Quantcast
Channel: S T R A V A G A N Z A
Viewing all 3442 articles
Browse latest View live

O BAILE DA ILHA FISCAL: ENTRE "DOIDOS" E "BESTIALIZADOS":

$
0
0

O sol diverte-se como um grande olho, arregalando sobre nós as pestanas louras, olhando de cima o quadro dramático dos nossos desgostos e as nossas festas, admirando profundamente o dramaturgo de tão curiosos enredos e tão vivas situações. O recrutamento e a febre. Não começa bem o ano de 89.”

O vaticínio foi lançado, em janeiro, por Raul Pompéia (1). O ano de 1.889 não começava bem aqui, mas, lá fora, Levasseur terminava o extenso ensaio que publicaria na Grande Encyclopédie sobre o império, e o país participara da Grande Exposição Universal, em Paris, com um pavilhão decorado com ramos de café, vitórias-régias e frutas tropicais (2). O fatídico ano foi, também, próprio para páginas do que alguns, de nariz torcido, chamam "petite histoire". Ela se passa no Rio de Janeiro, então capital do Império. Mais precisamente nos últimos meses desse ano. Teve vez, aí, uma série de acontecimentos que preencheram a crônica mundana. Eles culminaram no histórico evento que ocorreu numa ilha. Uma das muitas disseminadas nos 412 quilômetros quadrados de superfície da Baía de Guanabara. Uma dessas "pedras soltas no colar da cidade", como já dissera um cronista (3).

Na imediata vizinhança da Ilha das Cobras existia um parcel rochoso e elevado mais conhecido como Ilha dos Ratos. Foi arrasado e cercado de cais de atracação para servir de depósito de materiais e armazém aduaneiro. Nos últimos anos da monarquia, o governo mandou construir ali um edifício em estilo manuelino, destinando-o a servir de sede da Guardamoria e quartel dos guardas da Alfandega. Encomendado o projeto a Adolfo Dei Vecchio, o futuro palco da história que vamos narrar passou, então, a ser conhecido como Ilha Fiscal.

Diante dela, estendia-se o Rio de Janeiro comercial, como queria Raul Pompéia. Na Rua do Ouvidor, o negócio fino das jóias e das idéias, estas últimas distribuídas em livrarias e cafés. Nas confeitarias, segundo ele, o também comércio inocente do namoro. Alfaiatarias populares, como a Baliza, se acomodavam na Rua do Hospício, enquanto as sapatarias exibiam seus produtos na Rua do Carmo. Tipografias cervejarias concentravam-se na Rua Nova do Ouvidor, rua impregnada de um “cheiro” de Leipzig, deduzido das emanações combinadas da tinta de impressão e do lúpulo.

A carne verde preferia as Ruas da Assembléia e da Uruguaiana. Chá, cera e rapé formavam o clã mercantil da Rua da Candelária. Ferragens, na Rua Direita. Café, “o grande café em sacas, o rei café em grão, com sua entrada de símbolo na própria bandeira nacional”, tinha seu endereço na cruz das ruas Municipal e dos Beneditinos. O comércio da carne seca estendia-se em mantas pela Rua do Rosário abaixo, “acentuando-se em apuro seboso com a pujante variedade de toucinho e queijos, aldeada, além da rua Direita, por todos os arredores da igreja da Lapa dos Mercadores” (4).

A cidade era conhecida por sua insalubridade e sujeira. Tinha entranhas feitas de ruas estreitas e sinuosas e prédios colados e superpovoados. Surtos epidêmicos fustigavam a população indefesa. As questões de higiene e salubridade eram ignoradas pelas autoridades, assim como os problemas ligados a transportes, abastecimento e esgotos. Às vésperas da Proclamação da República – quem informa é Sylvia Damazio –, a abertura das ruas se fazia “sem a menor atenção ao futuro estado higiênico. Qualquer indivíduo, por exemplo, o caixeiro, do leiloeiro encarregado de vender o terreno riscava as séries de lotes separados pelas ruas de direção que ele imaginou. Tirava-se a planta impressa, fazia-se o anúncio e vendia-se tudo; as construções começavam imediatamente, sem preparação prévia do terreno nem estabelecimento dos encanamentos necessários às habitações das grandes cidades” (5).

Na última década do século a população carioca aumentara expressivamente em virtude da imigração estrangeira e nacional, predominantemente constituída por adultos. Mesmo considerando a expansão do setor manufatureiro, da construção civil e dos serviços em geral, o aumento acelerado tornava inviável a absorção de toda essa mão-de-obra. A solução de sobrevivência significava improvisar com trabalho autônomo.

Multiplicavam-se os vendedores ambulantes, empalhadores, amoladores, lustradores, pequenas oficinas de reparação, além da enorme gama de ocupações que João do Rio arrolou como “profissões ignoradas”: tatuadores, trapeiros, apanha-rótulos, selistas, ledores de buena-dicha, ratoeiros (6). Além das oficinas artesanais e de pequenos consertos, a feitura de comestíveis para venda e o pequeno comércio fixo, as pessoas lutavam pela sobrevivência no imenso espaço de trabalho que eram as ruas do Rio. “Aparentemente confuso, esse espaço possuía uma organização própria e uma articulação com o sistema capitalista que se afirmava.

Os vendedores ambulantes, licenciados ou não, tinham uma área de atuação determinada, onde se tornavam conhecidos e constituíam freguesia. As fotos de Marc Ferrez e João Goston revelam seus rostos (7). Seus gritos e pregões que enchiam os ares foram repertoriados por Luís Edmundo (8). Trabalhadores autônomos e assalariados representavam mais de 2/3 da população que contava, em 1890, com cerca de 1.230 professores, 266 jornalistas, perto de seis mil funcionários públicos e cerca de onze mil militares entre Exército, armada e polícia (9).

Enquanto a cidade formigava sob o “calor senegálico” – como queria Raul Pompéia –, na cena política moviam-se atores de dois grupos distintos: os militares e a burguesia comercial. Escrevendo sobre o assunto no fatídico ano, e às vésperas da República, Rui Barbosa observara que datavam do lusco-fusco do Segundo Reinado as comoções capazes de abalar a autoridade moral da monarquia no espírito do soldado brasileiro (10). As “junturas do arcabouço”, diz, já interiormente corroído “pelos vícios do poder pessoal”, começavam a estalar quando o país deixara de saber quem era o chefe de Estado. Não eram contraditórias suas afirmações de que o poder pessoal desgastara o edifício monárquico. Rui simplesmente resumia a idéia de que o poder do imperador, embora exercido com brandura e moderação, preservara o país dos riscos a que poderia estar submetido.

Enquanto D. Pedro II governou este país, nunca houve o menor estremecimento entre o governo e a força militar. Sua Majestade soube alimentar sempre e com extrema delicadeza, se não o entusiasmo pelo rei, ao menos essa tranqüilidade nas fileiras militares, a observação automática dessa disciplina que faz das organizações armadas a base da paz ambicionada pelos governos liberais e confundida por eles com a verdadeira segurança.”

Tudo isto significava que, da maneira como fora exercido, o poder pessoal permitira esconder a deterioração existente no aparelho militar. A ausência ou presença de um chefe de Estado normalmente atuante não teria sido bastante para animar ou deter a ação destruidora que já começara. Tanto o país quanto o regime ainda deram mostras de pujança sob o ministério de Rio Branco. Mas a crise mundial de 1875 colocou tudo a perder. Dois anos mais tarde, seguiu-se a grande seca de 1877-80 impondo à nação sacrifícios superiores aos ordinários e produzindo devastação comparável nas finanças públicas, as quais exigiriam uma guerra externa. Em 1888, resolveu-se a questão do “elemento servil” sem pensar em estratégias de integração dos cativos. Nos nove anos que antecederam o fim da monarquia sucederam-se dez governos diferentes, representando pontos de vista diversos e opostos.

O câmbio despencara a partir da grande seca, indo de 27 pence por mil réis a 22 dinheiros e mantendo a queda. “As finanças públicas prosseguiram no seu caminho para o desconhecido”, escrevinhava um político. Por outro lado, o mercado de fundos públicos desenvolvia extraordinária atividade; organizavam-se companhias industriais e comerciais todos os dias e os bancos elevavam o capital, esperando poder converter-se em estabelecimentos emissores, nos termos do decreto de 6 de julho de 1889. Na Bolsa do Rio de Janeiro, os títulos de empresas recém-fundadas eram imediatamente negociados a prêmio. O visconde de Figueiredo era um dos novos milionários. Raul Pompéia o tinha na conta de “rei de ouro do baralho financeiro na atualidade”. Recebia com feéricas festas como a que ofereceu no cassino Fluminense, na qual reuniu “a aristocracia da Corte, todo o orgulho dos crachás da nossa sociedade, toda a coleção marmórea de belas espáduas nuas do high-life feminino” (11).

Diz Buarque de Holanda que, “vista a distância, a queda do regime não pode surpreender muito. E não seria este o primeiro caso na história, e nem o único, a mostrar como um surto rápido de progresso material, seguindo-se a uma prolongada era de prostração, longe de sustar, pode, ao contrário, apressar mudanças de caráter revolucionário. Por outro lado, a recuperação mostrada pelo país encobria um fundo falso. A situação não deixava de oferecer aspectos curiosos. O valor total das exportações não aumentara muito e as importações subiram um pouco. As fontes de renda continuavam a provir da alfândega e nada prometia aumento de renda. Aconteceu que o governo conseguira três anos antes um empréstimo de seis milhões de libras. Em 1888, outro de mais seis milhões. O império era bom pagador e tinha crédito: fazia dívidas novas para pagar dívidas velhas e com isso melhorava a situação cambial”.

Ao quadro financeiro e econômico somava-se outro. Este, político. Em março, o imperador caíra gravemente doente. Agravara-se seu quadro de diabetes e imediatamente entraram a correr boatos alarmantes sobre seu estado de saúde: “insânia”, “caduquez imperial”, “já não regula”, “espírito obscurecido…”, os rumores constantes gotejavam nas páginas dos jornais, impregnavam as salas das câmaras. Aumentava a sensação de desgoverno. Em junho, a fim de fazer um tratamento, embarcou o imperador para a Europa e a princesa Isabel assumiu, pela terceira vez, a regência do Império. Era o prenúncio, ainda que longínquo, de um Terceiro Reinado.

Com esse aviso, a campanha republicana começou a ganhar musculatura. Caía o ministério do conservador Cotegipe, assumindo outro conservador, instigado, contudo, pela a Abolição. O 13 de Maio, decretado sob o gabinete João Alfredo, estabeleceu um armistício entre os que se batiam contra “o emperro” do regime. Passada a euforia diante do ato, o medo tomou conta dos que não queriam um reinado de Isabel I e seu consorte, o conde d’Eu. Sem ter parte direta no governo, o real cônjuge preenchia as condições previstas na Constituição para receber o título de imperador. E já se tinha certeza de que seria um reinado de beatices e camarilhas.

A 22 de agosto de 1888, voltou D. Pedro, que recebeu acolhida triunfal. Sobre sua chegada, Raul Pompéia deixou um emocionado relato:
“Ao cais Pharoux, vimos em todo o correr da amarração uma considerável massa de povo que começava a afluir para esperar a entrada do vapor francês. No alto do Pão de Açúcar, alunos da Escola Militar estenderam com a inscrição Salve, em letras encarnadas de seis metros, uma toalha como um bilhete de saudação ao monarca de volta. Os passageiros do Aimoré correram à amurada, desempenhando-se as comissões de entusiasmo que vinham a bordo, por conta de não sei quantas corporações oficiais, com toda a efusão de sinceridade aclamatória […]. No Arsenal formavam a Escola da Marinha, a Escola Militar, muitos colégios, as escolas municipais fardados de branco como pequeninos soldados, de polainas, patrona aos rins e comblain em descanso. No Arsenal ainda e pela rua Direita, formava a tropa em grande gala. Por todo o itinerário determinado dos imperantes, perfilava-se a ornamentação de colunatas de escudos e galhardetes, às sacadas flamejavam colchas abertas e apinhadas as senhoras ao sol com a coragem feminina da curiosidade […] o entusiasmo popular não foi o que se chama verdadeiramente um delírio, mas foi evidente e sincero. À porta do Arsenal, vi uma pobre velha enxugando lágrimas nas costas da mão. Por todo o trajeto do coche do monarca manteve-se constante o fervor dos vivas e não tinham conta os lenços agiotados das janelas, como um escrutínio de cambraia, as famílias brasileiras, votando paz e felicidade ao velho esposo da imperatriz” (12).

Não havia lembrança de tão calorosa acolhida à pessoa do monarca. Nessa alegria pública residiria, explica Sérgio Buarque de Holanda, ao menos o desejo de provar o espírito de constante fidelidade de seus súditos. Havia, também, quem julgasse que apenas a pessoa do imperador, e só ela, podia assegurar a adesão popular ao regime. Entrementes, houve luminárias e fogo no Engenho Novo, Botafogo e São Cristóvão. E conclui Pompéia: “compreende-se bem como rodeou a cidade, sábia de lealdade e cortesã, a espiral ardente do regozijo público, coleando cerimônias de muito longe até centralizar-se e acabar nos jardins da imperial residência” (13).

Em entrevistas publicadas em Ordem e Progresso, Gilberto Freyre (14) confirma o apreço no qual transitava o imperador,apreço que se prolongou mesmo depois de seu exílio. Houve quem guardasse moedas e selos com sua efígie, quem considerasse que “moralidade, só na monarquia”, quem lembrasse as alusões lisonjeiras à sua figura. Um imenso saudosismo dos tempos do Império se prolongou por muito tempo depois da Proclamação da República.

Com o imperial casal voltava, também, D. Pedro Augusto, filho de D. Leopoldina e Augusto de Saxe-Coburg-Gotha, cujas ambições em relação ao trono não eram disfarçadas, fazendo até parte da correspondência trocada entre membros da família real (15). Ao noticiar o retorno do monarca, a imprensa internacional mencionava não só este detalhe, mas outro: a recente organização do partido republicano (16).

No campo das idéias, assistia-se às conferências de Silva Jardim no teatro Lucinda ou na Sociedade Ginástica Francesa. Falava-se muito na “revolução adorada” – a francesa – em soberania e em vontade popular (17). Os hotéis, conta-nos Freyre, começaram a ser pontos de reunião. Nas suas salas nobres e nos restaurantes, juntavam-se tanto os príncipes do comércio quanto da lavoura, das indústrias, das finanças, da política, das letras, do magistério. A nova ordem econômica encontrou nos restaurantes dos hotéis seus principais centros de rendez-vous. Centros por vezes luxuosos e até nababescos que se distinguiam pela pompa na decoração. Refletida em seus espelhos, a elite degustava sopas e sorvetes (de pitanga, de caju, de cajá), combinações desenvolvidas pelo italiano Francioni, o “maior importador de gelo do Brasil”. Nos terrasses a gente importante encontrava-se para saborear uísque Dewar’s e cerveja, muito ao gosto dos novos senhores da economia. Esses, segundo Freyre, “gente sempre de sobrecasaca preta e chapéu alto”. Célebre por sua cozinha e seu salão era o Globo, que reunia para banquetes os membros do Parlamento e publicava seu anúncio em francês: “Ce magnifique restaurant offre aux étrangers arrivant à Rio, toutes les commodités pour Lunch, Dîners…”. Membros da elite, todos ali passavam. Do conservador e radicalmente abolicionista João Alfredo, ao escravocrata barão de Cotegipe que aí encontrava cocottes, a Quintino Bocayuva, Aristides Lobo e outros“denodados propagandistas da República que discutiam os meios de empregar para o advento do novo regime” (18).

Os sifões Prana Sparklets se encarregavam de prometer água gasosa mineral igual em ação terapêutica às de Vichy. A mania das águas minerais servia para a burguesia lutar contra disenterias e febres tifóides. O rococó como estilo decorativo não podia deixar de corresponder psicologicamente a um estado de ânimo que se tornou, nessas várias expressões da vida republicana, característica de uma nova época, marcada pela ascensão repentina de indivíduos pobres à situação de ricos e até de nababos (19). Eram os filhos do Encilhamento.

Na segunda metade do ano, os fatos se aceleraram. A correspondência da família imperial já apontava os limites impostos pela saúde do imperador, alheio às notícias. Sua morte era aguardada e vislumbrada como momento de transição política. A apatia do monarca contaminara os homens públicos e havia que se implorar para que políticos ocupassem as pastas do governo, sempre disponíveis. Em julho caía o ministério João Alfredo afogado nos números de transações inescrupulosas. Ninguém queria substituí-lo; nem Paulino de Souza, chefe dos “ultras” do partido, numa tentativa de salvar a Coroa pela indenização aos antigos senhores de escravos. Nem o liberal Saraiva. O partido conservador mostrava assim sua fragilidade. Aceitou-a o visconde de Ouro Preto, estadista mineiro conhecido por inabalável intransigência. A leitura do programa de governo, feita a 11 de junho, já se passou entre vaias e apupos e gritos de “Viva a República”.

Em julho festejaram-se as comemorações do 14 de julho e a queda da Bastilha e pelas ruas da cidade chocaram-se os que cantavam a “Marselhesa” com os membros da Guarda Negra formada por antigos escravos fiéis à princesa Isabel, alguns deles capoeiristas armados de cacetes – os Petrópolis – e navalhas que revidaram a cantilena com truculência. Um tiro de revólver disparado contra o imperador por um jovem estudante português adepto do republicanismo na saída do teatro, no dia 15 de julho, reacendeu a simpatia pelo velho e combalido monarca. Incidentes com militares na forma de prisões, ou indicações recusadas, infrações disciplinares bem como o deslocamento de Deodoro da Fonseca, que deixava seu exílio em Mato Grosso, aumentaram a tensão. Um boato, contudo, fazia ferver os quartéis. O de que as remessas de batalhões para as províncias tinham por escopo deixar espaço de manobra para a Guarda Nacional, que garantiria sem maiores problemas a assunção do Terceiro Reinado. Crescia a indignação dos militares que, como Deodoro, ameaçavam levar ministros a julgamento em praça pública, assestar a artilharia e culpar o governo imperial por falta de patriotismo.

No mês de outubro começaram as articulações entre oficias descontentes e civis republicanos. O incidente em torno da demissão do tenente-coronel Medeiros Mallet pelo ministro da Guerra, somado aos boatos de que o governo pretendia dar um golpe no Exército, facilitou a aproximação. Outrora, durante a Questão Militar, a iniciativa dos contatos partira dos republicanos;agora, são os oficiais os que tomam a dianteira, a começar pelo major Sólon de Sampaio Ribeiro e pelo capitão Mena Barreto. A exaltação militar não tinha limite, nem conhecia conveniência, expandindo-se mesmo diante do comandante e dos oficiais do cruzador chileno Almirante Cochrane, então fundeados no Rio de Janeiro e que iriam participar dos festejos das bodas de prata dos príncipes imperiais.

Em baile organizado no então Cassino Fluminense, onde se achavam os oficiais da marinha chilenos, os príncipes receberam as maiores manifestações de simpatia. Em compensação, uma semana mais tarde, houve banquete na Escola Militar da Praia Vermelha em homenagem aos oficiais do navio chileno. Benjamim Constant tomou a palavra para saudá-los e aproveitou a ocasião para defender o Exército das acusações de indisciplina que lhe faziam os amigos do governo, achando-se presente o ministro da Guerra. Os alunos saudaram o orador estrepitosamente aos gritos de “Viva a República… do Chile”, forçando a pausa para marcar a intenção. A impunidade em que ficaram os responsáveis por essa e outras manifestações que tinham com freqüência por alvo o tenente-coronel Benjamim Constant parece indicar que o governo começava a temer uma incompatibilidade sem remédio com a classe militar.

Enquanto ferviam nos bastidores políticos as tensões, em cena e entre os grupos identificados com novas políticas, nunca se conjugou tanto o verbo festejar. Se o império de Pedro II fora grandemente marcado por celebrações festivas que misturavam datas religiosas, populares e oficiais, natalícios de monarcas e princesas, procissões, entrudos e carnavais (20), seu final prometia um desfecho singular, ele, também, em torno de um motivo festivo. Se por décadas a monarquia transformara suas aparições em espetáculos, às vésperas da República a agenda social se excedeu. A atenção estava focada na visita ao Rio de um navio chileno e o gabinete ministerial usou a ocasião para organizar uma série de eventos, cujo fim era demonstrar a saúde da nação e o prestígio do regime. A cereja do bolo, no entanto, foi o baile da Ilha Fiscal.

Na crônica urbana, não se falava em outra coisa que não os preparativos para o evento. E Pompéia registra:

“Ainda vibravam, no ânimo da família imperial, as impressões do grande baile que, nos salões do cassino Fluminense, ofereceu o comércio, em comemoração das bodas de prata da sereníssima princesa imperial e seu augusto consorte, gratas impressões, como devia produzir a homenagem dos representantes idôneos das classes poderosas da nação, que se andava imaginar distanciada do trono, em represália de despeito contra excelsa consumadora do grande golpe de maio do outro ano; ainda viviam recentes as recordações da festa, de uma festa efusiva e sincera como não é muito de uso na monarquia brasileira, consagra-se aos príncipes quando veio a notícia do passamento de el-rei d. Luís I abafar bruscamente toda a alegria. O momento nacional, caracterizado por uma precipitação vertiginosa de festas, paralisou-se repentinamente em respeito ao luto da Imperial Casa e, ao mesmo tempo, a imensa mágoa que veio contristar a nação portuguesa. Todas as festas projetadas em honra dos marinheiros chilenos foram declaradas suspensas. Nas ruas, onde, há pouco tremulava o pano largo das bandeiras arvoradas pela chegada dos ilustres viajantes despiram as meias hastes do funeral. Todas as repartições públicas brasileiras, acompanhando o Consulado português, todas as associações portuguesas, as inúmeras que há na Corte, muitas nacionais, muitas casas particulares decoraram-se com essa demonstração de condolência. Os negociantes portugueses cerraram as portas de seus estabelecimentos. As associações portuguesas vestiram de crepe as inscrições de suas fachadas. O edifício de granito retalhado e mármore do Gabinete Português de Leitura, na rua Luís de Camões, desfraldou das altas sacadas sobre as rendas do pórtico manuelino panejamentos negros […] foram proibidos espetáculos de toda espécie. Os bailes de algumas sociedades já anunciadas para sábado, dia imediato ao falecimento do monarca foram adiados, tal qual o famoso do governo aos chilenos, no edifício da ilha Fiscal que, falhando, rendeu a algumas instituições de caridade uma lauta e inesperada distribuição de manjares, tudo que se podia deteriorar, do que os comissários da festança tinham mandado preparar para o grande banquete” (21).

A imprensa, contudo, foi o mais eficiente termômetro para captar os signos desse “fim de festa” do Império. Às vésperas da Abolição contava o Rio de Janeiro com 70 jornais redigidos em língua francesa, inglesa, alemã e italiana. O mais importante, o Jornal do Commércio, contava mais de 66 anos de existência “dando de seis a oito páginas por dia a oito colunas e com tiragem de 16 a 18.000 exemplares”; se seguem o Diário Oficial, Gazeta de Notícias, País, Diário de Notícias, todos matutinos. Vespertinos eram a Gazeta da Tarde, Gazeta do Rio e Novidades (22). Fragmentos de jornais de época demonstram a agenda cheia que empurrava os visitantes chilenos entre grupos militares e os da sociedade civil. O que chama a atenção, aos olhos do historiador, é que, para além de retratar a pirâmide social, se lê nas entrelinhas das notícias a imbricação de laços, mais ou menos oficiais, suturando grupos locais. O estatuto desses grupos geradores de identidades comuns ia desde o reconhecimento público oficial – caso dos militares – à clandestinidade – caso de jornalistas que preferiam se manter anônimos. Mas ele se apoiava também na exibição de signos de vestuários – caso da Guarda Nacional criada para esvaziar o Exército durante a Regência devido à instabilidade política que os militares, de ofício, como os jornalistas e cronistas, que permitiam o reconhecimento mútuo, ao mesmo tempo em que definiam objetivos comuns – apoiar ou criticar o sistema. Não se deve perder de vista, na leitura da agenda que envolveu o baile da Ilha Fiscal, que, como toda forma de segmentação social, as identidades partilhadas podiam agir umas contra as outras, quando o jogo de interesses e as tensões as colocavam em concorrência (23).

Destaca-se nas notas da imprensa, reunidas na Coleção Festas Chilenas do Arquivo Nacional, o papel das comunidades de interesse envolvidas com a Proclamação da República. Atuando como “corpos” constituídos por cooptação, portadores de normas e regras de conduta, possuidores de privilégios comuns, os militares republicanos são as figuras mais evidentes. No mesmo nível, mas agindo de maneira fluida e funcionando como órgão de defesa coletiva contra mudanças, vê-se um segmento misto, solidário a um tipo de vida em comum, aos ensinamentos recebidos sobre a monarquia, marcados, aparentemente, pela proteção mútua, códigos e jargões próprios, uma concepção hierarquizada das relações sociais, a defesa de privilégios e a vontade de resolver problemas inerentes ao grupo em seu interior. Ambos disputaram uma agenda em torno da presença de oficiais chilenos de tirar o fôlego.

Acompanhemos, nesse sentido, uma seleção – um tanto arbitrária, como toda seleção – de documentos ilustrativos e inéditos sobre o evento. Eles conduzem, contudo, a uma tese tornada clássica na obra de José Murilo de Carvalho: a do alheamento em torno da Proclamação da República (24).

Na manhã de 31/10/89 o Jornal do Commercio anuncia “visita ao Museu Nacional onde o comandante e oficiais do Almirante Cochrane foram recebidos pelo diretor dr. Lacerda e Orville Derby”; à tarde, houve visita ao quartel do corpo militar da polícia para examinar as obras do novo edifício, capela e hospital. A visita foi seguida de “delicioso lunch e dessert” com vários brindes (25).

Dia 1º/11/89: visita ao Corcovado, com saída do Largo do Machado num “bond graciosamente cedido pela Companhia do Jardim Botânico… depois subiram em trem especial até o Corcovado. Infelizmente a cerração impediu que os nossos hóspedes pudessem apreciar o belo panorama que do alto se descortinava, mas, aproveitando pequenos espaços conseguiram ver alguma coisa.[…] Pouco antes da uma hora foi servido no hotel das Paineiras profuso almoço no qual se trocaram vários brindes”.

Às 18h30, o grupo de estrangeiros visitou o IHGB onde foram brindados com a presença do imperador, suas altezas reais, o príncipe D. Pedro e os ministros do Império; “grandes festões de flores enfeitavam o teto da sala profusamente iluminada. Distribuiu-se um retrato do Almirante Cochrane e o discurso do barão Homem de Mello. À esposa do comandante Bannen, foram oferecidos dois exemplares de Brazileiras Célebres e dois elegantes ramos de flores feitas de penas de aves do Brazil. Ao comandante foi oferecida uma medalha comemorativa da Lei Áurea de 13 de maio”. “O Conselheiro Olegário começou agradecendo a Sua majestade seu comparecimento e tudo o quanto lhe devia o Instituto para a celebração daquela festa […]. O Príncipe D. Pedro leu um importante trabalho sobre mineralogia no Chile, passando em resenha as minas de prata e cobre” (26).

Sobre esta visita escreve um jornalista que preferiu o anonimato:
“Os povos civilizados do estrangeiro não podem, não poderão nunca imaginar os requintados tormentos que temos infligido à república do Chile na pessoa de sua brilhante oficialidade. Ainda não os levamos à fogueira, mas já os levamos ao Instituto. O Instituto, essa abominável instituição que faz o terror da literatura indígena, é uma das poucas formas de suplício que escaparam da Inquisição. A roda, o palo são gozos celestiais ao pé daquilo. Ao menos, não se escapa vivo… É uma casa aparentemente inofensiva em que cavaleiros graduados em diferentes cousas, quase todos de mais de 40 anos, se exibem como homens de letras e ciências, fazendo uns discursos pesados que nos dão uma idéia aproximada do infinito e lendo uns trabalhos que são a própria eternidade em montanhas de papel almaço. As sessões do Instituto tiram aos estranhos a quem são propinadas todo o amor da existência; invade-os uma incrível melancolia, um desgosto da vida que lhes traz fatalmente um remate da morte… Pois nós levamos os chilenos ao Instituto![…] Martirizados oficiais, eu continuo a lamentá-los do fundo d’alma! Por que os não matam logo de um só golpe?… Mas este prolongamento de tortura, esta lentidão do amplexo sufoca, estas sessões do Instituto… oh! não! la mort sans phrases!” (27).

No dia seguinte, a manchete de O Jockey anunciava: “Corrida em Homenagem à Nação Chilena”. E o texto:
“Assombrosa a corrida que o Derby realizou domingo último em homenagem à nação chilena. Uma concorrência excepcional encheu as arquibancadas das mais famosas e elegantes senhoras de nossa alta sociedade. As mais finas toilettes emoldurando corpos graciosos e perfumados a heliotrópio e à malva, chapéus arabescados de rendas e fitas flamboiantes, estridentes, coroando cabeças louras de madonas místicas e aclamadas e privilegiando de graça primorosa as luzidias tranças negras, cujo perfume lembra uma floresta de sândalo incendiada, róseos bebês desempenados e garbosos rapazes, de grosso bengalão e monóculo rutilante ao olho, Mefistófeles esportivo, o Bilac, o adorável e harmonioso poeta, davam um aspecto fenomenal e deslumbrante à arquibancada. Na pelouse, fervilhavam os apostadores, suando as brancas camisas, sob um sol a 80º centígrados. Tudo se deu na melhor ordem sendo o supremo encanto da corrida o sexto páreo – Chile – Brazil – do qual foi vencedor a nervosa e incomparável égua (ilegível)” (28).

