![]()
Mal D. Pedro II embarcou para o Brasil, a camaleoa mergulhou fundo na vida parisiense. Ela mesmo ria de sua situação: "Corro como um cachorro magro e nunca dou conta do que tenho a fazer." Os anos que passou cuidando de negócios, escrevendo cartas para os engenhos no Brasil ou para os banqueiros ingleses, tinham resultado numa situação financeira confortável. Sua renda sustentava seu cotidiano e lazer. Ela morava num endereço prestigioso, o bulevar Haussmann, e possuía recursos para cruzar o canal da Mancha ou percorrer a Itália sempre que ansiasse por cenários diferentes. Viajava com o filho como prêmio por boas notas no Liceu. Por ser uma viúva rica, o que inspirava respeito numa sociedade que tinha preconceitos contra mulheres solitárias e sem dinheiro, usaria vestidos escuros e papel tarjado de preto até o fim dos dias. Mas nem por isso estava isolada do mundo. Os contatos com os príncipes de Joinville lhe asseguravam uma agenda cheia. Seus méritos de fascinante contadora de histórias também garantiam-lhe lugar à mesa do príncipe de Aumale, no seu magnífico castelo em Chantilly. A vida teatral, as soirées, os chás, as atividades de benemerência misturavam-se aos cuidados com o filho que tomava lugar cada vez mais espaçoso em sua vida. "É meu corpo e minha alma", definiu certa vez para o ciumento imperador.
Na Paris daquela época, nada faltava e todos os gostos encontravam do que se fartar: o peixe mais fino, as ostras frescas, o faisão, o javali ou o abacaxi. As adegas transbordavam de champanhe e vinhos finos. Luísa oferecia jantares e brincava com D. Pedro que se ele estivesse presente teria servido canja. Mas para ela, foie gras!
Sua pupila Isabel desembarcou pela segunda vez na Europa. O roteiro era Viena, Paris e Itália. A princesa vinha sofrida. Tinha problemas para engravidar e garantir a sucessão do trono. Vinha, também, amarga.
Sua regência, na ausência do pai, foi um fiasco. Bem que pedira a Deus inspiração para lidar com um parlamento dividido. Bem que tentou imitar a rainha Vitória. Bem que aguentou os insultos da bancada oposicionista e assinou a Lei do Ventre Livre, mas nada a fazia querida dos súditos ou respeitada pelos políticos. Murmurava-se que não substituiria o pai. Não haveria "Terceiro Reinado". Luísa conhecia bem a maldição da esterilidade. Compreendia o quanto o problema de Isabel fragilizava a monarquia no Brasil. Sofreu durante anos, até engravidar de Dominique. Só então trouxe conforto ao pai e ao marido e deu continuação à família.
Isabel e o conde D'Eu chegaram em meio às discussões da família sobre a Restauração. Napoleão III morreu em 9 de janeiro de 1873 e Bourbons e Orléans se engalfinhavam para definir o que seria melhor para a França. A Assembléia Nacional discutia as possibilidades de restabelecer a monarquia. Nem uma nem outra. A solução foi o general Mac Mahon assumir a presidência por dez anos. Mas outros problemas atormentavam uma parte da família, mais ligada à geração de Isabel e do conde D'Eu.
Uma série de adultérios lhe manchava a honra. O primo de Isabel, o duque de Chartres, traía a apaixonada Chiquita com uma condessa italiana mais velha e ex-amante do tio, a Castiglioni — que aliás o chamava ternamente de "meu príncipe canalha". A cunhada, Sofia da Baviera, traía o duque de Alençon, com o médico ginecologista, de quem teve um filho bastardo. O duque de Penthièvre, que se recusou a casar com as princesas brasileiras, assumiu um caso com uma plebéia de quem teve dois filhos. Enfim, a família Orléans estava longe de dar o exemplo de perfeição conjugal.
Neste clima de pequenos escândalos, Luísa percorria as grandes igrejas em companhia da princesa Chicá (d. Francisca, irmã de D. Pedro II), para ouvir pregadores renomados e pedir perdão pelos pecados de todos. Isabel ia junto. Um clima de rigor moral que a Comuna acentuou só fazia crescer. A pupila acompanhava a mentora incorporando mais e mais o estilo piedoso de que Luísa lançava mão. As orações serviam também para pedir um herdeiro: "Deus, dai-me filhos!", implorava Isabel. Foram à gruta de Lourdes fazer promessa à Virgem Maria, tocaram a pedra onde Ela teria aparecido e compraram terços bentos.
O destino da mulher no século XIX era o de criar a prole. Não à toa, as famílias brasileiras tinham dez, 12 crianças. Nas famílias de elite, elas eram um instrumento para multiplicar as fortunas por meio de casamentos. Isabel teve vários abortos até que, em novembro de 1873, chegou a boa notícia: ela estava grávida. A alegria durou pouco. Uma menina nasceu morta oito meses depois. Para consolar a mãe, alugou-se uma casa em Petrópolis.
Em pouco tempo, Dominique, que entrou no serviço diplomático francês, partiu para o Rio de Janeiro em primeira missão. Luísa foi atrás do filho e de Isabel. Em agosto de 1875, anotava no diário: "De retorno do Rio a Petrópolis." Instalou-se numa casinha com flores, o chalé Miranda. "Só falta Dominique para ser totalmente feliz." D. Pedro ficava nas sombras. Estes eram outros tempos e, agora, havia o filho dela e a filha dele entre o casal. Os dois solicitando atenções. Logo, os cuidados eram redobrados. "Os dias se parecem e as noites são passadas no palácio."
Ainda assim, várias vezes, anotou enternecida no diário, "Excelente visita do Imperador".
Ele, por sua vez, confidenciava aos amigos: "A companhia da Senhora de Barral foi para nós uma grande consolação e durante a doença de minha filha pude ver a que ponto ela me é afeiçoada." A encantadora música que só Luísa sabia produzir voltou a seduzir. Anos mais tarde, D. Pedro escreveria incessantemente sobre o chalé Miranda: "Passei de tarde. Que saudades de você! Como atacaria o chalé Miranda, se você o defendesse [...] quantas saudades lhe mandei!" E totalmente romântico: "hoje, quando passei pelo chalé, colhi florzinhas para você."
Um amor de outono: ele, de barbas brancas e precocemente envelhecido; ela, pequena e envolta nos vestidos pretos da viuvez. Ambos detentores de um forte sentimento de respeito e carinho mútuo. E mais importante, Luísa e Pedro tinham conservado uma maneira de amar e de gozar a vida sem se deixarem contaminar pelos sofrimentos que ela lhes trouxera.
Enquanto o milagre do amor e da discrição se operava no chalé Miranda, a princesa Isabel, alheia às realidades políticas e econômicas do país, mergulhou na vida devota. Luísa ia junto com ela varrer as igrejas, adorar o Santo Sacramento, enfeitar os altares de Nossa Senhora. Isabel engravidou outra vez e a presença de Luísa a acalmava. No final da gestação, Luísa ficou encarregada de fazer as honras da casa à mulher do médico francês que veio fazer o parto da princesa.
O parto foi terrível. "Achei-a assustada, de cama [...] às 23h30 fui ao Paço avisar Suas Majestades que já dormiam e o Imperador me apareceu de ceroulas e camisa, muito engraçado! Às 5h30 fórceps, a criança já sofrendo e precipitando a deitar mecônio. A carinha para baixo tinha feitio de bicho. A princesa animada por minhas súplicas de força para salvar a criança, fez esforços grandes e, afinal, saiu um menino mas quase asfixiado, todo roxo e fazendo lástima. [...] O senhor Depaul e eu fomos para o outro quarto insuflar, beliscar, dar palmadas, fazer cócegas, dar banhos com aguardente, vinagre esfregado, panos quentes [...] mais de uma hora depois do nascimento, ele chorou." Luísa levou o menino aos braços da mãe. Tinham se passado 11 anos do casamento de Isabel. O parto custou 100 mil francos.
Nos meses seguintes, Luísa se dividiu entre os membros da família real.
Ela jantava com a princesa todas as noites, brigava com D. Pedro por este não reagir aos ataques dos políticos, defendia a pobre Teresa Cristina: "Que tirania! Não seria eu a me submeter a isto!" Dominique se entediava. A mãe evitava que ele se aproximasse muito da Corte para "evitar a gozação dos colegas". Murmúrios continuavam a correr sobre sua presença. Alguns jornais a chamavam de velha. Ela reagia. "Não acho graça." Certamente não se sentia inútil. Suas graças ainda incentivavam cenas de ciúmes de D. Pedro, como quando ela recebeu um conhecido amigo francês: "Cem anos que eu viva, sempre a mesma no físico, direi que o Imperador foi muito tolo nesse negócio. Se ele já tivesse viajado e saído de sua Corte de velhas corujas — ou seja, se tivesse abandonado seu provincianismo —, saberia que não há nada de mal entre um velho amigo e uma Senhora de meu respeito. Mas realmente eu creio que ele tinha ciúmes de mim." E, vaidosa, confessava, "deixa estar que eu tinha meu desvanecimento disso tudo".
