papiro acondicionados em couro. Os códices contêm textos sobre cinquenta e dois tratados majoritariamente gnósticos, além de incluírem também três trabalhos pertencentes à "Corpus Hermeticum" e tradução parcial da "A República de Platão".

A descoberta não foi inicialmente reportada por nenhum dos irmãos, que tentaram ganhar dinheiro pelos manuscritos vendendo-os individualmente. Conta-se também que a mãe dos irmãos queimou diversos dos manuscritos. Como resultado, o que passou a ser conhecido como "Biblioteca de Nag Hammadi" foi uma acumulação gradual de achados e sua importância passou despercebida por algum tempo após os achados iniciais.

Em 1946, os irmãos se desentenderam e deixaram os manuscritos com um sacerdote copta, cujo cunhado, em outubro daquele ano, vendeu um dos códices ao Museu Copta no Cairo (Codex III na coleção atual). O especialista em copta e história das religiões residente Jean Dorese, percebendo a importância do achado, publicou a primeira referência a ele em 1948. Com o passar dos anos, a maioria dos códices foram passados pelo sacerdote para um antiquário cipriota no Cairo e em seguida retidos pelo Departamento de Antiguidades, que temia que eles fossem vendidos fora do país. Após a revolução de 1956, os textos foram entregues ao Museu Copta e declarados tesouro nacional egípcio.

Enquanto isso, um único códice foi vendido no Cairo para um antiquário belga. Ele foi adquirido pelo Instituto Carl Gustav Jung, Zurique, em 1951. Por isso, este códice é conhecido como Codex Jung (Codex I na coleção). A morte de Jung em 1961 provocou uma disputa sobre a possa do Codex Jung, atrasando a entrega das páginas ao Museu Copta somente em 1975, após a primeira edição do texto já ter sido publicada. E assim, todos os papiros foram finalmente reunidos no Cairo.

Entre os escritos de Nag Hammadi mais conhecidos de nome é "O Evangelho Segundo Tomé" e "O Evangelho da Verdade", atribuídas ao líder gnóstico Valentiniano.

Em 1966, durante o Congresso de Messina na Itália, cujo objetivo era discutir o Gnosticismo, James M. Robinson, reuniu um grupo de editores e tradutores na tarefa de publicar uma edição bílingue dos códices de Nag Hammadi em inglês. Em colaboração com o Instituto de Antiguidades e Cristianismo da Universidade de Claremont  na California a tradução foi finalmente publicada em 1977: "The Nag Hammadi Library in English'. Uma tradução da obra está disponível em português: James Robinson. "A Biblioteca de Nag Hammadi". Editora Madras, São Paulo, 2006.

James M. Robinson nessa obra,  sustenta que estes códices podem ter pertencido ao monastério de São Pacômio localizado nas redondezas e tenham sido enterrados após o bispo Atanásio de Alexandria ter condenado o uso não crítico de versões não canônicas dos testamentos em sua Carta Festiva de 367 d.C.

Após o Concílio de Niceia,alguns monges decidiram desenterrar os papiros e os esconderam em potes de barro na base de um penhasco chamado Djebel El-Tarif. Ali ficaram esquecidos e protegidos pela falta de umidade do local, por mais de 1500 anos. Esta situação mudou apenas em 1945 quando Mohammed Ali Samman e seu irmão  acharam os papiros.

Escritos os de Nag Hammadi evidenciam o processo que conduziu às primeiras definições dogmáticas e não  podem, ser descartados em nome de sua suposta heterodoxia.  Os escritos de Nag Hammadi tornaram complexos a discussão relativa à formação do Novo Testamento. Longe da simplicidade em atribuir apenas a Constantino, no século IV, a confecção de um todo que em meados do século anterior já estava pronto, devemos nos dar conta de que a definição do cânon do Novo Testamento foi extremamente controvertida, e vários dos escritos que ora vêm à luz conviviam em pé de igualdade, quanto a sua aceitação no século II, com escritos que foram canonizados.

Códices de Nag Hammadi

Códice I (Códice Jung)
NHC I, 1 — Oração do Apóstolo Paulo
NHC I, 2 — Apócrifo de Tiago também conhecido como o O Livro Secreto de Tiago
NHC I, 3 — O Evangelho da Verdade
NHC I, 4 — Tratado sobre a ressurreição
NHC I, 5 — Tratado tripartite
Códice II
NHC II, 1 — Apócrifo de João a versão longa
NHC II, 2 — Evangelho de Tomé
NHC II, 3 — Evangelho de Filipe
NHC II, 4 — Hipóstase dos Arcontes
NHC II, 5 — Sobre a origem do mundo
NHC II, 6 — Exegese da alma
NHC II, 7 — Livro de Tomé o Adversário
Códice III
NHC III, 1 — Apócrifo de João a versão curta
NHC III, 2 — Livro Sagrado do Grande Espírito Invisível, também conhecido por Evangelho dos Egípcios
NHC III, 3 — Eugnostos, o abençoado (também conhecido como Primeira Epístola de Eugnostos ou Carta de Eugnosto, o Bem-aventurado
NHC III, 4 — Sofia de Jesus Cristo
NHC III, 5 — Diálogo do Salvador
Códice IV
NHC IV, 1 — Apócrifo de João a versão curta
NHC IV, 2 — Livro Sagrado do Grande Espírito Invisível
Códice V
NHC V, 1 — Eugnostos, o abençoado
NHC V, 2 — Apocalipse de Paulo
NHC V, 3 — Primeiro Apocalipse de Tiago ou Primeira Revelação de Tiago
NHC V, 4 — Segundo Apocalipse de Tiago ou Segunda Revelação de Tiago
NHC V, 5 — Apocalipse de Adão ou Revelação de Adão
Códice VI
NHC VI, 1 — Os Atos de Pedro e dos Doze Apóstolos
NHC VI, 2 — O Trovão: a Mente Perfeita
NHC VI, 3 — Discurso Autorizado
NHC VI, 4 — O Conceito do Nosso Grande Poder
NHC VI, 5 — A República de Platão
NHC VI, 6 — O Discurso sobre o Oitavo e o Nono ou Discurso sobre a Ogdóade e a Enéade
NHC VI, 7 — A Oração de Ação de Graças
NHC VI, 8 — Asclépio 21-29 ou Excerto do Discurso Perfeito, Apocalipse de Asclépio
Códice VII
NHC VII, 1 — Paráfrase de Sem
NHC VII, 2 — Segundo tratado do grande Sete
NHC VII, 3 — A Revelação de Pedro ou Apocalipse gnóstico de Pedro
NHC VII, 4 — Ensinamentos de Silvano
NHC VII, 5 — As três estelas de Sete
Códice VIII
NHC VIII, 1 — Zostrianos
NHC VIII, 2 — A Epístola de Pedro a Filipe
Códice IX
NHC IX, 1 — Melquisedeque
NHC IX, 2 — O Pensamento de Norea
NHC IX, 3 — Testemunho da Verdade
Códice X
NHC X, 1 — Marsanes ou Marsano
Códice XI
NHC XI, 1 — A Interpretação do conhecimento
NHC XI, 2 — Exposição Valentiana (Sobre a Unção, Sobre o Batismo (A e B) e Sobre a Eucaristia (A e B))
NHC XI, 3 — Alógenes ou Alógenes, o Estrangeiro
NHC XI, 4 — Hipsifrone
Códice XII
NHC XII, 1 — Sentenças de Sexto
NHC XII, 2 — Evangelho da Verdade
NHC XII, 3 — Fragmentos
Códice XIII
NHC XIII, 1 — Protenoia trimórfica
NHC XIII, 2 — Sobre a Origem do Mundo (fragmentos)

(Texto de Leopoldo Costa)


L'AÇAÏ, LE SUPERFRUIT DE L'AMAZONIE

$
0
0


Belém, capitale de l'Etat brésilien du Pará, dans le delta de l'Amazone, sept heures du matin. Il fait déjà chaud au Ver-o-Peso, l'un des plus grands marchés à ciel ouvert d'Amérique Latine. Sur les quais, les bateaux déversent des quantités de poissons dont les noms résonnent comme des formules magiques: pirarucu, tambaqui, filhote , piranhas ... Mais c'est l'açaï (prononcer assa-ï) qui suscite aujourd'hui toutes les convoitises, au point d'être surnommé "l'or noir du Pará", et Belém, la "Mecque de l'açaï".

Chaque matin, sont écoulées ici cinquante tonnes de ces baies d'un violet foncé. Des paniers d'une quinzaine de kilos sont déchargés des barques en provenance de Marajó ou des autres îles voisines. Les porteurs, en maillot de bain, les pieds dans l'eau, rivalisent de t'oree e t chargent tour à tour trois, quatre, voire cinq paniers sur leur tête.

D'autres marchés ont essaimé le long du fleuve, mais c'est bien à Belém qu'est fixé quotidiennement le cours du fruit. Les plus gros acheteurs du pays se disputent les meilleures récoltes, assurant ainsi des revenus réguliers à des dizaines de communautés de Caboclos, ces indigènes qui se chargent de cueillir les grappes à quinze mètres du sol se balançant d'un tronc de palmier à l'autre ...

Pour Belém, le boom de l'açaï tient du miracle La ville semblait assoupie depuis un siècle Elle s'était enrichie grâce au caoutchouc, mais sa fortune avait fondu au début du XX siècle, lorsque l'hévéa asiatique avait inondé la planète. Or, depuis une décennie, l' açaï, qui n'était auparavant consommé que dans la région du Pará, est devenu le superfruit amazonien dont le monde raffole Les surfeurs des plages de Rio seraient à l'origine de cet engouement soudain, si bien que la capitale du Brésil compte désormais des dizaines de bars spécialisés, où le fruit se retrouve dans des jus, smoothies, sorbets, sucettes, bonbons. ..

Sa consommation a deptùs gagné la Californie, l'Australie, et même la France, où l'açaï est prisé au même titre que les baies de gogi, la grenade ou la myrtille, pépites antivieillissement. Bonnes au goût et pour la santé.

Doté de vertus aussi réelles que fantasques, l'açaï est pourtant un fruit ingrat : il ressemble à une petite olive qui aurait un très gros noyau. Surtout, il ne se consomme pas tel quel mais doit être traité dans les vingt-quatre heures qui suivent son acrobatique récolte. Quant à sa saveur, elle peut d'abord décontenancer. Comme l'a écrit le grand romancier brésilien Mário de Andrade, en 1927: "L'açaï s'incruste dans la bouche, il a un goût de bois écrasé, pas un goût moelleux de fruit, un goût de feuille. Et il devient tout mou, prénostalgique, une amertume lointaine qui n'arrive pas à être amère et finit par plaire".

**********

CE QU'EN DIT LA SCIENCE

Pour les Indiens d' Amazonie, qui lui ont donné son nom ("lçá- çai". "le fruit qui pleure"), c'est un aliment de base. Ils l'utilisent aussi pour soigner troubles digestifs et maladies de la peau ...

Aujourd'hui, la science se penche sur ses propriétés. Verdict: l'açaï est un prétendu aphrodisiaque mais un vrai antioxydant, un excellent anticholestérol, un activateur d'énergie et un fortifiant Immunitaire.

Par Carole Saturno  dans "GEO - Voir Le Monde Autrement", Juillet 2012,  Nº 401, p.26. Numérisée, adapté et illustré par Leopoldo Costa.

RECETTES DE GRANDS-MÈRES

$
0
0

Dolma, karniyarik, fricassée de lambi, batbout... ces plats, rustiques ou élaborés, nous racontent la cuisine du monde. Les femmes sont souvent les ultimes gardiennes de cette gastronomie traditionnelle, qui cimente la famille et la communauté.


Un dialogue entre épices indiennes et arabes

Sur la p lus grande île de l'archipel tanzanien, Miraji Mussa Kheir, 56 ans, attend sa nièce. Chaque jour après l'école, celle-ci vient l'aider à préparer le dîner pour la famille, à même le sol. Cette grand-mère habite avec son mari et deux de ses trois filles dans la banlieue nord de la capitale zanzibari, à Bububu.

Pour ce soir, Miraji cuisine un plat inattendu et festif, proche des saveurs indiennes, associant mangue verte et épinards. Le barracuda, abondant sur l'île, sera frit et servi dans une assiette compartimentée, avant d'être mangé assis en cercle sur le tapis. A l'image du plat de Miraji Zanzibar est réputé pour sa gastronomie enrichie d'influences africaines, arabes et indiennes, plus exotique que celle de Tanzanie continentale. Dans cette île qui fut un ancien carrefour de la route des Epices, la cardamome, le clou de girofle, le cumin ou les piments donnent aux mets locaux un accent très relevé.



Un bol de riz à toute heure, heure au petit déjeuner

En Thaïlande, le verbe manger se dit "khin kao", soit, littéralement, "manger du riz". Inconcevable, donc, de servir un repas sans bol de riz, même au petit déjeuner. Boonlom Thongpor, 69 ans, a toujours vécu à Bangkok et le prépare de différentes manières, mais elle l'affectionne cuit à la vapeur; après l'avoir laissé tremper pendant une heure.

Difficile de la prendre en défaut sur la cuisine. Cette grand-mère d'une petite Mai a longtemps tenu un restaurant de rue. Très communs en Thaïlande, ils proposent des plats simples et rapides, à consommer debout ou sur de petits tabourets en bord de route. Cette omelette farcie au porc est un exemple typique de plat du quotidien, à manger avec fourchette et cuillère. Accompagnée de riz, elle peut suffire à un repas complet. Cependant, comme la tradition veut que l'on mange en groupe, elle sera de préférence servie au milieu de la table, à partager entre convives avec les autres mets. L"omelette peut même être dévorée en guise d'encas puisqu'en Thaïlande, on mange peu, mais on grignote beaucoup (jusqu'à cinq fois par jour) . Aujourd' hui le restaurant de Boonlom est géré par l'une de ses deux filles. Il y a désormais quatre tables carrées pour pouvoir manger assis et accompagné. Le prix moyen d'un repas est d'environ deux euros. Et bien sûr, l'omelette figure à la carte.



Tout l'Empire ottoman dans une feuille de vigne

C'est le plat préféré de quasiment toute la famille Grand-mère de quatre petits-enfants, Jenya Shalikashuili 58 ans, n'a jamais quitté l' Arménie. Elle avait 15 ans quand elle a appris à préparer les feuilles de vignes farcies. Depuis, elle en cuisine au moins quatre fois par semaine. Le dolma est un plat emblématique de l'Arménie, mais aussi de toute l'aire géographique autrefois couverte par l'Empire Ottoman. Avec quelques variantes dans la préparation et le goût, on en trouve en Grèce, Syrie, Egypte, Bulgarie, Algérie. Et bien sûr en Turquie, d'où il tire son nom, dolma, qui signifie farci. Ces préparations s'apprécient aussi bien froids et marinés dans l'huile d'olive avec du citron, que chauds. La plupart du temps, ils sont servis en apéritifs ou en entrée pour le dîner.

La culture culinaire arménienne, vieille de plusieurs millénaires et dispersée par la diaspora, est parvenue à préserver son caractère grâce à la transmission des recettes de mère à fille. En mitonnant les feuilles de vigne, Jenya pense particulièrement à ses petits-enfants. "Avant, ils ri en prenaient pas volontiers. Maintenant qu' ils ont grandi, ils en sont fous. Quand je sais qu' ils viennent dîner à la maison, je prépare deux versions différentes dont une dans laquelle je ne mets pas de poivre. Et è est le truc pour faire manger les enfants!"