Dia 2/11/89, a manchete é esportiva:
“Foi uma festa brilhante a das regatas realizada ontem na enseada de Botafogo e cujos convites foram feitos pelo Sr. Ministro da marinha, Barão de Ladarío. À uma hora da tarde, partiram do cais Pharoux as duas barcas Ferry destinadas aos convidados. A família imperial foi na galeota a vapor e o ministério e o corpo diplomático numa barca”. Depois de oito páreos disputados, “[…] o prêmio dado aos marinheiros que tripulavam as embarcações vencedoras foram: aos do Cochrane, moedas de ouro de 20$; aos dos outros vasos de guerra, moedas de ouro de 5$000. Nos intervalos das regatas houve a bordo das barcas animadas danças. Foi servido um profuso lunch” (29). Segundo outro jornal, as barcas estavam enfeitadas de flores e arbustos, o lunch era da casa Ferreira, as medalhas foram entregues pelo imperador. “Depois das cinco horas deixaram a enseada de Botafogo as barcas e lanchas e vieram passar em continência pelo Almirante Cochrane levantando-se por esta ocasião muitos vivas e tocando a música o hino chileno” (30). Por fim, membros do gabinete e oficiais chilenos jantaram no Hotel Londres. No dia 3/11/89: o comandante Bannen recebeu professores e alunos do Internato Pedro II. Depois, visitaram junto com seus oficiais as oficinas e o museu do Arsenal da Marinha. Dele, passam a percorrer as ilhas da baía, inclusive Paquetá, onde o comendador Hasselman ofereceu “lauto almoço” aos chilenos. Na embarcação, “[…] cadeiras de lado a lado da proa à popa, solenemente estendidas, uma grande mesa, posta como se sabe pela casa Paschoal e muito inspecionado pelo Marcelino a julgar pela habilidade com que dirigiu sua falange de copeiros encasacados, todos muito diligentes, parecendo todos combinados no sinistro desempenho de garantir uma indigestão geral” (31).

O primeiro serviço foi de café e licores logo ao embarque. Em seguida, e em viagem, sandwichs e aperitivos. Às 11,30 em frente à Paquetá e com o Orion fundeado, um almoço, um excelente e delicado almoço, saboreado ruidosamente sob o imenso pavilhão toldo à vista da formosa ilha, que mostrava a olho nu o verde claro de sua flora, as formas precisas das grandes pedras, as casinhas brancas destacando-se do matiz multicor das chácaras floridas. Hasselman foi levar o Orion a um ponto do qual se pudesse apreciar de um golpe de vista a maior extensão possível de nossa baía, que mereceu as honras de aclamação do mais sincero entusiasmo, quando patenteou-se no olhar de todos, majestosa e serena, desde a encosta do pão de Açúcar até a ponta do Arsenal […]. Os moradores da ilha fizeram festiva recepção aos nossos hóspedes que foram saudados pelo Dr. Campos da Paz.”

Seguiu-se uma visita à ilha, quando os moradores recebem os visitantes com fogos.

O Orion regressou às 5 horas da tarde. Depois de profuso lunch foi submetida a votos a proposta do comandante Bannen de que as pessoas presentes fossem ao Almirante Cochrane. Aprovada por unanimidade de votos das senhoras que tinham estado a ouvir boa música todo o dia, mas, tinham dançado pouco e lembravam-se que o tombadilho do Cochrane é maior do que o do Orion. […] e não preciso dizer mais, porque o leitor já sabe que a música de bordo foi chamada a postos, que se organizaram quadrilhas, que dançou-se muito e animadamente.”

Dia 4/11/89: “Espetáculo de gala no teatro S. Pedro de Alcântara organizado pela imprensa fluminense”. Presentes “suas majestades e altezas imperiais, com o corpo diplomático, oficiais da armada nacional e do exército brasileiro e do couraçado Almirante Cochrane” (32).

As manchetes do dia 5 anunciavam: “Deve realizar-se hoje o jantar oferecido por Sua Alteza o Príncipe D. Pedro a oficialidade do Almirante Cochrane” (33); “Chapéus altos de palha de seda do fabricante Johnson, o que há de moderno em Londres, recebeu pelo vapor Plato a chapelaria Aristocrata, na rua do Ouvidor n.149 em frente à Notre Dame de Paris e vende-os por preços cômodos” (34); “Esteve brilhante o espetáculo de gala realizado ontem no teatro São Pedro em homenagem aos nossos ilustres visitantes […]”. Paranhos Pederneiras substitui Rui Barbosa, que não compareceu “por motivo de doença”, e saudou a nação chilena. “A concorrência foi extraordinária; nem lugar para um alfinete, quer na platéia, quer nos camarotes, quer nas galerias” (35). “O que é verdade é que depois disto [o jornalista refere-se à festa no teatro] só terão eles o baile da ilha Fiscal, antiga dos Ratos. O termômetro festeiro está baixando muito; ontem, o da Imprensa, teve brusca de um grau vizinho a zero à sombra no teatro São Pedro”. Assina a nota o jornalista Juvenal, sem esclarecer o efeito dos apupos endereçados à família imperial (36).

O teatro apresentava o mais belo aspecto. Nas galerias viam-se bandeiras de todas as nacionalidades, na segunda ordem sanefas verdes e amarelas e na primeira, sanefas com cores chilenas e na fronte, troféus de bandeiras diversas, escudos com dísticos alusivos ao Chile, ao comandante, à oficialidade chilena. Nas frisas, as sanefas eram brancas e encarnadas. As comissões – compostas, entre outros, por José do Patrocínio,Paranhos Pederneiras, Carlos de Laet, Coelho Neto, Paula Ney – receberam Suas Majestades, Altezas e nossos convidados. Ouviu-se o hino chileno de pé. Seguiu-se a primeira parte do concerto, depois a comédia "Santo com a Minha Mãe", a segunda parte do concerto, representou dois atos dos Sinos de Corneville. Os camarotes estavam todos ocupados e se viam neles membros do ministério, do corpo diplomático e consular, senadores, deputados, generais e oficiais superiores da armada e exército, representantes de todas as classes sociais e avultado número de senhoras.”

No dia 6/11, a coluna “Foguetes” destilava ácido:
“Desventurados oficiais chilenos. Cada vez mais a sua sorte é digna de lástima. Tudo o que há de suplício lhes tem sido infligido desde o retrato zincográfico até a reportagem attachée. Não lhes faltava mais nada; deram-lhes de quebra dois espetáculos numa só noite. Eles suavam frio e suavam de cansaço e suavam de esforço para não se mostrarem fatigados. Foram agüentando e agüentando com cara alegre; mas, chegou um momento em que falou mais alta a natureza – o sono deitou-lhes seu véu transparente e quando acabou o espetáculo, os remoídos corpos dos massacrados oficiais restauraram as forças entregues às delícias dos lençóis. Ufa! Que suadouro! E chamarem aquilo de homenagem! Castigo é que foi. Uma homenagem que vai desde às 8 até 1 da madrugada é dura de roer, lá isso é mesmo. E tudo para quê? Para ouvirem a Companhia Emília Adelaide representar a moderna comédia histórica do século passado; o Vasquez cantar de tenor nos Sinos de Corneville e o Dr. Pederneiras fingindo de Rui Barbosa fazer o discurso oficial. Sombra implacável! Pavoroso espectro! No camarote de bordo, nas refeições, nos passeios, nas visitas, nas festas… por toda a parte a reportagem attachée… Ela surgelhes de um registro d’água ao voltar uma esquina […] persegue-os disfarçada de book-maker ambulante. Valha-me Deus! O que faltará para martirizar os briosos oficiais da armada chilena? […] Já suportaram uma missão do Instituto Histórico […] já suportaram um pedaço de discurso, sim, porque se o conselheiro Ruy Barbosa não estivesse doente, a saudação havia de ser outra. Para grandes festas, grandes discursos e o ilustre parlamentar não é homem de meias medidas; não podia fazer um discurso comprido, ficou em casa cuidando de restabelecer a saúde um tanto abalada pelos ataques que têm ferido o governo. Felizmente a família imperial deu o exemplo; retirou-se do seu camarote; a oficialidade fez outro tanto e o ministério e o corpo diplomático e as famílias e os respeitadores das Instituições foram saindo também, repletos, empanturrados, ameaçados de uma congestão cerebral. Só ficou o comandante do Almirante Cochrane. A platéia estava deserta, estavam desertos os camarotes… Mas, o bravo leão do mar não abandonou seu posto: sozinho afrontou os elementos até o final. Extrema coragem!” (37).


Dia 6/11/89:
“Entre as provas de simpatia e distinções com que têm sido acolhidos nesta capital os dignos oficiais do encouraçado chileno Almirante Cochrane, grata e indelével lhes há de ficar na memória a suntuosa festa de ontem no Paço Leopoldina. O elegante palácio à rua duque de Saxe abriu e iluminou seus salões, recebendo sua alteza o príncipe D. Pedro de Saxe e Bragança a oficialidade daquele navio com um suntuoso banquete que, pelo justo motivo da morte de sua majestade o rei de Portugal, havia sido adiado só podendo ser realizado ontem. Imponente e deslumbrante era o aspecto da mesa na grande sala de jantar do palácio, brilhantemente iluminado e ostentando flores em profusão. Artísticos candelabros de bronze e finíssimos cristais guarneciam os ângulos da sala, ornados de folhagens e os aparadores sobre os quais figuravam a antiga e rica baixela da família. Ao fundo, dominando a sala em elegante cavalete, via-se a bela marinha do artista brasileiro Castagneto, representando o Riachuelo e o Almirante Cochrane saudando-se mutuamente e esbatendo os seus perfis na luz serena do céu. Presentes à mesa de D. Pedro: visconde de Beaurepaire Rohan, conselheiro Duarte de Azevedo, conde de Carapebús, barão de Ivinhoim, chefe de divisão Foster Vidal, senador Dantas, marquês da Gávea, visconde da Penha, visconde de Garças, barão de Ladário, visconde de Cruzeiro, senador Taunay, barão de Santa Martha, conde da Estrela, barão de Maia Monteiro, entre outros. No menu: hors d’oeuvres: conserves, olives, radis, thon à l’huile, beurre frais. Potages: creme de Pluver, consommé à l’impériale Releves: Poisson fin bouilli au beurre d’anchois, cotelettes de pigeons à la Pompadour, Piéces froides: galantine de Poisson á la gelée. Aspic de foie gras em Bellevue Coup du millieu: punc à la ndives, gelé dánanas, parfait à la vanilla, dessert varie Vins: Madeire, Xerez, Sauterne, Rhin, Chateau Margaux, Champagne Roederer, Muscat, Tokay, Port Vieux. Não compareceram o presidente do senado, o presidente do supremo tribunal da relação, os generais do exército e da armada e o chefe de polícia: a festa foi bastante animada […] o que causou reparo, digamos francamente, o que deu motivo a estranheza foi o fato de não se acharem presentes – os acima citados. Se o distribuidor dos convites fosse o famigerado comendador alemão Hasselman não faltaria um só guarda da Alfândega ao banquete. E por não ter sido é que a gente fica a parafusar na história. Se foi esquecimento é outro caso, mas, mesmo assim é para se estranhar que tal cousa se desse, quando se tratava de um banquete embora íntimo”,

cutucava a Gazeta da Tarde. No mesmo dia do jantar, oficiais chilenos estiveram na Academia de Belas Artes onde foram recebidos por Vitor Meirelles.

No dia 6/11 foi feita visita ao Imperial Colégio Militar, um majestoso edifício construído pelo marquês do Bonfim. No antigo palacete foram os chilenos recebidos por guarda de honra sob o comando de um aluno de 12 anos, o tenente Mário Soares Pinto (38); lhes foi oferecido um “magnífico lunch” com muitos brindes; assistiram a uma “sessão literária” sob a presidência de Álvaro Fontenelle em que se recitaram poesias em francês. Seguiu-se um “assalto de armas” no qual se destacaram no florete Américo Leal, Alberto Figueiredo, Diogo Hermes da Fonseca, entre outros. Depois houve visita ao Asilo dos Meninos Desvalidos, “estabelecimento cuja boa ordem e asseio os impressionou favoravelmente” (39). Aí tocou a banda de alunos e os oficiais percorreram as oficinas. Bandeiras ornamentavam a estação de bonde onde desembarcaram os convidados, com bandeiras de várias nações.

No dia 7/11, a agenda é novamente voltada para a festa:
“Foram ontem visitar o encouraçado chileno diversos senhoras e cavalheiros. Visita ao Arsenal de Guerra com lunch e banda de música dos menores do Arsenal. Recebidos pelo conselheiro Cândido Oliveira, ministro interino da Guerra, ministro do Chile, conde da Estrela, barão Homem de Mello, diretor do Arsenal. O trapiche estava enfeitado com bandeiras, troféus e escudos etc… Lendo-se num deles ‘Viva Chile’. Flores desfolhadas foram atiradas sobre visitantes” (40).

Visitada a “oficina de obras brancas”. Encontro com os torneiros. “Sobre as Machinas, um troféu com o retrato de Sua majestade o Imperador e por cima o estandarte do pessoal dos machinistas; houve troca de brindes e presentes” (41). Uma barraca que servira ao imperador
“na Copacabana, bem enfeitada e servida encontrava-se na entrada. Na sucessão de brindes, o coronel diretor Fausto de Souza saudou o comandante e os oficiais chilenos. Bannen retribui e brinda a prosperidade do Brasil. Sublinhe-se que tenente coronel Leite de Castro saudou o Sr. Conde d’Eu, lembrando antes os importantes serviços por ele prestados na paz e na guerra do país que adotou como pátria. Os dois últimos brindes foram do Sr. Ministro do Chile e o coronel Fausto a S.M o Imperador, o primeiro cidadão, o mais patriótico defensor deste Império, homem generosos e o monarca querido do seu povo e admirado e respeitado no estrangeiro” (42).

Dia 9/11/89, lê-se que “corre como certo que o negócio da marinha não está liquidado, achando-se embrulhados no negócio o diretor, o lente, o ministro e o deputado intermediário […]. Que o barão de Ladarío estava de braço dado com o sr. Henrique de Carvalho, o que quer dizer que estavam se reconciliando[…] que o barão da ventania está com vontade de adoecer, hoje, para não ir à ilha dos Ratos” (43).

Os chilenos vão à tarde à Imprensa Nacional e ao Corpo de Bombeiros da Polícia em “bond especial que se achava na rua dos Arcos e que lhe foi oferecido pelo bacharel São Romão, ativo ajudante de tráfico da companhia de Carris Urbanos”, seguindo em direção ao Corpo de Bombeiros onde assistiram exercícios do tipo “pára-quedas, saco salva vidas, escadas de assalto, executados com grande habilidade pelos praças[…]. Com grande admiração viram ainda a um simples toque de clarim, saírem das respectivas baias, os animais para se colocarem pacificamente nos varais das bombas[…]. Às quatro horas, lunch e brindes, erguendo vivas à República do Chile, ao seu presidente e a Sua majestade o Imperador[…] Realizar-se-á hoje o baile da Ilha Fiscal oferecido aos oficiais chilenos, havendo das sete horas da noite em diante, barcas para conduzir os convidados” (44).

Dia 9, o dia da festa, ainda houve tempo para outras atividades: “pela manhã, visita ao Hospital São Sebastião e Laboratório pirotécnico de Campinho. No primeiro compareceram o Imperador com suas altezas e o príncipe D. Pedro”. Os jornais vespertinos, todavia, já publicavam informações sobre o “grande baile”:

A ilha Fiscal foi transformada em ilha de fadas, uma verdadeira maravilha, um paraíso perdido em pleno oceano. E tudo isto devido ao bom gosto e, sobretudo grandíssima atividade do guarda-mor da Alfândega, o sr. Comandante Hasselman. Mais algumas horas e aqueles que nos honram com sua leitura reconhecerão que tudo aquilo do que imaginaram. Ao baile! Ao baile! É hoje a senha da cidade” (45).

“Dentro de poucas horas estará satisfeita a ansiedade dos que felizes puderam conseguir entrada para o baile aos oficiais chilenos no palácio da guardamoria, onde a gentileza do governo imperial e o apurado gosto artístico do sr. Comendador Adolfo Hasselman se uniram para saudar condignamente a República do Chile na briosa oficialidade do Almirante Cochrane. Muito terão de ver, de admirar e de aplaudir os que participarem da festa e nela figurarem; os que não puderam obter os cobiçados convites leiam esta pequena descrição de notícia da magnificência que se preparou e que hoje deslumbrará a todos na Ilha Fiscal. Os convidados embarcarão no cais Pharoux que estará brilhantemente iluminado e ornamentado e onde tocará a banda de música do corpo militar de polícia.”

Outra coluna exibe artigo em negrito sobre “A Festa de Hoje”:

Chove… pingos d’água muito miúdos, como que peneirados… O jornalista tem destas descrições. O leitor é ávido em saber do que se passa; já não se contenta hoje com a notícia de um fato consumado, quando este fato tem antecedentes. Ele quer ser informado das minudências e dos detalhes desses antecedentes; não permite um trabalho metódico de acumulação de dados para que se lhe relate um acontecimento com prólogo, ação e epílogo, e fica na exigência de quem se habituou a esforços de reportagem que a gente lhes dá em pequenas doses o medicamento até debelar a sua gulodice de novidades […] se a chuva não persistir pondo uma nota fria nesta belíssima festa. Às 8 horas largará do cais Pharoux, em primeira viagem, uma barca que fará viagens sucessivas enquanto houver convidados a transportar. De meia noite em diante a barca começará a viagem de regresso, de meia em meia hora. O encouraçado chileno ficou em frente à ilha, mais ou menos no lugar em que está ancorado. Os navios de guerra brasileiros, saídos do porto, vão lhe fazer guarda de honra. Funcionando em todos eles poderosos projetores de luz elétrica que hão de fazer aquele lado da baía um verdadeiro lago de prata majestoso e fantástico. Desde o cais até a ilha estender-se-á uma linha de batelões iluminados em arco com lanternas venezianas e copos de cores. Em frente ao ponto de desembarque fundeará o Orion, cruzador da alfândega. O desembarque é feito numa ponte movediça que atravessará da ilha à barca, guardada por 12 marinheiros armados; na entrada, sobre dois postes, há quatro lâmpadas de força iluminativa de 800 velas.

Seguem-se outros quatro focos iguais no saguão onde vão ser armados dois quadros transparentes, um dos quais a alegoria – O Brazil recebendo o Chile. A linha de frente é ocupada por um enorme pavilhão onde está armada a grande lunette. Este pavilhão assenta em 24 colunas laterais e é iluminado por 96 lâmpadas com a força iluminativa de 1920 velas. À esquerda, levanta-se outro pavilhão, onde está o buffet e que tem duas salas. Na primeira, e em todo o comprimento, estendem-se duas mesas em forma de ferradura, de tapetes verdes e tem espaçosas janelas, cujos intervalos são preenchidos por panos das cores chilena e nacional. Em cada uma das colunas sobre que assenta este pavilhão, há um escudo, um brasileiro e outro chileno, com nome do Presidente da República, das províncias e dos mais ilustres nomes da marinha. A sala destinada á família imperial pode ser vedada por amplas cortinas que a separam inteiramente da outra sala; nesta, há 50 lâmpadas com força iluminativa de 1344 velas, além de 40 candelabros e 14 lâmpadas. A mesa desta sala foi posta para servir com cadeiras; toda a mobília é de apurado gosto. À direita e à esquerda são os salões de danças, três de cada lado e o de toilette das damas à esquerda e da família imperial, à direita. Duas orquestras tocarão nos terraços laterais; uma na sala do bufett, uma banda de música na torre a do Arsenal de guerra. A decoração das salas é inteiramente igual […] festões de flores ocultam lâmpadas; o espaço entre as janelas, preenchido por espelho em fundo veludo grená; o tapete é de um vermelho rubro artisticamente posto para quebrar o efeito de palidez da luz elétrica sobre as toilettes. Sobre os espelhos… coroas de flores, guardando âncoras de ouro e prata […] todas as dependências são iluminadas por luz elétrica. Há folhagens em todas as dependências” (46).

Festa única em seu gênero nos anais da sociedade brasileira dificilmente ela será igualada. Desde as 6 horas da tarde, a população da Corte, em revoadas alegres e sedentas do feérico espetáculo, encaminha-se para o cais Pharoux, cais dos Mineiros, praia de D. Manuel e toda a extensão do cais de onde se pode avistar no salso elemento bem de perto, ao espetáculo […] as barcas ferry estavam apinhadas de passageiros que pagavam contínuas passagens para assistir ao esplendor da iluminação de cores variegadas. As eminências que estão mais próximas, achavam-se literalmente cobertas de povo e muitas famílias levaram grande parte da noite a observar os efeitos de iluminação, os acordes das bandas marciais e o movimento do povo. Não havia uma casa perto do local do baile que estivesse desocupada; tinham sido invadidas por famílias; os hotéis, casas de saúde, árvores do paço, chafariz, escadas que dão para o mar, tudo estava repleto […] os nossos encouraçados encandeavam o público com a projeção da luz dos seus holofotes movediços que relampejavam como um chicote luminoso todo o vasto horizonte da nossa cidade. Na baía vogavam lanchas a vapor e embarcações de todo o gênero garridamente empavesadas e iluminadas a giorno, algumas delas tendo à bordo excelentes bandas que executavam tépidas barcarolas e lânguidas habaneras […] cerca de 9 horas da noite chegaram Suas majestades e Altezas Imperiais ao cais Pharoux onde foram recebidos pelo sr. Presidente do conselho, barão de Sampaio Viana e comissão nomeada. Nessa ocasião, saudaram as fortalezas e como fora convencionado, subiu aos ares uma enorme girândola e no cais e na ilha queimaram-se fogos cambiantes de muitas cores. Recebidos na ilha por uma multidão enorme de convidados, Suas Majestades e Altezas foram saudadas calorosamente. Uma verdadeira ovação. Pouco depois começou o baile. O que ele foi, é difícil de dizer. A riqueza oriental das toilettes, o brilho e o ruge-ruge das sedas que mal cobriam as espáduas marmóreas das senhoras, o veludo, a pelúcia de seda que guardavam como as portas de um sacrário os colos alvos e palpitantes das brasileiras, salpicados de brilhantes, de safiras, de esmeraldas; os diademas rutilantes nos penteados artísticos das moças; o burburinho argentino do contentamento aflorando de lábios coralinos das avezinhas implumes que contam apenas 15 ou 18 primaveras; a galanteria fidalga dos cavalheiros, uns trazendo suas vistosas grã-cruzes, outros ostentando na lapela os miosótis, as violetas, as raríssimas camélias; o dourado sedutor das fardas, cobrindo peitos patrióticos – como descrever tudo isto?” (47).

As danças estiveram sempre animadíssimas e é impossível nomear os convidados que nelas tomaram parte, pois que no baile concorreram os mais elevados representantes de todas as classes sociais e as mais distintas senhoras do Rio de Janeiro […] as danças continuaram depois da ceia, prolongando-se até o amanhecer” (48).

O comportamento da Guarda Nacional não escapava aos jornalistas mais identificados com as idéias republicanas:
“quando cheguei e alonguei os olhos na ponte de embarque das barcas Ferry, cegou-me um deslumbramento: era por toda a parte uma fulguração de penachos ondulantes, branco e rubro, desafiando o vento do mar. Parecia que um bando de aves fantásticas pousara na ponte para dar às plumas um banho apoteótico de luz elétrica. E os oficiais não se continham. Rodopiavam, giravam, acotovelando a multidão, amarrotando com as espadas os vestidos das senhoras, arranhando as casacas dos senhores com as dragonas. Disse eu, de mim para mim – temos batalha naval! A dançar, santo Deus, a dançar! Não há como oficiais da guarda-ouro-pretoriana para ter uma noção exata do que são as regras da grande tênue de baile. Dançar de capacete e espada – é um cúmulo […] [na volta para terra firme] um moço achou que a guarda era engraçada e riu. Riu.[…] Todos da Guarda caíram sobre ele de espada desembainhada, rasgaram-lhe a casaca, ensangüentaram-no, deixaram-no quase morto […] Bravo! Não pode haver maior heroísmo. Todos contra um […] com as proezas da Guarda consentidas e patrocinadas pelo governo, coincide a dispersão do exército. Destacam-se os regimentos, retalham-se os batalhões” (49).


Ainda sobre a festa:
“Viu-se que não houve pena, nem escrúpulo de gastar dinheiro do estado contanto que a obra saísse limpa, asseada e perfeita, na grandiosa proporção dessa maravilhosa chuva de ouro que inunda e fertiliza todo o país […] se a festa esteve suntuosa e esplêndida pelo conjunto de sua decoração, sob outros pontos de vista esteve abaixo de toda crítica. […] (presença de muito ‘bicho careta’) […] o mau exemplo partiu do próprio presidente do conselho que, em nome do governo, oferecia aquele baile […] sua exma. como que atordoado com aquele estranho movimento não conservou a compostura correta de um homem de estado […] percorria os salões com passo apressado e desmedido como quem andasse corrido da justiça. Com a cabeça calculadamente levantada, visivelmente fora de alinhamento, como para mostrar que vive de fronte erguida, envolvia-se no meio de compacta multidão, movendo-se descompassadamente, com gestos desordenados e petulantes, com ar afetado de suficiência, impondo-se com estudada arrogância, inculcando-se o único homem deste país, depois do conde de Motta Maia que é o primeiro estadista da América do Sul como está escrito em sua biografia prestes a chegar da Europa. Era tal a sua agitação que se o viu, no salão do buffet, arrastando violentamente pela mão, o barão de Drummond como que o conduzindo para ver algum animal raro no Jardim Zoológico. Aquele estado de perturbação, antes parecia filho da inquietação do que resultado de deslumbramento. Dois fatos se deram naquele dia […] antes da hora da festa o gabinete tinha assistido à sessão do conselho do estado pleno para ouvir sua opinião sobre o crédito de seis mil contos para acorrer as despesas coma seca do norte […] a essa reunião esteve presente o conselheiro Andrade Figueira que se constitui o terror dos governos dissipadores dos dinheiros públicos ( e sobre este), só vive e só tem vivido de corrupção, pela corrupção e para a corrupção […] até o senhor Mayrinck, o conselheiro, o deputado geral, o incorporador do banco Constructor, o presidente do banco Predial e de Crédito Real do Brazil fez sua entrada triunfante envergando vistoso fardão que pelo brilho parecia do generalíssimo Terra Marinque, e adornado de suas gloriosas condecorações. […] O ilustre conselheiro preferiu apresentar-se fantasiado em oficial de mentira a comparecer como representante da nação, embora também de mentira, envolvido em sua casaca, que mais assenta em um homem circunspeto que não pertence à nobre classe militar. Engana-se quem acredita que pelo nome e prestígio tem o poder de reabilitar uma instituição que caiu fatalmente pelo ridículo. [Sobre o comendador Malvino Reis disse o conde Motta Maia] ‘é um militar de bobagem que só tem pelejado em campos de salmoura, trazendo ao peito penduradas amostras de lata de goiabada; é com esta gente piramidalmente ridícula e colossalmente desfrutável que pretende o governo organizar a milícia que defenderá as instituições monárquicas intimidando o exército que procura enfraquecer, disseminando por todo o Império, para com mais segurança e mais comodamente decretar sua dissolução. Quando chegar o momento da ação, travando-se a luta, a debandada não será deste mundo’” (50).

Na coluna “Corte e Praça” da Revista Semanal, se registrava: “Segundo rezam os melhores apreciadores, a rainha do baile foi S.A a Princesa Imperial. Aquela seda preta de reflexos cambiantes do vestuário, opulentada pelas formas régias da ilustre princesa, coroava-se artisticamente com um magnífico cabelo engastado de brilhantes fascinadores” (51).

Para fazer honras ao comandante Bannen, capitão de fragata, todos os nossos almirantes e generais estiveram no baile, a principiar por sua Majestade que é generalíssimo e pelo conde d’Eu que é vice-generalíssimo
(52).

Dia 10/11: “Pela manhã, visita ao Hospital São Sebastião e Laboratório Pirotécnico de Campinho. No primeiro compareceram o Imperador com suas altezas e o príncipe D. Pedro. No segundo, assistiram a fabricação de cartuchos de pólvora e espoletas; depois, se seguiram profusos lunchs e danças até 5 horas”.

Dia 13/11: “comissão da Sociedade Club de São Cristóvão foi a bordo do Almirante Cochrane convidar o comandante Bannen e o ministro do Chile para o baile que lhes será oferecido no dia 30 do corrente. Visita também de uma comissão de ‘torpedistas da nossa marinha’” (53). No dia 14/11, a oficialidade chilena fez uma visita ao príncipe Pedro Augusto.

No mesmo dia da Proclamação da República, o jornal Tribuna Liberal dá notícias da visita que fizera Bannen ao colégio Salesiano em Niterói, enquanto O País trombeteia a nova festa a realizar-se daí a seis dias no convés do Almirante Cochrane para “os companheiros de armas”. Nesse mesmo dia, segundo o mesmo jornal, os chilenos teriam ido a Petrópolis, onde se refugiara D. Pedro II fugindo do calor carioca. O Diário de Notícias, por sua vez, informava que o “High-Life fluminense ainda teria mais algumas ocasiões de encontrar-se com a digna oficialidade do cruzador chileno. Pretende-se fazer as seguintes festas: Sua Majestade a princesa imperial vai abrir amanhã – dia 16, portanto – os salões de seu palacete, oferecendo a essa oficialidade uma bonita soirée, onde em magnífico concerto se fará ouvir o que há de melhor no mundo artístico e elegante”.

A julgar por essa agenda, nenhuma informação circulava, pouco ou nada se sabia dos preparativos para o golpe, as festas seguiam seu ritmo.

Num desabafo sobre o 15 de novembro, o barão de Muritiba resumiu esses dias de festas e sociabilidades como a saída de um sonho em direção ao pesadelo. Não lhe passaram despercebidos os comentários sarcásticos emitidos no dia do baile da Ilha Fiscal, espécie de prenúncio agoureiro do episódio que iria viver a família imperial.

Conta ele que, “Poucos dias antes da explosão, a 9 de novembro, por ocasião do faustoso baile, quando o Visconde de Ouro Preto, empunhando a taça saudou em brilhante discurso a Nação amiga […] quando, acompanhando a saudação erguiam-se estrepitosos vivos, soavam os hinos e troava a artilharia, conta-se que um oficial general da Armada, o Vice-Almirante Wandenkolk postado a pouca distância, em tom zombeteiro, ouvido pelas circunstâncias disse: ‘rira bien qui rira le dernier’” (54).