Certa feita, Luísa acompanhou a cavalo o imperador numa visita a Friburgo. Foram visitar os banhos que o doutor Éboli instalou na cidade e que julgavam aconselhável para a esterilidade da princesa. Lá, o Hotel Leuenroth substituiu o chalé Miranda. Ele a visitou: "Eis o começo das tristes separações." Em fevereiro começaram as despedidas, pois ela voltaria para Paris. Com o coração partido, Luísa escondia as lágrimas:
"Chorei tanto que adormeci de um sono de chumbo.""Estive em São Cristóvão pa ra despedir-me do imperador. Quanta dor, estou rasgada por dentro. Adeus, Brasil!"
Os dois anos passados em Petrópolis voaram. Mais uma vez, ela voltou com louros: Dominique agora tinha um posto e licença para terminar em Paris o curso de Direito. Fez escalas na Bahia. Antes mesmo de tocar o chão de Salvador, recebeu carta do imperador com muitas saudades e assinando-se "sempre, sempre o seu P."! Andou alegremente de bonde pela Cidade Alta e Baixa, abraçou as primas que continuavam sua obra de caridade e foi rezar ao pé do mausoléu no Campo Santo, agradecendo ao "excelente velho" o exemplo que lhe deu. Ali, deixou enterrado mais um problema. O filho de Alexandre Borges, Dominguinhos, que na infância foi tratado de pequeno ogro: "pobre homem que encontrei tão mudado e envelhecido."
O tempo só passava para os outros... Apesar da cabeça branca e de sexagenária, Luísa ainda estava firme como uma rocha. Em Recife, ficou aguardando outro telegrama. Mas ele não veio. Luísa reclamou e teve a resposta seguinte: "Se sua amabilidade para comigo é amizade, como a que lhe consagro, e tantas saudades me causa, muito me aflige que a falta de telegrama meu, para a Bahia ou Pernambuco a entristecesse, fazendo-a supor que a minha afeição diminuíra." Mal desembarcou na Europa, registrou, vitoriosa, "o Imperador mandou um telegrama para saber de minha chegada!".
Por sua vez, ela enviou notícias à princesa Isabel. Não perdia o humor ao lhe contar que chegara a Paris, "magra como um xangô [peixinho baiano], toda desbarrigada e tão cheia de rugas e pelancas que comparo minha cara com o pau que chamam disponcho"! Mas confiante nos encantos restantes, prosseguia: "Ainda hoje, Vossa Alteza nem pode calcular e veja lá como sou vaidosa, que bonita figura ainda faço quando converso com algum homem de merecimento. Outro dia foi com o senhor Lesseps que fiz meus brilhos."
Lesseps era simplesmente um dos mais conhecidos empresários e diplomatas europeus, além de construtor do canal de Suez.
Ah! Sedutora camaleoa.
O ano de 1876 preparava muita agitação, tanto para Luísa quanto para Pedro. D. Teresa Cristina ia de mal a pior. Sentia-se exausta e tossia sem parar. D. Pedro escreveu a Luísa pedindo-lhe que agendasse encontro com um famoso neurologista, o doutor Charcot, em Bruxelas. Com a desculpa de tratar da saúde da mulher, D. Pedro iria para a Europa, via Estados Unidos. Aproveitava para visitar a Exposição Universal de Filadélfia e conhecer o telefone, recém-inventado. Convidou Luísa para acompanhá-los. Ela respondeu com pesar: não ia poder.
Aos 52 anos, D. Pedro contudo não esquecia a envolvente sexagenária. As cartas seguiam umas atrás das outras com "muitíssimas saudades" e notícias: "As festas da colocação da primeira pedra da igreja e abertu ra do hospital estiveram brilhantes em Petrópolis; porém que saudades!
Bem sabe de quem.""Tomara já o mês de julho", anunciando as viagens que fariam juntos pela Europa. "A 26, começo já a andar para lá, embora por caminho comprido demais para as saudades", anunciando a data da partida. E martelava, "creia que olho sempre com imensas saudades para os quartinhos do anexo do hotel Leuenroth". E antecipando o novo rompimento, "E depois de minha volta da Europa, que fará você? Então é que terei saudades, que nenhuma amabilidade disfarçará"!
Enquanto o imperador se afogava em ternura, preparando a viagem, uma nova fase se delineava na vida da camaleoa. O filho crescido atendia, mais e mais, aos compromissos sociais exigidos pela carreira. Luísa ficava só. Os anos também passavam para os amigos. Saía -se menos.
Luísa anotava as impressões de solidão em seu diário. D. Pedro seguia escrevendo e preenchendo o vazio da vida dela. Todos os dias seguia um bilhete contando amenidades e entre uma frase e outra, "Muitas saudades. [...] O luar tem aumentado as saudades. Tem você também saudade? Ninguém lhe quis ou quer mais do que o seu P. Nada de cartas de você; não lhe perdôo, as saudades são muitas por cá. Mando-lhe este retrato.
[...] Tomara já vê-la! Não me demore um instante e queira-me como lhe quero. [...] Felizmente seu amigo ainda está forte, e só lhe pede a companhia que tanta falta lhe faz". E assinava-se "sempre seu", "todo seu" ou "cada vez mais seu".
Apesar dos arrufos da primeira viagem e do sentimento de culpa que tinha em relação ao filho, Luísa se deixava tocar pela insistência do imperador. O paquete Rússia atracou na Inglaterra e ela foi a seu encontro em Bruxelas como ele insistentemente recomendara. Como membro da comitiva, participou ao almoço que o rei Leopoldo II ofereceu a D. Pedro II. O assunto? A beleza da rainha dos belgas em contraste com a "moléstia" de D. Teresa Cristina.
A imperatriz ficou sob os cuidados de Charcot e de Luísa. Enquanto o imperador seguia em frente, prometendo a Barral reencontrá-la em Constantinopla, Teresa Cristina registrava em seu diário: "O imperador partiu para sua longa viagem e eu fiquei aqui neste hotel." Resignava-se.
Quanto à idéia de revê-lo, Luísa resistia um pouco, alegando que a situação nos Bálcãs não era das melhores. D. Pedro desfazia seus receios.
Enquanto percorria a Escandinávia e a Rússia, ele lhe escrevia a cada dois dias, sempre insistindo: "Ainda bem que escreveu uma boa cartinha [...] por cá não cessam as saudades [...] não são menores as saudades. São como mato. Você não as sente como eu, seu P." D. Pedro lhe mandava conchas das praias de Odessa, comprava-lhe tapetes persas nos mercados, não a esquecia ao ver "monumentos, quadros ou auroras". As comunicações eram frenéticas. Ela não ficava atrás e cobrava notícias, obrigando-o a reagir, "Não posso estar mandando telegramas a todos os instantes".
A esgríma se estabelecia por meio da correspondência, enquanto um combate ia no coração de Luísa. Seus fantasmas pouco tinham a ver com o declínio do Império Otomano ou a emergência de um sultanato autoritário em Istambul, motivo de aparentes preocupações para não pisar na Grécia. Na verdade, Luísa temia ser abandonada, temia ficar velha e feia. Amar de longe, sem esperança e só para ela mesma não lhe parecia razoável. Atenas seria um momento de definição neste projeto que consistia em substituir a amante pela amiga. Amiga eterna, confidente privilegiada, mas sem beijos furtivos. Afinal, Luísa sentia que a diferença de idade começava a pesar. No diário acentuava a passa gem do tempo.
Ele pedindo emplastros para dores e ela assinalando, "saudades de votre coitada". Para espantar este declínio, ela investia ainda mais no que os franceses chamavam então um "amour de tête". Ou seja, um amor baseado em idéias ou nas afinidades do espírito.
Ela tinha razão em mudar de estratégia. Pois esta foi a vez dele, homem maduro e bem-apessoado, merecer os cuidados de suas suspirantes. A primeira foi uma senhorita passada dos 30 anos, Mademoiselle de Kantsow, bisneta de um diplomata sueco no Rio de Janeiro. Luísa a considerava "uma deliciosa jovem sueca", cicerone ideal para o roteiro escandinavo que foi de Dorttningholn a Moscou. Trocaram retratos e bilhetes plenos de confiança e amizade. Ao deixá-la, o Imperador a presenteou com um bracelete de ouro com versículos do Corão em esmalte.