Ses farcis valent bien une traversée du Bosphore

En Turquie, rêver de trois aubergines est la promesse d'un grand bonheur à venir. Est-ce pour leur fourrur matière à rêver que les Turcs cuisinent si souvent ce légume du soleil? Ils se vantent même d'avoir inventé mille recettes pour le mettre en valeur. L'aubergine farcie est un mets populaire et familial. Lors d'un dîner traditionnel elle sera servie en plat principal, après une série de mezze.

Le tout se doit d'être très copieux. Ayten Okgu, 76 ans, recommande d'en préparer deux par personne. Cette habitante d'Istanbul vit sur la rive orientale de la ville, dans un quartier calme de banlieue. Originaire d'Izmir, elle a vécu avec sa famille en Autriche entre l'âge de 10 et 20 ans, avant de rencontrer son mari et de retourner dans son pays natal.

Aujourd'hui, elle a deux filles et quatre petits-enfants, dont deux sont déjà majeurs. Ayten a trop peu l'occasion de leur préparer du karniyarik :  "Malheureusement je ne vois pas souvent mes petits-enfants. Ils vivent de l'autre côté du Bosphore, et pour leur rendre visite il me faut près de deux heures. Ils ne viennent jamais dans ce coin, les divertissements se trouvent au nord du détroit, du côté européen" A noter que dans un kamiyarik réalisé dans les règles de l'art, l'aubergine n'est pas coupée en deux mais fondue, d'où son surnom: "aubergine hara-kiri"!



Un mollusque créole qu'il faut savoir attendrir

Au fond de sa coquille rose irisée, le lambi est bien caché. Pour extraire ce gastéropode typiquement antillais de sa conque géante, il faut percer un trou et l'attraper prestement. Et avant de le cuisiner, mieux vaut garder de l'énergie car il faudra attendrir sa chair en la battant sur le sol. A 63 ans, Serette Charles n'attrape pas les lambis mais, si quelqu'un le fait pour elle, la grand-mère aime bien le préparer. Elle a dix enfants et quinze petits-enfants, et vit dans la campagne, près de Saint-Jean, à la pointe sud d'Haïti.

Sa maison se situe tout près de la mer où la pêche aux mollusques est courante. Pour rejoindre cette bonne cuisiillère, une heure de route poussiéreuse en 4x 4 et cinquante minutes de marche sont nécessaires. Serette n'a ni électricité ni approvisionnement en eau Elle cuisine avec du charbon et adore préparer le lambi. Avec une telle fricassée, le riz est incontournable Aliment de base en Haïti, il est cultivé sur l'île et accompagne la plupart des repas. La cuisine haïtienne utilise des épices pour rehausser le goût, des champignons locaux pour le colorer et, dans le sud en particulier, de la noix de coco pour la cuisson Le résultat : un plat recherché mais pas forcément réservé aux fêtes. Servi en abondance, il sera généralement le plat unique du repas, voire de la journée.

Par Ophélie Neiman dans "GEO - Voir Le Monde Autrement", Juillet 2012,  Nº 401, pp.65-71. Numérisée, adapté et illustré par Leopoldo Costa.

IS THERE ANY TRUTH IN THE TALE OF TROY?

$
0
0


Homer’s epic accounts of the Trojan War are among the most influential narratives in world history. But are they rooted in reality – or mere myth?

In ancient times, the pre-Christian Greeks had no Bible equivalent. The nearest they had – and it was not very near – was ‘Homer’: a one-word catch-all representing both the supposed author of the Iliad and the Odyssey, and his canon. These epic poems, composed in hexameter verse, have had an awesome impact on world culture.

It is no exaggeration to describe them as the two foundational works of Greek and European literature. But who exactly was Homer? The Greeks disagreed vehemently – typically on patriotic grounds. No fewer than seven cities claimed him as their own favourite son. When did he live, though, and for whom did he compose? Again, there was no agreement or certainty – mainly for lack of decisive evidence.

Dating the epics and their subject is a matter of debate. The ancient Greeks, discussing the works from the sixth century BC onwards, held that the Trojan War was fought 1194–1184 BC – a dating broadly accepted by some modern scholars – and that ‘Homer’ lived around the late eighth century BC.

On two points all – or almost all – ancient Greeks did agree: that ‘Homer’ was somehow responsible for both epic poems, and that the conflict at the heart of them, the Trojan War, was historically authentic – it had really happened. But that latter belief bears reanalysing and re-evaluating in the light of the latest linguistic, historical and, above all, archaeological research.

First, though, let me tell you about one of my first encounters with ‘Homer’. When I was just eight years old, I discovered that William Heath Robinson, famed for his drawings of fantastic imaginary contraptions, had memorably, beautifully and captivatingly illustrated children’s versions of the Iliad and Odyssey. His images of Achilles, resplendent in his shiny new, divinely forged arms and armour, and his drawings of Odysseus hurling insults at the gigantic, cruelly blinded Cyclops Polyphemus, stand out for me more than 60 years later.

The point of telling you this autobiographical story is that these epics have survived to be read and reread, translated and retranslated, re-visioned and repurposed to this day because they are blazingly great stories.

They are what the Greeks called ‘myths’ in the original sense of the word: traditional tales handed down from generation to generation, at first orally, later in written form.

In ancient Greece, an entire profession of rhapsodes (literally ‘stitchers of songs’) sprang up to perform ‘Homer’ in competition at festivals. It was considered an admirable personal feat to be able to learn and recite all Homer (a feat that would have taken several days), and it was among the first achievements of ancient Greek literary critics based at the great Library at Alexandria in Egypt to redact and re-present (on papyrus) a ‘standard’ scholarly text of both poems.

A key part of the genius of the author – or, perhaps, authors – of these two epics was selectivity. From the mass of traditional stories handed down orally over many centuries describing the derring-do deeds and adventures of a golden age of heroes, ‘Homer’ focused on just two: Achilles and Odysseus. The Iliad is really about the anger of Achilles vented and satiated in a heroic duel with Troy’s champion defender, Hector. The Odyssey chronicles the travels and travails of the eponymous hero as he struggled over 10 years to return from Troy to his native kingdom of Ithaca.


What were Achilles and Odysseus doing in Troy in the first place? Homer is economical with the background, partly because it was widely known among his audiences. In summary, the story preceding the epics begins with Paris, the prince of Troy in north-west Asia Minor, seducing and stealing away the most beautiful woman in the world: Helen, queen of Sparta. Helen happened to be married to Paris’s host, King Menelaus, who moved heaven and earth to avenge this gross breach of hospitality and etiquette, and even grosser insult to his masculine pride. That meant persuading his older brother, King Agamemnon of Mycenae, to gather together and, after some difficulty obtaining a favourable wind, lead by sea a multi-Greek expedition of invasion and recapture.

This expedition took rather longer than expected – 10 years in all – but the expedition’s objectives were eventually gained through a combination of Achilles’ martial heroism on the battlefield (killing Hector in a spectacular duel) and Odysseus’s cunning ingenuity (the Trojan Horse has become a universal metaphor for succeeding by stealth).

But was the tale – any of it – true? Had there really been a Trojan War such as Homer described – or at any rate a Trojan War, not necessarily correctly represented in all its manifold details by the (much later) poet or poets labelled ‘Homer’?

It wasn’t long before critics were casting doubt on one of the fundamental presuppositions of the Troy tale. According to the sixthcentury BC Sicilian-Greek poet Stesichorus, Helen queen of Sparta had not in fact gone to Troy with her alleged abductor, Prince Paris. Instead, she had sat out the Trojan War in Egypt; an eidolon (spirit image) was all that was visible of her in Troy. So the revanchist Greeks were fighting literally over an image, a mirage, a phantom.

Worse still, according to the fifth-century BC historian Herodotus, who agreed with Stesichorus on the above, Helen had probably not been abducted in the first place, but had abandoned her Spartan husband Menelaus to run off with her Trojan lover of her own free will. This was scandalous – but at least the basic framework of the war’s historical authenticity was left intact. Should it be, however?

Heinrich Schliemann, a vastly wealthy 19th-century Prussian businessman and ultra-romantic, was in no doubt. Not only was Homer a great poet, he was also a great historian, and what was needed above all was to excavate (or at any rate, unearth) the original sites of King Agamemnon’s capital Mycenae and, of course, Troy. And that’s what Schliemann, following clues left by the ancient Greeks themselves, duly – and controversially – did. Unfortunately, at Hisarlık in today’s north-west Turkey – which we all agree must have been Homer’s Troy, if there was a real historical Troy – he made a serious botch of things, leaving an archaeological disaster area that has had to be cleared and cleaned up by successive, properly scientific American and German dig campaigns.

Successive layers of habitation here have been excavated and studied. Notably, although there’s no doubting that this massively fortified hilltop site, with a considerable lower town spreading out beneath, was of great significance in the appropriate period (roughly the 13th to 12th centuries BC), experts can’t agree which of the layers is the Homeric one. That’s because there’s little or no archaeological evidence, let alone proof, of Greek presence at the site, nor of Greek aggressive action of the 10-year-long siege variety postulated by Homer.

All of which is grist to the mill of those nasty sceptics (spoiler alert: I am one of them) who doubt the fundamental veracity of the entire Trojan War myth. Consider some of the other evidence for the prosecution – apart from the lack of objective, confirmatory, probative, contemporary archaeological data. Did the post-Trojan War Greeks have a good reason to invent and embellish such a tale?

Comparative socio-historical study of the epic as a genre of communal literature suggests two relevant things: first, that sagas such as the Iliad presuppose ruins; and second that, in d the hallowed sphere of epic poetry, defeats can be turned into victories – and victories can be invented, based airily on nothing factual whatsoever.

It is a well documented fact that, some time during the decades around 1200 BC, the ancient Greek eastern Mediterranean world suffered a raft of major catastrophes. (We know that domain was Greek, thanks to the decipherment of the contemporary ‘Linear B’ records scratched on clay.) These calamities included the physical destruction of cities and citadels, followed by severe depopulation, mass internal transmigration, and near-total cultural degradation.

We do not know for sure what or who caused the catastrophes. We can, however, identify their negative consequences – economic, political, social, psychological. There ensued an illiterate ‘dark’ age lasting in some areas up to four centuries, ending only with the renaissance of the eighth century BC. Only then did the Greeks rediscover writing and invent a new alphabet, and begin to trade once more with their near eastern neighbours on a substantial scale. Only then did the population increase notably and settlements grow in size and complexity. Only then was a rudimentary notion of political citizenship first forged. Only then did Greeks begin to emigrate out of the Aegean heartland to points both farther east and much farther west – not least to the places they called Ilion and Corfu, Homer’s Phaeacia.

We have, therefore, a prime candidate for the impulse to create or fabricate the Trojan War myth: the compelling need in the dark night of the soul to postulate a ‘once upon a time’ golden age of pan-Greek solidarity and power, when the Greeks were able to muster collectively an expeditionary force of more than 1,000 ships and their crews. This force, led by heroic kings and aristocrats, would wallop a pesky foreign city that had dared to steal and hang on to one of their most important and iconic (I use that much abused word advisedly) women.

Meanwhile, one of the great scientific advances of recent times has been the decipherment of Hittite cuneiform and hieroglyphic texts from, especially, Bogazkoy or ancient Hattusas, about 200km west of Ankara. The Hittites and their late Bronze Age empire, which spanned much of Asia Minor till around the time of the purported Trojan War, emerged as potential providers of the real, gritty Anatolian political-diplomatic background to the Greeks’ rather free-floating Trojan saga. Both toponyms and personal names that sound uncannily Greek have been found in the Hittite records. These include the city name Wilusa, which when spoken sounds a bit like ‘Ilion’ (the Greeks’ term for Troy – whence ‘Iliad’), and the name Ahhijawa or ‘Achaea(ns)’. (Homer notoriously never calls Greeks what the historial Greeks actually called themselves, Hellenes’. Instead the epics refer to hem as Achaeans – and Danaans and Argives.)

However, for all those linguistic similarities – or coincidences – the Hittite records that have so far been discovered and published contain no reference to anything approaching a Homeric Trojan War. Likewise, although they do contain evidence that royal women could be involved in diplomatic exchanges between the great powers of the then Middle East, they have not as yet yielded a Greek Helen of Troy or her equivalent.

There are, besides, reasons for us to be sceptical about the assertion that the Homeric epics are historical documents, and to doubt the idea that they imply historically authentic backgrounds for the late Bronze Age Greek world – what scholars conventionally refer to as the ‘Mycenaean’ world after its most wealthy and powerful city. One example is the issue of slavery. Though the institution and importance of slavery are recognised in the Homeric epics, their author(s) had absolutely no idea of the scale of slaveholding that was practised in the great Mycenaean palace economies of the 14th or 13th centuries BC. They thought 50 was an appropriately sizeable holding for a great king, whereas in reality a Bronze Age Agamemnon could command the unfree labour of thousands. Such an error of scale suggests a major frailty in the account’s historical rigour.

In short, I am with those who believe that the world of Homer is immortal precisely because it never existed outside the framework of the Homeric epic poems, their repeated oral performance and eventual transcription and dissemination. And thank goodness for that. Without the ancient Greeks’ belief in a Trojan War, they – and, by extension, we – would not have had the genre of tragic drama, one of the ancient Greeks’ most fertile and inspirational inventions, to delight, caution and instruct us. (The great Athenian tragedian Aeschylus is said to have referred to his plays, over-modestly, as mere offcuts from the banquet of Homer.)

There is a world in Homer: a world of literary reception, allusion and collusion. Without it, we should all be very much the poorer – spiritually, artistically and culturally speaking. Homer lives – and long live Homer. But the Trojan War? Lost, most probably.

By Paul Cartledge in "BBC History Magazine", UK, February 2018, excerpts pp. 35-40. Digitized, adapted and illustrated to be posted by Leopoldo Costa.

A VOLCANO NAMED TEQUILA

$
0
0


In the Middle Paleolithic Period, a massive volcano erupted in what is now Jalisco, Mexico. Two hundred thousand years later, it’s about to change the way you drink.

The epic explosion ultimately paved the way for the launch of Volcan De Mi Tierra, a new super-premium tequila brand from LVMH, the French luxury goods partnership, by creating the mineral-rich soil that surrounds the volcano. It just happened to be ideal for growing two distinct types of Weber blue agave, the essential base of the very best tequila, and is the reason the company chose this spot in which to create its first original since LVMH was founded 30 years ago.

Its a fitting anniversary gift for the iconic compamny whose initials stand for Louis Vuitton - Moët - Hennessy, combining three of the world’s most famous luxury brands. While many of the components of its spirits portfolio predate the company’s existence, the fact that LVMH, controlled by billionaire Bernard Arnault, a man of impeccable taste, chose tequila for its first original launach says much about the storied spirit’s evolution. Of course, Volcan De Mi Tierra, which translates to “land of my volcano,” has some impressive heritage to build on, in the way of all LVMH pedigreed holdings. That’s thanks to a partnership with Mexico’s Gallardo family, long-standing landowners in the shadow of the inactive but still imposing volcano, aptly named Tequila.