Muritiba recorda também que, sabedor da volta do imperador à capital, o comandante Bannen foi ao Paço da Cidade e colocou à disposição do imperador o encouraçado Almirante Cochrane. E respondeu-lhe D. Pedro, segundo o mesmo narrador, “não parecendo estar totalmente compenetrado da situação: ‘Isto é um fogo de palha, eu conheço os meus patrícios, palavras que o Oficial estrangeiro ouviu com visível mostras de verdadeira surpresa”. Não foi à toa que, ao embarcar para o exílio no dia 17/11, despediu-se de seus algozes dizendo: “Os senhores são uns doidos!”. Enquanto isso, o representante diplomático do Chile, Wilamil, soluçava de desgosto.

A cidade que a família imperial viu de longe, ao cruzar a Baía de Guanabara, no paquete Alagoas, numa manhã radiante, mergulharia num turbilhão de transformações, para além daquelas políticas. O vaticínio de Raul Pompéia se realizara. O ideário da belle époque simbolizado “en tout splendeur” no cenário, nos trajes e na música que animaram o baile da Ilha Fiscal escondia uma face perversa, que doravante se exporia. A visão racista que permitia enquadrar e controlar os recém-libertos, por exemplo, é parte das mudanças que se instalavam.

A medicina legal, obcecada em perseguir feios, sujos e pobres, outra. O Bota-Abaixo que mudou o espaço urbano colonial, fruto de uma adaptação milenar da arquitetura portuguesa, mais outra. Todas mudanças nascidas da mesma política que cortaria avenidas e expulsaria famílias desfavorecidas da capital, inventaria a favela e o pivette, política que viria à tona com a República.

Jamais saberemos se ao referir-se aos “doidos” D. Pedro intuía que, visto a distância, o cenário por trás do baile apenas reorganizaria as instituições políticas, sem maiores transformações econômicas e sociais. Houve até quem interpretasse o novo sistema político como “um salto para trás” no tempo histórico, uma ruptura com a tendência centralizadora do Império que acabou dando no domínio de fazendeiros no quadro político nacional. Outras interpretações, ao contrário, vêem o fortalecimento do poder central, coincidindo com a decadência econômica dos proprietários rurais de diversas regiões, doravante dependentes de recursos e proteção proporcionados pelo aparelho público federal. Outras, ainda, sublinham o aparecimento de grupos oligárquicos capazes de barganhar favores, empregos e verbas em troca de apoio político. A recém-nascida República trazia muita coisa do Império. Ela já nascia Velha (55).

José Murilo de Carvalho e mais recentemente Lúcia Bastos Pereira das Neves e Humberto Fernandes Machado (56) vêm discutindo exaustivamente o sentido do alheamento dos diversos grupos que participaram como atores – os “doidos” –, ou simples espectadores – os “bestializados” – da Proclamação da República. Os documentos da Coleção Festas Chilenas do Arquivo Nacional encorajam a reflexão sobre como em grupos de solidariedade formal ou informal, de “doidos e de bestializados”, se teceu uma rede de pertenças comunitárias em favor de participar ou de ignorar os fatos que se apresentavam. Afinal, os laços de solidariedades locais, políticas ou corporativas mostram que a sociabilidade dos indivíduos, no ocaso do Império, não tinha por limite as categorias sociais, mas outras identidades ainda por iluminar.

Notas


1 Em crônica escrita a 17/1/89 em Crônicas do Rio (Rio de Janeiro, Biblioteca Carioca/Secretaria Municipal de Cultura, 1996, p. 65).
2 Lilia Moritz Schwarcz, As Barbas do Imperador – D.Pedro II, um Monarca nos Trópicos, São Paulo, Companhia das Letras, 2002, p. 445.
3 Vivaldo Coaracy, Memórias da Cidade do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Itatiaia, 1967 (de quem empresto as informações a seguir.
4 Raul Pompéia, op. cit., 19/5/89, pp. 40-1.
5 Sérgio Pechmann & Lílian Fritch,“A Reforma Urbana e seu Avesso: Algumas Considerações a Propósito da Modernização do Distrito Federal na Virada do Século”, in Revista Brasileira de História, 5 (8; 9), 138, São Paulo, set./1984, abr./1985. Ver também Myriam Bahia Ramos, O Rio em Movimento – Quadros Médicos em História, Rio de Janeiro, Fundação Oswaldo Cruz, 2001.
6 Empresto a seguir informações de: Sylvia F. Damazio, Retrato Social do Rio de Janeiro na Virada do Século, Rio de Janeiro, UD/UERJ, 1996, pp. 12 e passim.
7 Ver sobre o assunto: Pedro Corrêa do Lago e Rubens Fernandes Junior (orgs.), O Século XIX na Fotografia Brasileira, Rio de Janeiro/São Paulo, Francisco Alves/Faap, s/d.
8 O Rio de Janeiro do Meu Tempo, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1938, 3 volumes.
9 Damazio, op. cit., p. 165.
10 Sérgio Buarque de Holanda. O Brasil Monárquico – do Império à República, vol. II, História Geral da Civilização Brasileira, São Paulo, Difel, 1977.
11 Pompéia, op. cit., p. 46.
12 Idem, ibidem, p. 32.
13 Idem, ibidem, p. 37.
14 Gilberto Freyre, Ordem e Progresso,Rio de Janeiro, Record,1990.
15 Ver a correspondência do conde d’Eu, a condessa de Barral e D. Isabel em: Roderick J. Barman, Citizen Emperor – D.Pedro II and the Making of Brazil, 1825-91, especialmente o capítulo “The Hand of Fate, 1887-1889” (pp. 335 e passim).
16 É o que informava em outubro o editor do Jornal do Comércio (apud Barman, op. cit., p. 344).
17 Ver sobre o assunto: José Murilo de Carvalho, Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a República que Não Foi, São Paulo, Companhia das Letras, 1997. O autor lembra que na primeira conferência a Guarda Negra organizada por José do Patrocínio criou problemas ao conferencista.
18 Freyre (op. cit., p. 421) lembra que tais encontros lhe valeram o “escândalo das popelines” armado contra Cotegipe por Cesário Alvim.
19 Gilberto Freyre, op. cit., pp. 418-9.
20 Ver Schwarcz, “O Império das Festas e as Festas do Império”, in As Barbas do Imperador, op. cit., pp. 253-94.
21 Pompéia, op. cit, pp. 89-90.
22 José Antônio Soares de Souza, “A Província do Rio de Janeiro nas Vésperas da Abolição”, in Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, julho-setembro/1979, pp. 3-20.
23 Sobre a abordagem historiográfica que pensa as solidariedades ver: Yves Durand, Les Solidarités dans les Sociétés Humaines, Paris, PUF, 1987.
24 Ver o seu Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a República que Não Foi, op. cit.
25 Diário Oficial de 31/10/1889, na Coleção Festas Chilenas, acervo de Arquivos Privados, códice 82 CP32.
26 Gazeta da Tarde, 1/11/89.
27 Documento no 370 da mesma coleção.
28 O Jockey, coluna “Derby Club”. Sobre esportes no Rio de Janeiro ver o livro obrigatório de Victor Andrade de Melo, Cidade Esportiva, Primórdios do Esporte no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Faperj/Relume Dumará, 2001.
29 Diário de Notícias, 2/11/89.
30 Gazeta de Notícias, 2/11/89.
31 Jornal do Commercio, 4/11/89.
32 Gazeta da Tarde, 4/11/89.
33 Jornal do Commercio, 5/11/89.
34 O País, 5/11/89.
35 Novidades, 5/11/89.
36 Gazeta de Notícias, 5/11/89.
37 O País, 6/11/89.
38 Idem.
39 Tribuna Liberal, 6/11/89.
40 Gazeta de Notícias, 6/11/89.
41 Tribuna Liberal, 6/11/89.
42 Jornal do Commercio, 6/11/89.
43 Diário de Notícias, 9/11/89.
44 Jornal do Commercio, 9/11/89.
45 Novidades, 9/11/89.
46 Gazeta de Notícias, 9/11/89. Sobre toilettes nesse período,ver: Maria do Carmo Teixeira Rainho, A Cidade e a Moda, Brasília, UNB, 2002.
47 Tribuna Liberal, 9/11/89.
48 Diário Oficial, 10/11/89.
49 Correio do Povo, 10/11/89.
50 Chronica do Correio do Povo,10/11/89.
51 Novidades, 10/11/89.
52 Estado do Rio, 11/11/89.
53 Jornal do Commercio, 13/11/89.
54 Apontamentos do barão de Muritiba sobre o 15 de novembro de 1889, in Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, volume 252, julho-setembro/1961, pp. 299-315.
55 Renato Venâncio e eu sintetizamos essas questões em nosso Livro de Ouro da História do Brasil (Rio de Janeiro, Ediouro, 2002, especialmente os capítulos XXIII, XXIV e XXVI).
56 De Pereira das Neves e Machado ver: O Império do Brasil, Rio de Janeiro, Nova Fronteira,2002.

Texto de Mary Del Priore publicado na "Revista USP", São Paulo. nº 58, junho-agosto de 2003, excertos pp.30-47. Digitalizado, adaptado e ilustrado por Leopoldo Costa.

THE GOD OF THE MYSTICS

$
0
0
Karen Armstrong
Judaism, Christianity and - to a lesser extent - Islam have all developed the idea of a personal God, so we tend to think that this ideal represents religion at its best. The personal God has helped monotheists to value the sacred and inalienable rights of the individual and to cultivate an appreciation of human personality. The Judaeo-Christian tradition has thus helped the West to acquire the liberal humanism it values so highly. These values were originally enshrined in a personal God who does everything that a human being does: he loves, judges, punishes, sees, hears, creates and destroys as we do. Yahweh began as a highly personalised deity with passionate human likes and dislikes. Later he became a symbol of transcendence, whose thoughts were not our thoughts and whose ways soared above our own as the heavens tower above the earth. The personal God reflects an important religious insight: that no supreme value can be less than human. Thus personalism has been an important and - for many - an indispensable stage of religious and moral development. The prophets of Israel attributed their own emotions and passions to God; Buddhists and Hindus had to include a personal devotion to avatars of the supreme reality. Christianity made a human person the centre of the religious life in a way that was unique in the history of religion: it took the personalism inherent in Judaism to an extreme. It may be that without some degree of this kind of identification and empathy, religion cannot take root.

Yet a personal God can become a grave liability. He can be a mere idol carved in our own image, a projection of our limited needs, fears and desires. We can assume that he loves what we love and hates what we hate, endorsing our prejudices instead of compelling us to transcend them. When he seems to fail to prevent a catastrophe or even to desire a tragedy, he can seem callous and cruel. A facile belief that a disaster is the will of God can make us accept things that are fundamentally unacceptable. The very fact that, as a person, God has a gender is also limiting: it means that the sexuality of half the human race is sacralised at the expense of the female and can lead to a neurotic and inadequate imbalance in human sexual mores. A personal God can be dangerous, therefore. Instead of pulling us beyond our limitations, 'he' can encourage us to remain complacently within them; 'he' can make us as cruel, callous, self-satisfied and partial as 'he' seems to be. Instead of inspiring the compassion that should characterise all advanced religion, 'he' can encourage us to judge, condemn and marginalise. It seems, therefore, that the idea of a personal God can only be a stage in our religious development. The world religions all seem to have recognised this danger and have sought to transcend the personal conception of supreme reality.

It is possible to read the Jewish scriptures as the story of the refinement and, later, of the abandonment of the tribal and personalised Yahweh who became YHWH. Christianity, arguably the most personalised religion of the three monotheistic faiths, tried to quality the cult of God incarnate by introducing the doctrine of the transpersonal Trinity. Muslims very soon had problems with those passages in the Koran which implied that God 'sees', 'hears' and 'judges' like human beings. All three of the monotheistic religions developed a mystical tradition, which made their God transcend the personal category and become more similar to the impersonal realities of nirvana and Brahman-Atman. Only a few people are capable of true mysticism, but in all three faiths (with the exception of Western Christianity) it was the God experienced by the mystics which eventually became normative among the faithful, until relatively recently.

Historical monotheism was not originally mystical. We have noted the difference between the experience of a contemplative such as the Buddha and the prophets. Judaism, Christianity and Islam are all essentially active faiths, devoted to ensuring that God's will is done on earth as it is in heaven. The central motif of these prophetic religions is confrontation or a personal meeting between God and humanity. This God is experienced as an imperative to action; he calls us to himself; gives us the choice of rejecting or accepting his love and concern. This God relates to human beings by means of a dialogue rather than silent contemplation. He utters a Word, which becomes the chief focus of devotion and which has to be painfully incarnated in the flawed and tragic conditions of earthly life. In Christianity, the most personalised of the three, the relationship with God is characterised by love. But the point of love is that the ego has, in some sense, to be annihilated. In either dialogue or love, egotism is a perpetual possibility. Language itself can be a limiting faculty since it embeds us in the concepts of our mundane experience.

The prophets had declared war on mythology: their God was active in history and in current political events rather than in the primordial, sacred time of myth. When monotheists turned to mysticism, however, mythology reasserted itself as the chief vehicle of religious experience. There is a linguistic connection between the three words 'myth', 'mysticism' and 'mystery'. All are derived from the Greek verb musteion: to close the eyes or the mouth. All three words, therefore, are rooted in an experience of darkness and silence.' They are not popular words in the West today. The word 'myth', for example, is often used as a synonym for a lie: in popular parlance, a myth is something that is not true. A politician or a film star will dismiss scurrilous reports of their activities by saying that they are 'myths' and scholars will refer to mistaken views of the past as 'mythical'. Since the Enlightenment, a 'mystery' has been seen as something that needs to be cleared up. It is frequently associated with muddled thinking. In the United States, a detective story is called a 'mystery' and it is of the essence of this genre that the problem be solved satisfactorily. We shall see that even religious people came to regard 'mystery' as a bad word during the Enlightenment. Similarly 'mysticism' is frequently associated with cranks, charlatans or indulgent hippies. Since the West has never been very enthusiastic about mysticism, even during its heyday in other parts of the world, there is little understanding of the intelligence and discipline that is essential to this type of spirituality.

Yet there are signs that the tide may be turning. Since the 1960s Western people have been discovering the benefits of certain types of Yoga and religions such as Buddhism, which have the advantage of being uncontaminated by an inadequate theism, have enjoyed a great flowering in Europe and the United States. The work of the late American scholar Joseph Campbell on mythology has enjoyed a recent vogue. The current enthusiasm for psychoanalysis in the West can be seen as a desire for some kind of mysticism, for we shall find arresting similarities between the two disciplines. Mythology has often been an attempt to explain the inner world of the psyche and both Freud and Jung turned instinctively to ancient myths, such as the Greek story of Oedipus, to explain their new science. It may be that people in the West are feeling the need for an alternative to a purely scientific view of the world.

Mystical religion is more immediate and tends to be more help in time of trouble than a predominantly cerebral faith. The disciplines of mysticism help the adept to return to the One, the primordial beginning, and to cultivate a constant sense of presence. Yet the early Jewish mysticism that developed during the second and third centuries, which was very difficult for Jews, seemed to emphasise the gulf between God and man. Jews wanted to turn away from a world in which they were persecuted and marginalised to a more powerful divine realm. They imagined God as a mighty king who could only be approached in a perilous journey through the seven heavens. Instead of expressing themselves in the simple direct style of the Rabbis, the mystics used sonorous, grandiloquent language. The Rabbis hated this spirituality and the mystics were anxious not to antagonise them. Yet this 'Throne Mysticism', as it was called, must have fulfilled an important need since it continued to flourish alongside the great rabbinic academies until it was finally incorporated into Kabbalah, the new Jewish mysticism, during the twelfth and thirteenth centuries. The classic texts of Throne Mysticism, which were edited in Babylon in the fifth and sixth centuries, suggest that the mystics, who were reticent about their experiences, felt a strong affinity with rabbinic tradition, since they make such great tannaim as Rabbi Akiva, Rabbi Ishmael and Rabbi Yohannan the heroes of this spirituality. They revealed a new extremity in the Jewish spirit, as they blazed a new trail to God on behalf of their people.

The Rabbis had had some remarkable religious experiences, as we have seen. On the occasion when the Holy Spirit descended upon Rabbi Yohannan and his disciples in the form of fire from heaven, they had apparently been discussing the meaning of Ezekiel's strange vision of God's chariot. The chariot and the mysterious figure that Ezekiel had glimpsed sitting upon its throne seem to have been the subject of early esoteric speculation. The Study of the Chariot (Ma'aseh Merkavah) was often linked to speculation about the meaning of the creation story (Ma'aseh Bereshit). The earliest account we have of the mystical ascent to God's throne in the highest heavens emphasised the immense perils of this spiritual journey:

"Our Rabbis taught: Four entered an orchard and these are they: Ben Azzai, Ben Zoma, Aher and Rabbi Akiva. Rabbi Akiva said to them: 'When you reach the stones of pure marble, do not say "Water! water!" For it is said: "He that speaketh falsehood shall not be established before mine eyes"' Ben Azzai gazed and died. Of him, Scripture says: 'Precious in the sight of the Lord is the death of his saints.' Ben Zoma gazed and was stricken. Of him Scripture says: 'Hast thou found honey? Eat as much as is sufficient for thee, lest thou be filled therewith, and vomit it.' Aher cut the roots [that is, became a heretic]. Rabbi Akiva departed in peace." {2}

Only Rabbi Akiva was mature enough to survive the mystical way unscathed. A journey to the depths of the mind involves great personal risks because we may not be able to endure what we find there. That is why all religions have insisted that the mystical journey can only be undertaken under the guidance of an expert, who can monitor the experience, guide the novice past the perilous places and make sure that he is not exceeding his strength, like poor Ben Azzai who died and Ben Zoma, who went mad. All mystics stress the need for intelligence and mental stability. Zen masters say that it is useless for a neurotic person to seek a cure in meditation for that will only make him sicker. The strange and outlandish behaviour of some European Catholic saints who were revered as mystics must be regarded as aberrations. This cryptic story of the Talmudic sages shows that Jews had been aware of the dangers from the very beginning: later, they would not let young people become initiated into the disciplines of Kabbalah until they were fully mature. A mystic also had to be married, to ensure that he was in good sexual health.

The mystic had to journey to the Throne of God through the mythological realm of the seven heavens. Yet this was only an imaginary flight. It was never taken literally but always seen as a symbolic ascent through the mysterious regions of the mind. Rabbi Akiva's strange warning about the 'stones of pure marble' may refer to the password that the mystic had to utter at various crucial points in his imaginary journey. These images were visualised as part of an elaborate discipline. Today we know that the unconscious is a teeming mass of imagery that surfaces in dreams, in hallucinations and in aberrant psychic or neurological conditions such as epilepsy or schizophrenia. Jewish mystics did not imagine that they were 'really' flying through the sky or entering God's palace but were marshalling the religious images that filled their minds in a controlled and ordered way. This demanded great skill and a certain disposition and training. It required the same kind of concentration as the disciplines of Zen or Yoga, which also help the adept to find his way through the labyrinthine paths of the psyche. The Babylonian sage Hai Gaon (939-1038) explained the story of the four sages by means of contemporary mystical practice. The 'orchard' refers to the mystical ascent of the soul to the 'Heavenly Halls' (hekhalot) of God's palace. A man who wishes to make this imaginary, interior journey must be 'worthy' and 'blessed with certain qualities' if he wishes 'to gaze at the heavenly chariot and the halls of the angels on high'. It will not happen spontaneously. He has to perform certain exercises that are similar to those practised by Yogis and contemplatives all the world over:

"He must fast for a specified number of days, he must place his head between his knees whispering softly to himself the while certain praises of God with his face towards the ground. As a result he will gaze in the innermost recesses of his heart and it will seem as if he saw the seven halls with his own eyes, moving from hall to hall to observe that which is therein to be found." {3}

Although the earliest texts of this Throne Mysticism only date back to the second or third centuries, this kind of contemplation was probably older. Thus St Paul refers to a friend 'who belonged to the Messiah' who had been caught up to the third heaven some fourteen years earlier. Paul was not sure how to interpret this vision but believed that the man 'was caught up into paradise and heard things which must not and cannot be put into human language'. {4}

The visions are not ends in themselves but means to an ineffable religious experience that exceeds normal concepts. They will be conditioned by the particular religious tradition of the mystic. A Jewish visionary will see visions of the seven heavens because his religious imagination is stocked with these particular symbols. Buddhists see various images of Buddhas and bodhisattvas; Christians visualise the Virgin Mary. It is a mistake for the visionary to see these mental apparitions as objective or as anything more than a symbol of transcendence. Since hallucination is often a pathological state, considerable skill and mental balance is required to handle and interpret the symbols that emerge during the course of concentrated meditation and inner reflection.

One of the strangest and most controversial of these early Jewish visions is found in the Shiur Qomah (The Measurement of the Height), a fifth-century text which describes the figure that Ezekiel had seen on God's throne. The Shiur Qomah calls this being Yozrenu, the Creator. Its peculiar description of this vision of God is probably based on a passage from the Song of Songs, which was Rabbi Akiva's favourite biblical text. The Bride describes her Lover:

"My beloved is fresh and ruddy,
to be known among ten thousand.
His head is golden, purest gold,
his locks are palm fronds
and black as the raven.
His eyes are doves
at a pool of water,
bathed in milk,
at rest on a pool;
his cheeks are beds of spices,
banks sweetly scented.
His lips are lilies,
distilling pure myrrh,
His hands are golden, rounded,
set with jewels of Tarshish.
His belly a block of ivory
covered with sapphires.
His legs are alabaster columns." {5}

Some saw this as a description of God: to the consternation of generations of Jews, the Shiur Qomah proceeded to measure each one of God's limbs listed here. In this strange text, the measurements of God are baffling. The mind cannot cope. The 'parasang' - the basic unit - is equivalent to 180 billion 'fingers' and each 'finger' stretches from one end of the earth to the other. These massive dimensions boggle the mind, which gives up trying to follow them or even to conceive a figure of such size. That is the point. The Shiur is trying to tell us that it is impossible to measure God or contain him in human terms. The mere attempt to do so demonstrates the impossibility of the project and gives us a new experience of God's transcendence. Not surprisingly many Jews have found this odd attempt to measure the wholly spiritual God blasphemous. That is why an esoteric text such as the Shiur was kept hidden from the unwary. Seen in context, the Shiur Qomah would give to those adepts who were prepared to approach it in the right way, under the guidance of their spiritual director, a new insight into the transcendence of a God which exceeds all human categories. It is certainly not meant to be taken literally; it certainly conveys no secret information. It is a deliberate evocation of a mood that created a sense of wonder and awe.

The Shiur introduces us to two essential ingredients in the mystical portrait of God, which are common in all three faiths. First, it is essentially imaginative; secondly, it is ineffable. The figure described in the Shiur is the image of God whom the mystics see sitting enthroned at the end of their ascent. There is absolutely nothing tender, loving or personal about this God; indeed his holiness seems alienating. When they see him, however, the mystical heroes burst into songs which give very little information about God but which leave an immense impression:

"A quality of holiness, a quality of power, a fearful quality, a dreaded quality, a quality of awe, a quality of dismay, a quality of terror -Such is the quality of the garment of the Creator, Adonai, God of Israel, who, crowned, comes to the thone of his glory; His garment is engraved inside and outside and entirely covered with YHWH, YHWH. No eyes are able to behold it, neither the eyes of flesh and blood, nor the eyes of his servants." {6}

If we cannot imagine what Yahweh's cloak is like, how can we think to behold God himself?

Perhaps the most famous of the early Jewish mystical texts is the fifth-century Sefer Yezirah (The Book of Creation). There is no attempt to describe the creative process realistically; the account is unashamedly symbolic and shows God creating the world by means of language as though he were writing a book. But language has been entirely transformed and the message of creation is no longer clear. Each letter of the Hebrew alphabet is given a numerical value; by combining the letters with the sacred numbers, rearranging them in endless configurations, the mystic weaned his mind away from the normal connotations of words. The purpose was to bypass the intellect and remind Jews that no words or concepts could represent the reality to which the Name pointed. Again, the experience of pushing language to its limits and making it yield a non-linguistic significance, created a sense of the otherness of God. Mystics did not want a straightforward dialogue with a God whom they experienced as an overwhelming holiness rather than a sympathetic friend and father.

Throne Mysticism was not unique. The Prophet Muhammad is said to have had a very similar experience when he made his Night Journey from Arabia to the Temple Mount in Jerusalem. He had been transported in sleep by Gabriel on a celestial horse. On arrival, he was greeted by Abraham, Moses, Jesus and a crowd of other prophets who confirmed Muhammad in his own prophetic mission. Then Gabriel and Muhammad began their perilous ascent up a ladder (miraj) through the seven heavens, each one of which was presided over by a prophet. Finally he reached the divine sphere. The early sources reverently keep silent about the final vision, to which these verses in the Koran are believed to refer.

"And indeed he saw him a second time by the lote-tree of the furthest limit, near unto the garden of promise, with the lote-tree veiled in a veil of nameless splendour ...
[And withal] the eye did not waver, nor yet did it stray: truly did he see some of the most profound of his Sustainer's symbols." {7}

Muhammad did not see God himself but only symbols that pointed to the divine reality: in Hinduism the lote-tree marks the limit of rational thought. There is no way in which the vision of God can appeal to the normal experiences of thought or language. The ascent to heaven is a symbol of the furthest reach of the human spirit, which marks the threshold of ultimate meaning.

The imagery of ascent is common. St Augustine had experienced an ascent to God with his mother at Ostia, which he described in the language of Plotinus:

"Our minds were lifted up by an ardent affection towards eternal being itself. Step by step we climbed beyond all corporate objects and the heaven itself, where sun, moon and stars shed light on the earth. We ascended even further by internal reflection and dialogue and wonder at your works and entered into our own minds." {8}

Augustine's mind was filled with the Greek imagery of the great chain of being instead of the Semitic images of the seven heavens. This was not a literal journey through outer space to a God 'out there' but a mental ascent to a reality within. This rapturous flight seems something given, from without, when he says 'our minds were lifted up' as though he and Monica were passive recipients of grace, but there is a deliberation in this steady climb towards 'eternal being'. Similar imagery of ascent has also been noted in the trance experiences of Shamans 'from Siberia to Tierra del Fuego', as Joseph Campbell puts it." {9}

The symbol of an ascent indicates that worldly perceptions have been left far behind. The experience of God that is finally attained is utterly indescribable, since normal language no longer applies. The Jewish mystics describe anything but God! They tell us about his cloak, his palace, his heavenly court and the veil that shields him from human gaze, which represents the eternal archetypes. Muslims who speculated about Muhammad's flight to heaven stress the paradoxical nature of his final vision of God: he both saw and did not see the divine presence. {10} Once the mystic has worked through the realm of imagery in his mind, he reaches the point where neither concepts nor imagination can take him any further. Augustine and Monica were equally reticent about the climax of their flight, stressing its transcendence of space, time and ordinary knowledge. They 'talked and panted' for God, and 'touched it in some small degree by a moment of total concentration of heart'. {11} Then they had to return to normal speech, where a sentence has a beginning, a middle and an end:

"Therefore we said: If to anyone the tumult of the flesh has fallen silent, if the images of earth, water, and air are quiescent, if the heavens themselves are shut out and the very soul itself is making no sound and is surpassing itself by no longer thinking about itself, if all dreams and visions in the imagination are excluded, if all language and everything transitory is silent - for if anyone could hear then this is what all of diem would be saying, 'We did not make ourselves, we were made by him who abides for eternity' (Psalm 79:3,5) ... That is how it was when at that moment we extended our reach and in a flash of mental energy attained the eternal wisdom which abides beyond all things." {12}

This was no naturalistic vision of a personal God: they had not, so to speak, 'heard his voice' through any of the normal methods of naturalistic communication: through ordinary speech, the voice of an angel, through nature or the symbolism of a dream. It seemed that they had 'touched' the Reality which lay beyond all these things.' {13}

Although it is clearly culturally conditioned, this kind of 'ascent' seems an incontrovertible fact of life. However we choose to interpret it, people all over the world and in all phases of history have had this type of contemplative experience. Monotheists have called the climactic insight a 'vision of God'; Plotinus had assumed that it was the experience of the One; Buddhists would call it an intimation of nirvana. The point is that this is something that human beings who have a certain spiritual talent have always wanted to do. The mystical experience of God has certain characteristics that are common to all faiths. It is a subjective experience that involves an interior journey, not a perception of an objective fact outside the self; it is undertaken through the image-making part of the mind - often called the imagination - rather than through the more cerebral, logical faculty. Finally, it is something that the mystic creates in himself or herself deliberately: certain physical or mental exercises yield the final vision; it does not always come upon them unawares.

Augustine seems to have imagined that privileged human beings were sometimes able to see God in this life: he cited Moses and St Paul as examples. Pope Gregory the Great (540-604), who was an acknowledged master of the spiritual life as well as being a powerful pontiff, disagreed. He was not an intellectual and, as a typical Roman, had a more pragmatic view of spirituality. He used the metaphors of cloud, fog or darkness to suggest the obscurity of all human knowledge of the divine. His God remained hidden from human beings in an impenetrable darkness that was far more painful than the cloud of unknowing experienced by such Greek Christians as Gregory of Nyssa and Denys. God was a distressing experience for Gregory. He insisted that God was difficult of access. There was certainly no way we could talk about him familiarly, as though we had something in common. We knew nothing at all about God. We could make no predictions about his behaviour on the basis of our knowledge of people: 'Then only is there truth in what we know concerning God, when we are made sensible that we cannot fully know anything about him.' {14} Frequently Gregory dwells upon the pain and effort of the approach to God. The joy and peace of contemplation could only be attained for a few moments after a mighty struggle. Before tasting God's sweetness, the soul has to fight its way out of the darkness that is its natural element: It

"cannot fix its mind's eyes on that which it has with hasty glance seen within itself, because it is compelled by its own habits to sink downwards. It meanwhile pants and struggles and endeavours to go above itself but sinks back, overpowered with weariness, into its own familiar darkness.'" {15}

God could only be reached after 'a great effort of the mind', which had to wrestle with him as Jacob had wrestled with the angel. The path to God was beset with guilt, tears and exhaustion; as it approached him, 'the soul could do nothing but weep'. 'Tortured' by its desire for God, it only 'found rest in tears, being wearied out'. {16} Gregory remained an important spiritual guide until the twelfth century; clearly the West continued to find God a strain."