Mais inquietante, contudo, foi a presença de Miss Caldwell, amiga de infância que a própria Luísa lhe tinha apresentado.
Em dupla, as senhoritas Caldwell e Kantsow acompanhavam o imperador aos museus e teatros, "que para elas estariam fechados", resmungava a ciumenta Luísa. E puxando-lhe a orelha: "Você pode imaginar a felicidade de Miss Caldwell que me escreveu uma carta entusiasmada sobre Vossa Majestade.""E um flerte um pouco inquietante. Mas, sinceramente, é preciso ser inglesa para isto. Ela estará de volta em Londres em seis semanas e tudo isto [ou seja, os suspiros pelo imperador] se diz e se faz com uma calma invejável", reclamava.
Mas ela reclamava um pouco sem razão, pois ele não parou de lhe escrever e reiterar seus sentimentos: "Muitas saudades. Muitíssimas tenho tido. Cheguei há pouco à Odessa; vou-me aproximando do encontro, mas ainda faltam dez dias." Parecia contar as horas. E dois dias depois: "Quem me dera já o dia 2 de outubro." Era a data do sonhado encontro.
Atenas em 1876: o porto do Pireu e a cidade eram apenas pequenos povoamentos ao pé da Acrópole. Recém-independente do Império Otomano tornara-se, fazia bem pouco, a capital da Grécia. Contava uma população de pouco mais de 5 mil pessoas e, nessa época, tiveram início construções mais modernas e a ereção de prédios públicos como a Universidade, a Biblioteca Nacional e as salas de exposição de Zappelon.
D. Pedro II, Luísa e D. Teresa Cristina tinham se reunido em Constantinopla, atual Istambul: ele vindo de Odessa, e elas, das Caldas de Gastein, na Áustria. No diário, Luísa afirmava que iria servir ao casal de imperantes, não só a D. Pedro. E acrescentava que tinha enorme respeito pela imperatriz. Com ela, aliás, foi antes a Coburgo, visitar o túmulo da pupila morta, a princesa Leopoldina, e a caminho do sul ouviram juntas música de Strauss no palácio de Schoenbrunn, em Viena. Mas, no fundo, atendia exclusivamente a um pedido dele que não parava de lhe escrever: "Escreva-me, escreva-me como se conversássemos, iluminando-me: alegre-me a vida que levo aqui."
O que fizeram na Grécia? Leram juntos as páginas de Heródoto sobre as guerras da Antiguidade. Visitaram as ruínas da Acrópole e do Partenon e as salas dos museus arqueológicos. Admiraram o rochedo do Areópago e o azul do mar de Ulisses. Tiveram daquelas inúmeras "conversinhas" que ele adorava. D. Teresa Cristina, então, nova aliada e não mais antagonista, referia-se a Luísa como companheira de inúmeros passeios: a Russopolos, ao Templo de Teseu, ao Teatro de Baco. Luísa seguia seu amigo, ladeiras acima e abaixo, ambos se comportando como turistas animados. Riram maravilhosamente juntos: "Nunca vi o imperador rir tanto como esta noite, me fazendo a leitura. Um frouxo de riso tão comunicativo que cheguei a ter dores nas costelas de tanto rir", anotou.
Os sentimentos renasciam e ela se encantava com ele: "O imperador botou o boné grego que lhe caiu muito bem!""Ele me serviu de cicerone, me fazendo visitar o monumento da Lanterna de Diógenes." Passaram juntos sob o arco de Adriano e ela cheia de energia: "Caminhei rápido na frente de todo mundo para gozar, à minha maneira, desta incomparável Acrópole. Que beleza! Que beleza!" E quando ele se entusiasmava por alguma coisa bonita: "Encantada com o encantamento do imperador."
Depois de um mês, Luísa voltou para casa via Nápoles e Marselha.
"Alle 5 della mattina parti la condessa de Barral", anotou a imperatriz. "Alle 7 parti l'Imperatore" e ela ficou. D. Pedro seguiu para a Ásia menor, mas, insistia em lembrar a Luísa as "boas noites de Atenas... boas noites áticas". "Como me lembro de Atenas e você." E ela: "nosso mestre partiu de manhãzinha... Eis que começo a pensar na viagem e a ter o coração tão pesado." Em seu diário ela registrou sua exaustão física e satisfação:
"Voltei muito cansada. Mas há muito tempo não sofri tanto fisicamente e, ao mesmo tempo, fui tão feliz moralmente!" Eis o segredo. Luísa não queria mais o corpo de D. Pedro. Só seu espírito.
Depois, os imperantes também voltaram à França. E apesar das declarações de saudades a Luísa, D. Pedro deu prosseguimento ao rosário de pequenas traições começadas na viagem à Rússia. Em Paris, ele se enrabichou e, desta feita, por alguém que Luísa conhecia bem e que caracterizava como "charmante". Mas que era mais do que isso. Anne, condessa de Villeneuve, era uma das mais belas mulheres da capital. Alta, cabelos escuros, voz meiga, simplicidade tocante e muitos amores. Pois ela veio à casa de Luísa saudar os imperantes. O caso foi tórrido. Nada a ver com a discrição dos beijos roubados das "excelentes visitas" que ele fazia a Luísa.
Durou algum tempo e foi pontuado com encontros em que o erotismo falava alto: "Que loucuras cometemos na cama de dois travesseiros!" Ou, "Não consigo mais segurar a pena, ardo de desejo de te cobrir de carícias", escrevia D. Pedro em bilhetinhos enviados a Anne de Villeneuve.
Luísa parecia nada ver: "Soube estupefata que Madame de Villeneuve obtivera uma audiência particular ontem para indagar da frieza com que os tratava a ela e ao marido — filho do dono do "Jornal do Commercio"—, dizendo-lhe que gostaria de ir com os filhos ao Brasil, mas desistiriam se lhes persistisse o desprezo." Ela abafou os ciúmes. O diário não registrou as reações da mulher madura que via seu amante nos braços de outra, jovem e bela. Depois, era tão natural aceitar as traições masculinas que, sobre elas, Luísa nada teria a dizer. Sete anos depois, Anne de Villeneuve ainda mandava fotos a D. Pedro, que respondia: "Já faz bastante tempo que não recebo tuas lembranças e que falta me fazem! Conte-me o início de teu amor por mim e por que não me forçaste a gozar mais cedo da felicidade infinita de te amar."
Também pelas mãos de Luísa, outra suspírante lhe foi apresentada: a condessa Benoit D'Azy. Ela mantinha um salão onde circulavam jovens atores de teatro ou poetas. Luísa se entediava profundamente nestes encontros, mas ele achou graça na futilidade e nos diálogos com a condessa.
Por que ela não "lhe escreveria todos os dias", perguntava o imperador? Diante de uma correspondência inesperada, madame D'Azy preferiu algumas visitas galantes.
Apesar dos namoricos, no ano de 1879 o imperador parecia totalmente dominado pelas saudades de Luísa. Logo que voltou ao Brasil, chegou a se tornar enfadonho, evocando passeios românticos e cobrando: "Por que diz que Atenas foi o último lampejo? E a Suíça? E Portugal? O último não!", contestava. Numa carta atrás da outra insistia: "Você nunca me quis, nem quer, nem quererá como eu a você." Ela se machucou? Ele dizia querer consolar "a perninha estendida"! Ouvia ópera sonhando com ela quando o dueto gemia "Viens, viens"! Mas ela não vinha. E por isso, a melancolia crescia, "Fale-me de tudo lembrando-se do meu deserto em que só viceja o estudo no meio das urzes da saudade e de tantos dissabores".
Em meio ao peditório de notícias e manifestações de carinho, pingava uma referência a "alguém". "Fui com alguém a Niterói." Mas era raro.
Luísa continuava açodada pelo fantasma do dever e decidida a levar adiante a resolução de se tornar somente a melhor amiga de D. Pedro.
A sensação de culpa a mantinha longe dele. Moral, honra, virtude reprimiam os "baixos instintos", como era chamado o desejo físico, então. Mas ele insistia: "Você sabe quem foi que ocupou completamente meu coração."
Enquanto o homem morria de saudades, o político apanhava da situação do país. O partido liberal ia abrindo frentes. São Paulo, agora rasgada por ferrovias, florescia. A lavoura de café dava lucros e, na bacia de Campos, inauguravam-se modernas usinas de açúcar, em lugar das antiquadas moendas de cana. O Rio de Janeiro conhecia uma novidade: o "meeting", ou seja, um orador trovejante, rodeado do povo, atacava o governo. A inquietação se espraiava como mancha de óleo na água. Uma marcha popular foi até São Cristóvão, aos gritos, pedindo o fim do Imposto do Vintém, que era cobrado sobre o uso dos bondes. D. Pedro escrevia aos Joinville cheio de preocupações. Explicava à irmã e ao cunhado que lhe faltava paciência para enfrentar mudanças na forma de governo.