Volcan De Mi Tierra encompasses both the fields surrounding the Gallardos’ beautifully restored hacienda and a revamped historic distillery nearby using time-honouredmethods of smallbatch production. The unique landscape offers the abiity to grow agave in both the lowlands at the volcano’s base and the highlands nearer its summit, creating a distinctive spirit that truly expresses terroir, the winemaking term meaning a sense of place. Blending both agave types, which is unusual for a luxury tequila, allows Volcan to “embrace the nuances” of each to create a truly unique style of tequila, notes Anna María Romero Mena, Volcan’s expert maestra de tequila. Lowlands agave is said to give an  austere and herbaceous flavour profile while the highlands plants proffer the typically citrus and floral notes Anna María Mena considers a blend of both to be essential.

The brand has initially launched two expressions, Blanco and Cristalino, bearing the Volcan De Mi Tierra label. Most consumers will be familiar with blanco, or silver, tequila, which owes its transparency to little or no aging. Cristalino is the result of a newer method in which the color is extracted from aged anejo spirit. While luxury tequila in itself is not a new concept, LVMH is bringing a bona fide level of expertise to the category, in addition to the innovative recipe, and putting the popular spirit on a par with its other legendary brands. Volcan De Mi Tierra’s dapper president and CEO, Trent Fraser, was formerly the VP of the most prestigious among them,Dom Pérignon. And so itwouldnot be far dapper president and CEO, Trent Fraser, was formerly the VP of the most prestigious among them, Dom Perignon. And so it would not be far off to say that Volcan is poised to become the Champagne of tequilas.

“This is an incredibly exciting time for [LVMH], aswe are embarking on something truly unique, designed to really break the mold,” Fraser tells MAXIM. “This is a small and entrepreneurial project that has been secretly in the works for over three years.The anticipation and excitement internally is phenomenal.” As for how he might implement skills learned at Dom Pérignon in tequila country.

He says, “Strategically our approach will have similarities, as we will be very targeted with the utmost precision in all that we do. We are very considered in our approach and almost surgical in howwe go tomarket.” That means only select retailers, restaurants, and bars who “respect” the spirit will be able to stock it, for one thing.

Why did LVMH launch a tequila brand instead of something with more obvious appeal to the company's affluent customer base? “Knowledge and education have transformed the tequila category in recent times,” Fraser says. “Many of the older memories and maybe not so positive experiences of people going through college 20 years ago are being replaced with more fun, elegant, and appreciative moments. Consumers are now understanding what tequila actually can be capable of, and hopefully Volcan will further elevate this.”

To be sure, Volcan De Mi Tierra is as carefully crafted as any fabled elixir in LVMH’s portfolio. During the three-plus years of development, much experimentation was carried out with yeast variations, agave selection and blending and maturation in multiple casks. Romero Mena ultimately settled on barrels that formerly held old-world spirits. “It was my hope to create a spirit that is truly committed to expressing the heart of the agave and terroir from which it came,” Romero Mena says. The result, she notes, is “authentically complex yet elegant and balanced.” The Blanco is made to be enjoyedmixed into cocktails, while the Cristalino is especially good served neat or over ice.

The clever bottle design incorporates the dramatic terrain of the volcano, with a textured relief of the mountain set into the base. The Blanco has a blue tint in homage to the agave it’s made from, while the Cristalino is highlighted in copper, referencing the unique copper stills installed at the distillery to create the perfect tequila.

The handsome vessels took a long time to perfect, with the volcano relief proving particularly dfficult to render, but of course there was no thought of cutting corners. The result is not only unique among tequila brands but ultimately worthy of sharing shelf space with the rest of LVMH's impeccable offerings. Monsieur Arnault, we imagine, must be very pleased.

**********


BLITHE SPIRITS: THE LVMH PORTFOLIO

Trent Fraser calls Volcan De Mi Tierra “the perfect addition and complement” to LVMH’s unrivalled portfolio of luxury wines and spirits. The new top-shelf tequila brings the number of LVMH’s wine and spirits houses to 23. The oldest, Clos des Lambrays of grand cru Burgundy fame, was founded in 1365. Dom Pérignon (1668), Veuve Clicquot (1772), Hennessy (1765), and Château d’Yquem (1593) are the best known, though not all the brands are French in origin. In the spirits category, Poland’s Belvedere Vodka, founded in 1993 and acquired by LVMH in 2005, is the second newest after Volcan.

Maison Hennessy, one of the pillars of the group, is the sixth oldest among its holdings and the unrivalled leader in the cognac category. Over the course of 250 years, it has been the favourite tipple of everyone from English kings to rap moguls, and continues to make waves with eye-popping new offering like Hennessy 8, a US$39,000-per-bottle tribute to eight generations of master blenders from the same family. A new visitors centre welcomes the public to the Maison’s home on the banks of the Charente River.

Across the Chanel you'll find Glenmorangie, produced in the Scottish Highlands since 1843. The lush single malt boasts an impressive history, but since its acquisition by LVMH in 2004, it has become a leader in innovation as well. Now truly a modern luxury brand, Glenmorangie has expanded the horizons of single malt Scotch with rare finishes and elite expressions.

Glenmorangie Original, an elegant 10-year old with floral notes, continues be the gold standard, but the brand has also eperimented with different casks and maturation methods. One of the most delectable results is Bacalta, first matured in former bourbon casks, then extra-matured in be spoke casks “baked under the sun” that once contained highly prized Madeira from the islands of the same off the coast of Portugal.

Glenmorangie House, the brand’s picture perfect country gentleman’s estate located near the historic distillery, where tours are also conducted, was once the preserve of VIPs and company execs. These days it’s available for private bookings, allowing single malt enthusiasts the ultimate immersion experience. There are six bedrooms in themain house, which is stocked with all of Glenmorangie’s gorgeous whiskies. Now that’s our idea of luxury.

By Jared Paul Stern in "Maxim", Australia, issue 79, February 2018, excerpts pp. 37-38. Digitized, adapted and illustrated to be posted by Leopoldo Costa.



L'INVENTION DE LA GUILLOTINE

$
0
0


Sous l'Ancien Régime, le condamné à mort était pendu ou décapité à l'épée. A partir de 1791, on préconisa une machine destinée à ... adoucir la peine capitale.

Les corps sont coupés en deux et les têtes roulent. En "un clin d'oeil", et sans souffrance. Du moins est-ce le voeu de Joseph-Ignace Guillotin, le créateur et promoteur de cette machine à tuer, qui s'appellera plus tard la guillotine. Cet engin a donc été conçu comme une machine humaniste, destinée à adoucir la peine capitale. "On ne saurait imaginer instrument qui concilie mieux ce qu'on doit à l'humanité et ce qu'exige la loi(...), du moins tant que la peine capitale ne sera pas abolie", écrit avec admiration le journaliste Louis-Marie Prudhomme dans le quotidien "Les Révolutions de Paris". Il vient d'assister à la première exécution, en 1792.

Il faut se souvenir qu'avant la guillotine, la peine de mort était une double et même une triple peine. Elle privait l'éxecuté de la vie, tout en jetant sur lui et les siens le déshonneur, et en causant à la victime d'horribles douleurs. La décapitation à l'épée ou la pendaison constituaient un calvaire. Un texte de la fin du XVIII siècle, signé par un certain François-Fortuné Guyot de Fère, raconte comment, assistant à une exécution sous l'Ancien Régime, un médecin fut choqué par les plaintes du supplicié. Ce médecin, c'était Guillotin ... Ce n'est pourtant pas en défendant les condamnés à mort qu'il commença sa carrière politique. Ce franc-maçon, dignitaire du Grand Orient, se fit d'abord connaître à la fin de l'année 1788 en réclamant le doublement du nombre de représentants du tiers état. Sa proposition fut rejetée par le Parlement mais elle lui valut d'être élu député de Paris aux Etats généraux. Alors commença le combat qui allait le rendre célèbre.

Contrairement à Robespierre à cette date, Guillotin n'était pas opposé à la peine capitale, mais il défendit à la tribune de l'Assemblée, le 10 octobre 1789 et, de nouveau, le 1er décembre, l'idée d'une exécution aussi indolore que possible, et dénuée de toute notion d'infamie.

Il s'agissait, et c'était nouveau, d'appliquer la peine, rien que la peine ... "Le criminel sera décapité: ille sera par l'effet d'une simple mécanique", proposa ainsi Guillotin, préconisant que cette décapitation soit appliquée à tous les condamnés, alors qu'elle était jusque-là un privilège réservé aux nobles.

Un facteur de clavecins strasbourgeois fournit la première guillotine

Il fallut attendre 1791 pour que le principe de cette peine capitale unique, par "décollation", soit inscrit dans le Code Pénal, sur proposition du député Le Peletier de Saint-Fargeau. Mais alors survinrent des difficultés techniques. Comment pouvait-on garantir une exécution indolore, conformément aux voeux de Guillotin? Le bourreau Charles-Henri Sanson fit entendre sa parole d'expert. Les décapitations au fil de l'épée, exposa-t-il, se déroulaient rarement sans mal pour le condanmé - soit parce que ce dernier bougeait trop, soit parce que l'exécutant manquait de dextérité. Pour garantir une exécution "propre", Sanson recommandait donc d'avoir recours à une machine.

Il en existait déjà dans les pays voisins depuis longtemps. Au moins 120 têtes avaient été tranchées par une décapiteuse écossaise surnommée la "maiden" (la "vierge"), au tournant du XVII siècle. En Italie, un instrument baptisé la "mannaia" avait aussi rempli ce sinistre usage.

L'Assemblée confia la conception d'un tranche-tête à Antoine Louis, secrétaire perpétuel de l'Académie royale de chirurgie. Scientifique reconnu, expert auprès des tribunaux, c'était également un homme éclairé, qui avait rédigé plusieurs articles de "L'Encyclopédie". Il se mit au travail et donna ses instructions au charpentier du roi, Guidon. Ce dernier avait la folie des grandeurs : il proposa un meuble luxueux, en bois de chêne, avec un escalier de douze marches et trois tranchoirs du "meilleur acier", le tout livré avec un modèle miniature, pour la démonstration. Magnifique, mais hors de prix. Louis se tourna alors vers un mécanicien et inventeur strasbourgeois du nom de Tobias Schmidt, connu comme facteur de clavecins. Celui-ci fournit la première guillotine pour une somme cinq fois inférieure à celle demandée par Guidon.

La machine fut prête en avril 1792, et testée avec succès dans la cour de l'hôpital Bicêtre, à Paris, sur des moutons puis sur les cadavres de trois vagabonds. Et c'est quelques jours plus tard, le 25 avril, qu'un certain Nicolas-Jacques Pelletier entra dans l'Histoire comme le premier guillotiné.

Par Damien Dubuc dans "Geo Histoire France", Octobre-Novembre 2012,  Nº 5, p.75 . Numérisée, adapté et illustré par Leopoldo Costa.

CINA - L'INDUSTRIA DELL'AMORE

$
0
0


Sposarsi? In Cina sembra essere la cosa più difficile. Sul mercato ci sono 180 milioni di single, con genitori che proiettano sui figli le loro ambizioni di ascesa sociale. Tutto deve essere perfetto: il salario, l'aspetto, il segno zodiacale. Allora ci vuole un aiuto. Quello della nuova impresa, specializzata nel far incontrare uomini e donne. Viaggio nel business dei cuori cinesi.

PERSONE, PERSONE SOLE. 

Sono migliaia, immerse in una calca inestricabile e vociante. Tutta Thames Town è un delirio di desiderio d'amore. Nella finta cittadina inglese ricreata ai margini di Shanghai, con case di mattoni rossi, una chiesa gotica e prati rasati alla perfezione, si allineano bancarelle e chioschi allestiti dalle agenzie di daling che hanno nomi come "Sacro amore" o "Dolce felicità': L'hotel Le Royal Méridien fa pubblicità al la sua sui te nuziale, negli stand gastronomici vengono distribuite rose di tonalità pink. Davanti al "Padigl ione della ricerca del destino" gli addetti alla sicurezza regolano il fiume umano: può entrare solo chi si è registrato alla prima "Fiera matrimoniale per 10 mila persone" di Shanghai.

Si chiama davvero così questo evento di massa finalizzato a combinare matrimoni tra chi spera di trovare la felicità o è ormai disperato. Per settimane una schiera di procacciatori ha perlustrato alberghi, bar e aziende di Shangllai per scovare donne e uomini single e invitarli alla fiera. Ora il momento è arrivato. È un venerdì d'inverno, il sole è pallido, ma nella cittadella si è già scatenato il business dell'amore.

Su enormi pannelli sono elencati i nomi di coloro che cercano l'anima gemella, con l'indicazione di età, altezza, grado d'istruzione e salario annuo. "Voglio romanticismo. Subito!" proclama un uomo su un cartello. Attorno ai tavoli da conferenza sono riunite dozzine di candidati per gli speed dating, ciascuno con un numero incollato sul braccio. I ragazzi hanno facce serie, le ragazze sorridono, suona il fischietto e si cambia posto al volo.

Chi non riesce a trovare la persona giusta ai tavoli si sposta verso le agenzie matrimoniali e i sensati. Oppure raggiunge direttamente il palco della famosa trasmissione televisiva cinese di dating Se quello sei tu. Otto giovani donne sono in attesa di scapoli. Li Xining è emozionata; stamattina si è alzata alle 4:45 per sistemare capelli, sopracciglia, carnagione e studiare il sorriso che dovrà mantenere per tutto il giorno. Ha 25 anni e intende sposarsi prima di compierne 29, con un uomo che abbia senso di responsabilità e sia tollerante. Perché lei si considera "un po infantile e capricciosa".

Parte la musica. Sul palco sale lo scapolo Cao Yu, alto e in abito nero. Volta le spalle al pubblico e alza il braccio da vincitore, poi si gira. Ha 24 anni e di mestiere fa l'importatore di libri. Agguanta il microfono e canta una canzone d 'amore. Ora le donne sul palco possono indicare con un pulsante rosso se sono interessate al candidato. Solo una preme sul "sì': è Li Xining. "Ho 25 anni, uno più di te. È un problema?" chiede timidamente. "Per la verità ne vorrei una più giovane» risponde lui. Niente happy end, ma Li Xining dice che non importa. Continuerà a cercare l'unico uomo adatto a lei. In questa ricerca non è sola.

PER LA CINA I SINGLE 

Rappresentano un problema enorme. Come se i cinesi fossero capaci di risolvere qualsiasi problema, tranne quello della loro vita amorosa. Già oggi nelle campagne, dove i maschi contano di più per via della politica del figlio unico e sono assai più numerosi delle femmine, milioni di uomini non trovano moglie. Lo stesso accade in città, dove parte delle nuove generazioni conduce una vita in stile Sex and the City. Nel 2010, come si legge nel "Rapporto sul matrimonio e le relazioni", 260 milioni di cinesi erano alla ricerca di partner: 180 milioni di giovani single e 80 milioni di genitori preoccupati.

"Mia figlia ha molti pregi. Abita in una casa unifamiliare e guadagna 6.500 yuan al mese. E non è nemmeno brutta, vero?". Il signor Yang sorride e gonfia il petto. Mostra una foto della figlia in un abito lilla: ha il naso un po' all'insù, occhi neri, uno sguardo profondo. Si avvicinano un paio di persone. Quel signor Yang sembra avere qualcosa di buono da offrire e vale la pena di informarsi. Del resto un mercato così, dove genitori anziani cercano mogli o mariti per i propri figli, esiste soltanto in Cina. Ogni settimana si ritrovano al Parco del Popolo, nel centro di Shanghai, e questa domenica ce ne sono a centinaia. Scacciano le libellule e corrono qua e là tra cartelli e pannelli su cui sono affissi migliaia di annunci matrimoniali. Di solito sono fogli in formato A4 su cui si insiste più sullo stipendio o l'appartamento che sul carattere del o d ella candidata.