In the East, the Christian experience of God was characterised by light rather than darkness. The Greeks evolved a different form of mysticism, which is also found world-wide. This did not depend on imagery and vision but rested on the apophatic or silent experience described by Denys the Areopagite. They naturally eschewed all rationalistic conceptions of God. As Gregory of Nyssa had explained in his Commentary on the Song of Songs, 'every concept grasped by the mind becomes an obstacle in the quest to those who search.' The aim of the contemplative was to go beyond ideas and also beyond all images whatsoever, since these could only be a distraction. Then he would acquire 'a certain sense of presence' that was indefinable and certainly transcended all human experiences of a relationship with another person. {17} This attitude was called hesychia, 'tranquillity' or 'interior silence'. Since words, ideas and images can only tie us down in the mundane world, in the here and now, the mind must be deliberately stilled by the techniques of concentration, so that it could cultivate a waiting silence. Only then could it hope to apprehend a Reality that transcended anything that it could conceive.

How was it possible to know an incomprehensible God? The Greeks loved that kind of paradox and the hesychasts turned to the old distinction between God's essence (ousia) and his 'energies' (energeiai) or activities in the world, which enabled us to experience something of the divine. Since we could never know God as he is in himself, it was the 'energies' not the 'essence' that we experienced in prayer. They could be described as the 'rays' of divinity, which illuminated the world and were an outpouring of the divine, but as distinct from God himself as sunbeams were distinct from the sun. They manifested a God who was utterly silent and unknowable. As St Basil had said: 'It is by his energies that we know our God; we do not assent that we come near to the essence itself, for his energies descend to us but his essence remains unapproachable." {18} In the Old Testament, this divine 'energy' had been called God's 'glory' (kavod). In the New Testament, it had shone forth in the person of Christ on Mount Tabor, when his humanity had been transfigured by the divine rays. Now they penetrated the whole created universe and deified those who had been saved. As the word 'energeiai' implied, this was an active and dynamic conception of God. Where the West would see God making himself known by means of his eternal attributes - his goodness, justice, love and omnipotence - the Greeks saw God making himself accessible in a ceaseless activity in which he was somehow present.

When we experienced the 'energies' in prayer, therefore, we were in some sense communing with God directly, even though the unknowable reality itself remained in obscurity. The leading hesychast Evagrius Pontus (d-599) insisted that the 'knowledge' that we had of God in prayer had nothing whatever to do with concepts or images but was an immediate experience of the divine which transcended these. It was important, therefore, for hesychasts to strip their souls naked: 'When you are praying,' he told his monks, 'do not shape within yourself any image of the deity and do not let your mind be shaped by the impress of any form.' Instead, they should 'approach the Immaterial in an immaterial manner'. {19} Evagrius was proposing a sort of Christian Yoga. This was not a process of reflection; indeed, 'prayer means the shedding of thought'. {20} It was rather an intuitive apprehension of God. It will result in a sense of the unity of all things, a freedom from distraction and multiplicity, and the loss of ego - an experience that is clearly akin to that produced by contemplatives in non-theistic religions like Buddhism. By systematically weaning their minds away from their 'passions' - such as pride, greed, sadness or anger which tied them to the ego - hesychasts would transcend themselves and become deified like Jesus on Mount Tabor, transfigured by the divine 'energies'.

Diodochus, the fifth-century bishop of Photice, insisted that this deification was not delayed until the next world but could be experienced consciously here below. He taught a method of concentration that involved breathing: as they inhaled, hesychasts should pray: 'Jesus Christ, Son of God'; they should exhale to the words: 'have mercy upon us'.

Later hesychasts refined this exercise: contemplates should sit with head and shoulders bowed, looking towards their heart or navel. They should breathe ever more slowly in order to direct their attention inwards, to certain psychological foci like the heart. It was a rigorous discipline that must be used carefully; it could only be safely practised under an expert director. Gradually, like a Buddhist monk, the hesychast would find that he or she could set rational thoughts gently to one side, the imagery that thronged the mind would fade away and they would feel totally one with their prayer.

Greek Christians had discovered for themselves techniques that had been practised for centuries in the oriental religions. They saw prayer as a psychosomatic activity, whereas Westerners like Augustine and Gregory thought that prayer should liberate the soul from the body. Maximus the Confessor had insisted: 'The whole man should become God, deified by the grace of the God become man, becoming whole man, soul and body, by nature and becoming whole God, soul and body, by grace.' {21} The hesychast would experience this as an influx of energy and clarity that was so powerful and compelling that it could only be divine. As we have seen, the Greeks saw this 'deification' as an enlightenment that was natural to man. They found inspiration in the transfigured Christ on Mount Tabor, just as Buddhists were inspired by the image of the Buddha, who had attained the fullest realisation of humanity. The Feast of the Transfiguration is very important in the Eastern Orthodox Churches; it is called an 'epiphany', a manifestation of God. Unlike their Western brethren, the Greeks did not think that strain, dryness and desolation were an inescapable prelude to the experience of God: these were simply disorders that must be cured. Greeks had no cult of a dark night of the soul. The dominant motif was Tabor rather than Gethsemane and Calvary.

Not everybody could achieve these higher states, however, but other Christians could glimpse something of this mystical experience in the icons. In the West, religious art was becoming predominantly representational: it depicted historical events in the lives of Jesus or the saints. In Byzantium, however, the icon was not meant to re-present anything in this world but was an attempt to portray the ineffable mystical experience of the hesychasts in a visual form to inspire the non-mystics. As the British historian Peter Brown explains, 'Throughout the Eastern Christian world, icon and vision validated one another. Some deep gathering into one focal point of the collective imagination.. . ensured that by the sixth century, the supernatural had taken on the precise lineaments, in dreams and in each person's imagination, in which it was commonly portrayed in art. The icon had the validity of a realised dream.' {22} Icons were not meant to instruct the faithful or to convey information, ideas or doctrines. They were a focus of contemplation (theoria) which provided the faithful with a sort of window on the divine world.

They became so central to the Byzantine experience of God, however, that by the eighth century they had become the centre of a passionate doctrinal dispute in the Greek Church. People were beginning to ask what exactly the artist was painting when he painted Christ. It was impossible to depict his divinity but if the artist claimed that he was only painting the humanity of Jesus, was he guilty of Nestorianism, the heretical belief that Jesus's human and divine natures were quite distinct? The iconoclasts wanted to ban icons altogether but icons were defended by two leading monks: John of Damascus (656-747) of the monastery of Mar Sabbas near Bethlehem, and Theodore (759-826), of the monastery of Studios near Constantinople. They argued that the iconoclasts were wrong to forbid the depiction of Christ. Since the Incarnation, the material world and the human body had both been given a divine dimension and an artist could paint this new type of deified humanity. He was also painting an image of God, since Christ the Logos was the icon of God par excellence. God could not be contained in words or summed up in human concepts but he could be 'described' by the pen of the artist or in the symbolic gestures of the liturgy.

The piety of the Greeks was so dependent upon icons that by 820 the iconoclasts had been defeated by popular acclaim. This assertion that God was in some sense describable did not amount to an abandonment of Denys's apophatic theology, however. In his Greater Apology for the Holy Images, the monk Nicephoras claimed that icons were 'expressive of the silence of God, exhibiting in themselves the ineffability of a mystery that transcends being. Without ceasing and without speech, they praise the goodness of God in that venerable and thrice-illumined melody of theology'. {23} Instead of instructing the faithful in the dogmas of the Church and helping them to form lucid ideas about their faith, the icons held them in a sense of mystery. When describing the effect of these religious paintings, Nicephoras could only compare it to the effect of music, the most ineffable of the arts and possibly the most direct. Emotion and experience are conveyed by music in a way that bypasses words and concepts. In the nineteenth century, Walter Pater would assert that all art aspired to the condition of music; in ninth-century Byzantium, Greek Christians saw theology as aspiring to the condition of iconography. They found that God was better expressed in a work of art than in rationalistic discourse. After the intensely wordy Christological debates of the fourth and fifth centuries, they were evolving a portrait of God that depended upon the imaginative experience of Christians.

This was definitively expressed by Symeon (949-1022), Abbot of the small monastery of St Macras in Constantinople, who became known as the 'New Theologian'. This new type of theology made no attempt to define God. This, Symeon insisted, would be presumptuous; indeed, to speak about God in any way at all implied that 'that which is incomprehensible is comprehensible'. {24} Instead of arguing rationally about God's nature, the 'new' theology relied on direct, personal religious experience. It was impossible to know God in conceptual terms, as though he were just an-other being about which we could form ideas. God was a mystery. A true Christian was one who had a conscious experience of the God who had revealed himself in the transfigured humanity of Christ. Symeon had himself been converted from a worldly life to contemplation by an experience that seemed to come to him out of the blue. At first he had had no idea what was happening, but gradually he became aware that he was being transformed and, as it were, absorbed into a light that was of God himself. This was not light as we know it, of course; it was beyond 'form, image or representation and could only be experienced intuitively, through prayer'. {25} But this was not an experience for the elite or for monks only; the kingdom announced by Christ in the Gospels was a union with God that everybody could experience here and now, without having to wait until the next life.

For Symeon, therefore, God was known and unknown, near and far. Instead of attempting the impossible task of describing 'ineffable matters by words alone', {26} he urged his monks to concentrate on what could be experienced as a transfiguring reality in their own souls. As God had said to Symeon during one of his visions: 'Yes, I am God, the one who became man for your sake. And behold, I have created you, as you see, and I shall make you God.' {27} God was not an external, objective fact but an essentially subjective and personal enlightenment. Yet Symeon's refusal to speak about God did not lead him to break with the theological insights of the past. The 'new' theology was based firmly on the teachings of the Fathers of the Church. In his Hymns of Divine Love, Symeon expressed the old Greek doctrine of the deification of humanity, as described by Athanasius and Maximus:

"O Light that none can name, for it is altogether nameless. 
O Light with many names, for it is at work in all things ... 
How do you mingle yourself with grass? 
How, while continuing unchanged, altogether inaccessible, 
do you preserve the nature of the grass unconsumed?"  {28}

It was useless to define the God who affected this transformation, since he was beyond speech and description. Yet as an experience that fulfilled and transfigured humanity without violating its integrity, 'God' was an incontrovertible reality. The Greeks had developed ideas about God - such as the Trinity and the Incarnation - that separated them from other monotheists, yet the actual experience of their mystics had much in common with those of Muslims and Jews.

Even though the Prophet Muhammad had been primarily concerned with the establishment of a just society, he and some of his closest companions had been mystically inclined and the Muslims had quickly developed their own distinctive mystical tradition. During the eighth and ninth centuries, an ascetical form of Islam had developed alongside the other sects; the ascetics were as concerned as the Mutazilis and the Shiis about the wealth of the court and the apparent abandonment of the austerity of the early ummah. They attempted to return to the simpler life of the first Muslims in Medina, dressing in the coarse garments made of wool (Arabic SWF) that were supposed to have been favoured by the Prophet. Consequently, they were known as Sufis. Social justice remained crucial to their piety, as Louis Massignon, the late French scholar, has explained:

"The mystic call is as a rule the result of an inner rebellion of the conscience against social injustices, not only those of others but primarily and particularly against one's own faults with a desire intensified by inner purification to find God at any price." {29}

At first Sufis had much in common with the other sects. Thus the great Mutazili rationalist Wasil ibn Ala (d.748) had been a disciple of Hasan al-Basri (d. 728), the ascetic of Medina who was later revered as one of the fathers of Sufism.

The ulema were beginning to distinguish Islam sharply from other religions, seeing it as the one, true faith but Sufis by and large remained true to the Koranic vision of the unity of all rightly-guided religion. Jesus, for example, was revered by many Sufis as the prophet of the interior life. Some even amended the Shahadah, the profession of faith, to say: 'There is no god but al-Lah and Jesus is his Messenger', which was technically correct but intentionally provocative. Where the Koran speaks of a God of justice who inspires fear and awe, the early woman ascetic Rabiah (d. 801) spoke of love, in a way that Christians would have found familiar:

"Two ways I love Thee: selfishly, 
And next, as worthy is of Thee. 
'Tis selfish love that I do naught 
Save think on Thee with every thought. 
'Tis purest love when Thou dost raise 
The veil to my adoring gaze. 
Not mine the praise in that or this: 
Thine is the praise in both, I wis." {30}

This is close to her famous prayer: 'O God! If I worship thee in fear of Hell, burn me in Hell; and if I worship Thee in hope of Paradise, exclude me from Paradise; but if I worship Thee for Thine own sake, withhold not Thine Everlasting Beauty!' {31} The love of God became the hallmark of Sufism. Sufis may well have been influenced by the Christian ascetics of the Near East but Muhammad remained a crucial influence. They hoped to have an experience of God that was similar to that of Muhammad when he had received his revelations. Naturally, they were also inspired by his mystical ascent to heaven, which became the paradigm of their own experience of God.

They also evolved the techniques and disciplines that have helped mystics all over the world to achieve an alternative state of consciousness. Sufis added the practices of fasting, night vigils and chanting the Divine Names as a mantra to the basic requirements of Muslim law. The effect of these practices sometimes resulted in behaviour which seemed bizarre and unrestrained and such mystics were known as 'drunken' Sufis. The first of these was Abu Yazid Bistami (d.874) who, like Rabiah, approached God as a lover. He believed that he should strive to please al-Lah as he would a woman in a human love affair, sacrificing his own needs and desires so as to become one with the Beloved. Yet the introspective disciplines he adopted to achieve this led him beyond this personalised conception of God. As he approached the core of his identity, he felt that nothing stood between God and himself; indeed, everything that he understood as 'self seemed to have melted away:

"I gazed upon [al-Lah] with the eye of truth and said to Him: 'Who is this?' He said, 'This is neither I nor other than I. There is no God but I.' Then he changed me out of my identity into His Selfhood ... Then I communed with Him with the tongue of His Face, saying: 'How fares it with me with Thee?' He said, 'I am through Thee; there is no god but Thou.'" {32}

Yet again, this was no external deity 'out there', alien to mankind: God was discovered to be mysteriously identified with the inmost self. The systematic destruction of the ego led to a sense of absorption in a larger, ineffable reality. This state of annihilation ('fana) became central to the Sufi ideal. Bistami had completely reinterpreted the Shahadah in a way that could have been construed as blasphemous, had it not been recognised by so many other Muslims as an authentic experience of that Islam commanded by the Koran.

Other mystics, known as the 'sober' Sufis, preferred a less extravagant spirituality. Al-Junayd of Baghdad (d. 910), who mapped out the ground plan of all future Islamic mysticism, believed that al-Bistami's extremism could be dangerous. He taught that 'fana (annihilation) must be succeeded by baqa (revival), a return to an enhanced self. Union with God should not destroy our natural capabilities but fulfil them: a Sufi who had ripped away obscuring egotism to discover the divine presence at the heart of his own being would experience greater self-realisation and self-control. He would become more fully human. When they experienced 'fana and baqa, therefore, Sufis had achieved a state that a Greek Christian would call 'deification'. Al-Junayd saw the whole Sufi quest as a return to man's primordial state on the day of creation: he was returning to the ideal humanity that God had intended. He was also returning to the Source of his being. The experience of separation and alienation was as central to the Sufi as to the Platonic or Gnostic experience; it is, perhaps not dissimilar to the 'separation' of which Freudians and Kleinians speak today, although the psychoanalysts attribute this to a non-theistic source. By means of disciplined, careful work under the expert guidance of a Sufi master (pir) like himself, al-Junayd taught that a Muslim could be reunited with his Creator and achieve that original sense of God's immediate presence that he had experienced when, as the Koran says, he had been drawn from Adam's loins. It would be the end of separation and sadness, a reunion with a deeper self that was also the self he or she was meant to be. God was not a separate, external reality and judge but somehow one with the ground of each person's being:

"Now I have known, O Lord, 
What lies within my heart; 
In secret, from the world apart, 
My tongue hath talked with my Adored.
So in a manner we 
United are, and One;
Yet otherwise disunion 
is our estate eternally.
Though from my gaze profound
Deep awe hath hid Thy Face, 
In wondrous and ecstatic Grace 
I feel Thee touch my inmost ground." {33}

The emphasis on unity harks back to the Koranic ideal of tawhid: by drawing together his dissipated self, the mystic would experience the divine presence in personal integration.

Al-Junayd was acutely aware of the dangers of mysticism. It would be easy for untrained people, who did not have the benefit of the advice of a pir and the rigorous Sufi training, to misunderstand the ecstasy of a mystic and get a very simplistic idea of what he meant when he said that he was one with God. Extravagant claims like those of al-Bistami would certainly arouse the ire of the establishment. At this early stage, Sufism was very much a minority movement and the ulema often regarded it as an inauthentic innovation. Junayd's famous pupil Husain ibn Mansur (usually known as al-Hallaj, the Wool-Carder) threw all caution to the winds, however, and became a martyr for his mystical faith. Roaming the Iraq, preaching the overthrow of the caliphate and the establishment of a new social order, he was imprisoned by the authorities and crucified like his hero, Jesus. In his ecstasy, al-Hallaj had cried aloud: 'I am the Truth!' According to the Gospels, Jesus had made the same claim, when he had said that he was the Way, the Truth and the Life. The Koran repeatedly condemned the Christian belief in God's incarnation in Christ as blasphemous, so it was not surprising that Muslims were horrified by al-Hallaj's ecstatic cry. Al-Haqq (the Truth) was one of the names of God and it was idolatry for any mere mortal to claim this tide for himself. Al-Hallaj had been expressing his sense of a union with God that was so close that it felt like identity. As he said in one of his poems:

"I am He whom I love, and He whom I love is I:
We are two spirits dwelling in one body.
If thou seest me, thou seest Him,
And if thou seest Him, thou seest us both." {34}

It was a daring expression of that annihilation of self and union with God that his master al-Junayd had called 'fana. Al-Hallaj refused to recant when accused of blasphemy and died a saintly death.

"When he was brought to be crucified and saw the cross and the nails, he turned to the people and uttered a prayer, ending with the words: 'And these Thy servants who are gathered to slay me, in zeal for Thy religion and in desire to win Thy favours, forgive them, O Lord, and have mercy upon them; for verily if Thou hadst revealed to them that which Thou hast revealed to me, they would not have done what they have done; and if Thou hadst hidden from me that which Thou hast hidden from them, I should not have suffered this tribulation. Glory unto Thee in whatsoever Thou doest, and glory unto Thee in whatsoever Thou wiliest." {35}

Al-Hallaj's cry ana al-Haqq: 'I am the Truth!' shows that the God of the mystics is not an objective reality but profoundly subjective. Later al-Ghazzali argued that he had not been blasphemous but only unwise in proclaiming an esoteric truth that could be misleading to the uninitiated. Because there is no reality but al-Lah - as the Shahadah maintains - all men are essentially divine. The Koran taught that God had created Adam in his own image so that he could contemplate himself as in a mirror. {36} That is why he ordered the angels to bow down and worship the first man. The mistake of the Christians had been to assume that one man had contained the whole incarnation of the divine, Sufis would argue. A mystic who had regained his original vision of God had rediscovered the divine image within himself, as it had appeared on the day of creation. The Sacred Tradition (hadith qudsi) beloved by the Sufis shows God drawing a Muslim towards him so closely that he seems to have become incarnate in each one of his servants: 'When I love him, I become his Ear through which he hears, his Eye with which he sees, his Hand with which he grasps, and his Foot with which he walks.'

The story of al-Hallaj shows the deep antagonism that can exist between the mystic and the religious establishment who have different notions of God and revelation. For the mystic the revelation is an event that happens within his own soul, while for more conventional people like some of the ulema it is an event that is firmly fixed in the past. We have seen, however, that during the eleventh century, Muslim philosophers such as Ibn Sina and al-Ghazzali himself had found that objective accounts of God were unsatisfactory and had turned towards mysticism. Al-Ghazzali had made Sufism acceptable to the establishment and had shown that it was the most authentic form of Muslim spirituality.

During the twelfth century the Iranian philosopher Yahya Suhrawardi and the Spanish-born Muid ad-Din ibn al-Arabi linked Islamic Falsafah indissolubly with mysticism and made the God experienced by the Sufis normative in many parts of the Islamic empire. Like al-Hallaj, however, Suhrawardi was also put to death by the ulema in Aleppo in 1191, for reasons that remain obscure. He had made it his life's work to link what he called the original 'Oriental' religion with Islam, thus completing the project that Ibn Sina had proposed. He claimed that all the sages of the ancient world had preached a single doctrine. Originally it had been revealed to Hermes (whom Suhrawardi identified with the prophet known as Idris in the Koran or Enoch in the Bible); in the Greek world it had been transmitted through Plato and Pythagoras and in the Middle East through the Zoroastrian Magi.

Since Aristotle, however, it had been obscured by a more narrowly intellectual and cerebral philosophy but it had been secretly passed from one sage to another until it had finally reached Suhrawardi himself via al-Bistami and al-Hallaj. This perennial philosophy was mystical and imaginative but did not involve the abandonment of reason. Suhrawardi was as intellectually rigorous as al-Farabi but he also insisted on the importance of intuition in the approach to truth. As the Koran had taught, all truth came from God and should be sought wherever it could be found. It could be found in paganism and Zoroastrianism as well as in the monotheistic tradition. Unlike dogmatic religion, which lends itself to sectarian disputes, mysticism often claims that there are as many roads to God as people. Sufism in particular would evolve an outstanding appreciation of the faith of others.

Suhrawardi is often called the Sheikh al-Ishraq or the Master of Illumination. Like the Greeks, he experienced God in terms of light. In Arabic, ishraq refers to the first light of dawn that issues from the East as well as to enlightenment: the Orient, therefore, is not the geographical location but the source of light and energy. In Suhrawardi's Oriental faith, therefore, human beings dimly remember their Origin, feeling uneasy in this world of shadow, and long to return to their first abode. Suhrawardi claimed that his philosophy would help Muslims to find their true orientation, to purify the eternal wisdom within them by means of the imagination.

Suhrawardi's immensely complex system was an attempt to link all the religious insights of the world into a spiritual religion. Truth must be sought wherever it could be found. Consequently his philosophy linked the pre-Islamic Iranian cosmology with the Ptolemaic planetary system and the Neoplatonic scheme of emanation. Yet no other Faylasuf had ever quoted so extensively from the Koran. When he discussed cosmology, Suhrawardi was not primarily interested in accounting for the physical origins of the universe. In his master work The Wisdom of Illumination (Hiqmat al-Ishraq), Suhrawardi began by considering problems of physics and natural science but this was only a prelude to the mystical part of his work. Like Ibn Sina, he had grown dissatisfied with the wholly rational and objective orientation of Falsafah, though he did believe that rational and metaphysical speculation had their place in the perception of total reality. The true sage, in his opinion, excelled in both philosophy and mysticism. There was always such a sage in the world. In a theory that was very close to Shii Imamology, Suhrawardi believed that this spiritual leader was the true pole (qutb) without whose presence the world could not continue to exist, even if he remained in obscurity. Suhrawardi's Ishraqi mysticism is still practised in Iran. It is an esoteric system not because it is exclusive but because it requires spiritual and imaginative training of the sort undergone by Ismailis and Sufis.

The Greeks, perhaps, would have said that Suhrawardi's system was dogmatic rather than kerygmatic. He was attempting to discover the imaginative core that lay at the heart of all religion and philosophy and, though he insisted that reason was not enough, he never denied its right to probe the deepest mysteries. Truth had to be sought in scientific rationalism as well as esoteric mysticism; sensibility must be educated and informed by the critical intelligence.

As its name suggests, the core of Ishraqi philosophy was the symbol of light, which was seen as the perfect synonym for God. It was (at least in the twelfth century!) immaterial and indefinable yet was also the most obvious fact of life in the world: totally self-evident, it required no definition but was perceived by everybody as the element that made life possible. It was all-pervasive: whatever luminosity belonged to material bodies came directly from light, a source outside themselves. In Suhrawardi's emanationist cosmology, the Light of Lights corresponded to the Necessary Being of the Faylasufs, which was utterly simple. It generated a succession of lesser lights in a descending hierarchy; each light, recognising its dependency on the Light of Lights, developed a shadow-self that was the source of a material realm, which corresponded to one of the Ptolemaic spheres. This was a metaphor of the human predicament. There was a similar combination of light and darkness within each one of us: the light or soul was conferred upon the embryo by the Holy Spirit (also known, as in Ibn Sina's scheme, as the Angel Gabriel, the light of our world). The soul longs to be united with the higher world of Lights and, if it is properly instructed by the qutb saint of the time or by one of his disciples, can even catch a glimpse of this here below.

Suhrawardi described his own enlightenment in the Hiqmat. He had been obsessed with the epistemological problem of knowledge but could make no headway: his book-learning had nothing to say to him. Then he had a vision of the Imam, the qutb, the healer of souls:

"Suddenly I was wrapped in gentleness; there was a blinding flash, then a diaphanous light in the likeness of a human being. I watched attentively and there he was ... He came towards me, greeting me so kindly that my bewilderment faded and my alarm gave way to a feeling of familiarity. And then I began to complain to him of the trouble I had with this problem of knowledge.
'Awaken to yourself,' he said to me, 'and your problem will be solved.'"{37}

The process of awakening or illumination was clearly very different from the wrenching, violent inspiration of prophecy. It had more in common with the tranquil enlightenment of the Buddha: mysticism was introducing a calmer spirituality into the religions of God. Instead of a collision with a Reality without, illumination would come from within the mystic himself. There was no imparting of facts. Instead, the exercise of the human imagination would enable people to return to God by introducing them to the alam al-mithal, the world of pure images.

Suhrawardi drew upon the ancient Iranian belief in an archetypal world by which every person and object in the getik (the mundane, physical world) had its exact counterpart in the menok (the heavenly realm). Mysticism would revive the old mythology that the God-religions had ostensibly abandoned. The menok, which in Suhra-wardi's scheme became the alam al-mithal, was now an intermediate realm that existed between our world and God's. This could not be perceived by means of reason nor by the senses. It was the faculty of the creative imagination which enabled us to discover the realm of hidden archetypes, just as the symbolic interpretation of the Koran revealed its true spiritual meaning. The alam al-mithal was close to the Ismaili perception of the spiritual history of Islam which was the real meaning of the earthly events or Ibn Sina's angelology, which we discussed in the last chapter. It would be crucial to all future mystics of Islam as a way of interpreting their experiences and visions. Suhrawardi was examining the visions that are so strikingly similar, whether they are seen by shamans, mystics or ecstatics, in many different cultures. There has recently been much interest in this phenomenon. Jung's conception of the collective unconscious is a more scientific attempt to examine this common imaginative experience of humanity. Other scholars, such as the Rumanian-American philosopher of religion Mircea Eliade, have attempted to show how the epics of ancient poets and certain kinds of fairy tales derive from ecstatic journeys and mystical flights. {38}

Suhrawardi insisted that the visions of mystics and the symbols of Scripture - such as Heaven, Hell, or the Last Judgement-were as real as the phenomena we experience in this world but not in the same way. They could not be empirically proven but could only be discerned by the trained imaginative faculty, which enabled visionaries to see the spiritual dimension of earthly phenomena. This experience was nonsensical to anybody who had not had the requisite training, just as the Buddhist enlightenment could only be experienced when the necessary moral and mental exercises had been undertaken. All our thoughts, ideas, desires, dreams and visions corresponded to realities in the alam al-mithal. The Prophet Muhammad, for example, had awakened to this intermediate world during the Night Vision, which had taken him to the threshold of the divine world. Suhrawardi would also have claimed that the visions of the Jewish Throne Mystics took place when they had learned to enter the alam al-mithal during their spiritual exercises of concentration. The path to God, therefore, did not lie solely through reason, as the Faylasufs had thought, but through the creative imagination, the realm of the mystic.

Today many people in the West would be dismayed if a leading theologian suggested that God was in some profound sense a product of the imagination. Yet it should be obvious that the imagination is the chief religious faculty. It has been defined by Jean-Paul Sartre as the ability to think of what is not. {39} Human beings are the only animals who have the capacity to envisage something that is not present or something that does not yet exist but which is merely possible. The imagination has thus been the cause of our major achievements in science and technology as well as in art and religion. The idea of God, however it is defined, is perhaps the prime example of an absent reality which, despite its inbuilt problems, has continued to inspire men and women for thousands of years. The only way we can conceive of God, who remains imperceptible to the senses and to logical proof, is by means of symbols, which it is the chief function of the imaginative mind to interpret. Suhrawardi was attempting an imaginative explanation of those symbols that have had a crucial influence on human life, even though the realities to which they refer remain elusive.

A symbol can be defined as an object or a notion that we can perceive with our senses or grasp with our minds but in which we see something other than itself. Reason alone will not enable us to perceive the special, the universal or the eternal in a particular, temporal object. That is the task of the creative imagination, to which mystics, like artists, attribute their insights. As in art, the most effective religious symbols are those informed by an intelligent knowledge and understanding of the human condition. Suhrawardi, who wrote in extraordinarily beautiful Arabic and was a highly skilled metaphysician, was a creative artist as well as a mystic. Yoking apparently unrelated things together - science with mysticism, pagan philosophy with monotheistic religion - he was able to help Muslims create their own symbols and find new meaning and significance in life.

Even more influential than Suhrawardi was Muid ad-Din ibn al-Arabi (i 165-1240), whose life we can, perhaps, see as a symbol of the parting of the ways between East and West. His father was a friend of Ibn Rushd, who was very impressed by the piety of the young boy on the one occasion that they met. During a severe illness, Ibn al-Arabi was converted to Sufism, however, and at the age of thirty he left Europe for the Middle East. He made the hajj and spent two years praying and meditating at the Kabah but eventually settled at Malatya on the Euphrates. Frequently called Sheikh al-Akbah, the Great Master, he profoundly affected the Muslim conception of God but his thought did not influence the West, which imagined that Islamic philosophy had ended with Ibn Rushd. Western Christendom would embrace Ibn Rushd's Aristotelian God, while most of Islamdom opted, until relatively recently, for the imaginative God of the Mystics.