Dizia preferir ser presidente da República a imperador. Pela primeira vez, a imagem do monarca era vaiada em praça pública. Republicanismo e radicalismo avançavam. Os conservadores temiam por ele, que parecia decidir o futuro do Império no escuro.
Nessa época, Luísa se instalou em Roma para atender os compromissos profissionais do filho. Tinha amigos em toda parte e logo os reunia em ceias, eventos musicais e jogos de carta. Participavam de tais eventos diplomatas, a aristocracia romana e membros do clero, inclusive bispos e cardeais. A camaleoa tinha gosto inclusive para escolher endereços. Alugou um apartamento na Piazza di Spagna. À tarde, ela percorria os belos monumentos, visitando museus e orando nas igrejas. Verdadeira esteta, nada lhe escapava, nem os vendedores de antiguidades entre os quais se regalava comprando o que chamava de"bugigangas". Como seu pai fizera em Paris, ela também promovia o filho na cidade do papa.
Chegou mesmo a se avistar com o santo e venerável velhinho, que abençoou mãe e filho. Contava tudo a D. Pedro por meio do envio de cartas que seguiam de dois em dois dias. Ele, por sua vez, apesar de atolado em problemas políticos, adorava os relatos.
E batia sempre na mesma tecla: "Gostaria se eu lhe aparecesse aí?
Que faria? Por que havíamos de viver tão longe um do outro? Como seria bom, se estivéssemos juntos no seu quartinho em Roma. [...] Transpor-to-me até Roma nas asas da minha imaginação... Descreva-me o quarto onde mais pensa em seu amigo." E estimulado pelos vôos de balão que começavam a se tornar comuns, sonhava em ser transportado pelos ares do Brasil à Itália: "Ah, se eu caísse agora aí dentro de um balão!" O solene e respeitável imperador, bracejando entre crises ministeriais, tinha sonhos de adolescente. E sonhava acordado e sonhava dormindo: "Esta noite sonhei com você, vi-a. Conversei com você, brigamos e tornamos a fazer as pazes, quando bateram-me à porta para o banho de mar." Saberia que os sonhos apenas colocavam em cena os seus desejos?
Luísa lidava melhor com a realidade do que com a fantasia. Seu diário inchava com descrições de sua programação social. Mas também com sua preocupação com os mortos — mandava rezar missas pela alma da mãe, do pai e do marido — e os vivos. Sobretudo com o filho. Por várias vezes chamou Dominique, agora Encarregado de Negócios da Embaixada da França, para conversas sobre um assunto importante: o casamento. Além disto, preocupava-se com sua paixão pelas corridas de cavalo e certas ausências abruptas. Seus atrasos e falta de disciplina a deixavam louca. Mas a maternidade sempre foi cega. Quando ele parava junto a ela, registrava, encantada: "Meu filho ficou o dia todo. Que festa!"
No ano seguinte, correu a Paris, onde ajudou no terceiro parto da princesa Isabel.
Enquanto ela ia de um lado para outro, ele não a poupava. Cobria Luísa de manifestações de saudades de vários tipos: saudades que eram velhas, mas que estavam sempre rebentando; saudades em tropel; saudades que brotavam e rebrotavam; saudades pungentes; saudades imensas e saudades que ela não compreendia. Escreveu-lhe, também, nestes anos, belas cartas de amor: "Não imagina quanto você me faltou durante essa viagem! Se me quer muito, quanto mais lhe quero eu, como melhor consolo para a vida que levo! Felizmente achei suas duas cartas acabadas a 30 de abril e 4 de maio. Creia que a todas queimo e que preciso que você me diga tudo e tudo." Ou seja, ele queria ouvir coisas que Luísa estava deter minada a não repetir. Sobretudo, desejava recordar os prazeres passados: tudo!
Garantia-lhe que queimava tais lembranças de papel depois de lidas. E o imperador se explicava: "Sou o mesmo que lhe inspirou tamanha afeição, e de nada me esqueço tudo revive ndo em mim com o mesmo viço de uma afeição de trinta anos. Ah! Se lhe contasse tudo o que imaginei nas lindas noites dos campos do Paraná! A idade não tem podido contra um coração todo seu. [...] Ah! Se você estivesse aqui, ou eu em Roma!
Como apreciaríamos nossa afeição inabalável! Mais quisera dizer, porém prefiro que você adivinhe o que eu acrescentaria ao que já escrevi." Só a imaginação podia transportá-lo para os braços dela.
Queimavam-se as cartas e ainda ardiam os sentimentos. E se ela circulava entre Itália e França, enclausurado em São Cristóvão, ele lhe enviava notícias: "Estou no Palácio de Santa Cruz. Como me lembro de você." E colhia folhinhas na floresta da Tijuca que lhe enviava.
De vez em quando brigavam, para não perder o hábito, e logo faziam as pazes. "De que agravos posso eu lhe pedir perdão"? — perguntava Luísa? "Eu que tanto bem lhe quero, e que só tenho um desejo: o de o saber feliz."
* * *
Se o coração não envelhecia — como reiterava D. Pedro a Luísa — o tempo, contudo, passava e nem sempre era generoso. Os anos de 1882 e 1883 foram cruéis. Em março, um escândalo revelou segredos do imperador. Tudo começou com uma notícia que alarmou a Corte. Portas e armários do Palácio de São Cristóvão tinham sido arrombados. Pior: jóias da imperatriz e da princesa Isabel tinham desaparecido misteriosamente e seu valor era altíssimo: 400.000$000. Uma fortuna! Quatro dias depois que os jornais, nacionais e estrangeiros, trombetearam a notícia, já havia suspeitos presos. Depois, uma carta anônima apontava a localização das jóias. Encontrados os objetos roubados, se deu o caso por encerrado e foi solto o autor do crime. Tratava-se de Manuel Paiva, morador da Quinta da Boa Vista, ex-empregado do Paço e irmão de Pedro Paiva, criado do imperador. Os bens estavam em latas de biscoito enterradas em meio a um lamaçal, nos fundos da casa do suspeito.
A benevolência com que foi tratado o suposto assaltante gerou na imprensa toda sorte de acusações a D. Pedro, vindo à tona o nome que já circulava, há muito tempo, à boca pequena. O de Luísa de Barral.
O argumento de D. Pedro para a "anistia" era o de que ele não tinha cometido roubo oficialmente, entendido como subtração e violência. O crime era furto ou subtração sem violência. Se as jóias haviam sido achadas, não existia mais furto nem tampouco ladrões. Estranho raciocínio.
Na rua do Ouvidor, ria-se da história. A pergunta que não queria calar era: por que o monarca estaria protegendo um possível criminoso? D. Pedro desmentiu qualquer interferência na investigação, o delegado recebeu um prêmio e o ladrão continuou a morar, feliz, na Quinta de São Cristóvão. O caso foi abafado, mas a versão oficial não foi aceita. Na imprensa, além da gritaria dos republicanos acusando o regime de corrupto, folhetins criticavam o desfecho do roubo.
"Recebi os jornais e cartas que contam o achado das jóias. Li tudo com muita atenção e a impressão de nojo [grifo dela] que me ficou de tudo e nem sei me exprimir a Vossa Majestade." O tratamento cerimonioso contrastava com as intimidades de outras cartas que não eram lidas por terceiros. Nas circunstâncias, melhor tomar cuidado. "Longe de mim o pensamento de que Vossa Majestade exerceu a menor influência sobre a marcha da Polícia e da Justiça; mas, soltarem os acusados sobre os quais pesam suspeitas tão graves, pelo mero fato de se terem achado as jóias, é uma flagrante imoralidade; e eu digo, que na lama de onde se tiraram os brilhantes se enterrou a justiça."
E acrescentava: "Quem me dera poder conversar disso tudo com meu amigo e senhor para saber toda a verdade; mas essa ventura nunca terei." E, mais adiante: "Repito que fiquei com nojo de tudo isso [...] e o que mais admira é isso já não ter acontecido muitas vezes, com o desleixo que reina em tudo no paço de Vossa Majestade." O tom era bem diferente daquele empregado na carta em que Luísa pedia providências dele, para ajudar os familiares de Pedro Paiva. O alívio, contudo, vinha do fato de que nada se tinha provado contra "nosso bom amigo Rafael", antigo mensageiro na troca de cartas e recados com D. Pedro e colega de trabalho de Manuel e de Pedro Paiva e, portanto, também contra eles.