"Figlia. 27 anni. Impiegata alla IBM. Non egoista, pelle molto bianca, cerca marito con appartamento e stipendio superiore a 10 mila yuan. Dovrebbe prendersi cura anche dei genitori della ragazza". È in questo modo che i figli qui vengono messi sul mercato, e ai genitori non sembra affatto sconveniente. "Non facciamo che occuparci dei nostri ragazzi" assicura il signor Yang "e non solo fino a quando compiono 20 anni. Ci preoccupiamo quando non si sposano". Sono già quattro anni che viene qui ogni domenica, continua a cercare ma non trova nessuno. Perché sua figlia ha un problema, un difetto che blocca anche i curiosi che si avvicinano: è già stata sposata una volta. Il marito è morto quattro anni fa in un incidente d'auto. Ma le vedove sono difficili da sistemare, quasi quanto gli uomini senza uno stipendio alto, senza macchina o senza appartamento in città. Specialmente qui a Shanghai, dove il mercato è ancora più duro che nelle altre parti della Cina. "Vuoi venire con me in bicicletta?" ha chiesto un candidato in uno show televisivo di dating. La  risposta della donna è stata:"Preferisco starmene seduta in una BMW e piangere".

«Un poveraccio come marito per mia figlia? Non se ne parla nemmeno» dice il signor Yang. "Deve guadagnare almeno 10 mila yuan". Soltanto per mantenere un albambino ci vogliono 3 mila yuan al mese. E sua figlia, aggiunge, è persino più esigente di lui, tanto da aver rifiutato tutti i candidati che lui aveva scelto per lei. Ha incontrato quegli uomini, in un caffe o al centro commerciale, poi non li ha più voluti rivedere. Un guaio, perché "lei non ha tempo per cercarsi un marito, visto che lavora come vice caporeparto".

Così il padre continua a cercare al posto suo. E dato che la cosa gli ruba tempo, ha trasformato la sua ricerca privata in un piccolo business mettendo su un'agenzia matrimoniale. Nei suoi registri sono elencati 430 figlie e figli in cerca di partner.

Finora il signor Yang è riuscito a sistemare il 20 per cento dei clienti. Ci indica uno dei suoi anmunci: "Uomo. Nato nel 1984, di Shanghai. Alto 167 cm, 10 mila yuan mensili di salario. Impiegato presso un'azienda informatica. Scapolo. Appartamento, due camere, camera da letto e soggiorno". In teoria un caso di facile soluzione, se l'interessato non richiedesse: "Donna, altezza tra 165 e 168 cm. Nata nel 1985 o 1986, ma non nei mesi di novembre e dicembre".

UNA TRATTA DI ESSERI UMANI. 

È così che Snoopy, Gem e Nuvola vedono il mercato matrimoniale nel Parco del Popolo. Sono tre giovani donne sui 25 anni, single e istruite. Tutte con un buon lavoro, giubbotto jeans e cellulare rosa. Non vogliono più partecipare a questi giochi, si ribellano alle pressioni dei genitori. "Sa come veniamo chiamate noi single?" sbotta Nuvola con rabbia. «Donne avanzate!". Le tre amiche hanno fondato un club chiamato The Singirls (Le ragazze peccatrici), un movimento di resistenza con tanto di statuto e manifesto.

Regola l: Dio è una s ingirl.
Regola 2: La vita da single è bella.
Regola 3: Noi res istiamo alle pressioni.

Snoopy, Geme Nuvola siedono in un caffè di Shanghai che è in sintonia conia loro visione occidentale. TI Black Magie Chocolate ha pavimenti di marmo bianco, pareti color cioccolato fondente e fi lm di Charlie Chaplin che scorrono sugli schermi. La torta sul piatto potrebbe sembrare una creazione congiunta di Steve Jobs e Waher Gropius: un rettangolo di cioccolata scura che poggia su un rettangolo di porcellana bianca, sormontato da un grumo di panna e mandorle.

Ogni due settimane le tre giovani donne si incontrano in un caffè come questo per progettare le loro azioni. La prima è stata in grande stile: in dieci si sono infilate nel giardino di un albergo, con gli occhi nascosti dietro mascherine e le bocche coperte da fazzoletti, per irrompere in una festa di nozze. ln mano avevano cartelli con scritte come "Mi chiamate perdente, invece la mia vita è perfetta!'; "Senza matrimonio resterò eternamente giovane" o "Credo nell'amore tardivo': Lì in mezzo alla festa, con i loro cartelli in mano, si sono sentite proprio bene, cosl poco femminili, così poco cinesi. Una vera liberazione.

Loro sono delle "A-Girls" ovvero istruite e con un buon salario. Ma proprio questo è il loro problema. In Cina gli uomini cercano donne che stiano un gradino sotto di loro. Gli A-Boys cercano B-Girls, i B-Boys C-Girls. Restano indietro le A-Girls e i C-Boys. Vogliono restare single per sempre? "Beh, certo sarebbe meglio avere un ragazzo", ammette Snoopy. "Ma prima devo amare me stessa. Le donne cinesi girano attorno all'uomo come se lui fosse il sole".

La posizione delle tre ragazze nei confronti dei loro genitori è meno fondamentalista di quanto potrebbe sembrare a prima vista. Perché li amano e non vogliono che si intristiscano solo perché le loro figlie ogni volta sono le uniche a presentarsi da sole alle feste di famiglia.

Ci sono tre modi, secondo le Singirls, per venire a capo dei rapporti con i genitori. O ci si sottomette, o si ignorano le domande su compagni e figli, con il rischio però che diventino più frequenti. La terza via è quella di mostrarsi ancora più preoccupati dei genitori, mettendoli cosi a tacere perché, naturalmente, non vogliono accrescere il dolore dei figli. Quest'ultima, sostengono le ragazze, è la strategia più saggia. Basta avere due facce, una da mostrare in famiglia e l'altra al di fuori. Ora le loro azioni hanno perso un po' di mordente, anche se il club si è allargato: conta 20 soci e comprende persino alcuni ragazzi.

L'impresa più recente è consistita nel riprodurre scene da film, per esempio nei panni di Jack e Rose, i protagonisti di Titanic. Così per una sera hanno formato delle finte coppie, trasformando improvvisamente anche questo club di single in una sorta di borsa matrimoniale. Una coppia si è messa insieme davvero, e per statuto ha dovuto essere esclusa dal club. Però tutti i soci erano contenti e su Weibo, il "Twitter cinese, seguivano (evolversi della loro storia. f inché la madre della ragazza non ha preteso il matrimonio. Ma il ragazzo non aveva i soldi per un appartamento e la storia è naufragata. I due, nel frattempo, sono stati riammessi dalle Singirls.

AL MANAGER 

Non bastano le dita di una mano per elencare tutti i vantaggi della sua agenzia. Il pollice sta per efficienza, l'indice per conoscenza del mercato e il medio per professionalità. Poi, naturalmente, ci sono il servizio al cliente, la qualità garantita, la capacità d'innovazione e l'orientamento al risultato. L'amore, a ben vedere, non è una messa in scena romantica.

"Sono realista. No, questo è un business complicato", dice Xu Tianli. Seduto nel suo ufficio in un quartiere degli affari di Shanghai, in maniche corte, pantaloni da completo e mocassini, ostenta una mascella volitiva, parla velocemente e usa un linguaggio distaccato. l suoi ragionamenti da imprenditore sono strutturati in modo tale da poter rinunciare a Powerpoint: gli basta usare le dita per elencarne i punti fondamentali. Xu è il fondatore di The Golden Bachelor (Lo scapolo d'oro), una pagina di dating su internet davvero particolare. È un'agenzia per milionari soli.

In precedenza Xu era a capo di un'agenzia commerciale che forniva dati agli uomini d'affari, un'attività redditizia in un paese emergente come la Cina. A 30 anni aveva già riempito abbondantemente il suo conto in banca e pensava di poter continuare così. Aveva successo, dunque era felice. Ma c'era una piccola cosa che gli mancava e lo faceva sentire solo. Così iniziò quelle che definisce "analisi di mercato private".

Ovvero la ricerca di una donna, naturalmente su Internet, poiché non aveva tempo di affrontarla nella vita reale. E mentre saggiava il mercato raccogliendo offerte che non lo soddisfacevano, arrivò a una conclusione che avrebbe cambiato la sua vita. "Mi sono accorto che il business matrimoniale offre guadagni assai maggiori del meio settore di provenienza"

Ogni anno gli uomini cinese spendono 61 miliardi di euro per cercare una partner e sposari "Per la maggior parte di loro la ricerca di una compagna è un vero e proprio progetto" dice Xu. "Ciascuno vuole portarlo a termine con successo, come nella vita d'affari". E aggiunge: "Gli uomini ricchi hanno carattere. Solo quelli capaci hanno successo. Dumque, l'uomo di successo ha buoni valori interiori".

Occorrono due milioni di yuan, circa 240 mila euro, per diventare soci di The Golden Bachelor. A oggi sono migliaia, Xu preferisce glissare sul numero esatto. In cambio di tanti soldi, dice, ricevono qualità. Le candidate, per esempio, vengono valutate da uno psicologo. Domanda: sono interessate solo ai soldi? "La nostra prestazione piú importante" precisa Xu, Xu "è proprio quella di riconoscere ed escludere donne di questo genere"

Un altro servizio fondamentale è lo sviluppo del prodotto. Le donne prescelte seguono un corso in cui imparano a tollerare un uomo che non ha tempo per loro. Le candidate devono anche saper affrontare alla perfezione momenti come i pranzi di lavoro o i ricevimenti. Naturalmente anche l'efficienza è un imperativo dell'agenzia. Grazie ai suoi servizi, precisa il manager il cliente ottiene in un mese ciò per cui gli ci vorrebbe un an no intero. Alla fine dell'iterce la condusione de l'affare. La percentuale di successo è dell'80 per cento. "l clienti vengono premiati con la felicità, io con il denaro". Nel frattempo anche Xu ha trovato moglie. Una fotografa di moda, di tre anni più giovane, onesta e di buon cuore, come la definisce. E l'ha trovata, naturalmente, attraverso la sua agenzia.

LIU HA 32 ANNI. 

Testa riccioluta, labbra carnose, unghie verniciate di lilla e decorate con fiorellini, un nastro tra i capelli. È titolare della rubrica di sesso sulla rivista di lifestyle The Bund di Shanghai. Non le è permesso scrivere, per esempio, di tradimenti, relazioni clandestine, storie troppo osé. Tutti argomenti che la redazione non le lascerebbe passare. Quando scrive di amore e sesso, Linda Yu è tenuta a rispettare la decenza. Ma ha comunque molto da raccontare, della sua vita e di quella delle sue amiche. "le ragazze ci n esi", dice, "sono come le altre". Amano parlare delle loro relazioni e dei loro ragazzi.

"Per esempio io sono figlia degli anni Novanta", specifica. La sua bibbia era il libro Shanghai Baby di Zhou Wei, pubblicato nel 1993 e proibito in Cina per i suoi "eccessi sessuali': Il Partito comunista chiuse la casa editrice che l'aveva pubblicato e condannò il libro a un pubblico rogo. Erano tempi selvaggi, fatti di incontri di una notte, avventure ed esperimenti. Linda Yu però preferisce raccontare di Eddy, un giornalista che ha dieci anni più di Iei. Lui è assai diverso dagli uomini della generazione di Linda. Quando si sono conosciuti, le ha regalato cassette con la sua musica preferita.

Sì, proprio cassette! Le ha scritto poesie, era tenero, divertente e trasognato. Leggeva tutti quei libri di politica, non Shanghai Baby. Così Linda Yu, come racconta, ha avuto l'opportunità di conoscere l'amore di un'altra generazione, quella degli anni Ottanta. "Vorrei essere una di quella generazione" dice la ragazza. "Aveva ideali, idee. Si preoccupava della società, del nostro sistema, ricercava la libertà. Hanno aperto le porte per noi nel decennio fini to a Piazza Tien'anmen".

E la sua generazione? "È interessata solo a consumare, in tema d i sesso come nella vita quotidiana. Nulla riesce a toccarci, siamo stati tristi solo quando è morto Steve Jobs. I suoi prodotti sono parte del nostro mondo". Linda Yu è fuggita dalla sua generazione per rifugiarsi tra le braccia di Eddy, con cui ha un figlio. Le sarebbe piaciuto restare a casa con il piccolo, una di quelle cose pazze che si concedono le donne in Occidente. Ma cerano i genitori di Eddy che volevano partecipare alla sua educazione. "E non li puoi cacciare via". Dopo un anno di litigi "mio marito mi ha detto di tornare a lavorare. Così abbiamo risolto il problema". Linda Yu, la ragazza anomala, ha finito per capitolare.

SI SONO INCONTRATI 

In un rock bar sul Bund, la passeggiata di Shanghai Lui è Feng Weiyi, operatore di filmati pubblicitari, 29 anni, viso rotondo e occhiali squadrati. Lei, Xu Xiaoliang, stessa età e ricercatrice di mercato, indossa un cardigan rosato e ha i capelli lunghi: una bellezza delicata.

Quella sera il locale era buio, attorno a loro cha un gruppo chiassoso. l giorni dopo hanno preso a chattare di n otte in Internet e per due anni si sono incontrati a pranzo ogni tre mesi. "Avevo poco tempo", dice lei. "Mi ha tenuto sulla corda", dice lui. Si sono baciati per la prin1a volta in una camera d'albergo a Nanchino, dove lei era an data per lavoro. Lui ha comprato un biglietto del treno e l'ha seguita."All'improvviso era lì", dice lei. Lui tace.

Da un anno e mezzo sono in coppia. Senza alcun calcolo, senza mediazioni di nessuno. Semplicemente innamorati, perché l'altro è quello che è. Eppure da un anno è mezzo sono stressati: i genitori vorrebbero per loro una casa di 80 metri quadrati. Feng è andato di nascosto a vedere appartamenti così, ma per comprarli ci vorrebbe !equivalente di 500 mila euro. Per metterli insieme, dovrebbero lavorare entrambi più di 20 anni. "Ma il peggio"", dice lui, "è eterna domanda". Si conoscevano da appena tre mesi, e già i genitori chiedevano: quandè che finalmente vi sposate? Quanti tavoli dobbiamo preventivare per il banchetto? Che vino serviamo? "Dovremmo invitare centinaia di persone", dice lui. Tutti amici dei genitori. "E la sposa, il giorno del matrimonio, è una marionetta", aggiunge Xu Xiaoliang.

Loro il giorno più bello della loro vita se lo inmaginano diverso: una piccola festa in giardino, con 30-40 amici. Senza posti assegnati ai tavoli, con un complessino di chitarre. Si sposeranno due volte. La prima per togliersi il problema, la seconda volta nel modo che preferiscono loro. E si guardano felici negli occhi.