In 1201, while making the circumambulations around the Kabah, Ibn al-Arabi had a vision which had a profound and lasting effect upon him: he had seen a young girl, named Nizam, surrounded by a heavenly aura and he realised that she was an incarnation of Sophia, the divine Wisdom. This epiphany made him realise that it would be impossible for us to love God if we relied only on the rational arguments of philosophy. Falsafah emphasised the utter transcendence of al-Lah and reminded us that nothing could resemble him. How could we love such an alien Being? Yet we can love the God we see in his creatures: 'If you love a being for his beauty, you love none other than God, for he is the Beautiful Being,' he explained in the Futuhat al-Makkiyah (The Meccan Revelations). 'Thus in all its aspects, the object of love is God alone.' {40} The Shahadah reminded us that there was no god, no absolute reality but al-Lah. Consequently, there was no beauty apart from him. We cannot see God himself but we can see him as he has chosen to reveal himself in such creatures as Nizam, who inspire love in our hearts. Indeed, the mystic had a duty to create his own epiphanies for himself in order to see a girl like Nizam as she really was. Love was essentially a yearning for something that remains absent; that is why so much of our human love remains disappointing. Nizam had become 'the object of my Quest and my hope, the Virgin Most Pure'. As he explained in the prelude to The Diwan, a collection of love poems:

"In the verses I have composed for the present book, I never cease to allude to the divine inspirations, the spiritual visitations, the correspondences [of our world] with the world of Angelic Intelligences. In this I conformed to my usual manner of thinking in symbols; this because the things of the invisible world attract me more than those of actual life and because this young girl knew exactly what I was referring to." {41}

The creative imagination had transformed Nizam into an avatar of God.

Some eighty years later, the young Dante Alighieri had a similar experience in Florence when he saw Beatrice Portinari. As soon as he caught sight of her, he felt his spirit tremble violently and seemed to hear it cry: 'Behold a god more powerful than I who comes to rule over me.' From that moment, Dante was ruled by his love of Beatrice, which acquired a mastery 'owing to the power which my imagination gave him'. {42} Beatrice remained the image of divine love for Dante and in The Divine Comedy, he shows how this brought him, through an imaginary journey through hell, purgatory and heaven, to a vision of God. Dante's poem had been inspired by Muslim accounts of Muhammad's ascent to heaven; certainly his view of the creative imagination was similar to that of Ibn al-Arabi. Dante argued that it was not true that imaginative simply combined images derived from perception of the mundane world, as Aristotle had maintained; it was in part an inspiration from God:

"O fantasy (imaginativa), that reav'st us oft away 
So from ourselves that we remain distraught, 
Deaf though a thousand trumpets round us bray.
What moves thee when the senses show thee naught? 
Light moves thee, formed in Heaven, by will maybe 
Of Him who sends it down, or else self-wrought." {43}

Throughout the poem, Dante gradually purges the narrative of sensuous and visual imagery. The vividly physical descriptions of Hell give way to the difficult, emotional climb up Mount Purgatory to the earthly paradise, where Beatrice upbraids him for seeing her physical being as an end in itself: instead, he should have seen her as a symbol or an avatar that pointed him away from the world to God. There are scarcely any physical descriptions in Paradise; even the blessed souls are elusive, reminding us that no human personality can become the final object of human yearning. Finally, the cool intellectual imagery expresses the utter transcendence of God, who is beyond all imagination. Dante has been accused of painting a cold portrait of God in the Paradiso but the abstraction reminds us that ultimately we know nothing at all about him.

Ibn al-Arabi was also convinced that the imagination was a God-given faculty. When a mystic created an epiphany for himself, he was bringing to birth here below a reality that existed more perfectly in the realm of archetypes. When we saw the divine in other people, we were making an imaginative effort to uncover the true reality: 'God made the creatures like veils,' he explained, 'He who knows them as such is led back to Him, but he who takes them as real is barred from His presence.' {44} Thus - as seemed to be the way of Sufism - what started as a highly personalised spirituality, centering on a human being, led Ibn al-Arabi to a transpersonal conception of God. The image of the female remained important to him: he believed that women were the most potent incarnations of Sophia, the Divine Wisdom, because they inspired a love in men that was ultimately directed towards God. Admittedly, this is a very male view, but it was an attempt to bring a female dimension to the religion of a God who was often conceived as wholly masculine.

Ibn al-Arabi did not believe that the God he knew had an objective existence. Even though he was a skilled metaphysician, he did not believe that God's existence could be proved by logic. He liked to call himself a disciple of Khidr, a name given to the mysterious figure who appears in the Koran as the spiritual director of Moses, who brought the external Law to the Israelites. God had given Khidr a special knowledge of himself so Moses begs him for instruction, but Khidr tells him that he will not be able to put up with this, since it lies outside his own religious experience. {45} It was no good trying to understand religious 'information' that we had not experienced ourselves. The name Khidr seems to have meant 'the Green One', indicating that his wisdom was ever fresh and eternally renewable. Even a prophet of Moses's stature cannot necessarily comprehend esoteric forms of religion, for, in the Koran, he finds that indeed he cannot put up with Khidr's method of instruction. The meaning of this strange episode seems to suggest that the external trappings of a religion do not always correspond to its spiritual or mystical element. People, such as the ulema, might be unable to understand the Islam of a Sufi like Ibn al-Arabi. Muslim tradition makes Khidr the master of all who seek a mystic truth, which is inherently superior to and quite different from the literal, external forms. He does not lead his disciple to a perception of a God which is the same as everybody else's but to a God who is in the deepest sense of the word subjective.

Khidr was also important to the Ismailis. Despite the fact that Ibn al-Arabi was a Sunni, his teachings were very close to Ismailism and were subsequently incorporated into their theology - yet another instance of mystical religion being able to transcend sectarian divisions. Like the Ismailis, Ibn al-Arabi stressed the pathos of God, which was in sharp contrast to the apatheia of the God of the philosophers. The God of the mystics yearned to be known by his creatures. The Ismailis believed that the noun llah (god) sprang from the Arabic root WLH: to be sad, to sigh for. {46} As the Sacred Hadith had made God say: 'I was a hidden treasure and I yearned to be known. Then I created creatures in order to be known by them.' There is no rational proof of God's sadness; we know it only by our own longing for something to fulfil our deepest desires and to explain the tragedy and pain of life. Since we are created in God's image, we must reflect God, the supreme archetype. Our yearning for the reality that we call 'God' must, therefore, mirror a sympathy with the pathos of God. Ibn al-Arabi imagined the solitary God sighing with longing but this sigh (nafas rahmani) was not an expression of maudlin self-pity. It had an active, creative force which brought the whole of our cosmos into existence; it also exhaled human beings, who became logoi, words that express God to himself. It follows that each human being is a unique epiphany of the Hidden God, manifesting him in a particular and unrepeatable manner.

Each one of these divine logoi are the names that God has called himself, making himself totally present in each one of his epiphanies. God cannot be summed up in one human expression since the divine reality is inexhaustible. It also follows that the revelation that God has made in each one of us is unique, different from the God known by the other innumerable men and women who are also his logoi. We will only know our own 'God' since we cannot experience him objectively; it is impossible to know him in the same way as other people. As Ibn al-Arabi says: 'Each being has as his god only his particular Lord; he cannot possibly have the whole.' He liked to quote the hadith: 'Meditate upon God's blessings, but not upon his essence (al-Dhat}.'* {1} The whole reality of God is unknowable; we must concentrate on the particular Word spoken in our own being. Ibn al-Arabi also liked to call God al-Ama, 'the Cloud' or 'The Blindness' {48} to emphasise his inaccessibility. But these human logoi also reveal the Hidden God to himself. It is a two-way process: God sighs to become known and is delivered from his solitude by the people in whom he reveals himself. The sorrow of the Unknown God is assuaged by the Revealed God in each human being who makes him known to himself; it is also true that the Revealed God in every individual yearns to return to its source with a divine nostalgia that inspires our own longing.

Divinity and humanity were thus two aspects of the divine life that animates the entire cosmos. This insight was not dissimilar to the Greek understanding of the incarnation of God in Jesus but Ibn al-Arabi could not accept the idea that one single human being, however holy, could express the infinite reality of God. Instead he believed that each human person was a unique avatar of the divine. Yet he did develop the symbol of the Perfect Man (insan i-kamil) who embodied the mystery of the Revealed God in each generation for the benefit of his contemporaries, though he did not, of course, incarnate the whole reality of God or his hidden essence. The Prophet Muhammad had been the Perfect Man of his generation and a particularly effective symbol of the divine.

This introspective, imaginative mysticism was a search for the ground of being in the depths of the self. It deprived the mystic of the certainties that characterise the more dogmatic forms of religion. Since each man and woman had had a unique experience of God, it followed that no one religion could express the whole of the divine mystery. There was no objective truth about God to which all must subscribe; since this God transcended the category of personality, predictions about his behaviour and inclinations were impossible. Any consequent chauvinism about one's own faith at the expense of other people's was obviously unacceptable, since no one religion had the whole truth about God. Ibn al-Arabi developed the positive attitude towards other religions which could be found in the Koran and took it to a new extreme of tolerance:

"My heart is capable of every form.
A cloister for the monk, a fane for idols,
A pasture for gazelles, the votary's Kabah
The tables of the Torah, the Koran.
Love is the faith I hold: wherever turn
His camels, still the one true faith is mine." {49}

The man of God was equally at home in synagogue, temple, church and mosque, since all provided a valid apprehension of God. He often used the phrase 'the God created by the faiths' (Khalq al-haqq fi'l-itiqad); it could be pejorative if it referred to the 'god' that men and women created in a particular religion and considered identical with God himself. This only bred intolerance and fanaticism. Instead of such idolatry, Ibn al-Arabi gave this advice:

"Do not attach yourself to any particular creed exclusively, so that you may disbelieve all the rest; otherwise you will lose much good, nay, you will fail to recognise the real truth of the matter. God, the omnipresent and omnipotent, is not limited by any one creed, for, he says, 'Wheresoever ye turn, there is the face of al-Lah' (Koran 2:109). Everyone praises what he believes; his god is his own creature, and in praising it he praises himself. Consequently he blames the beliefs of others, which he would not do if he were just, but his dislike is based on ignorance." {50}

We never see any god but the personal Name that has been revealed and given concrete existence in each one of us; inevitably our understanding of our personal Lord is coloured by the religious tradition into which we were born. But the mystic (arif) knows that this 'God' of ours is simply an 'angel' or a particular symbol of the divine, which must never be confused with the Hidden Reality itself. Consequently he sees all the different religions as valid theophanies. Where the God of the more dogmatic religions divides humanity into warring camps, the God of the mystics is a unifying force.

It is true that Ibn al-Arabi's teachings were too abstruse for the vast majority of Muslims but they did percolate down to the more ordinary people. During the twelfth and thirteenth centuries, Sufism ceased to be a minority movement and became the dominant Islamic mood in many parts of the Muslim empire. This was the period when the various Sufi orders or tariqas were founded, each with its particular interpretation of the mystical faith. The Sufi sheikh had a great influence on the populace and was often revered as a saint in rather the same way as the Shii Imams. It was a period of political upheaval: the Baghdad caliphate was disintegrating and the Mongol hordes were devastating one Muslim city after another. People wanted a God who was more immediate and sympathetic than the remote God of the Faylasufs and the legalistic God of the ulema. The Sufi practices of dhikr, the recitation of the Divine Names as a mantra to induce ecstasy, spread beyond the tariqas. The Sufi disciplines of concentration, with their carefully prescribed techniques of breathing and posture, helped people to experience a sense of transcendent presence within. Not everybody was capable of the higher mystical states, but these spiritual exercises did help people to abandon simplistic and anthropomorphic notions of God and to experience him as a presence within the self. Some orders used music and dancing to enhance concentration and their pirs became heroes to the people.

The most famous of the Sufi orders was the Mawlawiyyah, whose members are known in the West as the 'whirling dervishes'. Their stately and dignified dance was a method of concentration. As he spun round and round, the Sufi felt the boundaries of selfhood dissolve as he melted into his dance, giving him a foretaste of the annihilation of 'fana. The founder of the order was Jalal ad-Din Rumi (1207-73), known to his disciples as Mawlana, our Master. He had been born in Khurusan in Central Asia but had fled to Konya in modern Turkey before the advancing Mongol armies. His mysticism can be seen as a Muslim response to this scourge, which might have caused many to lose faith in al-Lah. Rumi's ideas are similar to those of his contemporary Ibn al-Arabi, but his poem - the Masnawi - known as the Sufi Bible, had a more popular appeal and helped to disseminate the God of the mystics among ordinary Muslims who were not Sufis. In 1244 Rumi had come under the spell of the wandering dervish Shams ad-Din, whom he saw as the Perfect Man of his generation. Indeed, Shams ad-Din believed that he was a reincarnation of the Prophet and insisted upon being addressed as 'Muhammad'. He had a dubious reputation and was known not to observe the Shariah, the Holy Law of Islam, thinking himself above such trivialities. Rumi's disciples were understandably worried by their Master's evident infatuation. When Shams was killed in a riot, Rumi was inconsolable and devoted still more time to mystical music and dancing. He was able to transform his grief imaginatively into a symbol of the love of God - of God's yearning for humanity and humanity's longing for al-Lah. Whether they realised it or not, everybody was searching for the absent God, obscurely aware that he or she was separated from the Source of being.

"Listen to the reed, how it tells a tale, complaining of separateness. Ever since I was parted from the reed-bed, my lament has caused men and women to moan. I want a bosom torn by severance, that I may unfold [to such a person] the power of love-desire: everyone who is left far from his source wishes back the time when he was united to it." {51}

The Perfect Man was believed to inspire more ordinary mortals to seek God: Shams ad-Din had unlocked in Rumi the poetry of the Masnawi, which recounted the agonies of this separation.

Like other Sufis, Rumi saw the universe as a theophany of God's myriad Names. Some of these revealed God's wrath or severity, while others expressed those qualities of mercy which were intrinsic to the divine nature. The mystic was engaged in a ceaseless struggle (jihad) to distinguish the compassion, love and beauty of God in all things and to strip away everything else. The Masnawi challenged the Muslim to find the transcendent dimension in human life and to see through appearances to the hidden reality within. It is the ego which blinds us to the inner mystery of all things but once we have got beyond that we are not isolated, separate beings but one with the Ground of all existence. Again, Rumi emphasised that God could only be a subjective experience. He tells the humorous tale of Moses and the Shepherd to illustrate the respect we must show to other people's conception of the divine. One day Moses overheard a shepherd talking familiarly to God: he wanted to help God, wherever he was - to wash his clothes, pick the lice off, kiss his hands and feet at bedtime. 'All I can say, remembering You', the prayer concluded, 'is ayyyy and ahhhhhhhh.' Moses was horrified. Who on earth did the shepherd imagine he was talking to? The Creator of heaven and earth? It sounded as though he were talking to his uncle! The shepherd repented and wandered disconsolately off into the desert but God rebuked Moses. He did not want orthodox words but burning love and humility. There were no correct ways of talking about God:

"What seems wrong to you is right for him 
What is poison to one is honey to someone else.
Purity and impurity, sloth and diligence in worship, 
These mean nothing to Me.
I am apart from all that.
Ways of worshipping are not to be ranked as better 
or worse than one another.
Hindus do Hindu things.
The Dravidian Muslims in India do what they do. 
It's all praise, and it's all right.
It's not Me that's glorified in acts of worship. 
It's the worshippers! I don't hear the words 
they say. I look inside at the humility.
That broken-open lowliness is the Reality, 
not the language! Forget phraseology. 
I want burning, burning.
Be Friends 
with your burning. Burn up your thinking 
and your forms of expression!" {52}

Any speech about God was as absurd as the shepherd's but when a believer looked through the veils to how things really were, he would find that it belied all his human preconceptions.

By this time tragedy had also helped the Jews of Europe to form a new conception of God. The crusading anti-Semitism of the West was making life intolerable for the Jewish communities and many wanted a more immediate, personal God than the remote deity experienced by the Throne Mystics. During the ninth century, the Kalonymos family had emigrated from southern Italy to Germany and had brought some mystical literature with them. But by the twelfth century, persecution had introduced a new pessimism into Ashkenazi piety and this was expressed in the writings of three members of the Kalonymos clan: Rabbi Samuel the Elder, who wrote the short treatise Sefer ha-Yirah (The Book of the Fear of God) in about 1150; Rabbi Judah the Pietist, author of Sefer Hasidim (The Book of the Pietists), and his cousin Rabbi Eliezar ben Judah of Worms (d.i23o) who edited a number of treatises and mystical texts. They were not philosophers or systematic thinkers and their work shows that they had borrowed their ideas from a number of sources that might seem to have been incompatible. They had been greatly impressed by the dry Faylasuf Saadia ibn Joseph, whose books had been translated into Hebrew, and by such Christian mystics as Francis of Assisi. From this strange amalgam of sources, they managed to create a spirituality which remained important to the Jews of France and Germany until the seventeenth century.

The Rabbis, it will be recalled, had declared it sinful to deny oneself pleasure created by God. But the German Pietists preached a renunciation that resembled Christian asceticism. A Jew would only see the Shekinah in the next world if he turned his back on pleasure and gave up such pastimes as keeping pets or playing with children.

Jews should cultivate an apatheia like God's, remaining impervious to scorn and insults. But God could be addressed as Friend. No Throne Mystic would have dreamt of calling God 'Thou', as Eliezar did. This familiarity crept into the liturgy, depicting a God who was immanent and intimately present at the same time as he was transcendent:

"Everything is in Thee and Thou art in everything; Thou fillest everything and dost encompass it; when everything was created, Thou was in everything; before everything was created, Thou wast everything." {53}

They qualified this immanence by showing that nobody could approach God himself but only God as he manifested himself to mankind in his 'glory' (kavod) or in 'the great radiance called Shekinah'. The Pietists were not worried by the apparent inconsistency. They concentrated on practical matters rather than theological niceties, teaching their fellow-Jews methods of concentration (kawwanah} and gestures that would enhance their sense of God's presence. Silence was essential; a Pietist should close his eyes tightly, cover his head with a prayer shawl to avoid distraction, pull in his stomach and grind his teeth. They devised special ways of 'drawing out prayer' which was found to encourage this sense of Presence. Instead of simply repeating the words of the liturgy, the Pietist should count the letters of each word, calculating their numerical value and getting beyond the literal meaning of the language. He must direct his attention upwards, to encourage his sense of a higher reality.

The situation of the Jews in the Islamic empire, where there was no anti-Semitic persecution, was far happier and they had no need of this Ashkenazi pietism. They were evolving a new type of Judaism, however, as a response to Muslim developments. Just as the Jewish Faylasufs had attempted to explain the God of the Bible philosophically, other Jews tried to give their God a mystical, symbolic interpretation. At first these mystics constituted only a tiny minority. Theirs was an esoteric discipline, handed on from master to disciple: they called it Kabbalah or inherited tradition. Eventually, however, the God of Kabbalah would appeal to the majority and take hold of the Jewish imagination in a way that the God of the philosophers never did.

Philosophy threatened to turn God into a remote abstraction but the God of the mystics was able to touch those fears and anxieties that lie deeper than the rational. Where the Throne Mystics had been content to gaze upon the glory of God from without, the Kabbalists attempted to penetrate the inner life of God and the human consciousness. Instead of speculating rationally about the nature of God and the metaphysical problems of his relationship with the world, the Kabbalists turned to the imagination.

Like the Sufis, the Kabbalists made use of the Gnostic and Neoplatonic distinction between the essence of God and the God whom we glimpse in revelation and creation. God himself is essentially unknowable, inconceivable and impersonal. They called the hidden God En Sof, (literally, 'without end'). We know nothing whatever about En Sof: he is not even mentioned in either the Bible or the Talmud. An anonymous thirteenth-century author wrote that En Sof is incapable of becoming the subject of a revelation to humanity. {54} Unlike YHWH, En Sof had no documented name; 'he' is not a person. Indeed it is more accurate to refer to the Godhead as 'It'. This was a radical departure from the highly personal God of the Bible and the Talmud. The Kabbalists evolved their own mythology to help them to explore a new realm of the religious consciousness. To explain the relationship between En Sof and YHWH, without yielding to the Gnostic heresy that they were two different beings, the Kabbalists developed a symbolic method of reading scripture. Like the Sufis, they imagined a process whereby the hidden God made himself known to humanity. En Sof had manifested himself to the Jewish mystics under ten different aspects or sefiroth ('numerations') of the divine reality which had emanated from the inscrutable depths of the unknowable Godhead. Each sefirah represented a stage in En Sof s unfolding revelation and had its own symbolic name, but each of these divine spheres contained the whole mystery of God considered under a particular heading. The Kabbalistic exegesis made every single word of the Bible refer to one or other of the ten sefiroth: each verse described an event or phenomenon that had its counterpart in the inner life of God himself.

Ibn al-Arabi had seen God's sigh of compassion, which had revealed him to mankind, as the Word which had created the world. In rather the same way, the sefiroth were both the names that God had given to himself and the means whereby he had created the world. Together these ten names formed his one great Name, which was not known to men. They represented the stages whereby En Sof had descended from his lonely inaccessibility to the mundane world. They are usually listed as follows:

1. Kether Elyon: the 'Supreme Crown'.
2. Hokhmah: 'Wisdom'.
3. Binah: 'Intelligence'.
4. Hesed: 'Love' or 'Mercy'.
5. Din: 'Power' (usually manifested in stern judgement).
6. Rahamin: 'Compassion'; sometimes called 'Tifereth': 'Beauty'.
7. Netsah: 'Lasting Endurance'.
8. Hod: 'Majesty'.
9. Yesod: 'Foundation'.
10. Malkuth: 'Kingdom'; also called 'Shekinah'.

Sometimes the sefiroth are depicted as a tree, growing upside down with its roots in the incomprehensible depths of En Sof, [see diagram] and its summit in the Shekinah, in the world. The organic image expresses the unity of this Kabbalistic symbol. En Sof is the sap that runs through the branches of the tree and gives them life, unifying them in a mysterious and complex reality. Although there is a distinction between En Sof and the world of his names, the two are one in rather the same way as a coal and a flame. The sefiroth represent the worlds of light that manifest the darkness of En Sof which remains in impenetrable obscurity. It is yet another way of showing that our notions of ‘God' cannot fully express the reality to which they point. The world of the sefiroth is not an alternative reality 'out there' between the Godhead and the world, however. They are not the rungs of a ladder between heaven and earth but underlie the world experienced by the senses. Because God is all in all, the sefiroth are present and active in everything that exists. They also represent the stages of human consciousness by which the mystic ascends to God by descending into his own mind. Yet again, God and man are depicted as inseparable.

Some Kabbalists saw the sefiroth as the limbs of primordial man as originally intended by God. This was what the Bible had meant when it said that man had been created in God's image: the mundane reality here below corresponded to an archetypal reality in the heavenly world. The images of God as a tree or as a man were imaginative depictions of a reality that defied rational formulation. The Kabbalists were not antagonistic towards Falsafah - many of them revered figures like Saadia Gaon and Maimonides - but they found symbolism and mythology more satisfying than metaphysics for penetrating the mystery of God.

The most influential Kabbalistic text was The Zohar, which was probably written in about 1275 by the Spanish mystic Moses of Leon. As a young man, he had studied Maimonides but had gradually felt the attraction of mysticism and the esoteric tradition of Kabbalah. The Zohar (The Book of Splendour) is a sort of mystical novel, which depicts the third-century Talmudist Simeon ben Yohai wandering round Palestine with his son Eliezar, talking to his disciples about God, nature and human life. There is no clear structure and no systematic development of theme or ideas. Such an approach would be alien to the spirit of The Zohar, whose God resists any neat system of thought. Like Ibn al-Arabi, Moses of Leon believed that God gives each mystic a unique and personal revelation, so there is no limit to the way the Torah can be interpreted: as the Kabbalist progresses, layer upon layer of significance is revealed. The Zohar shows the mysterious emanation of the ten sefiroth as a process whereby the impersonal En Sof becomes a personality. In the three highest sefiroth - Kether, Hokhmah and Binah - when, as it were, En Sof has only just 'decided' to express himself, the divine reality is called 'he'. As 'he' descends through the middle sefiroth - Hesed, Din, Tifereth, Netsah, Hod and Yesod - 'he' becomes 'you'. Finally, when God becomes present in the world in the Shekinah, 'he' calls himself'!'. It is at this point, where God has, as it were, become an individual and his self-expression is complete, that man can begin his mystical journey. Once the mystic has acquired an understanding of his own deepest self, he becomes aware of the Presence of God within him and can then ascend to the more impersonal higher spheres, transcending the limits of personality and egotism. It is a return to the unimaginable Source of our being and the hidden world of uncreated reality.

In this mystical perspective, our world of sense impression is simply the last and outermost shell of the divine reality.

In Kabbalah, as in Sufism, the doctrine of the creation is not really concerned with the physical origins of the universe. The Zohar sees the Genesis account as a symbolic version of a crisis within En Sof, which causes the Godhead to break out of Its unfathomable introspection and reveal Itself. As The Zohar says:

"In the beginning, when the will of the King began to take effect, he engraved signs into the divine aura. A dark flame sprang forth from the innermost recesses of En Sof, like a fog which forms out of the formless, enclosed in the ring of this aura, neither white nor black, red nor green and of no colour whatever." {55}

In Genesis, God's first creative word had been: 'Let there be light!' In The Zohar's commentary on Genesis (called Bereshit in Hebrew after its opening word: 'in the beginning') this 'dark flame' is the first sefirah: Kether Elyon, the Supreme Crown of Divinity. It has no colour or form: other Kabbalists prefer to call it Nothing (ayin). The highest form of divinity that the human mind can conceive is equated with nothingness because it bears no comparison with any of the other things in existence. All the other sefiroth, therefore, emerge from the womb of Nothingness. This is a mystical interpretation of the traditional doctrine of the creation ex nihilo. The process of the Godhead's self-expression continues as the welling of light, which spreads in ever wider spheres. The Zohar continues:

"But when this flame began to assume size and extension, it produced radiant colours. For in the inmost centre a well sprang forth from which flames poured upon everything below, hidden in the mysterious secrets of En Sof. The well broke through, and yet did not entirely break through, the eternal aura which surrounded it. It was entirely recognisable until under the impact of its breakthrough, i hidden supernal point shone forth. Beyond this point nothing may be known or understood, and it is called Bereshit, the Beginning; the first word of creation."{56}

This 'point' is Hokhmah (Wisdom), the second sefirah which contains the ideal form of all created things. The point develops into a palace or a building, which becomes Binah (Intelligence), the third sefirah. These three highest sefiroth represent the limit of human comprehension. Kabbalists say that God exists in Binah as the great 'Who?' (Mi) which stands at the beginning of every question. But it is not possible to get an answer. Even though En Sof is gradually adapting Itself to human limitations, we have no way of knowing 'Who' he is: the higher we ascend, the more 'he' remains shrouded in darkness and mystery.

The next seven sefiroth are said to correspond to the seven days of creation in Genesis. During the biblical period, YHWH had eventually triumphed over the ancient goddesses of Canaan and their erotic cults. But as Kabbalists struggled to express the mystery of God, the old mythologies reasserted themselves, albeit in a disguised form. The Zohar describes Binah as the Supernal Mother, whose womb is penetrated by the 'dark flame' to give birth to the seven lower sefiroth. Again Yesod, the ninth sefirah inspires some phallic speculation: it is depicted as the channel through which the divine life pours into the universe in an act of mystical procreation. It is in the Shekinah, the tenth sefirah, however, that the ancient sexual symbolism of creation and theogony appears most clearly. In the Talmud, the Shekinah was a neutral figure: it had neither sex nor gender. In Kabbalah, however, the Shekinah becomes the female aspect of God. The Bahir (c.1200), one of the earliest Kabbalistic texts, had identified the Shekinah with the Gnostic figure of Sophia, the last of the divine emanations which had fallen from the Pleroma and now wandered, lost and alienated from the Godhead, through the world.

The Zohar links this 'exile of the Shekinah' with the fall of Adam as recounted in Genesis. It says that Adam was shown the 'middle sefiroth' in the Tree of Life and the Shekinah in the Tree of Knowledge. Instead of worshipping the seven sefiroth together, he chose to venerate the Shekinah alone, sundering life from knowledge and rupturing the unity of the sefiroth. The divine life could no longer flow uninterruptedly into the world, which was isolated from its divine Source. But by observing the Torah, the community of Israel could heal the exile of the Shekinah and reunite the world to the Godhead. Not surprisingly, many strict Talmudists found this an abhorrent idea but the exile of the Shekinah, which echoed the ancient myths of the goddess who wandered far from the divine world, became one of the most popular elements of Kabbalah. The female Shekinah brought some sexual balance into the notion of God which tended to be too heavily weighted towards the masculine and clearly fulfilled an important religious need.

The notion of the divine exile also addressed that sense of separation which is the cause of so much human anxiety. The Zohar constantly defines evil as something which has become separated or which has entered into a relationship for which it is unsuited. One of the problems of ethical monotheism is that it isolates evil. Because we cannot accept the idea that there is evil in our God, there is a danger that we will not be able to endure it within ourselves. It can then be pushed away and made monstrous and inhuman. The terrifying image of Satan in Western Christendom was such a distorted projection. The Zohar finds the root of evil in God himself: in Din or Stern Judgement, the fifth sefirah. Din is depicted as God's left hand, Hesed (Mercy) as his right. As long as Din operates harmoniously with the divine Mercy, it is positive and beneficial. But if it breaks away and becomes separate from the other sefiroth, it becomes evil and destructive. The Zohar does not tell us how this separation came about. In the next chapter, we shall see that later Kabbalists reflected on the problem of evil, which they saw as the result of a kind of primordial 'accident' that occurred in the very early stages of God's self-revelation. Kabbalah makes little sense if interpreted literally, but its mythology proved psychologically satisfying. When disaster and tragedy engulfed Spanish Jewry during the fifteenth century, it was the Kabbalistic God which helped them to make sense of their suffering.