Na verdade, Luísa insistia no assunto, pois queria que D. Pedro o enterrasse: "Eu estou certa de que Vossa Majestade foi incapaz de intervir na marcha da Justiça, nem de defender seu criado — embora lhe fosse doloroso — se ele tinha cometido um crime; mas consentiu que ele continuasse a residir na Quinta, depois desse escândalo." Alegava que D. Pedro não deveria deixar o empregado nas imediações do palácio enquanto um processo não provasse sua inocência. "Mas deixar pairar suspeita sobre um caráter, é parecer fechar os olhos sobre coisas que nem são de sua competência nem julgar, nem perdoar. Isso não." E enfurecida, com medo de que alguma informação sobre sua relação com o imperador transpirasse, perguntava: "Quem será o bicho peçonhento que escreveu esses folhetins?"
As razões para a irritação vinham reveladas no enredo dos folhetins "As Jóias da Coroa", "Orgia no Olimpo" e "A Ponte do Catete". Todos escritos por jovens republicanos como Raul Pompéia, José do Patrocínio e Artur Azevedo. Todos tinham a intenção de desmoralizar o Imperador, expondo suas relações com um criado alcoviteiro, encarregado de disfarçar seus casos com uma jovem mestiça ou com certa "condessa Marieta". No caso, Marieta era mais um pseudônimo para Luísa.
Já o "nojo" e a "ânsia de saber toda a verdade" manifestados nas cartas de Luísa demonstravam que, em seu coração, crescia a suspeita e o ciúme. Estaria seu D. Pedro correndo atrás de outras, de meninotas mulatas, como se murmurava na Corte e caricaturavam as peças de teatro? No seu diário íntimo, anotou espumando de raiva: "Os folhetins do Rio fizeram uma onda. Não se tem idéia de desaforo semelhante e o que pesou é que agora eu mesma entro em cena. E dizer que não se mandou dar uma nuvem de bastonadas ao engraçadinho que se permite falar desta maneira [...] era preciso o bastão." E enfiando a carapuça: "Dou graças a Deus por Dominique não estar no Brasil, e, afinal, como conter estes animais venenosos?" Em outra carta ao Imperador, perguntava, apreen-siva: "E o que virá, ainda?" E criticava-o, duramente, pedindo-lhe para modificar seu modo de vida, "porque na mocidade desculpa-se muita coisa, mas na velhice, nada e Vossa Majestade deve dar o exemplo". Luísa tentava defender a honra dos dois.
Além da reputação de ambos, Luísa se preocupava com a fragilidade da monarquia. A realeza francesa tivera as cabeças cortadas depois do roubo do colar de Maria Antonieta! "E vai-me parecendo que breve teremos mais uma república na América do Sul. Sei que Vossa Majestade por si não se importaria mas é seu dever cuidar de sua dinastia e fazer respeitar a pessoa do soberano." E criticava: "A liberdade de imprensa de nossa terra não respeita ninguém." Esse era o triste resultado de vinte anos de amizade, mas ela confiava que ele se defenderia "contra essas abomináveis calúnias".
Enquanto isso, o pasquim Corsário, de Apulcro de Castro, insultava ambos com a quadrinha:
"Não é por certo
Boa moral
Trair a esposa
Com a Barral!"
Em Paris, a mana Chicá e o marido Joinville não perdoaram o silêncio do imperador, nem ver a Corte salpicada de lama. Era o outono do tempo que se abatia sobre D. Pedro e Luísa. E sobre a monarquia no Brasil.
Não se sabe se foi a pupila Isabel ou o próprio D. Pedro, mas, seguindo o costume, arranjos discretos se fizeram para que Dominique arranjasse uma mulher. Ele tinha deixado o serviço diplomático francês onde entrara graças aos contatos de Luísa e nele permaneceu até que decretos republicanos expulsaram da França certas congregações religiosas. Católico fervoroso, ele reagiu às decisões de um Estado que se queria laico pedindo demissão. Dominique se encontrava, na época, servindo na Embaixada Francesa junto à Santa Sé.
Doravante desempregado, Dominique, que usava então o título do pai, conde de Barral, veio ao Brasil procurar apoio do imperador. E o apoio veio também na forma de uma aliança. Em janeiro de 1882, Luísa recebeu um telegrama curto: "Caso Chiquinha Abril Venha." Chiquinha era a filha mais moça do visconde de Paranaguá, ministro da Fazenda e chefe do gabinete liberal que se encontrava no poder. Maria Francisca, a Chiquinha, era irmã de Amandinha Dória, uma das amigas mais íntimas da princesa Isabel. E quase certo que a pupila tenha interferido em favor do filho de sua querida aia e amiga, da mesma forma como Luísa a empurrou para o conde D'Eu.
Em seu diário, Luísa díz ter caído de joelhos, banhada em lágrimas, dando graças a Deus pela ventura de casar um filho "com essa bela menina, filha de meus amigos tão honrados e tão bons. Que posso desejar mais neste mundo?!". Depois do anúncio oficial do noivado no Rio, os presentes dos amigos franceses começaram a chegar na casa de Luísa em Paris. Ela se atolava em meio às caixas. Depois houve correria de costureiros e chapeleiros até que embarcou em Bordeaux. Ela chegou ao Rio no dia 13 de abril.
Subiu direto para Petrópolis. Os jornais não deixaram escapar: "Hóspede distinta — Acha-se nesta cidade, de regresso da Europa, a Excelentíssima Senhora Condessa de Barral. Suas Altezas Imperiais e os senhores Conde e Condessa D'Eu foram à Corte esperar a veneranda senhora."
Conta-se que alguém teria se admirado das marcas do tempo, exclamando: "Mas como está envelhecida a Condessa de Barral". Ao que D. Pedro retrucou, irritado: "Saiba que nunca envelhece uma mulher de espírito!" E foi quando do encontro deste ancião de barbas brancas e de uma envelhecida Luísa que o romance veio praticamente a público. Os tempos, contudo, eram outros.
A grande imprensa liberal jamais ousaria atacar a honra do imperador, que tudo fazia para manter sua imagem de probidade e sisudez. Mas nesta década crescia uma imprensa desabusada e irrevererente para quem nada era sagrado, nem a privacidade do monarca. Pasquins respondendo pelo nome de Carbonário, Corsário, O Diabrete comentavam a predileção de D. Pedro por Luísa. O objetivo dos redatores era pôr em letras de forma os escândalos comentados a meia-voz. Por tudo o que foi dito, Luísa deve ter se arrependido até a raiz dos cabelos da forma como conduziu, ou deixou conduzir, a cerimônia do matrimônio. Se fosse para pavimentar o futuro deste filho que ela adorava, o tiro saiu pela culatra.
No dia 5, anotou: "O dia mais feliz da minha vida! Às seis horas le-vantei-me e ajudei um bocadinho a arrumar as flores, e às dez horas estava, como manda o figurino, à espera de Vossas Majestades." Seguiu num cortejo de trinta carros, forrados de branco e puxados por cavalos da mesma cor, para a igreja. "Cerimônia recolhida e bela." Mas o que seria um simples casamento se tornou um escarcéu. Os jornais atacaram o imperador pela predileção que demonstrava por Luísa e por Dominique. A corte estava em polvorosa, dividida pela celeuma. E foi da Gazeta da Tarde que vieram os disparos mais odiosos. O jornal publicou na primeira página um artigo intitulado "É contra a etiqueta". Dizia que, à primeira vista, um fato banal se tornara chocante pela presença dos imperantes na capela do palácio da princesa Isabel. O que justificava ter membros da família reinante como testemunhas de uma cerimônia particular?
O jornalista punha o dedo na ferida. O imperador não podia ter atitudes diferentes das que tinha com outras pessoas. Não podia "aparentar mais dedicação aos seus amigos particulares do que aos amigos da nação, aos que haviam servido ao mesmo tempo à sua pessoa, às instituições vigentes e à pátria". Não tinha o direito de manifestar pela família da aia de seus filhos simpatias que não demonstrara a militares importantes como o duque de Caxias ou o general Osório, literatos como Gonçalves Dias ou José de Alencar, estadistas como Rio Branco etc. Por que D. Pedro não acompanhou o enterro de heróis da Guerra do Paraguai?