Testo di Lorenz Wagner  pubblicato in "Geo Italia, gennaio 2014, n. 97, estratti pp.122-129. Digitalizzati, adattato e illustrato per Leopoldo Costa

`

SÍNTESE DA HISTÓRIA DA RADIODIFUSÃO NO BRASIL

$
0
0
A primeira transmissão oficial radiofônica no Brasil ocorreu durante a festa do centenário da Independência brasileira, em 1922

INTRODUÇÃO DA TECNOLOGIA E PRIMEIRO SISTEMA NACIONAL: 1919 a 1945

Uma síntese da história da radiodifusão brasileira deve relacionar o desenvolvimento dos meios eletrônicos de comunicação e a evolução econômica, política e cultural da sociedade. Esse relacionamento dos meios com o contexto social exige uma rápida revisão da história do Brasil desde a virada do século. Como traço mais geral da evolução da sociedade brasileira no século XX apontamos a dependência externa que é síntese de uma inter-relação histórica de causas e efeitos. É a dependência externa, simultaneamente, resultado e razão de uma correlação interna de forças sociais.

Podemos apontar a dependência como a feição exterior, fenomênica, da luta de classes no Brasil. Destaca-se a dependência externa como traço marcante da sociedade brasileira neste século, como expressão das contradições internas e externas de nossa formação econômico-social.

O principal motivo que leva a balizar a história da radiodifusão com a evolução da dependência externa é a decisiva determinação que as relações internacionais exercem na configuração da comunicação de massa no Brasil. A pressão das potências internacionais gerou no Brasil uma tendência "modernizadora" das relações capitalistas, com a imposição de um perfil empresarial, tecnológico e político para as empresas de comunicação. Por isso, a dependência externa reflete-se de modo particularmente agudo na organização dos meios de comunicação de massa. E manifesta-se com cristalina evidência na utilização econômica e política das modernas tecnologias de comunicação.

Nessa linha de observação, constatamos três grandes fases da radiodifusão brasileira. Na primeira, introduz-se no país a tecnologia; na segunda, cria-se o primeiro grande sistema nacional de comunicação, promovido e controlado pelo Estado; na terceira, internacionalizando-se a economia, internacionalizam-se também os meios de comunicação de massa que se expandem violentamente, afirmando progressivamente a hegemonia da atuação privada-comercial.

Interiorização da tecnologia: 1919 a 1930

O desenvolvimento dos meios de comunicação no Brasil, no inicio do século, seguiu a tendência predominante nas relações internacionais. Na medida em que a produção dos países industrializados excedia a demanda interna, os equipamentos iam sendo colocados à disposição do mercado mundial, especialmente dos países compelidos pela divisão internacional do trabalho a exportar produtos primários e importar produtos industrializados. A introdução da tecnologia de radiodifusão no Brasil, pela simples importação, corresponde a um momento de expansão do capitalismo monopolista no plano internacional. E corresponde, no plano interno, a um período de ascensão de uma burguesia industrial e comercial que disputava a hegemonia política com as oligarquias rurais ligadas à produção agrária-exportadora.

No ano de 1919, aqui tomado como o ano do surgimento da radiodifusão brasileira, assinala-se a criação da Rádio Clube de Pernambuco, uma entidade de caráter associativo e cultural, como outras tantas sociedades rádio-emissoras que desde então foram implantadas em diversas unidades da federação. Até 1930, existiam funcionando pelo menos dezenove emissoras 1. Nos primórdios de seu desenvolvimento, predominou na radiodifusão brasileira seu caráter cultural, mantendo-se relativamente desvinculada do sistema produtivo, ao contrário do verificado nos Estados Unidos, onde as indústrias eletrônicas iniciaram operando as emissoras para estimular a venda de receptores. Nos Estados Unidos, a radiodifusão desde logo foi manipulada pela indústria e pelo comércio em geral, como instrumento de intervenção no mercado 2

Nas primeiras décadas do século, para vencer as dificuldades causadas pelo fechamento do mercado internacional provocado pela Primeira Guerra, ocorreu no Brasil um brando processo de industrialização que, embora restrito à indústria alimentícia e outros setores industriais pouco dinâmicos, foi decisivo para a superação do modo colonial de produção e também para a ascensão política das burguesias industrial e comercial e dos produtores rurais que incorporavam as relações capitalistas 3.

O desenvolvimento do caráter capitalista da economia brasileira intensificou a integração da radiodifusão ao sistema produtivo. A partir de 1925, a publicidade comercial generalizou-se como meio de financiamento e as emissoras passaram a desenvolver suas potencialidades econômicas atuando como estimuladoras de mercado. As rádio-sociedades e rádio-clubes transformaram-se em empresas. E essa redefinição das bases econômicas de sustentação das emissoras provocou uma imediata reorientação da programação que popularizou-se na busca quantitativa de audiência4.

O mercado publicitário em expansão atraiu, já em 1928, a penetração das subsidiárias das grandes agências estrangeiras de publicidade com a instalação da N. V. Ayer and Son, representando os interesses da Ford. No início da década de 30 chegariam a J, W. Thompson e a McCan Erickson, sempre atendendo as contas de grandes empresas estrangeiras. Muito mais do que simples produtoras de anúncios publicitários, as agências estrangeiras atuaram com programadoras de uma "economia política" da radiodifusão e da imprensa. Captando e distribuindo criteriosamente as verbas publicitárias, as agências estimulavam um modelo político para a imprensa e a radiodifusão, e viabilizavam-no economicamente.

O primeiro sistema nacional de comunicações: 1930 a 1945

A nova retração do mercado internacional causada pela crise mundial do capitalismo de 1929 aguçou violentamente as contradições da sociedade brasileira. O novo golpe no modo de produção de base agrário-exportadora atingiu duramente as oligarquias rurais que sustentavam uma dependência estrutural da economia brasileira ante o capitalismo mundial. A reação das burguesias industrial e mercantil, aliadas a setores trabalhistas e de classe média, contra o domínio das oligarquias, pressionou a adaptação do sistema produtivo a uma base urbano-industrial, capaz de permitir o enfrentamento das crises continuamente importadas do exterior.

A revolução de 1930 impôs a ruptura do poder oligárquico e a emergência das classes comprometidas com um desenvolvimento capitalista menos atrelado aos centros hegemônicos do capitalismo mundial. Era um nacionalismo ambíguo e limitado, sendo acompanhado de uma aliança com os setores populares que é excludente no plano político. Houve uma ruptura do poder político das oligarquias, mas não se criaram antagonismos entre as classes dominantes. O novo pacto social, acima de tudo, preservava a estrutura de classes.

Desde 1930, e especialmente depois do golpe que levou à implantação do Estado Novo em 1937, o Governo Federal passou a servir como intermediário nas negociações sobre a política econômica. Foram criados órgãos e instituições que fortaleceram e dinamizaram as ações do Executivo e o Estado, ao exercer sua função planificadora, operava regulando as perdas e ganhos entre os diversos estratos e grupos de classe capitalista. O setor industrial passou a ser o centro da atividade planificadora e a regulamentação do trabalho, a política cambial e os investimentos em infraestrutura destinaram-se prioritariamente à sua expansão.

Apesar disso, o novo modo de acumulação mantinha e adaptava a base primitiva à base capitalista urbano-industrial. A acumulação não-capitalista verificada nos setores primário e terciário foi, inclusive, necessária à expansão da forma capitalista industrial de produção.

Coincide com essas profundas transformações econômicas e sociais a constituição de um sistema nacional de comunicação que expressa a conjunção de duas forças que atuavam sobre a radiodifusão - e também sobre a imprensa -nesse período. Por um lado, há um aprofundamento do caráter comercial das emissoras, que corresponde a uma maior assimilação da radiodifusão pelo sistema produtivo. Por outro lado, há a pressão do Estado, especialmente através do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que estabelecia as normas de censura e distribuía as verbas da publicidade oficial, conformando um papel político para a radiodifusão, orientado para o fortalecimento do "poder central"6. Além da intervenção cotidiana do DIP, foi criada a "Hora do Brasil", um programa diário de divulgação dos atos oficiais, que é mantido até hoje, com retransmissão obrigatória e simultânea por todas as emissoras de rádio no território nacional.

Já em 1931, poucos meses após a eclosão do movimento revolucionário, foi formulado um modelo institucional para a radiodifusão brasileira cujas bases, no fundamental, permanecem até nossos dias7. Neste modelo, os serviços de radiodifusão são executados por entidades públicas e privadas, mediante a concessão do Executivo outorgada em caráter precário. Esse regime jurídico especial dava ao Estado o pleno poder de arbitrar sobre as concessões, com critérios aparentemente técnicos, mas que no fundamental são políticos.

O rádio, nesse período, ainda que restrito aos grandes centros urbanos, pelo custo relativamente alto dos receptores e pela dependência da eletricidade, foi o grande instrumento de promoção dos novos valores culturais correspondentes às transformações econômicas e sociais que estavam em marcha. O controle da radiodifusão pelo Estado assegurou a sua relativa imunidade ante a influência estrangeira e pressionou a difusão dos "valores culturais" e da "ideologia nacionalista" ligados à sociedade capitalista urbano-industrial em expansão. A radiodifusão consolidou-se, assim, como um instrumento político particularmente eficaz de mediação entre as classes capitalistas dominantes, as classes médias e as massas trabalhadoras. A organização econômica da radiodifusão (sob o controle do capital privado ou diretamente pelo Estado) e sua institucionalização política (através de um sistema jurídico especial que a mantém atrelada ao Estado, além de meios informais de pressão) asseguraram às classes dominantes a orientação da sua atuação. Marginalizados desse controle político e econômico da radiodifusão, por sua vez, as classes populares nunca chegaram ater o controle de seu conteúdo.

O projeto de "capitalismo nacional", entretanto, não resistiu à pressão imperialista e da burguesia associada ao capitalismo internacional. O fortalecimento das bases populares e a ameaça de permanência de Getúlio com o poder legitimado pelo voto, depois de quinze anos de governo autoritário, tiveram como resposta o Golpe Militar de 1945, alguns meses antes das eleições para a Presidência. A deposição de Vargas, com a justificativa de derrocar o Estado Novo e seus vícios, atendia à necessidade de instalação de um governo mais afinado com as potências imperialistas, especialmente com os Estados Unidos.

Iniciou-se então um processo de agudização da dependência externa da qual o Brasil não se livrou até os dias atuais.

A contra-ofensiva imperialista: 1945 a 1950

Imediatamente após a deposição de Vargas, liberalizou-se a economia e estabeleceu-se estreitos limites no plano político. A Constituinte de 1946 foi pressionada por grupos econômicos e o entreguismo ficou patente com a ascensão política da União Democrática Nacional (UDN). Entre 1945 e 1946 foram gastas superfluamente as divisas acumuladas durante a II Guerra. A política salarial foi conduzida exclusivamente de acordo com os critérios do desenvolvimento das empresas privadas e, entre 1946 e 1950, O salário-mínimo não foi reajustado uma só vez. A importação da Guerra Fria, por outro lado, foi acompanhada da perseguição aos partidos de oposição e da repressão política generalizada9.

Desde o início da II Guerra, os EUA passaram a realizar "operações culturais" que, como "frentes ideológicas", garantiram as justificativas de sua hegemonia sobre o mundo capitalista. Ao assistencialismo dirigido aos países subdesenvolvidos foi acoplada a difusão de todo o aparato tecnológico de imprensa, cinema, indústria fonográfica e das agências de publicidade. As empresas estrangeiras, notadamente as norte-americanas, passaram a dominar a economia e o mercado publicitário, consistindo praticamente no único sistema de financiamento das empresas jornalísticas, editoras e emissoras de rádio e assim, "porque as mantinham e lhes permitiam realizar lucros, logo, as condicionavam" 10.

O aparato que fora montado para apoiar a propaganda ideológica da frente anti-Eixo da II Guerra Mundial foi reorientado no sentido leste-oeste, alimentando a "guerra-fria" e voltado contra os setores populares em cada país.

Nesse contexto, principalmente a partir da II Guerra, a imprensa e a radiodifusão passaram a permear diretamente os valores culturais do imperialismo. Inverteu-se assim a condição "nacionalista" do sistema de comunicação de massa no Brasil. Na medida em que essas tecnologias aprofundavam sua integração ao sistema produtivo e na medida em que a política econômica escapava do controle das classes empenhadas na construção de um capitalismo nacional, passavam ao controle da burguesia associada ao capital estrangeiro. Fortalecendo-se como estrutura de poder, os meios de comunicação de massa prosseguiam favorecendo a adequação da ideologia dominante às relações de produção capitalista em evolução, agora, porém, subordinados mais diretamente às imposições das forças imperialistas e da burguesia associada.

Retomada populista: 1951 a 1954

A volta de Getúlio pela via eleitoral, em 1950, encontrou um processo, irreversivelmente desencadeado no plano internacional, de avanço das torças imperialistas que intensificaram sua interferência política, econômica e cultural nos países periféricos. A reorientação do intervencionismo estatal, novamente voltado para um projeto de expansão da economia com a participação de capital e tecnologia estrangeira, mas sob controle nacional, renovou as tensões com o imperialismo. Desenvolveu-se no Governo e especialmente no Exército - uma campanha de repressão contra os que pugnavam por posições nacionalistas. O Estado era corroído por dentro pelos aliados da internacionalização da economia. 11

Enfraquecido em sua oposição à aliança conservadora, o projeto de desenvolvimento capitalista autônomo, representado por Getúlio Vargas, era obrigado a "pagar um preço" mais alto em troca do apoio das classes populares. A presença ascendente dos setores populares, em especial do operariado urbano organizado nos sindicatos, determinava o surgimento de novas contradições que, progressivamente, deterioravam a posição "nacionalista".

É nesse período que a Central Intelligence Agency (CIA), norte-americana, começa a operar no país. E os grandes jornais, financiados pelas agências de publicidade estrangeira e pelas grandes empresas multinacionais, moveram violentas campanhas contra o governo, conseguindo, entre outra concessões, a demissão do ministro do Trabalho, João Goulart. Os Estados Unidos desestabiizaram a economia com uma série de medidas, entre as quais o bloqueio às exportações de café. O jornal "Última Hora", apoiado por Vargas, foi massacrado por receber financiamento de ôrgãos públicos, o que era comum mesmo entre os jornais que promoviam a arrasadora campanha de perseguição.

Ficou comprovado que "O Estado de São Paulo", o "O Globo" e o "Correio da Manhã' foram remunerados pela publicidade estrangeira para moverem campanhas contra a nacionalização do petróleo, conforme investigou em 1957 uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara Federal 12

O apoio da maioria das empresas jornalísticas e de radiodifusão (inclusive a televisão, que surge em 1950) à aliança conservadora foi fundamental na definição desse período histórico. As campanhas políticas movidas pelos meios de comunicação de massa, com denúncias verdadeiras de casos de corrupção ou mesmo calúnias, comprometiam a percepção que o proletariado, as classes médias e a burguesia nacionalista tinham do processo histórico em marcha. Impotentes para conceber uma estratégia de ação, os setores nacionalistas foram surpreendidos pela armadilha montada pelas forças imperialistas e seus aliados brasileiros. A utilização estratégica dos meios de comunicação, posta em prática neste período, vinculou indissoluvelmente os grandes grupos que operam nos diversos ramos da indústria cultural no Brasil aos grupos estrangeiros. Mas a utilização política dos meios de comunicação de massa, experimentada na queda de Getúlio, foi só o preâmbulo do papel ideológico que lhes seria atribuído nas décadas seguintes.