We can see the psychological acuity of Kabbalah in the work of the Spanish mystic Abraham Abulafia (i 24O-after 1291). The bulk of his work was composed at about the same time as The Zohar but Abulafia concentrated on the practical method of achieving a sense of God rather than with the nature of God itself. These methods are similar to those employed today by psychoanalysts in their secular quest for enlightenment. As the Sufis had wanted to experience God like Muhammad, Abulafia claimed to have found a way of achieving prophetic inspiration. He evolved a Jewish form of Yoga, using the usual disciplines of concentration such as breathing, the recitation of a mantra and the adoption of a special posture to achieve an alternative state of consciousness. Abulafia was an unusual Kabbalist. He was a highly erudite man, who had studied Torah, Talmud and Falsafah before being converted to mysticism by an overwhelming religious experience at the age of thirty-one. He seems to have believed that he was the Messiah, not only to Jews but also to Christians. Accordingly, he travelled extensively throughout Spain making disciples and even ventured as far as the Near East. In 1280 he visited the Pope as a Jewish ambassador. Although Abulafia was often very outspoken in his criticism of Christianity, he seems to have appreciated the similarity between the Kabbalistic God and the theology of the Trinity. The three highest sefiroth are reminiscent of the Logos and Spirit, the Intellect and Wisdom of God, which proceed from the Father, the Nothingness lost in inaccessible light. Abulafia himself liked to speak about God in a trinitarian manner.

To find this God, Abulafia taught that it was necessary 'to unseal the soul, to untie the knots which bind it'. The phrase 'untying the knots' is also found in Tibetan Buddhism, another indication of the fundamental agreement of mystics worldwide. The process described can perhaps be compared to the psychoanalytic attempt to unlock those complexes that impede the mental health of the patient. As a Kabbalist, Abulafia was more concerned with the divine energy that animates the whole of creation but which the soul cannot perceive. As long as we clog our minds with ideas based on sense perception, it is difficult to discern the transcendent element of life. By means of his yogic disciplines, Abulafia taught his disciples to go beyond normal consciousness to discover a whole new world. One of his methods was the Hokmah ha-Tseruf (The Science of the Combination of the Letters) which took the form of a meditation on the Name of God. The Kabbalist was to combine the letters of the divine name in different combinations with a view to divorcing his mind from the concrete to a more abstract mode of perception. The effects of this discipline -which sound remarkably unpromising to an outsider - appear to have been remarkable. Abulafia himself compared it to the sensation of listening to musical harmonies, the letters of the alphabet taking the place of notes in a scale. He also used a method of associating ideas, which he called dillug (jumping) and ketifsah (skipping), which is clearly similar to the modern analytic practice of free association. Again, this is said to have achieved astonishing results. As Abulafia explained, it brings to light hidden mental processes and liberated the Kabbalist from 'the prison of the natural spheres and leads [him] to the boundaries of the divine sphere'. {57} In this way, the 'seals' of the soul were unlocked and the initiate discovered resources of psychic power that enlightened his mind and assuaged the pain of his heart.

In rather the same way as a psychoanalytic patient needs the guidance of his therapist, Abulafia insisted that the mystical journey into the mind could only be undertaken under the supervision of a master of Kabbalah. He was well aware of the dangers because he himself had suffered from a devastating religious experience in his youth which had almost caused him to despair. Today patients will often internalise the person of their analyst in order to appropriate the strength and health that he or she represents. Similarly Abulafia wrote that the Kabbalist would often 'see' and 'hear' the person of his spiritual director, who becomes 'the mover from inside, who opens the closed doors within him'. He feels a new surge of power and an inner transformation that was so overwhelming that it seemed to issue from a divine source. A disciple of Abulafia gave another interpretation of the ecstasy: the mystic, he said, became his own Messiah. In ecstasy he was confronted with a vision of his own liberated and enlightened self:

"Know that the complete spirit of prophecy consists for the prophet in that he suddenly sees the shape of his self standing before him and he forgets his self and it is disengaged from him ... and of this secret our teachers said [in the Talmud]: 'Great is the strength of the prophets, who compare the form of Him who formed it' [that is, 'who compare men to God']." {58}

Jewish mystics were always reluctant to claim union with God. Abulafia and his disciples would only say that by experiencing union with a spiritual director or by realising a personal liberation the Kabbalist had been touched by God indirectly. There are obvious differences between medieval mysticism and modern psychotherapy but both disciplines have evolved similar techniques to achieve healing and personal integration.

In the West Christians were slower to develop a mystical tradition. They had fallen behind the monotheists in the Byzantine and Islamic empires and were perhaps not ready for this new development. During the fourteenth century, however, there was a veritable explosion of mystical religion, especially in Northern Europe. Germany in particular produced a flock of mystics: Meister Eckhart (1260-1327), John Tauler (1300-61), Gertrude the Great (1256-1302), and Henry Suso (1295-1306). England also made a significant contribution to this Western development and produced four great mystics who quickly attracted a following on the continent as well as in their own country: Richard Rolle of Hampole (1290-1349), the unknown author of The Cloud of Unknowing, Walter Hilton (d.1346) and Dame Julian of Norwich (c. 1342-1416). Some of these mystics were more advanced than others. Richard Rolle, for example, seems to have got trapped in the cultivation of exotic sensations and his spirituality was sometimes characterised by a certain egotism. But the greatest of them discovered for themselves many of the insights already achieved by the Greeks, Sufis and Kabbalists.

Meister Eckhart, for example, who greatly influenced Tauler and Suso, was himself influenced by Denys the Areopagite and Maimonides. A Dominican friar, he was a brilliant intellectual and lectured on Aristotelian philosophy at the University of Paris. In 1325, however, his mystical teaching brought him into conflict with his bishop, the Archbishop of Cologne, who arraigned him for heresy: he was charged with denying the goodness of God, with claiming that God himself was born in the soul and of preaching the eternity of the world. Yet even some of Eckhart's severest critics believed that he was orthodox: the mistake lay in interpreting some of his remarks literally instead of symbolically, as intended. Eckhart was a poet, who thoroughly enjoyed paradox and metaphor. While he believed that it was rational to believe in God, he denied that reason alone could form any adequate conception of the divine nature: 'The proof of a knowable thing is made either to the senses or the intellect,' he argued, 'but as regards the knowledge of God there can be neither a demonstration from sensory perception, since He is incorporeal, nor from the intellect, since He lacks any form known to us.' {59} God was not another being whose existence could be proved like any normal object of thought.

God, Eckhart declared, was Nothing. {60} This did not mean that he was an illusion but that God enjoyed a richer, fuller type of existence than that known to us. He also called God 'darkness', not to denote the absence of light but to indicate the presence of something brighter. Eckhart also distinguished between the 'Godhead', which was best described in negative terms, such as 'desert', 'wilderness', 'darkness' and 'nothing', and the God who is known to us as Father, Son and Spirit. {61} As a Westerner, Eckhart liked to use Augustine's analogy of the Trinity in the human mind and implied that even though the doctrine of the Trinity could not be known by reason, it was only the intellect which perceived God as Three persons: once the mystic had achieved union with God, he or she saw him as One. The Greeks would not have liked this idea but Eckhart would have agreed with them that the Trinity was essentially a mystical doctrine. He liked to talk about the Father engendering the Son in the soul, rather as Mary had conceived Christ in the womb. Rumi had also seen the Virgin Birth of the Prophet Jesus as a symbol for the birth of the soul in the heart of the mystic. It was, Eckhart insisted, an allegory of the cooperation of the soul with God.

God could only be known by mystical experience. It was better to speak of him in negative terminology, as Maimonides had suggested. Indeed, we had to purify our conception of God, getting rid of our ridiculous preconceptions and anthropomorphic imagery. We should even avoid using the term 'God' itself. This is what he meant when he said: 'Man's last and highest parting is when, for God's sake, he takes leave of God.' {62} It would be a painful process. Since God was Nothing, we had to be prepared to be no-thing too in order to become one with him. In a process similar to that 'fana described by the Sufis, Eckhart spoke of 'detachment' or, rather, 'separateness' (Abgeschieden) {63} In much the same way as a Muslim considers the veneration of anything other than God himself as idolatry (shirk), Eckhart taught that the mystic must refuse to be enslaved by any finite ideas about the divine. Only thus would he achieve identity with God, whereby 'God's existence must be my existence and God's Is-ness (Istigkeit) is my is-ness'. {64} Since God was the ground of being, there was no need to seek him 'out there' or envisage an ascent to something beyond the world we knew.

Al-Hallaj had antagonised the ulema by crying: 'I am the Truth' and Eckhart's mystical doctrine shocked the bishops of Germany: what did it mean to say that a mere man or woman could become one with God? During the fourteenth century, Greek theologians debated this question furiously. Since God was essentially inaccessible, how could he communicate himself to mankind? If there was a distinction between God's essence and his 'activities' or 'energies', as the Fathers had taught, surely it was blasphemous to compare the 'God' that a Christian encountered in prayer with God himself? Gregory Palamas, Archbishop of Saloniki, taught that, paradoxical as it might seem, any Christian could enjoy such a direct knowledge of God himself. True, God's essence is always beyond our comprehension, but his 'energies' were not distinct from God and should not be considered as a mere divine afterglow. A Jewish mystic would have agreed: God En Sof would always remain shrouded in impenetrable darkness but his sefiroth (which corresponded to the Greeks''energies') were themselves divine, flowing eternally from the heart of the Godhead. Sometimes men and women could see or experience these 'energies' directly, as when the Bible said that God's 'glory' had appeared. Nobody had ever seen God's essence, but that did not mean that a direct experience of God himself was impossible. The fact that this assertion was paradoxical did not distress Palamas in the least. It had long been agreed by the Greeks that any statement about God had to be a paradox. Only thus could people retain a sense of his mystery and ineffability. Palamas put it this way:

"We attain to participation in the divine nature, and yet at the same time it remains totally inaccessible. We need to affirm both at the same time and to preserve the antimony as a criterion for right doctrine."{65}

There was nothing new in Palamas's doctrine: it had been outlined during the eleventh century by Symeon the New Theologian. But Palamas was challenged by Barlaam the Calabrian, who had studied in Italy and been strongly influenced by the rationalistic Aristotelianism of Thomas Aquinas. He opposed the traditional Greek distinction between God's 'essence' and his 'energies', accusing Palamas of splitting God into two separate parts. Barlaam proposed a definition of God that went back to the ancient Greek rationalists and emphasised his absolute simplicity. Greek philosophers like Aristotle who, Barlaam claimed, had been specially enlightened by God, taught that God was unknowable and remote from the world. It was not possible, therefore, for men and women to 'see' God: human beings could only sense his influence indirectly in scripture or the wonders of creation. Barlaam was condemned by a Council of the Orthodox Church in 1341 but was supported by other monks who had also been influenced by Aquinas. Basically this had become a conflict between the God of the mystics and the God of the philosophers. Barlaam and his supporters Gregory Akindynos (who liked to quote the Greek version of the Summa Theologiae), Nicephoras Gregoras and the Thomist Prochoros Cydones had all become alienated from the apophatic theology of Byzantium with its stress on silence, paradox and mystery. They preferred the more positive theology of Western Europe, which defined God as Being rather than as Nothing. Against the mysterious deity of Denys, Symeon and Palamas, they set up a God about which it was possible to make statements.

The Greeks had always distrusted this tendency in Western thought and, in the face of this infiltration of rationalistic Latin ideas, Palamas reasserted the paradoxical theology of Eastern Orthodoxy. God must not be reduced to a concept that could be expressed by a human word. He agreed with Barlaam that God was unknowable but insisted that he had nonetheless been experienced by men and women. The light that had transfigured the humanity of Jesus on Mount Tabor was not God's essence, which no Tian had seen, but was in some mysterious way God himself. The liturgy which, according to Greek theology, enshrined orthodox opinion, proclaimed that on Tabor: 'We have seen the Father as light and the Spirit as light.' It had been a revelation of 'what we once were and what we are to be' when, like Christ, we become deified. {66} Again, what we 'saw' when we contemplated God in this life was not a substitute for God but was somehow God himself. Of course this was a contradiction but the Christian God was a paradox: antimony and silence represented the only correct posture before the mystery that we called 'God' - not a philosophical hubris which tried to iron out the difficulties.

Barlaam had tried to make the concept of God too consistent: in his view, either God was to be identified with his essence or he was not. He had tried, as it were, to confine God to his essence and say that it was impossible for him to be present outside it in his 'energies'. But that was to think about God as though he were any other phenomenon and was based on purely human notions of what was or was not possible. Palamas insisted that the vision of God was a mutual ecstasy: men and women transcend themselves but God also underwent the ecstasy of transcendence by going beyond 'himself in order to make himself known to his creatures: 'God also comes out of himself and becomes united with our minds by condescension.' {67} The victory of Palamas, whose theology remained normative in Orthodox Christianity, over the Greek rationalists of the fourteenth century represents a wider triumph for mysticism in all three monotheistic religions. Since the eleventh century, Muslim philosophers had come to the conclusion that reason - which was indispensable for such studies as medicine or science - was quite inadequate when it came to the study of God. To rely on reason alone was like attempting to eat soup with a fork.

The God of the Sufis had gained ascendancy over the God of the philosophers in most parts of the Islamic empire. Mysticism was able to penetrate the mind more deeply than the more cerebral or legalistic types of religion. Its God could address more primitive hopes, fears and anxieties before which the remote God of the philosophers was impotent. By the fourteenth century the West had launched its own mystical religion and made a very promising start. But mysticism in the West would never become as widespread as in the other traditions. In England, Germany and the Lowlands, which had produced such distinguished mystics, the Protestant Reformers of the sixteenth century decried this unbiblical spirituality. In the Roman Catholic Church, leading mystics like St Teresa of Avila were often threatened by the Inquisition of the Counter-Reformation. As a result of the Reformation, Europe began to see God in still more rationalistic terms.

Notes

1. John Macquarrie, Thinking About God (London, 1957) p.34.
2. Hagigah 14b, quoting Psalms 101:7; 116:15; 25:16.
3. Quoted in Louis Jacobs (ed.) The Jewish Mystics (Jerusalem, 1976, London, 1990), p.23.
4. 2 Corinthians 2:2-4.
5. The Song of Songs, 5:10-15.
6. Translated in T. Carmi (ed. and trans.) The Penguin Book of Hebrew Verse (London, 1981) p.199.
7. Koran 53:13-17.
8. Confessions IX, 24 (trans. Henry Chadwick) (Oxford, 1991) p.171.
9. Joseph Campbell (with Bill Moyers), The Power of Myth (New York, 1988), p.85.
10. Annemarie Schimmel, And Muhammad is His Messenger: The Veneration of the Prophet in Islamic Piety (Chapel Hill and London, 1985). PP-161-75.
11. Confessions IX:24, (trans. Chadwick), p.171.
12. Confessions IX,25, pp.171-2.
13. Ibid.
14. Morals on Job v.66.
15. Ibid xxiv.ii.
16. Homilies on Ezekiel II, ii, i.
17. Commentary on the Song of Songs, 6.
18. Epistle 234.1.
19. On Prayer, 67.
20. Ibid. 71.
21. Ambigua, PG.91 1088c
22. Peter Brown with Sabine MacCormack, 'Artifices of Eternity', in Brown, society and the Holy in Late Antiquity (London, 1992), p.2i2.
23. Nicephoras, Greater Apology for the Holy Images, 70.
24. Theological Orations I.
25. Ethical Orations 1.3.
26. Orations 26.
27. Ethical Orations 5.
28. Hymns of Divine Love 28.114-15, 160-2.
29. Encyclopaedia of Islam (1st edn. Leiden 1913), entry under 'Tasawwuf.
30. Trans. R. A. Nicholson, quoted in A. J. Arberry, Sufism, An Account of the Mystics of Islam (London, 1950), p-43-
31. Quoted in R. A. Nicholson, The Mystics of Islam (London, 1963 edn.), p.115.
32. Narrative, quoted in Marshall G.S. Hodgson, The Venture of Islam, Conscience and History in a World Civilization 3 Vols, (Chicago, 1974), I., p.404.
33. Quoted in Arberry, Sufism, p.59.
34. Quoted in Nicholson, The Mystics of Islam, p.151.
35. Quoted in Arberry, Sufism, p.6o. 36. Koran 2:32.
37. Hiqmat al-Ishraq, quoted in Henri Corbin, Spiritual Body and Celestial Earth, From Mazdean Iran to Shiite Iran (trans. Nancy Pearson), (London, 1990), pp. 168-9.
38. Mircea Eliade, Shamamism, p.9 508.
39. J.P. Sartre, The Psychology of the Imagination (London, 1972), passim.
40. Futuhat alMakkiyah II, 326, quoted in Henri Corbin, Creative Imagination in the Sufism of lbm Arabi (trans. Ralph Manheim), (London, 1970), p.330.
41. The Diwan, Interpretation of Ardent Desires, in ibid. p.138.
42. La Vita Nuova (trans. Barbara Reynolds), (Harmondsworth, 1969), pp.29-30.
43. Purgatory xvii, 13-18 (trans. Barbara Reynolds), (Harmondsworth, 1969), p. 196.
44. William Chittick, 'Ibn al-Arabi and His School' in Sayyed Hossein Nasr (ed.) Islamic Spirituality: Manifestations (New York and London, 1991), p.6i.
45. Koran 18:69.
46. Quoted in Henri Corbin, Creative Imagination in Ibn al-Arabi, p.m.
47. Chittick, 'Ibn Arabi and His School' in Nasr (ed.) Islamic Spirituality, p-58.
48. Majid Fakhry, A History of Islamic Philosophy (New York and London, 1970), p.282.
49. R. A. Nicholson, The Mystics of Islam, p. 105.
50. R. A. Nicholson, (ed.) Eastern Poetry and Prose (Cambridge, 1922), p.i48.
51. Masnawi, I, i, quoted in Hodgson, The Venture of Islam, II, p.250.
52. Quoted in This Longing, Teaching Stories and Selected Letters of Rumi (trans, and ed. Coleman Banks and John Moyne), (Putney, 1988), p.20.
53. 'Song of Unity' quoted in Gershom Scholem, Major Trends in Jewish Mysticism 2nd edn., (London, 1955), p.108.
54. Ibid, p.11.
55. In Gershom Scholem (ed. and trans.) The Zohar, The Book of Splendour (New York, 1949), p.27.
56. Ibid.
57. Scholem, Major Trends in Jewish Mysticism, p.i36.
58. Ibid. p. 142.
59. Quoted in J.C. Clark, Meister Eckhart, An Introduction to the Study of his Works with an Anthology of his Sermons (London, 1957), p.28.
60. Simon Tugwell, 'Dominican Spirituality' in Louis Dupre and Don. E. Saliers (eds.) Christian Spirituality III (New York and London, 1989), p.28.
61. Quoted in Clark, Meister Eckhart, p-40.
62. Sermon, 'Qui Audit Me Non Confundetur' in R.B. Blakeney (trans.) Meister Eckhart, A New Translation (New York, 1957), p.2O4.
63. Ibid, p.288.
64. 'On Detachment' in Edmund Coledge and Bernard McGinn (eds. and trans.) Meister Eckhart, the Essential Sermons, Commentaries, Treatises and Defence (London, 1981), p.87.
65. Theophanes, PG. 9320. (My italics.)
66. Homily, 16.
67. Triads 1.3.47.

By Karen Armstrong in "A History of Good", Ballantines Books, USA, 1993, excerpts chapter 7. Digitized,adapted and illustrated to be post by Leopoldo Costa.

A HIPÓTESE DE QUE DEUS EXISTE

$
0
0


"A religião de uma era é o entretenimento literário da seguinte." (Ralph Waldo Emerson)

O Deus do Antigo Testamento é talvez o personagem mais desagradável da ficção: ciumento, e com orgulho; controlador mesquinho, injusto e intransigente; genocida étnico e vingativo, sedento de sangue; perseguidor misógino, homofóbico, racista, infanticida, filicida, pestilento, megalomaníaco, sadomasoquista, malévolo. Aqueles que são acostumados desde a infância ao jeitão dele podem ficar dessensibilizados com o terror que sentem. Um naïf dotado da perspectiva da inocência tem uma percepção mais clara. Randolph, filho de Winston Churchill, conseguiu — não sei como — permanecer ignorante em relação às Escrituras até que Evelyn Waugh e um irmão soldado, na vã tentativa de manter Churchill quieto quando eles estavam no mesmo destacamento, apostaram que ele não seria capaz de ler a Bíblia inteira em quinze dias: "Infelizmente isso não surtiu o efeito que esperávamos.

Ele nunca tinha lido nada dela e está horrivelmente entusiasmado; fica lendo citações em voz alta: 'Garanto que vocês não sabiam que isso veio da Bíblia...', ou então fica se remexendo e dando risada: 'Meu Deus, Deus não é um merda?'".Thomas Jefferson — mais informado — tinha opinião parecida, descrevendo o Deus de Moisés como "um ser de caráter terrível — cruel, vingativo, caprichoso e injusto".

É injusto atacar um alvo tão fácil. A Hipótese de que Deus Existe não deve ser sustentada ou ser derrubada com base em sua instância mais desagradável, Javé, nem em seu oposto, o insípido rosto cristão do "Jesus gentil, manso e suave". (Para ser justo, essa persona efeminada deve-se mais a seus seguidores vitorianos que ao próprio Jesus. Será que alguma coisa pode ser mais açucarada e enjoativa que o "Todas as crianças cristãs devem ser/Calmas, obedientes, boas como ele", de C. F. Alexander?) Não estou atacando as qualidades específicas de Javé, ou Jesus, ou Alá, ou de nenhum outro deus em particular como Baal, Zeus ou Wotan. Definirei a 'Hipótese de que Deus Existe' de modo mais defensável: "existe uma inteligência sobre-humana e sobrenatural que projetou e criou deliberadamente o universo e tudo que há nele, incluindo nós. Este livro vai pregar outra visão: qualquer inteligência criativa, de complexidade suficiente para projetar qualquer coisa, só existe como produto final de um processo extenso de evolução gradativa".

Inteligências criativas, por terem evoluído, necessariamente chegam mais tarde ao universo e, portanto, não podem ser responsáveis por projetá-lo. Deus, no sentido da definição, é um delírio; e, como os capítulos posteriores mostrarão, um delírio pernicioso. Não é de surpreender, já que ela se baseia mais em tradições locais de revelações específicas do que em provas, que a 'Hipótese de que Deus Existe' apareça em várias versões. Os historiadores da religião reconhecem uma progressão de animismos tribais primitivos, passando por politeísmos como os dos gregos, romanos e nórdicos, até os monoteísmos, corno o judaísmo e seus derivados, o cristianismo e o islã.

POLITEÍSMO

Não está claro por que a passagem do politeísmo para o monoteísmo deva ser encarada como um aperfeiçoamento progressivo evidente. Mas ela é amplamente aceita como tal — uma pressuposição que provocou Ibn Warraq (autor de Why I am not a Muslim [Por que não sou muçulmano]) a conjecturar sagazmente que o monoteísmo está por sua vez fadado a subtrair mais um deus e se transformar em ateísmo. A Catholic encyclopedia coloca o politeísmo e o ateísmo no mesmo nível de desimportância: "O ateísmo dogmático formal é uma autonegação e nunca obteve de facto a aprovação racional de um número considerável de homens. Assim como o politeísmo, por mais facilmente que se apodere da imaginação popular, jamais satisfará a mente de um filósofo".

O chauvinismo monoteísta estava até bem recentemente encravado na lei de entidades beneficentes tanto da Inglaterra quanto da Escócia, a qual discriminava religiões politeístas para garantir o status de isenção de impostos ao mesmo tempo que facilitava a vida de entidades cujo objetivo fosse promover a religião monoteísta, liberando-as do rigoroso exame exigido, com bons motivos, das entidades beneficentes laicas. Minha idéia era convencer um integrante da respeitada comunidade hindu britânica a se manifestar e entrar com uma ação civil para pôr à prova essa discriminação esnobe contra o politeísmo.

Bem melhor, é claro, seria abandonar de vez a promoção da religião como base para o status de entidade beneficente. As vantagens dessa medida para a sociedade seriam enormes, especialmente nos Estados Unidos, onde as somas de dinheiro isento de impostos sugadas por igrejas, e que enchem ainda mais os bolsos dos televangelistas, atingem níveis que poderiam ser descritos sem remorsos como obscenos. Oral Roberts, que tem um nome bem adequado, disse uma vez a sua audiência que Deus o mataria se ele não lhe desse 8 milhões de dólares. É quase inacreditável, mas funcionou. Livres de impostos! Roberts continua com a corda toda, assim como a "Universidade Oral Roberts" de Tulsa, Oklahoma. Suas instalações, estimadas em 250 milhões de dólares, foram encomendadas pelo próprio Deus, com essas palavras: "Mobilize seus alunos para ouvir Minha voz, para ir aonde Minha luz é fraca, aonde Minha voz soa pequena, e Meu poder de cura não é conhecido, até nos limites mais extremos da Terra. O trabalho deles superará o seu, e com isso estarei satisfeito".

Pensando bem, meu litigante hindu imaginário provavelmente entraria no jogo do "Se não pode vencê-los, junte-se a eles". Seu politeísmo não é um politeísmo de verdade, mas um monoteísmo disfarçado. Há apenas um Deus — Brahma, o criador; Vishnu, o preservador; Shíva, o destruidor; as deusas Saraswati, Lakshmi e Parvati (mulheres de Brahma, Vishnu e Shiva); Ga-nesh, o deus-elefante, e as centenas de outros são apenas manifestações diferentes ou encarnações do mesmo Deus.

Os cristãos devem aprovar tal sofisma. Rios de tinta medieval, sem falar do sangue, foram gastos para explicar o "mistério" da Trindade, e para suprimir desvios como a heresia ariana. Ário de Alexandria, no século IV d. C., negou que Jesus fosse consubstancial (isto é, de mesma substância ou essência) com Deus. Que diabos isso queria dizer, você deve estar se perguntando. Substância? Que "substância"? O que exatamente se quer dizer com "essência"? "Muito pouco" parece a única resposta razoável. Mesmo assim, a controvérsia dividiu a cristandade ao meio por um século, e o imperador Constantino ordenou que todos os exemplares do livro de Ário fossem queimados. Dividir a cristandade brigando por minúcias — é o que a teologia sempre faz.

Temos um Deus em três partes, ou serão três Deuses em um? A Catholic encyclopedia esclarece a questão, numa obra-prima do raciocínio teológico: Na unidade da Divindade há três Pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, sendo que essas Três Pessoas são distintas umas das outras. Assim, nas palavras do Credo de Atanásio: "o Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus, contudo não há três Deuses, mas um só Deus".

Como se isso não estivesse suficientemente claro, a Encyclopedia cita o teólogo do século m são Gregório, o Milagreiro: Não há portanto nada que tenha sido criado, nada que tenha sido sujeitado a outro na Trindade: nem há nada que tenha sido acrescentado corno se uma vez não tivesse existido, mas entrado depois: portanto o Pai jamais esteve sem o Filho, nem o Filho sem o Espírito Santo: e essa mesma Trindade é imutável e inalterável para sempre.

Quaisquer que tenham sido os milagres que deram a são Gregório seu apelido, não eram milagres de lucidez. Suas palavras carregam o traço obscurantista característico da teologia, que — diferentemente da ciência e da maioria dos outros ramos da sabedoria humana — não mudou em dezoito séculos. Thomas Jefferson, como tantas outras vezes, falou bem quando disse: "O ridículo é a única arma que pode ser usada contra proposições ininteligíveis. As idéias têm de ser definidas para que a razão possa agir sobre elas; e nenhum homem jamais teve uma idéia definida sobre a Trindade. Não passa do abracadabra dos charlatães que se autodenominam sacerdotes de Jesus".

A outra coisa que não posso deixar de ressaltar é a confiança pretensiosa com a qual os religiosos atribuem mínimos detalhes àquilo para o que nenhum deles tem nenhuma prova — nem poderia ter. Talvez seja exatamente o fato de que não há provas que sustentem as opiniões teológicas, para qualquer lado, que alimente a hostilidade draconiana característica em relação a quem tem uma opinião ligeiramente diferente, sobretudo, como ocorre, na área específica da Trindade.

Jefferson lançou o ridículo sobre a doutrina de que, nas palavras dele, "há três Deuses", em sua crítica ao calvinismo. Mas é principalmente o ramo católico romano da cristandade que empurra seu recorrente flerte com o politeísmo para a inflação descontrolada. A Trindade é (são?) acrescida de Maria, "Rainha do Céu", que só não é deusa no nome, mas que certamente coloca o próprio Deus em segundo lugar como alvo de preces. O panteão ainda é inchado por um exército de santos, cujo poder de intercessão faz com que eles sejam, se não semideuses, úteis em seus assuntos específicos. O Fórum da Comunidade Católica nos dá uma mão e lista 5120 santos,18 junto com suas áreas de especialidade, que incluem dores abdominais, vítimas de abusos, anorexia, vendedores de armas, ferreiros, fraturas de ossos, técnicos de explosivos e problemas intestinais, para ficar só no comecinho da lista. E não podemos esquecer os Coros Angélicos, organizados em nove ordens: Serafins, Querubins, Tronos, Dominações, Virtudes, Potestades, Principados, Arcanjos e os Anjos simples, incluindo nossos melhores amigos, os sempre atentos Anjos da Guarda. O que me impressiona na mitologia católica é em parte seu kitsch de mau gosto, mas principalmente a tranquilidade com que essa gente vai criando os detalhes. É uma invenção descarada.

O papa João Paulo II criou mais santos que todos os seus antecessores de vários séculos juntos, e tinha uma afinidade especial com a Virgem Maria. Seus impulsos politeístas ficaram dramaticamente demonstrados em 1981, quando sofreu uma tentativa de assassinato em Roma e atribuiu sua sobrevivência à intervenção de Nossa Senhora de Fátima: "Uma mão materna guiou a bala". Não dá para não se perguntar por que ela não a guiou para que se desviasse de vez dele. Ou se pode questionar se a equipe de cirurgiões que o operou por seis horas não merece pelo menos uma parte do crédito; mas talvez as mãos deles também tenham sido maternalmente guiadas. O ponto relevante é que não foi só Nossa Senhora que, na opinião do papa, guiou a bala, mas especificamente Nossa Senhora de Fátima. Presume-se que Nossa Senhora de Lourdes, Nossa Senhora de Guadalupe, Nossa Senhora de Medjugorje, Nossa Senhora de Akita, Nossa Senhora de Zeitoun, Nossa Senhora de Garabandal e Nossa Senhora de Knock estavam ocupadas com outros afazeres naquela hora.