"Todos esses vultos salientes de nossa nacionalidade têm passado esquecidos pela consideração imperial e alguns mesmo espezinhados pela mais dolorosa ingratidão." O articulista ignorava deliberadamente o pai da noiva, ilustre homem de Estado com folha corrida de serviços prestados ao Império. E martelava sem piedade: "O imperador, sem mais nem menos, sem decreto legislativo, reveste duas famílias de um caráter princípesco." E maliciosamente explicava que já se vira fato semelhante, no primeiro reinado, mas tratava-se do reconhecimento dos filhos naturais do imperador. No caso atual, tratava-se simplesmente de uma amizade de portas adentro, mas com toda a ostentação de publicidade: "E uma predileção caseira que vem romper com a tradição da monarquia." E deixava no ar o cheiro de bastardia do pobre Dominique, que já tinha tirado as fraldas quando Luísa foi servir em São Cristóvão.
A explicação? D. Pedro estava diabético e suas reações não eram normais. "Nunca Sua Majestade foi mais ousado na ostentação de seu poder pessoal." Depois, a cerimônia foi uma tentativa de apoiar o gabinete Paranaguá, extremamente fragilizado e à beira da demissão. A cerimônia foi descrita em detalhes pela imprensa: rezada pelo arcebispo da Bahia, primaz do Império; a atuação dos padrinhos, princesa Isabel e conde D'Eu; os brindes e a festa; a partida de D. Pedro sob palmas e o hino nacional. Havia membros de ambas as casas do parlamento, oficiais de mar e terra, altos funcionários, magistrados, pessoas notáveis no comércio, artes e letras. O artigo censurava o imperador por ter infringido a etiqueta e por se colocar em segundo plano.
A polêmica prosseguiu por muitos dias. Alguns sugeriam que D. Pedro deveria ter comparecido como Pedro de Alcântara e não como imperador do Brasil. Que calçasse as luvas, vestisse a casaca, enfiasse o chapéu claque, acendesse um charuto e fosse à festa na casa da filha. Mas com aparato oficial e a cavalaria atrás?! Absurdo. A exceção era odiosa e não honrosa. Alguns repetiam a frase de Luís XIV, "O Estado sou eu", para justificar a arbitrariedade e apontar Luísa como uma Maintenon.
Para tristeza e raiva de Luísa, colocaram Dominique na linha de fogo. Um dos jornais o interpelava: por que estava vestido com a farda de diplomata francês se havia pedido demissão? Por mera fantasia? Era costume dos europeus se enfeitarem para impressionar os selvagens? O escândalo acabou enfraquecendo o imperador perante a Câmara dos Deputados e seu gabinete caiu dias depois.
E os problemas não pararam por aí. Logo depois do casamento, os pombinhos foram para Paquetá e de lá para Petrópolis, onde, para apresentar o casal, Luísa ofereceu ao corpo diplomático um baile no recém-inaugurado Hotel Orléans. As reclamações aumentaram. Afinal, D. Pedro demonstrava pela segunda vez sua preferência pelos Barral. "O Rei se diverte"— fustigava o Corsário — "Tudo vai bem e em sinal de profundo júbilo, o rei deixa o foco da febre amarela e vai a Petrópolis dançar e folgar na casa da senhora Condessa de Barral. [...] O senhor Paranaguá foi procurá-lo em Petrópolis para apresentar-lhe sua demissão do ministério e Sua Majestade deixou para resolver depois do baile da Sra. condessa de Barral".
Não satisfeito, o imperador ia visitar Luísa quase todos os dias. Corria à boca pequena que D. Pedro tinha deferido um pedido de Dominique: a exploração de lavras de minério. Já que tinha perdido o posto diplomático, Dominique queria lançar-se no mundo dos negócios. O favor era excessivo, reclamavam as revistas e jornais. A campanha se intensificou com a circulação de um panfleto, assinado por um diplomata anônimo, que apresentava Luísa como uma terrível manipuladora. Ela era citada nominalmente como um poder acima dos partidos, do governo e do próprio imperador. Sua vontade era lei. Pelo fato de ter educado a futura imperatriz do Brasil, nada lhe era negado. "Sendo recomendado pela condessa de Barral consegue no Brasil o que quiser: emprego, honras, considerações, dinheiro do contribuinte, concessão de empresas industriais e até maior intimidade na casa imperial", dizia o autor irreverente. A verdade é que ela mandava no imperador. Ou melhor, ela ainda mandava no coração do imperador.
De volta à França, Luísa fechou um círculo. Como seu pai fizera com ela, conseguiu encaminhar Dominique, tinha renda para manter suas propriedades e optou pela vida no campo. Era uma espécie de retiro voluntário entre a região da Sologne e a do Dauphiné, no interior.
O castelo de Voyron era uma magnífica propriedade que lhe coube no inventário do marido e a casa da Grande Garenne, sua paixão. Além do que, viver no campo era mais barato. O filho e a nora foram também.
Ela e "seu amigo" seguiram trocando correspondência. D. Pedro escrevia mergulhado num profundo sentimentalismo, acentuado pela decadência de sua saúde e da situação da monarquia no Brasil. Ao longe se ouviam as trovoadas de uma tempestade política que não chegava e , portanto, não exibia ainda seu perigo. Luísa não perdeu o espírito aguerrido e seguia estimulando o imperador: "Tenho lido com nojo certos jornais de nossa pobre terra e cada dia fico mais persuadida que mesmo nos jardins crescem cardos espinhosos que só comem os burros. Pregue por muitos anos a peça a esses bobos (seus opositores) de ir vivendo e conserve sua serenidade invejável que eu sempre admirei tanto!" Enfim ela não o deixava se abater. Quando o imperador sofreu um atentado, em julho de 1889, notícia que Luísa recebeu por telegrama, quase se desesperou. Monstruosidade: como podia Deus criar feras e cobras capazes de tal gesto?!
Ele, por seu lado, começava as cartas dizendo "Petrópolis — que saudades, 30/12/1884". "Que culpa tenho eu do que sinto?", perguntava; "De tudo me recordo, o mais só serve para atordoar". Para trás ficavam os "tempos felizes". "Pois vejo e sinto tudo e não tenho expressões para explicar-lhe completamente o que sofro na sua ausência." As juras de amizade eterna se repetiam. As informações vinham carregadas de nostalgia e de desejo, ainda, sem cansaço, de compreender o outro. Ela, sempre bem humorada, "Aceite minha dedicação, meu respeito, minha geografia, meu Museu de Versailles, enfim, tudo que quanto posto faça uma farofa de velha amizade". Olhar para o passado era, também, tempo de ajuste de contas com a consciência.
Luísa referia-se ao sentimento que lhe consagrou durante muito tempo, lembrando, contudo, que ela tinha se transformado. Passou de amante a amiga. Hoje, era outra. "Eu não dígo que não me afastasse da boa vereda.
Oh! Se me afastei dela! Mas sempre foi com a consciência do mal que eu fazia." E ele mais carente: "Quem me dera estar na Grande Garenne; mas você sabe bem por que. Cada vez me lembro mais de nossos bons tempos.
Ontem choveu quase todo o dia e estouraram sofríveis trovões. Quando caem, parece-me que se abre o portão de vidraça do saguão e você me aparece com seu ruge-ruge antes de vê-la. Você pensará em mim como eu em você. Adeus. Seu sempre." A nostalgia que lhes enchia o coração, os transformava em personagens românticos que eles reconheciam quando se examinavam nos próprios espelhos. Pálidos e, de certa forma, tristes.
Amor, amizade amorosa, o que quer que fosse o sentimento partilhado por este casal maduro, ele estava ainda bem vivo nas frases cifradas, nas saudades, nas pequenas gentilezas e nas evocações. Irrigada por este afeto sem idade e pela vida familiar que escolheu, Luísa enchia os dias, as semanas, as estações. Diferente de D. Pedro, que se deixava afogar por lembranças, Luísa nadava contra a corrente do tempo. A mesa estava sempre posta para convidados e a estação de caça atraía amigos de Paris. O pároco da aldeia era comensal costumeiro e os Joinville estavam sempre por perto. Com Chiquinha, animava as atividades filantrópicas da localidade de Neuvy-sur-Barangeon onde se situava a propriedade da Grande Garenne. Não perdia missas ou novenas e os netinhos —Jean Dominique e Maria Margarida — já lhe corriam por entre as pernas. Luísa estava sempre cercada de gente: "Estamos em felicidade quase familiar e só 18 pessoas à mesa." Volta e meia escrevia no diário: "o correio para o Brasil me ocupou muito." Nunca perdeu sua independência e coragem. Quando adoecia, se escondia. Limitava -se a anotar, "fiquei de cama sem dizer a ninguém". Também não temia o frio ou o mau tempo e gostava de dar grandes caminhadas mesmo com o termômetro abaixo de zero.
O imperador voltou à Europa, em junho de 1888, para tratar da doença que o debilitava. Retornaria definitivamente em novembro de 1889, deposto e exilado pelo golpe republicano de 15 de novembro. As notícias arrasaram Luísa. "Para mim não há mais pátria, perdi-lhe todo o amor que lhe tinha e cubro-me de vergonha quando me falam do Brasil."