Abertura da economia: 1954 a 1960

Com Juscelino Kubitschek na Presidência, instaurou-se uma nova ideologia de desenvolvimento no país. Em Juscelino e em Vargas o desenvolvimento está ligado à idéia de industrialização. O que difere um do outro é a presença do conceito de "autonomia econômica" que é primordial em Getúlio e que parece ser secundário ou distinto em Juscelino. A associação com o capital estrangeiro foi importante, principalmente, pela modernização do sistema produtivo, com a diversificação da produção e a sua "atualização" tecnológica. Liberalizou-se a entrada de capital estrangeiro e seus vultosos investimentos pressionaram a implantação de infraestrutura em larga escala 13.

A acentuada internacionalização da economia também refletiu-se na organização econômica dos meios de comunicação de massa. As agências de publicidade estrangeiras passaram a controlar o mercado publicitário gerado pela volumosa inversão de capital praticada pelas empresas - igualmente estrangeiras - instaladas no Brasil.

Os meios de comunicação de massa, especialmente algumas empresas, desenvolveram-se e sofisticaram-se tecnologicamente com a concentração do capital. Financiadas direta e indiretamente pelo capital estrangeiro, essas empresas passaram a atuar como estrutura de poder que mediava os interesses do imperialismo e da burguesia associada.

Nesse período, a televisão começou a adquirir crescente importância na captação de verbas publicitárias. Na segunda metade da década de 50, evidenciava-se uma tendência de queda nos investimentos publicitários no rádio e aumento das inversões aplicadas na televisão. O rádio, em 1950, captava em torno de 24% dos investimentos publicitários, caindo para 14% em 1960. A televisão, surgida em 1950, já participava, em 1960, com 9% de verba publicitária . Isto, apesar do pequeno número de receptores de televisão registrado em 1960(cerca de um milhão) em relação ao número de receptores de rádio (cerca de seis milhões). Em 1956 realizaram-se as primeiras experiências de operação em rede, entre o canal 13 do Rio de Janeiro e o canal 7 de São Paulo através de um link de microondas 15. Em 1957 chegaria ao Brasil o vídeo-tape que revolucionaria o modo de produzir televisão, embora não tenha sido amplamente difundido a partir do início da década de 60.

Crise da democracia representativa: 1961 a 1964

A estratégia de desenvolvimento baseada no capital e na tecnologia estrangeira, empreendida no governo Kubitschek, aguçou as contradições internas, acirrando a luta de classes e a resistência anti-imperialista. A renúncia de Jânio Quadros e as dificuldades para a posse do vice-presidente João Goulart, só assegurada por intensa mobilização popular, mostraram a gravidade das tensões existentes. Em todo este período há a ameaça de enfrentamento dos setores nacional-populistas e a burguesia associada ao capital estrangeiro, que comandava o séquito das classes médias angustiadas com a crise social e amedrontadas com os fantasmas ressuscitados da Guerra-Fria.

A crise social, elaborando a crise econômica, provocou uma queda violenta nas inversões de capital nos principais setores da economia, pois ampliavam-se as barreiras políticas e institucionais16. As classes trabalhadoras avançavam, reivindicando so1uç~es que foram enfeixadas nas Reformas de Base e que nunca chegariam a ser implementadas.

Mais uma vez ficou demonstrado que o projeto nacionalista dependia crescentemente dos setores populares e menos do capital nacional, o que praticamente inviabilizava qualquer projeto de conciliação: entre o avanço das classes popularese o projeto pró-imperialista da burguesia associada, a burguesia "nacionalista" só podia ficar ao lado das forças que sustentariam o capitalismo no Brasil 17.

A estrutura de poder, configurada pela atuação de diversas empresas de comunicação manobradas pelo imperialismo ou por seus agentes nacionais, foi movimentado contara o Estado. O Executivo foi bombardeado por denúncias de corrupção, incompetência, irresponsabilidade e ilegalidade. Os meios de Comunicação controlados pela publicidade estrangeira, assumiram estas que esforçaram-se, por um lado, para desmobilizar os setores que reivindicavam as mudanças sociais e, por outro lado, para instigar toda a sociedade contra o poder legalmente constituído.

A economia brasileira foi novamente desestabilizada pelos EUA. Atuaram abertamente no pais entidades financiadas por empresas nacionais e estrangeiras, pela CIA e outros órgãos norte-americanos, em apoio à conspiração. O Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) - que ocupou um lugar central como instrumento de organização e intervenção da burguesia industrial e financeira associada ao capital estrangeiro - e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) foram duas das principais entidades que compraram o apoio de órgãos de comunicação, financiaram campanhas, corromperam parlamentares e criaram o apoio logístico (inclusive com armamentos) para o golpe que se gestava.

Foi nesse contexto que uma nova estratégia das forças imperialistas, em relação aos meios de comunicação, começou a delinear-se. Em 1961 surgiram os contratos elaborados inconstitucionalmente entre as organizações Globo e o grupo norte-americano Time-Life, que iriam transformar aquele grupo empresarial brasileiro na maior potência econômica na área da comunicação na América Latina. As dificuldades institucionais, entretanto, só permitiram que os contratos fossem plenamente executados após 1964. O modelo de desenvolvimento econômico adotado no período pós-64 levou a grandes investimentos públicos em infraestrutura de telecomunicações. Criou-se assim um setor de serviços públicos que modernizaria as telecomunicações no Brasil e constituiria demanda para a produção da indústria eletrônica transnacional que se instalou no país. Só após o golpe de março de 1964, porém, é que foram criadas as condições econômicas e institucionais para o desenvolvimento de um sistema nacional de telecomunicações e de radiodifusão compatível com as novas exigências do capitalismo internacional.

O sistema global: 1964 a 1987

Com a derrubada, em 1964, do governo constitucional, o desenvolvimento baseado no capital e na tecnologia estrangeira desenfreou-se. O Executivo usurpou as funções do Legislativo e até mesmo do Judiciário. A concentração de poderes facilitou as relações com os centros do capitalismo mundial criando-se as condições institucionais favoráveis à reprodução do capital em altas taxas, pressionada pelo aporte de capital estrangeiro desenvolveu-se infraestrutura de serviços públicos em larga escala. O Estado passou a atuar como um importante fator de estímulo à acumulação do capital privado.

O caráter do desenvolvimento dos meios de comunicação de massa no Brasil revela a importância das tecnologias de comunicação no processo de evolução das relações capitalistas mundiais. A comunicação de massa apresenta-se como um elemento vital na inversão da conquista pela agressão armada por uma estratégia de domínio pela "base filosófica" e pelo "colonialismo cultural". Verificam-se, neste processo, três diferentes estágios nas relações internacionais
18.

O primeiro era um "simples subproduto do contato entre diferentes grupos", e foi o que persistiu durante mais tempo na história da humanidade. O segundo é a imposição intencional de uma cultura dominante sobre uma cultura dominada. Era causa e também efeito de "guerras, comércio, organização de hegemonias e rivalidades entre impérios". Deste período, "das grandes explorações e da colonização", passou-se para o terceiro estágio, no qual existe um intenso intercâmbio e um fluxo bidirecional entre nações e povos, entre dominantes e dominados. Neste estágio, as complexas instituições resultantes de igualmente complexas relações sociais, são mobilizadas de maneira sistemática para interferir nas sociedades dominadas. Assim, hoje assistimos à atuação de um "complexo industrial eletrônico agressivo e poderoso trabalhando para expandir o sistema sócio-econômico, espacial e ideologicamente" 19.

Essa tendência acentuou-se na década de 70 com a expansão da atuação dos setores da indústria eletrônica norte-americana que foram beneficiadas com a acumulação intensiva gerada pelas inversões maciças do Estado na indústria bélica (especialmente durante a guerra do Vietnã) e aeroespacial. A produção da indústria eletrônica foi então voltada para a introdução de sofisticadas tecnologias de comunicação e informática nos países do terceiro mundo. Esse fluxo econômico e tecnológico, além dos interesses imediatos da indústria eletrônica, atua como apoio logístico para a instalação das transnacionais que operam em diversos setores da economia e que necessitam de instrumentos de estimulação de mercado.20

Dentro do processo de expansão e modernização do sistema produtivo no Brasil, foi instalado um gigantesco sistema nacional de comunicações, composto por uma avançada infraestrutura de serviços de telecomunicações e por dezenas de emissoras de televisão, centenas de emissoras de rádio e dezenas de milhões de receptores de rádio e televisão. A economia sofre um processo de concentração de capital e tecnologia que alijou pequenas e médias empresas, em todos os setores, e fez surgir imensos oligopólios. Paralelamente a política econômica promoveu a concentração da renda à custa da expropriação das massas trabalhadoras. A radiodifusão é, ao mesmo tempo, causa e efeito desse modelo de desenvolvimento.

O advento da Nova República, em 1985, embora tenha promovido uma ruptura "democratizante" no plano político, manteve inalterado o predomínio da burguesia no plano econômico. E também manteve intacto o sistema de comunicação de massa resultante de vinte anos de ditadura militar.

Notas

1. Anuário Estatístico do Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -IBGE, 1930e 1935.
2. DE FLEUR, Melvim L. Teorias de comunicação de massa. Rio de Janeiro, Zahar, p.86-98.
3. PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. 4.ed. São Paulo, Brasiliense, 1956.
4. SODRË, Nelson Werneck. Formação histórica do Brasil. 5.ed. São Paulo, Brasiliense, 1950.
    MURCE, Renato. Bastidores do rádio: fragmentos do rádio de ontem e de hoje. Rio de Janeiro, Imago, 1976.
    LOPES, Saint-Clair. Radio difusão hoje. Rio de Janeiro, Ternário, 1970.
5. IANNI, Octávio. Estado e planejamento econômico no Brasil: (1930-1970). 2.ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1977.
6. SODRI2, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro, Graal, 1977.
7. Decreto n0 20.047 de 27 de maio de 1931 e o seu Regulamento, o Decreto nº 21.111,de lº de março de 1932.
8. BANDEIRA, Moniz. Presença dos Estados Unidos no Brasil: (dois séculos de história). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1973.
9. IANNI, op. cit.
10. SODRË, Nelson Werneck, op. cit.
11. Id.,ib.
12. Id.,ib.
13. IANNI, Octávio op. cit.
14. JORDÃO, Maria de Fátima Pacheco. Concentração econômica da mídia. Diário Popular. São Paulo, 30 de abril de 1978. Caderno de Marketing, p.11.
15. VAMPRÉ, Octávio Augusto. Raízes e evolução do rádio e da televisão. Porto Alegre, Feplam/RS, 1979,p.222.
16. OLIVEIRA, Francisco de. A economia brasileira: crítica à razão dualista. São Paulo, Estudos Cebrap. Nº 3, 1975.
17. IANNI, Octávio. O colapso do populismo no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975.
18. SCHILLER, Herbert. O império norte-americano das comunicações. Petrópolis, Vozes, 1976, p.24-5.
19. Id.ib.,p.25.
20. MATTELART, Armand. As multinacionais da cultura. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1976.
-------Multinacionais e sistemas de comunicação. São Paulo, Ciências Humanas, 1979. 85

Texto de Daniel Heiz em "A História Secreta da Rede Globo", Tchê! Editora, Porto Alegre, 1987, excertos pp. 74-86. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

ORIGINS OF FREEMASONRY

$
0
0


As the most influential secret society in the modern Western world, Freemasonry has attracted a torrent of speculation from Masons and non-Masons alike, and inevitably much of that speculation has fastened on the question of Freemasonry’s origins. Emerging out of obscurity in Britain in the middle of the seventeenth century, with no documented origin or founder, Freemasonry has posed a puzzle to scholarly research and provided a happy hunting ground to crackpots of all descriptions. No other social institution in the western world has been credited with so many different origins. 

The oldest surviving Masonic documents, the Old Charges, trace the Craft back to a biblical origin. According to their account, before the Flood the sons of the patriarch Lamech invented geometry and all the other sciences. Fearing that God would punish them for their sins, they inscribed their discoveries inside two hollow pillars, a marble pillar that could endure fire and a bronze pillar that could survive flood. One of the pillars survived the Flood and was eventually found by Hermes Trismegistus, the great-grandson of Noah, who deciphered it and taught its wisdom to the Egyptians. Several generations later, King Nimrod of Babylon first set out the rules of Masonry for the builders of the Tower of Babel, and the first use of signs and gestures came after the confusion of languages during the building of the Tower, when masons unable to speak to one another learned to communicate by gesture. The regulations established by Nimrod remained in force until the time of Solomon, who reformed the Craft during the building of his temple. When the 80,000 masons employed building the temple returned to their home countries, they took Freemasonry to the four corners of the world.

This legend corresponds closely to the origin legends of many other craft guilds of the Middle Ages. By 1700, when Freemasonry began its astonishing spread through Britain and continental Europe, such legends had little credibility. While some early opponents of Masonry claimed that the Craft had been invented by the English dictator Oliver Cromwell to further his political ambitions, the vast majority of early publications related to the Craft either cited the biblical origin myths of the Old Charges or simply traced them back to craft guilds of medieval stonemasons.

The link between Masonry and the old stonemasons’ guilds made for good publicity in Britain, where the educated middle classes, who formed the backbone of Masonry, defined the Craft in their own image. Masonry spread to Europe, however, and became popular among French and central European aristocrats, to whom any association with manual labor seemed degrading. A new origin story was called for, and was in due time supplied by Andrew Ramsay (1686–1743), a Scottish Freemason and Jacobite in voluntary exile in France. In a famous oration written in 1736, Ramsay proposed that Masonry had actually originated with the knightly orders of the Crusades, which had somehow become mixed up with medieval stonemasons in Scotland. Ramsay specifically named the Knights Hospitaller as the order in question, but another order, far more romantic, inevitably replaced it: the Knights Templar. By the 1740s new “Scottish” degrees of Masonry explicitly named the Templars as the original source of Freemasonry. This provided Masonry with the aristocratic heritage it previously lacked, and helped the Craft expand explosively in Europe through the rest of the eighteenth century.

The prestige of the Templar story was so great that other Masonic and quasi-Masonic orders piggybacked their own origin stories onto it. This process even affected Rosicrucian orders, which had their own traditional origin story centering round the mythical fifteenth-century German sage Christian Rosenkreutz. Thus the Order of the Golden and Rosy Cross, an eighteenth-century German Rosicrucian order, claimed an origin in Egypt in 96 CE, but dated its arrival in Europe to 1188, when Knights Templar who had been initiated into the order in Palestine brought it back with them.

The Templars never managed to have Freemasonry all to themselves, however. Another influential eighteenth-century theory traced the origins of the Craft back to the ancient Druids, the priests of the Celtic peoples of Britain, Ireland, and France. That century was the seedtime of the Druid Revival – the reinvention of Druidry as a modern spiritual tradition – and it also saw Druids become a significant presence in British and French popular culture. Since scholars at the time believed the Druids built Stonehenge and other megalithic sites, their connection to a later guild of stonemasons seemed plausible, and the theory that ancient Druids had evolved into modern Masons had no shortage of enthusiastic defenders. English author John Cleland, better known as the author of 'Fanny Hill', argued for a Druid origin of Freemasonry in several books. He suggested, among other things, that the word “Mason” had originally been “May’s son,” referring to the Druid celebration of Beltane on May 1. American revolutionary Thomas Paine also contributed a work on the same theme.