Como os gregos, os romanos e os vikings lidam com essas charadas politeológicas? Vênus era só outro nome para Afrodite ou elas eram duas deusas distintas do amor? Thor, com seu martelo, era uma manifestação de Wotan ou outro deus? Quem se importa? A .vida é curta demais para nos preocuparmos com a distinção entre os muitos produtos da imaginação. Como já tratei um pouco do politeísmo para evitar a acusação de negligência, não direi mais nada sobre ele. Em nome da concisão, vou me referir a todas as divindades, sejam poli ou monoteístas, como apenas "Deus". Também tenho consciência de que o Deus de Abraão é (para usar termos leves) agressivamente masculino, e esse fato aceitarei como convenção para o uso dos pronomes. Teólogos mais sofisticados declaram que Deus não tem sexo, embora algumas teólogas feministas queiram compensar injustiças históricas designando-a mulher. Mas, afinal de contas, qual é a diferença entre uma mulher inexistente e um homem inexistente? Imagino que, no cruzamento irreal entre teologia e feminismo, a existência possa mesmo ser um atributo menos importante que o gênero.

Sei que aqueles que criticam a religião podem ser atacados por não dar o devido crédito à fértil diversidade de tradições e visões de mundo que vêm sendo chamadas de religiosas. Obras antropologicamente informadas, de "O ramo de ouro", de James Prazer, a "Religion explained", de Pascal Boyer, ou "In gods we trust" [Acreditamos em deuses], de Scott Atran, documentam de forma fascinante a bizarra fenomenologia das superstições e dos rituais. Leia esses livros e maravilhe-se com a riqueza da credulidade humana.

Mas não é essa a natureza deste livro. Condeno o sobrena-turalismo em todas as suas formas, e o modo mais eficaz de prosseguir é me concentrar na forma que tem a maior chance de ser familiar aos meus leitores — a forma que influencia mais ameaçadoramente todas as nossas sociedades. É provável que a maioria dos meus leitores tenha sido criada em uma ou outra das três "grandes" religiões monoteístas da atualidade (quatro, se se contar o mormonismo), todas as quais remontam ao patriarca mitológico Abraão, e será conveniente manter essa família de tradições em mente ao longo do restante do livro.

Este é um momento tão bom quanto qualquer outro para antecipar uma réplica provável ao livro, que se não aparecesse aqui surgiria, com certeza absoluta, numa resenha: "Eu também não acredito no Deus em que Dawkins não acredita. Não acredito num senhor de compridas barbas brancas que fica no céu".

Aquele senhor é um elemento irrelevante de distração, e suas barbas são tão tediosas quanto compridas. Na verdade, a distração é pior que irrelevante. Sua bobice é calculada para desviar a atenção do fato de que aquilo no que o autor da crítica realmente acredita não é menos bobo. Sei que você não acredita num senhor barbado sentado numa nuvem, então não percamos mais tempo com isso. Não estou atacando nenhuma versão específica de Deus ou deuses. Estou atacando Deus, todos os deuses, toda e qualquer coisa que seja sobrenatural, que já foi e que ainda será inventada.

MONOTEÍSMO

"O grande e indizível mal no cerne de nossa cultura é o monoteísmo. A partir de um texto bárbaro da Idade do Bronze, conhecido como Antigo Testamento, evoluíram três religiões anti-humanas — o judaísmo, o cristianismo e o islã. São religiões de deus-no- céu. São, literalmente, patriarcais — Deus é o Pai Onipotente —, daí o desprezo às mulheres por 2 mil anos nos países afligidos pelo deus-no-céu e seus enviados masculinos terrestres". (Gore Vidal)

A mais antiga das três religiões abraâmicas, e a clara ancestral das outras duas, é o judaísmo: originalmente um culto tribal a um Deus único e desagradável, que tinha uma obsessão mórbida por restrições sexuais, pelo cheiro de carne queimada, por sua superioridade em relação aos deuses rivais e pelo exclusivismo de sua tribo desértica escolhida. Durante a ocupação romana da Palestina, o cristianismo foi fundado por Paulo de Tarso como uma seita do judaísmo menos intransigentemente monoteísta e menos exclusivista, que olhou além dos judeus e para o resto do mundo. Vários séculos depois, Maomé e seus seguidores retomaram o monoteísmo inflexível do original judaico, mas não seu exclusivismo, e fundaram o islamismo a partir de um novo livro sagrado, o Corão, ou Qur'an, acrescentando uma forte ideologia de conquista militar à disseminação da fé. O cristianismo também foi disseminado pela espada, primeiro nas mãos romanas, quando o imperador Constantino o elevou de culto excêntrico a religião oficial, depois nas dos cruzados e depois nas dos conquistadores e outros invasores e colonizadores europeus, com acompanhamento missionário. Para a maior parte de meus propósitos, as três religiões abraâmicas podem ser tratadas como indistinguíveis. Exceto quando eu declarar o contrário, terei principalmente o cristianismo em mente, mas apenas porque por acaso essa é a versão com que tenho mais familiaridade. E não me preocuparei nem um pouco com outras religiões como o budismo e o confucionismo. Na verdade, o fato de elas serem tratadas não como religiões mas como sistemas éticos ou filosofias de vida quer dizer alguma coisa.

A definição simples da Hipótese de que Deus Existe com que comecei tem de ser significativamente engordada para acomodar o Deus abraâmico. Ele não criou apenas o universo; ele é um Deus pessoal que vive dentro dele, ou talvez fora dele (o que quer que isso signifique), possuidor das qualidades humanas desagradáveis às quais aludi.

Qualidades pessoais, sejam agradáveis ou desagradáveis, não têm espaço no deus deísta de Voltaire e Thomas Paine. Comparado ao delinqüente psicótico do Antigo Testamento, o Deus deísta do Iluminismo setecentista é um ser mais grandioso: respeitável por sua criação cósmica, altivamente despreocupado com as questões humanas, sublimemente indiferente a nossos pensamentos e esperanças particulares, alheio a nossos pecados ou penitências resmungadas. O Deus deísta é um físico que encerra toda a física, o alfa e ômega dos matemáticos, a apoteose dos projetistas; um hiperengenheiro que estabeleceu as leis e as constantes do universo, ajustou-as com uma precisão e uma antevisão extraordinárias, detonou o que hoje chamamos de big bang, aposentou-se e ninguém nunca mais soube dele.

Em épocas de fé mais exacerbada, os deístas foram considerados iguais aos ateus. Susan Jacoby, em Freethinkers: A history of American secularism [Livrespensadores: uma história do secula-rismo americano], lista uma seleção dos epítetos lançados contra o pobre Tom Paine: "Judas, réptil, porco, cachorro louco, bêbado, nefasto, arquibesta, bruto, mentiroso e, é claro, infiel". Paine morreu abandonado por ex-amigos políticos envergonhados com suas opiniões anticristãs (com a honorável exceção de Jefferson). Hoje em dia, a situação mudou tanto que é mais provável que os deístas sejam contrastados com os ateus e agregados aos teístas. Afinal, eles realmente acreditam numa inteligência suprema que criou o universo.

Texto de Richard Dawkins em "Deus, Um Delírio", Companhia das Letras, São Paulo, 2007, tradução de Fernanda Ravagnani de "The God Delusion", excertos pp.43-51. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa. 

MITOLOGIA OCIDENTAL: DISSOLUÇÃO E TRANSFORMAÇÃO

$
0
0

No culto matinal, um padre da Igreja Anglicana se dirige à origem e base do Universo com a seguinte invocação: "Deus Eterno e Todo-poderoso, Rei dos Reis, Senhor de todos os Senhores, Regente único de todos os Príncipes, que em Vosso Trono olhais por todos os habitantes da Terra, a vós imploramos com fervor que volteis Vosso olhar para nossa soberana Rainha Elizabeth e toda a família real. Concedei-lhe em abundância os bens celestiais, vida longa, riqueza e saúde etc."

Obviamente, é uma linguagem de adulador profissional na corte. Pois o mais básico modelo, ou imagem, em vigor na civilização ocidental tem sido a idéia do universo à semelhança de uma monarquia política, o que é extremamente problemático para os cidadãos dos Estados Unidos, onde se espera que acreditemos que a república é a melhor forma de governo. Mas um imenso número de nossos cidadãos acredita que o universo é uma monarquia e, se o universo é uma monarquia, essa é, evidentemente, a melhor forma de governo. Assim, até muito recentemente, ninguém podia se opor em sã consciência a lutar numa guerra, a não ser que declarasse solenemente acreditar que recebia ordens de um Ser Supremo e portanto de um escalão de comando superior ao do Presidente dos Estados Unidos.

Isso criava grande dificuldade para budistas ou taoístas, que não acreditam num Ser Supremo nesse sentido. Entretanto, adverti muitos pacifistas convictos de que, quando dizem as palavras "Ser Supremo", os legisladores estão tentando usar uma expressão vaga e não a definição de uma crença teísta. Em 1928, o Parlamento Britânico se reuniu para discutir a autorização de um novo livro de oração para a Igreja Anglicana. A autorização não foi concedida porque julgaram o livro muito "alto clero". Mas, durante o debate, alguém se levantou e disse: "Não é meio ridículo que esse corpo legislativo secular seja chamado para decidir sobre as questões da Igreja? Afinal, há tantos ateus entre nós!" Outro membro do Parlamento respondeu: "Ah, não creio que haja ateus aqui. Todos acreditamos que exista alguma coisa em algum outro lugar." Assim, penso que a expressão "o Ser Supremo" significa alguma coisa em algum outro lugar.

A base do senso comum por trás de grande parte das leis e instituições sociais dos Estados Unidos é uma teoria do universo fundamentada nas antigas monarquias despóticas do Oriente Próximo. Na verdade, títulos como "Rei dos Reis" e "Senhor de todos os Senhores" eram típicos dos imperadores persas. Os faraós do Egito e o legislador Hammurabi forneceram um modelo de pensamento sobre este mundo. Pois a idéia fundamental subjacente ao imaginário do livro do Gênesis e, conseqüentemente, das tradições judaica, islâmica e cristã é a de um universo como um sistema de ordem imposta de cima pela força espiritual, à qual devemos obediência. Essa idéia comporta o seguinte complexo de subidéias:
(1) Que o mundo físico é um artefato. É algo feito, construído. Ademais, implica a idéia de que é uma criação em cerâmica.

O livro do gênesis diz que o Senhor Deus criou Adão com barro e, tendo feito o modelo em argila, soprou o sopro da vida em suas narinas e a figura de argila tornou-se a incorporação de um espírito vivo. Esta é a imagem básica inserida profundamente no senso comum da maioria dos povos do mundo ocidental. Assim, é natural que uma criança educada na cultura ocidental pergunte à mãe: "Como foi que me fizeram?" Achamos muito lógico perguntar: "Como foi que me fizeram?" Mas acho que uma criança chinesa não faria essa pergunta. Não ocorreria a ela. A criança chinesa poderia dizer: “como foi que eu cresci?", mas não "Como foi que me fizeram?” no sentido de ter sido construído, montado, formado por alguma substância básica, inerte e, portanto, essencialmente boba. Pois quando tomamos a imagem da argila, não esperamos ver a argila por si só formando um vaso. A argila é passiva. A argila é homogeneizada. Não tem uma estrutura especial. É uma espécie de grude. Para assumir uma forma inteligível precisa ser trabalhada por uma força e uma inteligência externas. Assim, temos a dicotomia da matéria e da forma, que encontramos em Aristóteles e mais tarde na filosofia de Santo Tomás de Aquino. A matéria é uma espécie de coisa básica que só toma forma com a intervenção da energia espiritual. Esta tem sido uma questão básica para todo o nosso pensamento — o problema da relação entre matéria e mente.

Pois como pode a mente exercer influência sobre a matéria? Afinal, todo espírito que se preza atravessa paredes, e, se ao atravessar a parede não desloca um tijolo sequer, como um espírito que habita a máquina, um espírito que habita o corpo, levanta o braço e mexe a cabeça? Esta tem sido uma questão fundamental para o pensamento ocidental, porque fizemos uma distinção entre a matéria bruta não-inteligente e o espírito ativo inteligente.

Muito da filosofia da arte no Ocidente imagina o trabalho do artista como uma imposição da vontade sobre um material intratável. O escultor bate a pedra até que se submeta à sua vontade. O pintor pega óleos e pigmentos inertes e lhes dá forma... e tantos pintores e escultores sentem que o material com que trabalham é sempre intratável, que nunca conseguem dominá-lo completamente porque a natureza física, material e, portanto, diabólica da coisa com que trabalham resiste sempre à visão que o espírito quer representar. Mesmo um grande historiador da arte como André Malraux fala dessa tensão entre a visão do artista, sua vontade e sua técnica, e a intratabilidade material, grosseira, da coisa. Também no senso comum, no cotidiano, pensamos o mundo material como uma espécie de amálgama de argila, de matéria formada. Chegamos à estranha depravação de pensar que as árvores são feitas de madeira. Ou que as montanhas são feitas de pedra, da mesma maneira que este tablado é feito de madeira pelo carpinteiro, e talvez não seja insignificativo que Jesus fosse filho de um carpinteiro, bem como filho do Arquiteto do universo. Obviamente, a árvore não é feita de madeira. A árvore é madeira. A montanha não é feita de pedra. É pedra. Toda a questão da ciência ocidental para entender a natureza do mundo físico foi originalmente a tentativa de descobrir qual é a matéria básica e, além dela, qual é o plano, o projeto, na mente do fabricante.

A essa altura os físicos ocidentais já abandonaram a questão "O que é a matéria?", porque sabem que só podemos descrever os processos físicos em termos de estrutura, em termos de forma, em termos de padrão. Não se pode dizer o que é a coisa. Quando uma descrição científica toma a forma de uma equação, como a + b = b + a, ou l +2 = 3, todo mundo entende o que significa. É uma afirmação perfeitamente inteligível. Sem que ninguém precise dizer o que a significa, o que b significa, nem um o-quê, dois o-quê, três o-quê. O padrão, por si só, é suficiente. Pois a física moderna entende que o que acontece no mundo, o que somos, é apenas padrão. Imagine, por exemplo, uma corda em que o primeiro metro é feito de cânhamo, o segundo de seda, o terceiro de algodão e o quarto de náilon. Você dá um nó nessa corda, um nó corrediço simples, e o movimenta pela corda. O material do nó vai mudando, mas o nó permanece o mesmo. Da mesma maneira, cada um de nós é reconhecível como indivíduo em virtude de ser um padrão consistente de comportamento. Tudo o que poderia ser descrito como nossa substância, isto é, o leite, a água, o bife etc., que nos compõe (pois somos o que comemos), está em mudança constante, e qualquer coisa que pudesse ser considerada como componente do nosso corpo está sempre de passagem. Hoje você conhece o seu amigo de ontem porque reconhece um padrão consistente de comportamento. O que a ciência estuda, o que a ciência descreve hoje, é apenas padrão. Mas o indivíduo médio ainda não se recuperou da superstição de que, por baixo dos padrões, dentro dos padrões, existe algum tipo de coisa. Pois quando examinamos algo, vemos primeiro o padrão, a forma, e só depois perguntamos: "Essa forma é composta de quê?", e então pegamos o microscópio para olhar atentamente o que pensávamos ser a substância de, por exemplo, um dedo. Descobrimos que a suposta substância é um belo desenho minúsculo de células. Vemos uma estrutura, mas quando vemos esses pequenos padrões chamados células individuais, tornamos a perguntar: "De que são feitas?", e isso exige um microscópio de maior precisão, uma análise mais minuciosa. Aumentando um pouco mais o grau de ampliação, descobrimos que as células são moléculas, mas continuamos perguntando: "Qual é a coisa que compõe a molécula?" O que de fato descobrimos nesse processo é que o que chamamos de "coisa" são apenas padrões vistos fora de foco. É impreciso, e a coisa toda é uma imprecisão. Quando saímos da imprecisão e ajustamos o foco, se tornam padrões. Então, o que realmente existe é o padrão. Esse mundo é energia dançante.

Embora este seja o ponto de vista do mais recente pensamento científico ocidental, não é o senso comum da média das pessoas. Ainda não é a imagem segundo a qual os indivíduos dão sentido ao mundo, e essa é minha definição de "mito". Mito, não com o significado de falsidade, mas num sentido muito mais profundo do mundo, é um imaginário a partir do qual extraímos sentido da vida. Quando alguém tenta explicar a eletricidade a um leigo, por exemplo, usa a imagem da água ou de como a água flui. O leigo entende. O que o leigo não entende é o comportamento da eletricidade. Ou um astrônomo que, tentando explicar a natureza do espaço curvo, pode comparar a construção do espaço à superfície de ura balão com pintinhas brancas. Quando se enche o balão, as pintinhas se afastam cada vez mais umas das outras, o que é mais ou menos como o universo em expansão. Ele está usando uma imagem, e não dizendo que "o mundo é um balão"; está dizendo que "é como um balão". Assim, da mesma maneira, nenhum teólogo sensato jamais disse que Deus é literalmente o pai do universo, que Deus é um pai cósmico, mas que Deus é como um pai. É uma analogia. Más a imagem tem sempre uma influência mais forte sobre nossos sentimentos do que idéias abstratas e sofisticadas. Portanto, a imagem de Deus como o rei político, o pai legítimo, teve ampla influência sobre os sentimentos de cristãos, judeus e muçulmanos durante muitos e muitos séculos. No decorrer do tempo, tornou-se uma imagem descabida e teve de ser abandonada porque ninguém quer se sentir observado o tempo todo por uma autoridade que o julga, por mais benéficas que sejam suas intenções. Vocês devem se lembrar dos seus tempos de escola, cada um em sua carteira escrevendo uma redação ou fazendo um exercício de matemática, e de vez em quando a professora chegava devagarinho por trás e olhava por cima do seu ombro para ver o que você estava fazendo. Ninguém gosta disso. Ainda que você tenha o maior respeito pela professora, nem por isso quer ser vigiado. A idéia de que estamos sempre sendo observados por alguém que nos conhece a fundo e nos julga é profundamente constrangedora: precisamos nos livrar disso. Assim sobreveio a "Morte de Deus", isto é, a morte dessa idéia específica de Deus, que foi substituída, no curso do desenvolvimento do pensamento ocidental nos séculos XVIII e XIX, por um outro modelo de universo, conservando porém uma continuidade com o modelo do universo que nos foi passado pela Sagrada Escritura e pela tradição cristã.

Vamos recordar que o modelo do mundo, o mundo feito por Deus, era basicamente um artefato, um constructo, um mecanismo e, portanto, governado pela lei. Supunha-se que todos os processos no universo funcionavam em obediência à palavra de Deus. Pois, como diz a Bíblia, "pela palavra do Senhor se fez o céu e todos os seus habitantes pelo sopro de sua boca." No princípio era a Palavra... então
""Droga!", disse certa vez um jovem
Pois pareço ser de fato
Uma criatura que se move,
Em trilhos determinados:
Nem ao menos sou um ônibus, sou um bonde!"

Toda a busca de conhecimento no mundo ocidental foi para determinar as leis, a Palavra que foi lançada no princípio e é obedecida por todos os processos vivos. Se pudéssemos entender a palavra de Deus, poderíamos predizer o futuro. Logo, grande parte das profecias, principalmente o Velho Testamento, consiste em livros escritos pelos que ouviram a palavra do Senhor e sabiam o que iria acontecer. Esta é a base da ciência ocidental. É a idéia de profecia, de previsão, porque se você conhece o futuro, pode se preparar para ele e assumir o controle. Mas ao mesmo tempo isso contém uma espécie de nêmesis porque, se você conhece o futuro, a única coisa que o futuro diz com certeza é "morte e prestação de contas". Principalmente a morte... você vai morrer. Você vai acabar. O futuro só pode dar certo por algum tempo, mas no fim é o Juízo Final, a não ser que você consiga acreditar que, por meio de uma intervenção sobrenatural depois do Juízo Final, da inevitável decadência de todas as formas físicas, haverá uma ressurreição do corpo. A morte é conseqüência da intratabilidade e da estupidez inerentes à matéria. No fim, o espírito não pode dominar a matéria, e todas as coisas de barro que criamos se quebram porque o peso e a amorfia da matéria prevalecerão. Mas indo além, acalentamos a esperança de que no fim o espírito será mais forte e capaz de miracular a matéria, tornando-a imortal. A idéia de ressurreição do corpo implica a transformação da matéria cm vida eterna.

Esse é o empreendimento tecnológico do Ocidente. E o que buscamos. Toda a tecnologia, sobretudo na medicina, que hoje transplanta corações, tenta tornar a matéria subserviente à vontade, ao espírito, e torná-la imortal. Mas é realmente isso o que queremos? Em minha opinião, ao entrar na escola, todo aluno deveria ser obrigado a escrever uma redação com o título "Minha Idéia de Céu", com a recomendação de que fosse extremamente específico e expusesse nos termos mais explícitos o que ele realmente deseja. Danem-se os custos, esqueça a parte prática, e diga: o que você gostaria, de verdade? Qual seria seu maior ideal de prazer? Seria muito possível que, pensando bem, não quiséssemos a imortalidade da personalidade individual. Talvez descobríssemos que seria um tédio horroroso. Mas em geral não pensamos muito sobre essas coisas. É fascinante ver a diversidade de imagens que as pessoas têm do céu, saber o que esperam do céu. Mas as pessoas se limitam a tocar no assunto, nunca entram em detalhes. Todos detalham muito mais a imagem do inferno; esta sim, é extremamente detalhada. Todas as torturas já foram especificadas. (quanto à imagem do céu, dizemos apenas: "Ah, vai ser maravilhoso! Ruas calçadas de ouro, harpas tocando", e as crianças protestam imediatamente: "Quer dizer que, depois da morte, vamos ficar o tempo todo na igreja?" Que coisa horrível! Veja a arte religiosa do mundo ocidental. Lembro-me particularmente do quadro O Juízo Final, de Jan van Eyck. O céu em cima, o inferno embaixo. O céu é uma massa sólida de pessoas sentadas em bancos de igreja, uma fileira de cabeças parecendo um calçamento de paralelepípedos. Têm uma expressão recatada, muito séria, e lá embaixo... que legal! Uma massa de corpos nos contorcidos em atitude erótica, picados por serpentes, presididos por um crânio com asas de morcego. A visão do inferno é sensacional A do céu, não. Assim, de uma maneira ou de outra, não pensamos bem no que desejamos. Como diz o provérbio: "Cuidado com o que você pedir, pois pode ser atendido." Assim, tivemos de nos livrar dessa imagem de Deus como governante autocrático, pois era muito desagradável. Mas justificamos essa decisão fazendo uma imagem ainda mais desagradável, em termos de racionalização. Passamos a adotar a crença num universo que está a nosso favor, numa "base do ser" pessoal e interessada em nós. É uma idéia confusa gerada pelo desejo. Muito bom para velhas senhoras e para histórias infantis, mas as pessoas pensantes, tomando emprestada a frase de William James, encaram os fatos, e o fato é que o universo não liga a mínima para seres humanos e de nenhuma outra espécie. É um processo mecânico completamente irracional, cujos princípios serão explicados por analogia com o jogo de bilhar. Certamente, foi o modelo pelo qual Newton pensou o mundo. Alinhado com Newton, Freud pensou o mundo físico em termos hidráulicos — a psicohidráulica é a base do pensamento de Freud — com a idéia do inconsciente como um rio contido por uma represa que deve ser controlada porque o rio não tem cabeça. É também chamada de libido, que poderia significar "luxúria cega". Da mesma forma, Ernest Haeckel pensou a energia do mundo como uma energia cega. Tudo é mecânico, e o nosso segundo grande modelo do mundo, a que chamo modelo completamente automático, veio a reboque do modelo judaico-cristão. Era um artefato, conseqüentemente uma máquina, mas tanto o artífice quanto o controlador, o Deus pessoal, desapareceram e para nós só sobrou o mecanismo.

Nesse estado de coisas, o ser humano foi considerado um golpe de sorte, um acaso estatístico, com a mesma chance de que milhões de macacos batendo em milhões de máquinas de escrever durante um milhão de anos acabassem por escrever a Enciclopédia Britânica. A visão do ser humano como golpe de sorte não é muito diferente do ser humano como produto da excentricidade divina. No Livro do Gênesis, Deus é muito excêntrico, De repente criou as baleias! Sem mais nem menos! Depois olhou para elas e viu que eram boas. Nem sabia se elas seriam boas ou não, mas, ao ver Sua obra, disse: "Está bom. Aprovado!" Há sempre essa sensação de golpe de sorte. De fato, a crença em que somos um golpe de sorte numa rotação mecânica é hoje a mais difundida.

Há muito poucas pessoas religiosas no mundo ocidental, porque a maioria delas não acredita realmente no cristianismo, ainda que sejam Testemunhas de Jeová. Mas acreditam que devem acreditar e se sentem muito culpadas quando não acreditam. Por isso pregam uns para os outros, dizendo: "Você deve acreditar!", mas eles mesmos não acreditam. Se acreditassem estariam gritando pelas ruas, comprando páginas inteiras para anunciar diariamente nos jornais e fazendo programas de televisão tenebrosos sobre o Juízo Final. Contudo, quando as Testemunhas de Jeová batem a sua porta são muito corteses. Não acreditam realmente. Tornou-se simplesmente implausível e todo mundo acredita é na imagem do modelo totalmente automático, em que somos rotações do acaso num universo no qual somos como bactérias que habitam uma bola de pedra na órbita de uma estrela insignificante na franja externa de uma galáxia sem importância. E em breve será isso mesmo. Quando morremos, morremos. Acaba tudo. Na linguagem do dia-a-dia, no pensamento cotidiano, dizemos frases do tipo: "Vim ao mundo" ou, para citar o poeta Housman: Eu, estrangeiro e infeliz Num mundo que não fiz.

Fica a sensação de sermos alguma coisa que não faz parte. Certamente, se você é um golpe de sorte, não faz parte. Da mesma forma, se você é um espírito encarnado vindo de um mundo espiritual muito diferente desse mundo material, você não faz parte. No senso comum de muita gente civilizada existe o sentimento de olhar o mundo como algo fora da pessoa, estranho à pessoa, e por isso se diz: "Você tem de encarar os fatos. Você tem de enfrentar a realidade." O "Encontro  Existencial"! A verdade é que você não vem ao mundo. Você sai do mundo, da mesma maneira que uma folha sai da árvore e um bebê sai do ventre. Você é sintomático desse mundo.

Se você é inteligente (e somos obrigados a supor que o ser humano é inteligente), é sintomático de um sistema de energia inteligente. Como Jesus disse, não se pode colher figos de cardos, nem uvas de espinheiros. Da mesma forma, não se pode colher gente de um mundo que não dá gente. Nosso mundo dá gente da mesma maneira que a macieira dá maçãs o que n videira dá uvas. Somos sintomáticos de um ambiente extremamente organizado e complexo. Não se encontra um organismo inteligente num ambiente não-inteligente, da mesma maneira que não se colhem maçãs de uma amendoeira. Portanto é curioso que, principalmente no século XIX, quando a filosofia da ciência era chamada naturalismo científico (envolvendo o repúdio da noção de que o mundo era governado por uma inteligência externa e sobrenatural), as pessoas que se intitulavam naturalistas tivessem dado início a uma guerra sem precedentes contra a natureza. Os naturalistas achavam a natureza estúpida, e para que os valores da inteligência humana prevalecessem, era preciso vencer a natureza e submetê-la à nossa vontade. Assim começamos a formar uma tecnologia cuja premissa básica era que o homem deveria dominar e não cooperar com a natureza. Nossa tecnologia foi motivada por um espírito hostil cujos dois maiores símbolos mitológicos são o tanque militar e o foguete espacial.

O foguete espacial é obviamente um símbolo fálico, mas um falo hostil. Isso deve ter algo a ver com nossas inadequações sexuais. No sentido biológico, o falo não é uma arma; é um instrumento de carícia. A idéia do falo gira em torno de proporcionar êxtase, e talvez um filho, a mulher. Não se destina a perfurá-la como uma espada. Assim, a concepção correta de foguete não deveria ser para conquistar o espaço... mas alguém pode conceber a idéia de dar prazer ao espaço, de ir ao espaço para dar amor e alegria a quaisquer outros seres que possam viver por lá, ou fertilizar planetas áridos? Da mesma forma, o símbolo do tanque de guerra é uma terrível realização da profecia bíblica de que "todo vale será exaltado e toda montanha será rebaixada e os lugares acidentados serão aplainados", numa atitude de achincalhar o mundo. Portanto, para nossa própria sobrevivência, temos urgência absoluta de rever a tecnologia com uma atitude e um espírito totalmente diferentes. Não seria uma atitude antitecnológica. Não significa dizer que a ciência é um erro deplorável, pois o que precisamos não é de menos ciência, mas de mais.