Apesar do rigor do inverno, quis ir ao encontro dos soberanos. Queria ser a primeira a beijar a mão de D. Pedro em terras de exílio. Chiquinha e Dominique a impediram. Seu filho seguiu para Lisboa encarregado de dizer à imperatriz que sua dama de honra, mais do que nunca obediente e fiel, aguardava as suas ordens e perguntava onde e quando poderia retomar seus serviços. Teresa Cristina respondeu-lhe que em Cannes, no sul da França, para onde seguiam.
Mas poucas semanas após sua chegada ao continente, no dia 28 de dezembro de 1889, morreu o discreto "alguém" a quem D. Pedro passou a chamar de "minha santa". Luísa não se conformava de não estar ao lado de Teresa Cristina. "Vocês estavam errados impedindo-me de cumprir meu dever de ir a Lisboa e por isso fui castigada", gemia ela, culpada. E pedia que dissessem ao imperador que ela era "sempre a mesma e de todo o coração".
Teve início a melancólica peregrinação de D. Pedro por estações balneárias e casas de amigos. Em janeiro de 1890, ela correu para vê -lo,em Cannes, no sul da França. Aos olhos dele, os anos não passavam para Luísa: "Encontrei-a a mesma." No diário, D. Pedro marcava, diariamen-te, os encontros: "Vou à Condessa.""Volto do passeio com a Condessa."
"A Condessa não veio, vou dormir." Quando ela não estava, esperava pacientemente sentado do lado de fora do seu hotel. Nos jantares, só ficava na sala até ela se retirar. Depois se recolhia. Juntos, passeavam de carro pelo belo golfo de Juan Les Pins ou iam até Nice. Vez por outra, anotava que tinham brigado como adolescentes! Encontravam-se para as "conversinhas" que tanto apreciavam e para, num derradeiro gesto de carinho, Luísa massagear-lhe as mãos dormentes por efeito do diabetes de que sofria: "Que falta me tem feito sua visitinha das dez horas e a massagem de suas mãos que só beijo de longe." Foi então que sua disponibilidade e atenção lhe valeram a alcunha de "fadinha".
Depois que voltou para Voyron, Luísa acompanhava o roteiro do imperador pelo correio. As carrinhas procuravam animá-lo ou fazê-lo rir. Para economizar dinheiro, os Bragança passaram de julho a agosto de 1890 na propriedade de Luísa. Preocupada em oferecer a D. Pedro todas as comodidades, até duchas para ele providenciou. Houve recepções, piqueniques e passeios, como eles gostavam. A noite, música de piano.
Os dois passavam horas conversando ou lendo, lado a lado, à frente da lareira. Ele oferecia-lhe flores, quase todos os dias. Às vezes, colocava um ramalhete aos pés da porta de seu quarto. As despedidas, ele mesmo anotou quando partiu, foram "saudosas".
Deste período ao lado de Luísa, D. Pedro deixou uma poesia que dizia tudo. Dizia com que forças, no outono de suas vidas, ele ainda a amava:
"Voyron que tudo encanta com a floresta
Suas montanhas, seu rio a sussurrar
Em torno do castelo, que a habitar
Sua dama muito mais graça lhe empresta
Breve lhe estou ausente, mas me resta
A mim só com o regresso já sonhar
Pois o oceano não pode me apartar
Do que a distância mal contesta
Viveremos assim, mais com a amizade
Sentindo que ela assim nos avizinha
Do que é em tempo e gozo eternidade
E ao Éden recobrado encaminha
Sem ter de alcançar mais a ansiedade
Melhor possua, talvez, do que já tinha."
A dama no castelo, o oceano que não mais a separaria dele, o fim da ansiedade e o amor dando lugar à amizade. O testamento amoroso de D. Pedro II era a confirmação de uma vida apaixonada por Luísa. E o atestado de que o projeto dela, de viver com ele um "amour de tête", venceu.
Continuaram a trocar os diários, ele lendo o dela, e ela o dele. A comunicação entre os dois prosseguia. Ele, cada vez mais melancólico. Já, a incrível camaleoa, lúcida e dona de si, resumiu assim seu destino num dia de seu próprio aniversário:
"Meu Senhor
Consultando estrelas mil, Vossa Majestade descobriu quem nasceu a 13 de abril, mas a astronomia bromou este ano e a velhinha não recebeu seus parabéns pela 74ª primavera que ela completou hoje. O mundo é realmente uma bola e, para mim, ela tem dado tais voltas que não sei como não tenho virado maiores cambalhotas. Nasci em sábado de aleluia quando as negras apregoavam nas ruas pastéis quentes para desenfastiar da Quaresma. Cada ano foi festejado esse dia até meus parentes me trazerem para a Europa. Quando voltei para o Brasil principiaram outra vez os festejos nos meus engenhos, com foguetes, zabumba, batuques, peru por cabeça, boi no espeto, saúde dos lavradores descarregando na Senhora Dona [brindes à sua saúde] e tudo quanto há de mais hospitaleiro e de mais cordial. Voltei para a França e nunca mais soube o que era fazer anos. Tornei ao Brasil, tornei a fazer anos, mas sem foguetes, nem zabumbas, o Brasil se civilizava e as saúdes não descarregavam mais na Senhora Dona; eu não era mais a Yayá de todos, era Sá Condessa. [...] Digo isso brincando, meu Senhor, pois que se esta bola me fez dar cambalhotas, o que não dirá Vossa Majestade?"
O fato é que a viagem que fez a Cannes para saudar seu amigo e rever a pupila abalou a saúde de Luísa, tão forte até então. Ela emagreceu e definhou. Em menos de um ano, envelheceu dez. Na verdade, o golpe republicano a atingiu em cheio. Apesar de defender idéias sobre a abolição e a educação feminina, consideradas liberais, Luísa era uma monarquista convicta. Viu cair reis em cuja mesa se sentava e desaparecer Cortes onde brilhou como as de Luís Felipe e Napoleão III. Mas desaparecer o Império do Brasil?! Foi demais. Só teve uma alegria: a de receber no castelo de Voyron, durante um mês, toda a família imperial. O teto da amizade dela abrigou a infelicidade dele. Em breve, Luísa não teria forças para mais cambalhotas pelo mundo.
Fins de janeiro de 1891. Voltando à Grande Garenne, desmaiou, tremendo de febre. Declarou-se uma pneumonia. Era inverno. Os domésticos acorriam esquentando botijas de água quente e mantendo o fogo da chaminé. Veio o médico e não soube mais o que fazer. Deitada, Luísa não reconheceu os netos a quem adorava, só o filho. Quando este entrou no quarto, abraçou-o e pediu que cantasse La Marjolaine: história do cavaleiro que quer uma dama para se casar e dar-lhe, alegre, alegre, seu coração. A história dela com D. Pedro II.
"E eu cantei para distraí-la. Deus sabe como: trêmula e tristíssima", registrou Chiquinha. Ela sorriu e disse "Como é bonito: merci". Quando o pároco ofereceu-lhe os últimos sacramentos, aceitou-os com alegria e orientou os preparativos do pequeno altar que foi improvisado em seu quarto. Quis
flores na sala e vasos perto da imagem da Virgem. "Acenda todas as velas", ordenou. Chamaram-se todos os criados da casa e as pessoas do castelo.
O filho e a nora se postaram na cabeceira. Depois recebeu a comunhão, a extrema-unção com um sorriso nos lábios e, quando tudo terminou, voltou-se para Dominique e disse-lhe com tranqüilidade: "Foi simples e decente."
Pouco depois ainda fez com a nora minuciosas recomendações práticas para a organização de sua vida, indicando a Chiquinha muitos detalhes sobre a manutenção do castelo de Voyron, como se ela partisse para uma simples viagem. Em nenhum momento sua voz traiu o menor temor. "Estou cansada", disse por fim. "Deixem-me dormir." E assim fez, sem mais acordar. "Do sono térreo, para o sono eterno", disse Chiquinha.
A última doença de Luísa foi a imagem de sua vida. Não se lhe abateu nem a vontade, nem a inteligência. Conservou até o último minuto toda a consciência e viu chegar a morte com profunda serenidade.
Fechou os olhos ao som de uma velha canção de amor e cercada pelos seus. Morreu como se morria no século XIX. Com a convicção de que a morte era pacificação. Ao contrário: ia-se com um sorriso nos lábios.