The European rediscovery of ancient Egypt toward the end of the same century also provided Masonry with another popular source for origin stories. Alessandro Cagliostro, one of the great occult poseurs of the age, helped launch this trend in 1778 by inventing his own Egyptian Rite of Freemasonry, whose rituals he claimed he had found on a London bookstall. The Crata Repoa, a pseudo-Egyptian ritual of initiation published in Berlin in 1770, also added to the popularity of Egypt as a home of Masonry. The Rites of Memphis and Misraim, two Masonic systems of high degrees invented in the first decades of the nineteenth century, took up the banner of Egyptian Masonry and made the claim of an Egyptian origin commonplace in the occult wing of nineteenth-century Masonry.

Nor were these the only theories of Masonic origins circulated and widely believed in the nineteenth century. The Dionysian artificers, a religious brotherhood of craftsmen known from a few inscriptions in the Greek city-states of Asia Minor, were given a wholly undocumented role in the building of King Solomon’s Temple and thus turned into the ancestors of Masonry. The ancient Greek mysteries, much better documented but less easily linked to late medieval stonemasons, and the Essenes also ended up redefined by enthusiastic Masonic historians as ancestors of the Craft.

A somewhat more plausible theory emerged from studies of ancient Roman history. From the time of the earliest Roman legal codes there existed in the city collegia or guilds of certain trades, and the guild of architects and builders, or Collegium Artificum, was established well before the beginning of the Roman Empire. In Italy, and possibly also in France and a few other places, some of the Roman guilds seem to have been the ancestors of medieval trade guilds. A seventh-century legal code of the Lombards, a German tribe that settled in northern Italy after the fall of Rome, includes two references to a guild of builders called the Comacine Masters, who took their name from the province of Como where they lived. From there, leaping the thousand-year gap between seventh-century Italy and seventeenth-century Scotland, some Masonic historians derived Freemasonry.

All these theories remained in circulation well into the twentieth century, and when they were discarded by historians they fell into the hands of the alternative-history scene, with predictable results. All the more romantic Masonic origin theories of the nineteenth century were brought back out of storage in the second half of the twentieth, so that once again Masons found themselves identified as surviving Templars, Egyptians, Essenes, and so on. Some of these efforts, such as John Robinson’s restatement of the old Templar theory in his widely cited 'Born In Blood' (1989), at least attempted to provide new historical evidence for the old claims. More often, though, these books argued that if a speculation couldn’t be totally disproved, it must be true, or simply presented a colorful narrative and insisted that the only reason historians didn’t accept it was that they were part of a conspiracy to suppress the truth. Such arguments sold books but did nothing to narrow the chasm between professional historians and authors of alternative history.

An important feature of twentieth-century conspiracy theory also had a powerful influence on theories of Masonic origins. Starting just after the First World War, when the forged 'Protocols of the Elders of Zion' were circulated throughout the world, many conspiracy theorists began to insist that all secret societies, whatever their apparent motives and intentions, took orders from a single ruling circle. By the second half of the century this odd belief had become standard in the conspiracy-theory underworld and remains rarely questioned to this day. One result of this consensus is that instead of arguing over which ancient group was the ancestor of Freemasonry, many late twentieth-century writers simply insisted that they all were.

This process was catalyzed by popular works such as Christopher Knight and Robert Lomas’s highly influential 'The Hiram Key' (1996), which argued that the rituals of Freemasonry started as commemorations of the murder of a minor Egyptian pharaoh, which were for some reason adopted by the Hebrew tribes and passed down through the Temple of Jerusalem to the Essenes, then transmitted to the Knights Templar via documents uncovered in the foundations of the Temple following clues left by the Celtic Church of Scotland and Ireland; Templars fleeing from the destruction of their order in 1307 then brought the rituals to Scotland, where they ended up as the guild initiations of the local stonemasons. This narrative weaves together most of the popular theories about the origins of Masonry into a single tapestry, though for some reason they left out the Druids. As history, it has massive problems; knowledgeable reviewers have pointed out that its sweeping claims rest almost entirely on unsupported assumptions, speculation, and outright misinformation, but as a romantic origin story that embraces nearly every imaginable theory about Masonry’s beginnings, it’s hard to beat.

From the middle of the twentieth century, while speculation piled on speculation and authors in the rejected-knowledge industry had a field day with the Craft, a countertrend of sober historical scholarship has returned to the theory that Freemasonry descends from late medieval stonemasons’ guilds in the British Isles. Knoop and Jones’s magisterial 'The Genesis of Freemasonry' (1947) made a strong case for this claim, and David Stevenson’s 'The Origins of Freemasonry' (1988) clinched the case by documenting many of the stages by which Scottish stonemasons’ lodges began admitting people from outside the building trades, launching the transition to modern Freemasonry. None of this has even slowed down the production of new theories and the constant recycling of old ones, tracing Freemasonry to some source more romantic or sinister than the traditional ceremonies of medieval stonemasons.

Written by John Michael Greer in "The Element Encyclopedia of Secret Societies", Harper Element, London UK. Digitized, adapted and illustrated to be posted by Leopoldo Costa.

¿QUÉ ES LA CUARTA DIMENSIÓN ?

$
0
0


La palabra «dimensión» viene de un término latino que significa «medir completamente». Vayamos, pues, con algunas medidas.

Supongamos que tienes una línea recta y que quieres marcar sobre ella un punto fijo X, de manera que cualquier otra persona pueda encontrarlo con sólo leer tu descripción. Para empezar, haces una señal en cualquier lugar de la línea y la llamas «cero». Mides luego y compruebas que X está exactamente a dos pulgadas de la marca del cero. Si está a uno de los lados, convienes en llamar a esa distancia +2; si está al otro, –2.

El punto queda así localizado con un solo número, siempre que los demás acepten esas «convenciones»: dónde está la marca del cero, y qué lado es más y cuál menos. Como para localizar un punto sobre una línea sólo se necesita un número, la línea, o cualquier trozo de ella es «unidimensional» («un solo número para medir completamente»).

Pero supón que tienes una gran hoja de papel y que quieres localizar en ella un punto fijo X. Empiezas en la marca del cero y compruebas que está a cinco pulgadas… ¿pero en qué dirección? Lo que puedes hacer es descomponer la distancia en dos direcciones. Tres pulgadas al norte y cuatro al este. Sí llamamos al norte más y al sur menos y al este más y al oeste menos, podrás localizar el punto con dos números: +3, +4.

O también puedes decir que está a cinco pulgadas del cero y a un ángulo de 36,87º de la línea este-oeste. De nuevo dos números: 5 y 36,87º. Hagas lo que hagas, siempre necesitarás dos números para localizar un punto fijo en un plano. Un plano, o cualquier trozo de él, es bidimensional.

Supón ahora que lo que tienes es un espacio como el interior de una habitación. Un punto fijo X lo podrías localizar diciendo que está a cinco pulgadas, por ejemplo, al norte de la marca cero, dos pulgadas al éste de ella y 15 pulgadas por encima de ella. O también dando una distancia y dos ángulos. Hagas lo que hagas, siempre necesitarás tres números para localizar un punto fijo en el interior de una habitación (o en el interior del universo).

La habitación, o el universo, son, por tanto, tridimensionales.

Supongamos que hubiese un espacio de naturaleza tal, que se necesitaran cuatro números, o cinco, o dieciocho, para localizar un punto fijo en él. Sería un espacio cuadridimensional, o de cinco dimensiones, o de dieciocho dimensiones. Tales espacios no existen en el universo ordinario, pero los matemáticos sí pueden concebir estos «hiperespacios» y calcular qué propiedades tendrían las correspondientes figuras matemáticas. E incluso llegan a calcular las propiedades que se cumplirían para cualquier espacio dimensional: lo que se llama «geometría n-dimensional».

Pero, ¿y si lo que estamos manejando son puntos, no fijos, sino variables en el tiempo? Si queremos localizar la posición de un mosquito que está volando en una habitación, tendremos que dar los tres números que ya conocemos: norte-sur, este-oeste y arriba-abajo. Pero luego tendríamos que añadir un cuarto número que representara el tiempo, porque el mosquito habrá ocupado esa posición espacial sólo durante un instante, y ese instante hay que identificarlo.

Lo mismo vale para todo cuanto hay en el universo. Tenemos el espacio, que es tridimensional, y hay que añadir el tiempo para obtener un «espacio-tiempo» cuadridimensional. Pero dándole un tratamiento diferente que a las tres «dimensiones espaciales». En ciertas ecuaciones clave en las que los símbolos de las tres dimensiones espaciales tienen signo positivo, el símbolo del tiempo lo lleva negativo.

Por tanto, no debemos decir que el tiempo es la cuarta dimensión. Es sólo una cuarta dimensión, diferente de las otras tres.

Texto de Isaac Asimov (Traductor Nestor A. Miguez) en "100 Preguntas Básicas Sobre La Ciencia",  (titulo original "Hundred Basic Questions About Science). Digitalizacion, adaptación y ilustración para publicación en ese sitio por Leopoldo Costa.

CHRISTIAN ORIGINS

$
0
0



As the largest religious movement in the modern world, and one of the most diverse and fractious religions in recorded history, Christianity has always had to deal with competing stories about its origins and early development. The question of Christian origins starts from the fact that for the first two centuries or so of its existence, the Christian movement was one of hundreds of tiny religious cults on the social fringes of the Roman world, and left very few traces of its existence. On the inkblot patterns of the handful of surviving sources, none of them impartial and many of them drastically edited later on, almost any set of claims can be projected.

According to the Roman Catholic and Eastern Orthodox churches, Christianity began with the career of Jesus of Nazareth, the son of the creator god of the universe, who transmitted a system of teachings, sacraments, and spiritual authority to a circle of followers before his death by crucifixion at the hands of the Roman colonial government of Judea. The books selected for inclusion in the New Testament all support this claim to one extent or another.

Other early Christian scriptures excluded from the New Testament, many of them lost until twentieth-century archeological discoveries brought them to light again, challenge every aspect of the orthodox account but fail to establish any common ground among the alternatives. The wildly diverse Gnostic movement, which flourished from the first to the fourteenth centuries of the Common Era, presented dozens of interpretations of the nature of Jesus and the founding of Christianity. Early Jewish and Pagan sources, most of which survive only in fragments, suggest an alternative vision of Jesus of Nazareth as an itinerant wizard and folk healer on the fringes of Jewish society; while this interpretation is deeply disturbing to most Christians, it fits the evidence better than most other claims, including that of orthodoxy.

The last three centuries, however, have seen the greatest variety of alternative visions of Christian origins enter the field of debate. In the early eighteenth century, for example, French free-thinkers in a secret society titled the Chevaliers of Jubilation wrote and published one of the most scandalous books of the century, the Traité des Trois Imposteurs (Treatise on the Three Impostors), which claimed that Jesus of Nazareth was one of “three impostors” (the others being Moses and Muhammad) who manufactured fake religions and imposed them on credulous people.

It would take a volume larger than this one to describe all the accounts of Christian origins proposed during the nineteenth and twentieth centuries. Three in particular, however, require some discussion. The first of these emerged from the rebirth of Gnostic spirituality in the nineteenth century following the establishment of the Eglise Gnostique (Gnostic Church) by Jules Doinel in 1828. Doinel’s followers resurrected the old Gnostic teaching that Jesus had actually been a Gnostic but was redefined by the orthodox churches during the suppression of Gnosticism in the third and fourth centuries CE. By the early twentieth century this idea had become widespread, and came to focus on the revision of Jesus’ teaching by the apostle Paul, whose New Testament writings include most of the elements of Christian theology modern people find objectionable, and who many scholars believe played a central role in defining the version of Christian belief that ended up becoming the orthodox version of the faith.

A second theme entered the field of Christian origins via Theosophy’s belief in Masters, advanced spiritual beings that watch over the course of human evolution. Many Theosophists from Christian backgrounds, searching for compromises between their new beliefs and their cultural heritage, came to see Jesus as one of the Masters, the Master of Compassion, whose teachings had been horribly distorted by the Christian churches of later times. By way of Theosophy’s massive influence on the twentieth-century occult community, this set of beliefs became part of a dizzying range of alternative spiritual systems in the twentieth century.

A final theme came into play in the late twentieth century as the underworld of rejected knowledge moved into popular culture throughout the western world. The basic claim of the rejected-knowledge scene holds that all historical and scientific theories backed by authority must be wrong, and Christian origins offered a tempting field where longstanding claims of authority could be overturned. Pierre Plantard’s Priory of Sion hoax of the 1960s and 1970s, though it originally had nothing to do with Christian origins, was reworked by the trio of British authors who publicized it in the late 1970s and early 1980s into a vehicle for colorful speculations about Jesus of Nazareth, and the huge popular success of their book The Holy Blood and the Holy Grail (1982) established alternative theories of Christian origins as a lucrative publishing field. Since that time almost any imaginable speculation about Christian origins has found a ready market, and such speculations have become fodder for an entire genre of popular novels, including Dan Brown’s bestseller The Da Vinci Code (2003).

Despite this torrent of speculation, the one thing that remains certain so far is that real evidence on the origins and development of the tiny fringe religious movement that became Christianity is very scarce. The words “We simply don’t know” are among the least satisfying in the English language, but this is one situation in which they need to be used much more often than they have been to date.

Written by John Michael Greer in "The Element Encyclopedia of Secret Societies", Harper Element, London UK. Digitized, adapted and illustrated to be posted by Leopoldo Costa.

A VERTIGEM

$
0
0


A angústia causada pela impossibilidade de comprovar por meios racionais se existe vida depois da morte acompanha a humanidade desde seus primórdios. Imaginar que nos transformaremos em pó e que capacidades cognitivas adquiridas com tanto sacrifício se perderão irreversivelmente é a mais dolorosa das especulações existenciais.

Tamanho interesse no destino posterior à morte, entre tanto, contrasta com a falta de curiosidade em saber de onde viemos, O que éramos antes de o espermatozóide encontrar o óvulo no instante de nossa concepção? Aceitamos com naturalidade o fato de inexistir antes desse evento inicial, em contradição com a dificuldade em admitir a volta à mesma condição no final do caminho.

Como não existíamos (portanto, não fomos consultados para vir ao mundo), consideramos a vida uma dádiva da natureza, e nosso corpo, uma entidade construída à imagem e semelhança de Deus, exclusivamente para nos trazer felicidade, atender aos nossos caprichos e nos proporcionar prazer. Essa visão egocentrada de quem "não pediu para nascer" faz de nós seres exigentes, revoltados, queixosos, permanentemente insatisfeitos com os limites impostos pelo corpo e com as imperfeições inerentes à condição humana. Assim, acordamos todas as manhãs com tal expectativa de plenitude e de funcionamento harmonioso do organismo que o desconforto físico mais insignificante, a mais banal das contrariedades, são suficientes para causar amargura, crises de irritação, explosões de agressividade e depressão psicológica, não importa que privilégios o destino tenha nos concedido até a véspera ou venha a nos conceder naquele dia.

Ao contrário da dificuldade em nos livrarmos desses estados emocionais negativos que nos consomem parte substancial da existência, as sensações de felicidade geralmente são fugazes, varridas de nosso espírito à primeira lembrança desagradável.

Seria lógico esperar, então, que o aparecimento de uma doença grave, eventualmente letal, desestruturasse a personalidade, levasse ao desespero, destruísse a esperança, inviabilizasse qualquer alegria fatura. Mas não é isso que costuma acontecer: vencida a revolta do primeiro choque e as aflições da fase inicial, associadas ao medo do desconhecido, paradoxalmente a maioria dos doentes com câncer ou AIDS que acompanhei conta haver conseguido reagir e descoberto prazeres insuspeitados na rotina diária, laços afetivos que de outra forma não seriam identificados ou renovados, serenidade para enfrentar os contratempos, sabedoria para aceitar o que não pode ser mudado.