O último retrato de Luísa, segundo sua nora, foi o de uma mulher mais jovem, sem rugas e doce. Assim como seu coração. A terra que ela deixava era o abrigo de uma noite. A verdadeira pátria estava no céu. Sua alma partiu deixando aqui a outra, gêmea. Que lhe dedicou, arrasada, as seguintes linhas:
"2 horas 5'. Morreu a Condessa de Barral, minha amiga desde 1848, e de ver todos os dias quando educava minhas filhas, desde 1856. O mérito dela só o aquilatou quem a conheceu como eu."
Ele a seguiu menos de um ano depois.
Almas gêmeasLuísa amou duas vezes: Eugênio e Pedro. O segundo foi, sobretudo, um amor sublime que procurou desprezar o desejo físico. Desejo, nestes tempos, lacrado nas profundezas e considerado desonroso. O código romântico conciliava pudor e tentação. Ela tentou segui-lo à risca. Mas é bem provável que a correspondência tantas vezes entregue ao fogo revelasse o outro lado subterrâneo. Aquele onde arderam todos os prazeres.
Ela tornou a vida num palco para suas "cambalhotas". Um espaço onde desenvolveu uma maneira, toda sua, de criar e de amar. Se os seus foram tempos em que a essência da individualidade feminina era a renúncia, Luísa ignorou essa regra a maior parte do tempo. Uma educação privilegiada e bicultural, um pai inspirador, múltiplas viagens, altos e baixos financeiros, ideais liberais e uma fidelidade aos princípios nos quais cresceu fizeram dela uma figura singular. Sua luta pelo fim da escravidão, herdada de D. Domingos , se consolidou na participação que teve em "sociedades para a emancipação" dos cativos, organizadas por abolicionistas. Ela as freqüentou ao voltar para o casamento de Dominique e, nessa mesma época, libertou os últimos e poucos escravos que ainda tinha nos engenhos.
Sua fidelidade à monarquia sobreviveu a todos os golpes. Ela jamais abandonou "seus príncipes e princesas", restos de uma época em declínio, cuja decadência ela se negava a reconhecer. E com razão. Numa França republicana, os Orléans se distinguiam como uma família real que parecia jamais ter descido os degraus do trono. Luísa não foi a única a zelar pelo bem-estar de seus senhores. Ela viveu, até o fim, num ambiente de simpatia e admiração pelos personagens imperiais. E como ela, uma parte considerável da população que resistia em desprezar seus monarcas.
Luísa enfrentou ainda o fato de viver só. Distante do marido, Eugênio de Barral, teve que inventar um papel social. Longe de seu amante, D. Pedro II, procurou construir todo tipo de ponte que diminuísse a dor da separação. Se ela tocou a solidão com os dedos, não foi para sofrer, mas para fazer-se mais criativa. Sua devoção aos amigos, centenas deles presentes em sua correspondência e diários, revela que mais do que um sentimento, a amizade era uma prática social, alimentada por cartas, convites, salões e favores. Luísa nunca deixou de fazer indicações para cargos fazendo jus ao ditado: "Aos amigos, tudo. Aos inimigos, a lei." Para Luísa, ser amiga não era só ter sentimentos sutis por alguém. Significava partilhar lugares de ajuda mútua e solidariedade.
Luísa viveu numa época de amor romântico. Só se falava de sentimento quando havia falta, obstáculo, distância e sofrimento. Palavras eram substituídas por um toque, rubores, silêncio ou um olhar. Tudo se resumia à doçura de um perfume no lenço, em mãos que se enlaçavam, na alegria de um encontro, como o dela com D. Pedro no dia de sua apresentação. Tudo era evocação na distância. Uma leve pressão no pé podia significar um orgasmo.
D. Pedro II morreu de pneumonia, em Paris, em dezembro de 1891.
Sua pupila, Isabel, junto com o marido, conde D'Eu, exilou -se entre o castelo D'Eu, na Normandia, e uma linda casa de campo, em Boulogne-sur-Seine. O pai de Gastão, o duque de Némours, ajudou e muito a instalação deste filho que apostou todas as cartas no império brasileiro e perdeu. Os D'Eu chegaram sem tostão à Europa.
Os amigos Joinville, a quem Luísa também serviu, tiveram uma vida discreta: Francisco dedicado à caça e Francisca voltada para os filhos e netos. Gradativamente, graças à surdez do marido, ela cortou relações com o mundo. Em 27 de março de 1898, a princesa Chicá apagou -se discretamente. A filha Chiquita cuidou do pai, penúltimo sobrevivente de sua geração. Ele morreu em junho de 1900. Até o fim, Luísa registrou suas idas e vindas ao lado dos Orléans e Bragança. Mesmo em sua velhice, não perdeu uma única ocasião de atendê-los.
Em especial a D. Pedro. Por mais de trinta anos, Luísa conduziu sua relação com ele como quis e acreditou que deveria fazê-lo. A sedução que exerceu sobre o monarca se confundiu com um indescritível apetite pela vida e com o prazer que resultava da partilha generosa de um espírito livre. Sobre ele exerceu um fascínio lúcido, inteligente, longe de qualquer avareza ou inibição. Sua fidelidade ao imperador se forjou de maneira a suportar a morte; não a real, mas a feita pelas feridas do tempo que passa. Foram almas gêmeas e unidas até o fim, cujos corações não envelheceram. Souberam modular a distância que os separava por meio de reencontros, conversas e carinhos numa aliança contra a falta que sentiam um do outro. Segundo os biógrafos do imperador, junto com os livros e o Brasil, Luísa de Barral foi a sua grande paixão.
Luísa ousou no amor e na vida. Viveu rebeliões e quedas de monarquias, surtos de doenças e levantes de escravos. Tudo enfrentou como se fosse parte do jogo. Boa filha e boa mãe, na velhice continuava jovem.
Texto de Mary Del Priore em "Condessa de Barral- A Paixão do Imperador", Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 2006, excertos pp. 200-235. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.**********
RESUMO DA BIOGRAFIA DA CONDESSA DE BARRAL
Luísa Margarida de Barros Portugal, mais tarde condessa de Barral e marquesa de Monferrato, foi uma nobre brasileira. Preceptora das princesas D. Isabel e D. Leopoldina, ela foi a grande paixão do imperador D. Pedro II do Brasil e uma das mais vivazes figuras da corte do rei Luís Filipe I da França.
Luísa era a única filha de Domingos Borges de Barros, o visconde de Pedra Branca, estadista do primeiro reinado, e de sua esposa Maria do Carmo Gouveia Portugal. Desde cedo, ela passou a viver com a família entre a França e o Brasil. Luísa então desposou Eugène de Barral, conde de Barral e 4.° marquês de Montferrat. Eles tiveram um filho, Horace Dominique, o qual contrairia matrimônio com Maria Francisca de Paranaguá, filha do 2.° marquês de Paranaguá.
Com o seu casamento, ela se tornou amiga e dama de companhia de D. Francisca de Bragança, a princesa de Joinville, irmã de D. Pedro II. Quando a madrasta do imperador, D. Amélia de Leuchtenberg, recusou a tarefa de ser preceptora de suas duas filhas, D. Francisca indicou a Luísa Margarida de Barros Portugal ao imperador.
Após muita negociação e a certificação de seus poderes, Luísa aceitou o posto. Momentaneamente distanciada do marido, Eugène, e acompanhada de seu filho, transferiu-se para o Rio de Janeiro.
A condessa passou a residir em uma casa alugada, uma vez que, por ter uma família, não poderia se contentar com um apartamento no Palácio de São Cristóvão. Foi, também, nomeada dama de companhia de D. Teresa Cristina em setembro de 1855, apesar de que a verdadeira companheira da imperatriz fosse Josefina da Fonseca Costa.
Luísa Margarida tratou logo de estabelecer sua autoridade no palácio, um local em que o poder era muito disputado, e por isso causou a fúria de muitos dos funcionários mais interesseiros. Possuía personalidade exuberante, ar assertivo, inteligência e, ao mesmo tempo, contraditória mentalidade católica, além de beleza física. Dotada de cultura sólida e amiga de intelectuais e celebridades da época, como Franz Liszt e o conde de Gobineau, a condessa servia de intermediária entre o imperador e muitos intelectuais, com os quais D. Pedro II trocou vasta correspondência.
A condessa, assim, tornou-se amiga íntima do imperador e, segundo a maioria dos historiadores contemporâneos, sua amante. Imediatamente, criou-se um conflito entre a imperatriz D. Teresa Cristina e a condessa de Barral. No entanto, logo ficou claro que a condessa iria tentar rivalizar com a imperatriz e não há provas conclusivas de que tenha consumado seu caso com o imperador. As poucas correspondências remanescentes entre eles levam à dúvida se o relacionamento de ambos não foi puramente platônico.
(Adaptação por LC de artigo publicado na Wikipedia)