Não me refiro exclusivamente aos que foram curados, mas também aos que tomaram consciência da incurabilidade de suas doenças. Naqueles, é mais fácil aceitar que o fato de ter sobrevivido à ameaça de perder o bem mais precioso e de ser forçado a lutar para preservá-lo confira à vida um valor antes subestimado.

Quanto aos que sentem a aproximação inevitável do fim, no entanto, soa estranho ouvi-los confessar que encontraram paz e se tornaram pessoas mais relaxadas, harmoniosas, admiradoras da natureza, amistosas, agradecidas pelos pequenos prazeres, e até mais felizes.

- Troquei as noites frenéticas, de uma boate para outra até o dia clarear, por minhas plantas, pela algazarra dos passarinhos logo cedo, por meus livros, pelo café-da-manhã com minha mãe e o jornal - disse um de meus primeiros pacientes a descobrir que estava com AIDS.

Um colega de profissão, mais velho, tratado por mim de um câncer de próstata incurável, certa vez disse:

- Antes de ficar doente, eu nunca estava no lugar em que me encontrava: vivia alternadamente no passado e no futuro. Quantas coisas boas desperdicei por permitir que meus pensamentos fossem invadidos por memórias tristes ou contaminados pela ansiedade de planejar o que deveria ser feito em seguida. Era tão ansioso que chegava a puxar a descarga antes de terminar de urinar. A doença me ensinou a viver o presente.

Um rapaz de vinte e cinco anos que tratei de uma forma grave de linfoma de Hodgkin, tipo de câncer que se instala no sistema linfático, uma vez resumiu o amadurecimento prematuro que considerava ter adquirido:

- Sempre fui explosivo: brigava no trânsito, xingava os outros, ficava irritado por qualquer bobagem, já acordava chateado sem saber por quê. Quando entendi que podia morrer, pensei: não tem cabimento desperdiçar o resto da vida. Virei Albert Einstein, o defensor da relatividade: quando alguma coisa me desagrada, procuro avaliar que importância ela tem no universo. Descobri que é possível ser feliz até quando estou triste.

No ambulatório do Hospital do Câncer, quando perguntei a um maranhense iletrado, pai de quinze filhos e rosto marcado pelo sol, se a doença havia lhe trazido alguma coisa de bom, ele respondeu:

- O cavalo fica mais esperto quando sente vertigem na beira do abismo. Custei a aceitar a constatação de que muitos de meus pacientes encontravam novos significados para a existência ao senti-la esvair-se, a ponto de adquirirem mais sabedoria e vi verem mais felizes que antes, mas essa descoberta transformou minha vida pessoal: será que com esforço não consigo aprender a pensar e a agir como eles enquanto tenho saúde?

Texto de Dráuzio Varella em "Por Um Fio", Companhia das Letras,São Paulo, 2004. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

A NOVA FACE DA MINAS GERAIS PRÉ-HISTÓRICA

$
0
0


NOVAS DESCOBERTAS QUE EMERGEM DOS SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS E PALEONTOLÓGICOS MINEIROS ATRAEM PARA O ESTADO ESPECIALISTAS DE RENOME INTERNACIONAL E DESCORTINAM HISTÓRIAS DE UM PASSADO REMOTO, EM QUE O TERRITÓRIO HOJE OCUPADO POR CIDADES, ERA DOMINADO POR ANIMAIS GIGANTESCOS OU POR NOSSOS MAIS ANTIGOS ANTEPASSADOS. NA GRANDE BELO HORIZONTE, AS ÚLTIMAS DESCOBERTAS.DA EQUIPE DO BIOANTROPÓLOGO WALTER NEVES, DA USP, PODEM LANÇAR LUZ SOBRE OS PRIMEIROS HABITANTES DA AMÉRICA. EM TODO O TERRITÓRIO MINEIRO, PESQUISADORES VIAJAM POR MIL, MILHARES DE ANOS PASSADOS. DAS PROXIMIDADES DA CAPITAL, PERCORREM UM LONGO TÚNEL DO TEMPO ATÉ FONSECA, NA ZONA DA MATA, ONDE FORAM ENCONTRADOS FÓSSEIS DE PLANTAS E PEQUENOS INSETOS, DATADOS DE CERCA DE 37 MILHÕES DE ANOS, E CHEGAM A PEIRÓPOLIS, NO TRIÂNGULO MINEIRO, ONDE SURGEM VESTÍGIOS DE DINOSSAUROS E CROCODILOS, QUE TERIAM VIVIDO HÁ MAIS DE 70 MILHÕES DE ANOS, RESGATADOS POR PESQUISADORES, QUE GARIMPAM AS MAIS ANTIGAS RIQUEZAS DAS MINAS GERAIS.

No sítio arqueológico Lapa do Santo, zona rural de Matozinhos, na Grande Belo Horizonte, 12 novos sepultamentos podem confirmar o que o pesquisador e bioantropólogo Walter Neves, coordenador do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos da Universidade de São Paulo (LEEH/USP), antevia há exatos três anos, quando iniciou os trabalhos na região de Lagoa Santa: a trilha dos "parentes" de Luzia, considerada a primeira brasileira e o primeiro fóssil humano das Américas. Em 1975, seu crânio foi descoberto em Lapa Vermelha, entre Lagoa Santa e Pedro Leopoldo, a 36 quilômetros da capital. Datações revelaram a idade do achado: entre 11 mil e 11,5 mil anos.

"Ela não está sozinha. Estou em busca do seu grupo", afirmou Neves, ao ESTADO DE MINAS, em 2002, quando disse que quem quisesse estudar os fósseis dos primeiros habitantes da América teria que "comer na mão" de Minas Gerais. Segundo ele, embora existam evidências da presença humana há 11,5 mil anos, os abrigos só começaram a ser habitados por volta de 9,5 mil anos atrás. "Acreditamos que, de 11,5 mil a 9,5 mil anos atrás, havia apenas pequenos grupos perambulando pela região, mas que não habitavam o Carste de Lagoa Santa. A arqueologia é uma ciência lenta e a maior parte do material que retiramos dos sítios arqueológicos e paleontológicos não foi processada. Precisaremos de mais alguns anos para testar melhor nossas hipóteses sobre quem eram e como viveram esses primeiros humanos", diz.

"Os sepultamentos e as evidências arqueológicas na Lapa do Santo indicam uma ocupação bastante densa, e abrem a chance de traçarmos novas hipóteses sobre a região", explica o professor e arqueólogo Renato .Kipnis, que ao lado de Neves, é um dos coordenadores do projeto "Origens e Microevolução do Homem na América", desenvolvido pela USP em Minas.

Distante geograficamente de Lagoa Santa, e também nos milhares de anos de idade de cada achado, o Triângulo Mineiro revela novas facetas dos dinossauros que vagavam pelo Estado há cerca de 70 milhões de anos. "Há 15 dias, descobrimos fósseis de costelas que chegam a quase um metro de comprimento, indicando que o dinossauro tinha enormes feixes musculares no pescoço, o que nos leva a crer que pertençam a um carnívoro, de grande porte''. diz o paleontólogo e diretor do Centro de Pesquisas Llewdyn Ivor Price, Luiz Carlos Borges Ribeiro. Para o professor da Universidade Federal de Minas Gerais e diretor do Museu de Ciências Naturais da PUC Minas Cástor Cartelle, as descobertas são fanlasticas, mas os locais, bem como outras áreas de Minas Gerais, como Peruaçu, Montalvânia e Itacarambi, no Norte do Estado; Pains e Arcos, no Centro-Oeste; e Fonseca, na Zona da Mata, que guardam fósseis paleontológicos (relativos ao estudo de fósseis de animais e vegetais pré-históricos) e vestigios vestigios arqueológicos (relativos à pesquisa da ocupação humana em períodos distintos da história), devem ser preservados com uma política pública mais integrada e firme.

"Não há plano de preservação. O Sumidouro (em Lagoa Santa) está sendo depredado. Denuncio isso desde 1990 e ninguém faz nada. Temos ali vestígios de pinturas nas rochas e das primeiras ocupações humanas, mas o local está cheio de pichações e a ocupação desordenada avança. Tudo ilegal, em monumento de valor científico e histórico inigualável", critica.

TESOURO EXPOSTO À DEPREDAÇÃO

Segundo o geomorfólogo Luís Piló, conselheiro da Área de Proteção Ambiental (APA) Carste de Lagoa Santa, os sítios paleontológicos e arqueológicos brasileiros são protegidos por lei, mas não há gestão que lhes dê integridade. "Precisamos de articulação dos poderes federal, estadual, municipal e da comunidade diz. Na semana passada, a Prefeitura de Matozinhos promoveu o I Fórum da APA Carste, que levantou questões sobre como conciliar desenvolvimento econômico, ocupação humana e o patrimônio natural pré-histórico.

Cartelle conta que os momentos que marcaram a busca por vestígios da pré-história mineira remontam à época em que o dinamarquês Peter Lund fez seus primeiros achados, ainda no século XIX; a meados do século passado, quando o grupo da Academia Mineira de Ciências (fazendo referência a Harold Walter, Josaphat Penna, Arnaldo Cathoud e Aníbal Mattos) escavou e levantou pinturas rupestres em Minas; e à década de 70, quando a expedição franco-brasileira capitaneada pela arqueóloga Annette Laming-Emperaire encontrou o crânio mais tarde batizado "Luzia".

LAGOA SANTA ATRAI ATENÇÃO DA AMÉRICA



São várias as perguntas sem respostas, desde os primeiros achados, no final do século XIX, por Peter Lund, na região de Lagoa Santa. Entretanto, os estudos científicos têm mostrado que Minas Gerais é um celeiro de relíquias da pré-história. Prova disso são as pesquisas que o Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos da USP vem desenvolvendo há cinco anos na região de Lagoa Santa, que já sinalizaram que a  colonização das Américas foi bem mais complexa do que se acreditava. Foi com o crânio de "Luzia" que o professor, bioantropólogo e coordenador do LEEH/USP Walter Neves, comparou dados de Lagoa Santa com o resto do mundo e lançou a teoria, na década de 90, de que a América teria sido ocupada por outro povo, mais similar ao africano e aos aborígenes da Austrália, e não ao asiático, como se afirmava.

Para corroborar as teses sobre "Luzia" e reafirmar a grande relevância da região cárstica de Lagoas Santa para a arqueologia e paleontologia brasileira, estiveram na semana passada em Matozinhos dois pesquisadores americanos convidados pela USP James Feathers, arqueólogo da Universidade de Washington, trabalha com a termoluminescência, mais novo método para datar, com refinamento, as peças fósseis, sejam elas de animais, humanos ou vegetais; e William Farrand, geoarqueólogo e diretor emérito do Museu de História Natural da Universidade de Michigan, um dos experts mundiais em achados pré-históricos.

"É minha primeira visita à América do Sul e estou encantado com Minas. Na arqueologia, tudo é questionável e há controvérsias sobre as primeiras ocupações da América. Posso vir a colaborar com o projeto e analisar, juntamente com os demais pesquisadores, se os ossos que foram encontrados nessa região foram enterrados ou se seu sepultamento foi natural, por exemplo", comenta Farrand.

DATAÇÃO 

Para entender e complementar o quadro paleoecológico (como era a fauna e flora na região), a equipe da USP escava na Gruta Cuvieri; zona rural de Matozinhos, fazendo rígido controle das camadas de sedimentos onde estão os vestígios e fósseis. Segundo explica Luis Piló, pesquisador no projeto, os resultados, associados às datações, refinarão o conhecimento sobre os animais que habitaram a região.

"Só assim será possível afirmar que o homem e os bichos da chamada megafauna (preguiça-gigante, tigre-dente-de-sabre e tartaruga-gigante), que teriam vivido aqui entre 10 mil e mais de 300 mil anos atrás, conviveram realmente na mesma época explica Piló. Para datar um fóssil paleontológico ou arqueológico, o fragmento é enviado para um laboratório em Miami (EUA), onde é usado o método com carbono 14, que extrai proteína desse material e calcula, por radiometria, a idade média dos elementos químicos.

De acordo com o geólogo e professor da UFMG Ricardo Diniz da Costa, são as condições climáticas e não as geológicas as responsáveis pela preservação de fósseis ou achados arqueológicos. No caso dos fósseis é necessária a preservação dos restos ou vestígios, o que significa, usualmente um ambiente pobre em oxigênio (por exemplo, um lago). "Pains, no Centro Oeste, e Lagoa Santa apresentam ambientes que auxiliam na conservação, como grutas e cavernas. Essas duas áreas têm em comum o relevo carste, caracterizado pela dissolução das rochas, na maioria das vezes calcárias, que podem gerar sumidouros, cavernas, grutas e várias outras feições", explica.

POVOS E CULTURAS DISTINTOS

As populações que viveram até 11,5 mil anos atrás nas regiões reas de Lagoa Santa e da Serra do Cipó eram bem adaptadas ao meio ambiente e à vegetação rupestre. Instrumentos para comer e caçar eram feitos em pedra e foram confeccionados de maneiras diferentes. "Se falamos de arte rupestre, as incidências que estão na área central de Minas são totalmente diferentes das do Norte do Estado, o que nos leva a crer que eram culturas diferenciadas, com valores e formas de expressão diferentes, línguas e estéticas distintas. Por isso, não podemos afirmar que tivemos uma única população pré-histórica, mas vários povos", explica o arqueólogo e professor do Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais André Prous.

"As datações mais claras são de até 11,5 mil anos atrás, mas os registros e compreensão de possibilidades mais antigas, ainda não temos", acrescenta Prous. Segundo ele, que trabalha no Museu de História Natural da UFMG, o e as pesquisas que vêm sendo desenvolvidas em Minas avançam, mas estão ainda na fase inicial da pré-história brasileira.

Em Matozinhos, os estudos do professor Walter Neves e sua equipe vêm revelando novas histórias. Segundo o professor Renato Kipnis, "os povos eram nômades e viviam em grupos com cerca de cinco famílias. Tinham como hábito alimentar-se de frutas e animais, mas, predominantemente frutas e sementes. Há indícios de que andavam constantemente e usavam as grutas como abrigo."

ALTO SÃO FRANCISCO 

Outra pesquisa, desenvolvida no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP pelo mestrando Gilmar Pinheiro Henriques Júnior, joga luz na bacia do Alto São Francisco, nos municípios de Pains, Arcos, Córrego Fundo, Formiga, Iguatama e Doresópolis, que têm relevo cárstico se melhante aos de Lagoa Santa e Peruaçu. O objetivo do estudo é entender a ocupação, na regiao, dos grupos horticultores ceramistas (indígenas pré-históricos que plantavam milho, tabaco, batata-doce e fabricavam vasilhames de cerâmica).

"Encontramos frugmentos de vasilhames, desde pequenos potes até grandes, com volume superior a 60 litros, em um sitio de Pains. No piso das cavernas, achamos uma agulha e uma ponta de flecha feitas em osso, além de vestígios de fogueiras, e, em torno delas, ossos de animais (pequenos mamíferos, répteis e aves) e grande quantidade de uma espécie de mexilhão de água doce", conta Gilmar, informando que as datações desses achados são bem mais atuais, cerca de l mil, 2 mil anos atrás.

Texto de Cristiana Andrade em "Estado de Minas", 4 de setembro de 2005. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.
Viewing all 3442 articles
Browse latest View live