Precisamos estudar e entender cada vez mais nossa dependência e a complexidade de nossas relações com plantas, insetos, bactérias, gases, processos astronômicos, e quanto mais entendermos que nossa existência e a existência de todas as coisas e todas as criaturas são um único processo, mais poderemos usar a tecnologia de uma forma inteligente, vendo o mundo externo a nós como uma extensão ou parte de nosso corpo. Mas a transformação da mitologia ocidental exige ainda outro passo. Temos vivido com a imagem política do universo dominado por um legislador essencialmente violento. Aliás, toda a organização das igrejas, com toda a sua doutrina, é violenta, militar. Em O Paraíso Perdido, Milton descreve o que estava acontecendo no Céu muito antes que Lúcifer pensasse em se rebelar: havia exércitos com bandeiras e toda a heráldica da guerra e da força. Quem estava procurando confusão? Pense em todas as imagens que amamos nas igrejas, em quantos sentem o coração bater forte ao ouvir o hino “Avante, Soldados de Cristo". E a "Cruz de Jesus, marchando à frente"— a bandeira militar. In hoc signo vinces. Mas o modelo militar de imposição de ordem ao mundo através da violência não funcionou e toda a história da religião é a história do fracasso da doutrinação. A pregação só faz hipócritas. As pessoas imitam a virtude porque temem a ira de Deus ou, com maior sofisticação, temem ser pessoas falsas, nãoautênticas, que é a nova versão de ir para o inferno. Não funciona. O modelo totalmente automático também não funciona porque é apenas outra forma de hostilidade. Significa dizer: "Sou um sujeito durão porque encaro os fatos, esse universo é só uma coisa boba, e se você é realista vai encarar também, não vai? Quem acredita em Deus, ou em alguém que cuida de tudo, são as velhinhas sentimentais. É duro admitir, entende? Quanto mais acredito que o universo é horrível, mais me anuncio como uma personalidade forte, que encara os fatos."

Mais adequada a ciência do século XX seria uma imagem orgânica do mundo, o mundo como um corpo, um amplo padrão de energia inteligente que tem um novo relacionamento conosco. Não estamos no mundo como súditos de um rei, nem vítimas de um processo cego. Não estamos no mundo de modo algum. Somos o mundo! O mundo é você. Nesse mito orgânico do mundo, cada indivíduo deve ver a si próprio como responsável pelo mundo. Não pode olhar para trás e dizer a seus pais: “Vocês me meteram nisso, miseráveis!" Nos juizados de menores, as crianças que ouviram falar em psicanálise podem dizer: "Não tenho culpa de ser delinqüente. Foi minha mãe que me prejudicou e tenho complexo de Édipo." E a imprensa diz: "Não é culpa da criança; temos de cuidar dos pais", e os pais dirão: "Não podemos evitar a neurose; foram nossos pais que nos prejudicaram." O que remete a história do Jardim do Éden, quando o Senhor Deus perguntou a Adão: 'Acaso comeste do fruto da árvore que eu tinha ordenado que não comesses?", e Adão disse: "A mulher que me deste por companheira deu-me do fruto da árvore e comi." E quando o Senhor perguntou a Eva: "Por que fizeste isso?", ela disse: 'A serpente me enganou...", e o Senhor Deus olhou para a serpente e a serpente não disse nada. Ela simplesmente não culpou o outro. Ela sabia a resposta porque o Senhor Deus e a serpente haviam combinado nos bastidores, muito antes que isso acontecesse, que iriam representar essa cena, pois a serpente é a mão esquerda de Deus e "não deixe que a sua mão direita saiba o que a esquerda está fazendo".∗ Como vimos, é um jogo de esconde-esconde. Não vejo a menor possibilidade de haver o que chamo de uma atitude basicamente saudável na vida quando se culpa o outro pelo que acontece. Como se diz no budismo, tudo o que acontece é seu carma, o que significa que é obra sua. Pode parecer um pouco megalomaníaco, como se você dissesse: sou responsável por tudo, como se fosse Deus. Mas só é megalomania se você usar a imagem monárquica de Deus, e é por isso que não se pode dizer no Ocidente: "Eu sou Deus." Se disser, vão enfiá-lo num hospício, porque você está dizendo: "Sou o dono daqui e você deve me adorar como divindade."

Mas se temos outra imagem de Deus, uma imagem orgânica semelhante ao corpo humano, quem é que manda? A cabeça? O estômago? O coração? Você pode argumentar a favor de cada um. Pode dizer que o estômago é fundamental porque chegou primeiro. É o órgão que distribui vitalidade, alimentando todos os outros órgãos. Portanto, o estômago é primordial. Pode argumentar que a cabeça, um gânglio de nervos no ponto mais alto do canal alimentar, é um acessório do estômago e evoluiu a fim de parasitar o ambiente com mais inteligência para arrumar alguma coisa que alimente o estômago. A cabeça protesta: "Não, está certo que cheguei depois e o estômago já estava lá, mas João Batista chegou antes de Jesus Cristo. Eu, como cabeça, sou o produto mais recente e mais evoluído, e o estômago é meu servo. O estômago é que fica parasitando o ambiente a fim de dar energia para que eu possa me dedicar à filosofia, cultura, religião e arte." As duas argumentações são igualmente válidas ou inválidas. O que importa num organismo é a cooperação, ou como diz Lao-Tzu, "ser ou não ser surgem mutuamente. Longo e curto subentendem um ao outro; difícil e fácil se implicam mutuamente". Da mesma forma, sujeito e objeto, eu e você. Dentro e fora. Todos vêm a ser juntos. Tal como coração e cabeça, cabeça e estômago. São recíprocos e há uma cooperação na qual a ordem não deriva da imposição de cima, de um ordenante.

Assim Lao-Tzu fala do Tao, curso e ordem da natureza: "O grande Tao se estende a toda parte, a esquerda e a direita. Ama e nutre todas as coisas mas não se impõe a elas, e quando o mérito é alcançado, não o reclama para si." E ainda: "Quando governar um grande país, faça-o como se cozinhasse um peixe pequeno", pois quando você cozinha um peixinho, não fica mexendo muito. Tenha muito cuidado. Não cozinhe demais.

(Todas as passagens bíblicas foram retiradas da Bíblia Sagrada: traduzida da Vulgata e anotada pelo Pe Matos Soares, São Paulo - Edições Paulinas, 1961)

Assim, podemos ter esperança de que talvez chegue o dia em que o presidente dos Estados Unidos seja tão anônimo quanto o chefe do departamento de engenharia sanitária da cidade de Nova York, que é um indivíduo de grande valor no exercício de uma função de grande utilidade. Mas quando o chefe do departamento de Nova York anda pelas ruas não há fanfarras, não há uma imensa escolta policial, pois quem se importa com o chefe do departamento sanitário? A tradição cristã já traz uma estranha alusão a isso. Na Epístola aos Filipenses, São Paulo diz: "Tende em vós os mesmos sentimentos que Jesus Cristo teve: Ele, subsistindo na condição de Deus, não pretendeu reter para si ser igual a Deus. Mas se despojou de si mesmo, tornando a condição de servo feito semelhante aos homens. E, apresentando-se como simples homem, humilhou-se, feito obediente até a morte, até a cruz." Esse esvaziamento de si, ou renúncia ao poder por parte do Deus é chamado pelos gregos de kenosis. É a idéia de que Deus cria o mundo abrindo mão do poder, instituindo uma monarquia constitucional, e não tirânica.

Pois todos os que realmente entenderam o poder e o jogo do poder, como certos sábios iogues asiáticos que exercitaram todo tipo de poderes psíquicos, sabem que a resposta não está no poder psíquico. Todos os livros de práticas de ioga e budismo afirmam que siddhi, os poderes sobrenaturais, devem ser abandonados porque a resposta não e o poder. Não é o que você quer. Assim voltamos a questão de refletir sobre o que você quer. Se você tivesse poder absoluto e perfeito controle sobre tudo o que acontece, o que seria a idéia final da tecnologia, sabe o que aconteceria? Você teria um futuro absolutamente previsível, seria o profeta perfeito, saberia tudo o que vai acontecer e, no momento em que souber tudo o que vai acontecer, tudo já aconteceu. Porque o futuro perfeitamente conhecido é o passado. Quando estamos no meio de um jogo e já sabemos o resultado,  interrompemos aquele jogo e começamos outro porque o que queremos é a surpresa. Como um homem muito sábio disse certa vez: "Gnosis, a perfeita sabedoria e iluminação, é se surpreender com todas as coisas."

Texto de Alan W. Watts em "Mitos,Sonhos e Religião", organizado por Joseph Campbell, Ediouro, Rio de Janeiro, 2001, traduzido de "Myths,Dreams and Religion" por Angela Lobo de Andrade e Bali Lobo de Andrade, excertos pp.10-26. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

WHAT IS AYAHUASCA?

$
0
0


The term “Ayahuasca” is a Quechua name that refers to the plant Banisteriopsis Caapi, a vine native to the Amazon rainforest, as well as to any of the various infusions or decoctions prepared from the same plant and used for shamanic, medicinal, religious, and spiritual purposes.

The vine contains the beta-carboline harmala alkaloids and monoamine oxidase inhibitors (MAOIs) harmine, harmaline, and tetrahydroharmine. Although recipes vary from area to area, the brew known as Ayahuasca (or “Yagé” in Colombia) is usually made from this vine and another plant containing DMT (N,N-dimethyltryptamine), a powerful hallucinogenic alkaloid which is active orally only when combined with an MAOI. The most common DMT-rich plants used in the Peruvian Amazon jungle are Psychotria viridis (“Chakruna” in Quechua) and Diplopterys cabrerana (also known as “Chagropanga,” “Chaliponga,” or “Huambisa”).

Even though according to the Western viewpoint DMT is the active principle in the brew, Amazonian shamans believe that it is the Ayahuasca vine that is the real healer, “la planta maestra”: traditionally, the ingestion of Ayahuasca is not about having the extraordinary visions that have made this medicine popular and mythical, but primarily about cleansing, healing, and connecting with our own truths, wisdom, and intelligence.

My own personal feeling is that the Ayahuasca vine works primarily on the peripheral and enteric nervous system, a clear sign of this being the intense diarrhea it often produces, whereas the DMT-containing ingredients affect the central nervous system as indicated by the strong effects on the visual cortex, and the feeling of the medicine reaching every part of one’s physical body and the not-uncommon experience of being “rewired.”

The brew is prepared by cutting and smashing portions of the vine, and soaking them overnight in water together with the Chakruna plant. They are then boiled for several hours until a thick, syrupy liquid is obtained. Each shaman will add his or her own touch to the brew, often including other ingredients to the basic recipe, such as Datura (Brugmansia) or jungle Tobacco (Nicotiana rustica).

Ayahuasca is commonly known in the Amazon basin as “la purga,” the purge. The strong vomit-inducing properties of this medicine make it a well-deserved title. But the purgative effects of Ayahuasca do not end here. Under the ego-dissolving effects of this medicine we become once again aware that the separation between body, mind, and spirit is only in our heads, i.e., a trick of the mind; so the cleansing action of Ayahuasca is one that encompasses the entirety of our being: in our physical body, in the emotional body, the mind, the soul, and the spirit. This is a reality experienced by almost every person who has taken this medicine.

Due to its cleansing properties, drinking Ayahuasca involves first and foremost the openness of one’s heart and mind to letting go of all those things that we carry within that may have been important or even necessary to our physical and emotional survival, but no longer serve us in the present time and have actually become obstacles to our very own development and evolution.

We spend our lives gathering objects, experiences, and relationships. We also learn ways to cope with certain situations: sometimes the emotions sparked by certain experiences are too intense or painful, or the environment in which we find ourselves is not supportive of the full expression of certain emotional states, for instance in the case of the loss of someone dear. So we learn to repress certain emotions, sometimes to the point of denying them. Traumatic or challenging experiences that have not been given full permission to be experienced are left half-baked in our psyche: we carry their weight without knowing that healing and letting go are available to us if we are only shown how. Living life while carrying so much emotional and mental baggage can be difficult if not impossible: we go to this medicine asking for healing and this is what it delivers.

When I think of Ayahuasca, the most immediate image that comes to mind is that of snakes of light. The snake is a universal symbol of healing and medicine, and in the Andean cosmology it is also the king of the Underworld, which to me is everything right underneath the Earth’s crust and therefore represents the immense healing and nurturing energies of the Earth itself.

As a cosmic symbol of the divine Kundalini,5 this snake speaks of the infinite potential and energies that lie dormant at the very root of our being. Similar to the uncoiled Kundalini that reaches from the bottom of our spine in classical Tantric descriptions, the Ayahuasca vine grows from the ground towards the top of the jungle canopy where its main nutrient, sunshine, lies aplenty.

Plants have the unique characteristic of being able to synthesize from light most of the energy they need for living and thriving – they are practically made of light. Translating this image on a personal level, I feel that the Ayahuasca vine is a mirror of the human condition, born in the depth of the womb and forever reaching for the Divine Light represented by the sun. For me the drinking of Ayahuasca is always the ingestion of Pure Light that brings light, lightness, and enlightenment to the darkest and heaviest parts of my being so I can live my life more fully and in accordance with my divine nature.

TWO AYAHUASCA LEGENDS

Once upon a time there lived in the jungle a beautiful young maiden. Every day at sunset she would go to a clearing by the river to bathe and nothing pleased her more than to wash using the leaves of a Chakruna bush that grew nearby.

Every day she would scrub her body with the Chakruna leaves, singing and praising their qualities and soft feel on her skin. Her devotion to that plant grew so much that one day the Chakruna bush started speaking to her, thus saying, “Dear lady, you have been so nice and grateful to me that I want to reciprocate your gratitude by revealing a secret to you no other human has ever known, and one that your people will treasure forever. You see that snake-like vine wrapping itself around that tree over there? Well, if you mix my leaves with that vine and cook them for hours, you will prepare a drink that will open your spirit to the secrets of this jungle and heal your body of all your aches and ills.”

And so it was that the magical mixture of Ayahuasca was revealed to our ancestors in the jungle.

It is told in the jungle that a long time ago a very powerful medicine man, not content with his knowledge, which was already very vast, called his entire clan to his house. There, in front of everybody, he vowed to sit in meditation until the deepest secrets of the jungle would be revealed to him. That very night he went and sat against a tree. He sat there, motionlessly, in deep meditation. The food his family would bring to him, he would not touch and the dogs would eat. The water his beloved wife would leave by his side he would not touch. Days and weeks went by, the shaman was slowly withering until one day his breath was no longer with him and life seemed to have left his body.

Following his instructions, his body was left where he had been sitting until one day, to the surprise of all the villagers, out of his limbs now decaying started sprouting the first shoots of what was to become the very first Ayahuasca vine on Earth.

The Amazon jungle is a land of legends and myths. The lack of a written tradition is more than compensated for by an abundantly rich oral tradition, where wisdom, knowledge, and traditions are passed down from generation to generation.

To enter the Amazon jungle is to visit another world, a different dimension where events take on different meanings than in westernized cultures. It was during my first Ayahuasca ceremony with a Shipibo shaman outside Iquitos that I realized I had to leave my westerly ways behind and embrace without judgment or preconceived ideas what was happening to me: I was entering a magic world where most of my education and thought patterns were pretty useless.

One of the questions that has haunted many, me included, is how did humans discover the recipe for the Ayahuasca brew? The Ayahuasca vine and the Chakruna plant bear no resemblance and don’t grow together. Considering the incredible variety of Amazonian flora, it would take millennia of scientific trial and error before discovering such a powerful combination.

The two myths here succinctly told give us an idea of the relationship between humans and their environment in the Amazon jungle. In the first one we become aware of a fact that is one of the principal tenets of Amazonian shamanism: plants are living entities and capable of communication, and often in connection with humans.

Chinese medicine and folk medicine around the world make use of the distinctive traits of each plant as a way of interpreting and deciphering their properties. Intuition is often the key in understanding the ways of Nature. In Amazonian shamanism, in particular through the “dieta” process, the concept is taken even further: by engaging in a special diet and drinking extracts of a particular plant, humans enter in direct connection and communication with plants, their energy, and spirit. This may be a way of not only reconnecting with plants and Nature, but also with our ancestral capacity to do so and walk upon this Earth as integral parts of it and no longer alienated from it.

The other important aspect of the first story is the fact that the main human character is a woman. Despite the fact that nowadays the majority of shamans are male, this tale reminds us that women are naturally connected with the powers of Nature. In patriarchal cultures this original role of healers and shamans has been taken away from women, and in today’s race for equality most women still struggle to reconnect with the energies of Nature that run so deeply in their very being, but from which they have been long alienated in the course of human history.

In this first myth our Amazonian Eve is shown the Tree of Knowledge. This does not result in her expulsion from the Garden of Eden, but on the contrary, it leads to a deeper connection with its energies: since the beginning of its use, Ayahuasca has become the key in Amazonian shamanism and culture to access both the secrets of the Forest and the mysteries of the Spirit.

In the second myth another very interesting aspect of the connection between humans and Nature is described. Here it is Man himself to become the first Ayahuasca vine, stressing the interconnectedness between all things and creatures on the planet. In the wider vision of Amazonian spirituality there is no hierarchy between species: all creatures have their own place in the vast design of Creation. It is a fluid universe where the unity of all living beings means not only their reciprocal interconnection but also facilitates their communication and identity. In the same way that a shaman can take on the appearance and moves of a jaguar or an eagle, he can also turn into a vine. And so the vine embodies the highest of human qualities: wisdom.

The myth also illustrates the deep connection of humans and the vine of Ayahuasca, to the point of a total identity between the two. It indicates to which extent the use of Ayahuasca is important to the people of the jungle: Ayahuasca, as the transformation of a shaman, who is one of the most important figures in jungle societies, is also able to reflect back to humans their highest potential and spiritual nature. Drinking Ayahuasca then becomes not only a way of connecting with a plant spirit, but also with the knowledge and wisdom of all of humanity as well as the medicine people that have worked with it throughout history.

PAST AND PRESENT USE: THE ROLE OF AYAHUASCA IN THE AMAZON BASIN YESTERDAY AND TODAY; AYAHUASCA IN THE WORLD TODAY

According to oral tradition and the few written materials available to us today,6 shamans and Amazon natives have been using Ayahuasca for thousands of years. Ayahuasca is the central spiritual sacrament for many ethnic groups in the Amazon basin, the main technique of ecstasy and spiritual trance for shamans all over the jungle.

It is referred to as the “Mother of all Plants” in that it provides shamans with a way of communicating and interacting with all the other plant teachers and medicines of the jungle, as well as other energies and spirits of the Earth and the Heavens.

In tribal ceremonies Ayahuasca is said to have also been used to create a telepathic connection among its members, as well as the energies and spirits of the jungle – because of this, the first ethnobotanists called the active ingredient in Ayahuasca “telepathine.” During Ayahuasca ceremonies, the participants would connect with animal spirits to find better hunting grounds, and with plant spirits for healing, as well as the source of imbalances that may be affecting the tribe.

Another important aspect of Ayahuasca use is the reconnection not only with the spirit world, populated with power animals, spirits of Nature, heavenly energies, and extraterrestrial beings, but also with the spirits of ancestors and the spirit of the tribe. As an ego-dissolving substance, Ayahuasca enhances the unity of the tribe members and facilitates their cohesion and sense of community.

Today mestizo communities, which account for the majority of the Amazon population, use Ayahuasca mostly for healing purposes, both physical and spiritual. Sometimes it is only the shaman that drinks Ayahuasca in order to find and cure the ills afflicting the patient. In other occasions both shaman and patient drink the brew.

The use of Ayahuasca is definitely a science, but also an art that varies greatly from region to region and even among medicine people of the same area. The people who insist on claiming to know and own the only way of using this medicine ought to be looked upon with some suspicion: as in all spiritual traditions, the paths may differ greatly but the ultimate destination remains the same.

In the last couple of centuries and with the migration of outsiders into jungle territories, Amazonian shamanism has moved beyond the boundaries of remote tribes. On the one hand there has been a renaissance in the connection between medicine people from the jungle and those from the Andean region, a connection that has always been strong since the dawn of civilization with a constant exchange of goods and knowledge, but more recently radically facilitated by improved traveling conditions. On the other hand a new breed of shamans, called “vegetalistas,” has come into existence. These are people not necessarily native from the jungle but trained in the ways of Amazonian shamanism and plant medicine. Vegetalistas are often seen working in more urban areas, both within and out the Amazon basin. By working within a different social context, their work primarily involves healing.

Another interesting phenomenon of Ayahuasca use is the birth of new Christian-based churches that use Ayahuasca as their main sacrament. Best known among them are the Church of Santo Daime and the União do Vegetal, both originally from Brazil and created by Brazilian rubber tappers working in the Amazon region. These churches have developed rituals quite different from the ones in the shamanic tradition but seem to provide their members with a very valuable experience nonetheless.

As a matter of fact a myriad of ways of using Ayahuasca has seen the light of day recently: in the wake of post-modernity and neo-shamanism we can now participate in ceremonies and retreats that combine the use of Ayahuasca with elements of Christian or Buddhist teachings, psychotherapy, and countless other disciplines.

This may also be interpreted as part of a global phenomenon that calls for the respectful sharing of native knowledge, once kept secret but now being exchanged for the benefit of all humanity. To the purist’s eye, the mixing of different cultural traditions may seem like blasphemy, but to the visionary it is proof of a simple yet important fact: the spirit of Ayahuasca is now engaged in working with as many people as possible, quickly moving out of its native territory to become a globally available medicine that speaks different languages in order to be better understood by larger groups of people.

After my last visit to the jungle to study with my teacher and listening to him, I can see how important it is to remain aware that no matter how far this medicine has travelled beyond the Amazon jungle, Ayahuasca is not just a brew or a chemical compound, but an energy that carries within it a whole world, physical, psychic, and spiritual. To hold this awareness with utmost respect seems to me particularly important the more widespread and popular this medicine becomes.

HEALING AND AYAHUASCA FOR THE 21ST CENTURY

The concepts of healing, and emotional and spiritual health have evolved over the course of millennia, particularly in the West and in all cultures touched for better or worse by its influence. Since the birth of hypnosis and psychoanalysis, our perception of what it is to be human has been shifting progressively towards models and interpretations that are more and more holistic rather than the mechanistic view imposed by the scientific method that began in the 1700’s. Instead of a machine that simply needed to be well oiled in order to perform optimally, the idea of the human physiological and psychological experience has broadened and deepened. This began with the introduction of the concept of the unconscious, both individual and collective. When one considers the influence of viable notions such as reincarnation, karmic realities, and extrasensory perception, which all led to the human potential movement, as well as transpersonal and depth psychology, we see a vastly expanded model of being. This evolution and philosophical expansion would not have happened without the respectful exposure that Western culture has had with Native cultures and philosophies from around the world.

The mainstream ideologies of the Judeo-Christian tradition of the West had been for a long time centered around an increasing demonization of the physical body and its natural drives, of sexuality, and of the Feminine in general – and one could easily affirm that one of the main benefits of the scientific revolution has at least been the freedom to challenge and discuss openly such ancient beliefs and dogmas without getting burned at the stake. During the many centuries of Christian religious supremacy in Europe, the mind had become mainly an instrument of severe self-repression and guilt-inducing thought patterns, constantly working to drive deeper and deeper into the unconscious those aspects of human life considered immoral and sinful by the religious authorities. Excessive repression leads eventually to rebellion, and in the last two centuries we have benefitted from the birth of many liberation movements that have reclaimed the natural dignity of women, gay people, racial minorities, as well as native populations all over the world. As a whole the shift has been towards greater and greater acceptance and recognition of humanity in all its expressions. As a result the concept of healing has moved from the need to “fix” and conform to one of acceptance and celebration of the many expressions of the human experience. In this light, health and healing have become synonyms of wholeness and the intrinsic holiness of every individual and social or ethnic group.

The use of Ayahuasca has therefore become one of the many tools to recover and remember such wholeness and holiness: by letting go of old wounds and judgments we are once again able to accept, love, and celebrate who we are in our totality. The contemporary use of Ayahuasca applied to such goals is deeply indebted not only to the survival of valuable traditional healing methods, but also to the development in the 1950’s and 1960’s of therapeutic work which combined established modes of psychotherapy with mind-altering substances (such as Mescaline and LSD) and altered states of consciousness in general.7 These therapeutic modalities, which were developed to assist individuals in recovering and healing deeply concealed traumas and even past-life occurrences, became the groundbreaking guidelines for many subsequent healing therapies such as Gestalt, Rebirthing, Holotropic Breathwork, and many forms of neo-shamanism.

These new healing modalities are not only meant for healing but also support our reconnection to the transpersonal and the transcendental. The importance of reconnecting with our own divinity and the sacredness of Life as part of our path toward health and wholeness is being recognized more and more, and so the mystical visions and deeply spiritual experiences and awakenings that one can achieve by engaging with Ayahuasca are totally in alignment with our most recent discoveries of what it means to be healthy today.

HOW AYAHUASCA WORKS: CHEMISTRY AND SOUL THERAPY

Despite the claims and advances of modern medicine and science, we are actually quite ignorant about the mechanisms of the brain in particular, and the connection between the physical body and the spirit in general. Somehow the psyche, consciousness, and the Life force are aspects of our Universe that continue to elude even the finest of our scientists. Or maybe they are simply beyond the realm of traditional science as we have known it for the last few centuries. Models meant to provide an understanding of our own reality and existence, continue to evolve: they are the final answer to our queries, yet far from being written.

In terms of chemistry, the two main ingredients of the Ayahuasca brew act synergistically: the dimethyltryptamines alkaloids in the Chakruna plant are prevented from breaking down in the digestive tract by the harmine and and harmaline present in the Ayahuasca vine. Dimethyltryptamine (DMT) is a naturally occurring compound of the tryptamine family, very similar to monoamine neurotransmitters like serotonin and other psychedelic compounds such as psilocin, the active molecule of psilocybin.

Because of the close resemblance to serotonin, there is a risk of overloading the system with neurotransmitters with possible negative results. Therefore people who are under medical treatment of all sorts of antidepressants and medications that affect the nervous system are highly discouraged from drinking Ayahuasca until at least three months after discontinuing the use of these medications. This is particularly important in the case of SSRIs (Selective Serotonin Reuptake Inhibitors), a class of antidepressants used in the treatment of depression and anxiety disorders. Among these medications are Prozac, Fluctin, Celexa, and Zoloft. By the way, I have witnessed how the use of Ayahuasca to treat chronic depression, where the illness is so deep reaching that brain chemistry is affected, is often a very lengthy process and not one where success is always guaranteed.

Otherwise there are no restrictions to drinking Ayahuasca: this is a natural medicine, and easily metabolized by the body, DMT being a naturally occurring substance, produced in small quantities by the pineal gland in the brain as well. Its ingestion causes no hangovers, chemical or psychological addiction, or post-use “downs,” unlike most recreational drugs popular today. The “Hoasca Project” study conducted in Brazil in the early 1990’s has actually reported as part of its findings that the use of Ayahuasca improves the body’s ability to produce serotonin, quite unlike drugs like cocaine and ecstasy, which in the long run not only deplete this important neurotransmitter but also weakens the ability of the body to produce it.

What is more interesting are the ways this medicine acts on the human spirit and consciousness: without strict scientific methods, we can examine how Ayahuasca works on the spirit mostly on an empirical basis by looking at its effects on those who drink it.

SHADOW AND LIGHT

Ayahuasca, like other entheogens such as Peyote, San Pedro cactus (Huachuma) or LSD, acts as a powerful mirror, capable of reflecting back to us our most hidden and best-kept secrets: not only the ones we are ashamed of, but also the beautiful ones we are somehow uncomfortable with – our talents, gifts, and real passions.8 To the drinker of Ayahuasca these revelations fall into two different categories, which for the sake of convenience I will refer to as “the shadow,” and “the light.”

If there is one truly powerful quality of Ayahuasca, it is its ability to confront us with those aspects of our personalities we’d rather not see at all: past unhealed traumas, repressed memories, denied dynamics and emotions, and so on. We have become experts at repressing what C.G. Jung called “the shadow,” using every possible stratagem in order to disown those parts of ourselves we are not particularly proud of or comfortable with. These survival tricks are often necessary in order to cope with difficult events and situations, but they are useful only in the short run: repressing painful events and emotions only drive them deeper into our being, and their unconscious presence only make them more powerful, pervasive, and noxious. Manifestations of such defense mechanisms range from denial and dissociation to the presence of entities that are perceived as foreign intrusions into one’s psyche but are actually put into place by the individual in order to protect oneself from even coming close to re-experiencing situations and emotions similar to old unresolved traumas. Holding on to certain patterns and beliefs actually colors how we feel about ourselves, others, and everything we do, whether we are aware of it or not.

For instance, in the case of the loss of a loved one, it is not at all uncommon, particularly in our modern society, that the grieving process is denied, maybe because the environment is not supportive or because we feel that we need to be strong in order to support others in these difficult times. So, the grieving process, which in traditional societies is an integral part of their cultures and lifestyles, is never really allowed to happen. The grief, sadness, and anger that often accompany the death of someone dear to us are then suppressed rather than expressed and released. As a consequence of this suppression we find ourselves carrying these emotions deep within ourselves, and often end up dreading the sudden departure of other people from our lives because of the additional pain of not being able to grieve them properly. The work with Ayahuasca often provides the space for the expression of such emotions and the resulting cathartic release.

Mankind is called today to bring light and awareness onto all aspects of existence, particularly those regarding our inner lives, bringing healing and integration to old wounds and unresolved issues. By bringing back to our conscious awareness deeply resisted experiences, Ayahuasca allows us to begin in earnest a healing process that is long overdue, both individually and collectively.

During an Ayahuasca ceremony we often come face to face with our shadow, and frequently we encounter issues we are all too familiar with: those things that will simply not go away, no matter how much therapy of any kind we have undergone. It is exactly the desire to heal these stubborn and painful aspects of our consciousness that brings us to the Ayahuasca experience. And the medicine, when the individual is ready for what it has to offer, rarely disappoints: it brings us straight to the point of the matter, showing us the wounds we have come to heal, and supporting us in the healing process. The expanded state of consciousness brought on by the ingestion of Ayahuasca not only brings our issues to the surface, but also allows us to perceive them from new and profoundly unique perspectives, thus facilitating their acceptance, understanding, and integration. This is not a purely mental process but one that implies our full presence and attention in order to not merely think about them, but also to explicitly and directly feel these resisted experiences: because of the temporary abatement of the ego and its judging mechanisms, we are finally free to experience events and emotions that the ego had previously deemed as too painful or overwhelming.

The use of the mind is the easiest way to distance oneself from experience; rational thinking can be helpful in understanding certain aspects of our behavior, but actually becomes a hindrance when healing is sought. The expanded state of consciousness of Ayahuasca genuinely takes us out of our ordinary rational mind-state and into the feeling-state necessary for the healing and integration process. In our normal conscious mind we tend to interpret events and relationships always in the same way – it is a prerogative of the mind to always want to be right and fairly rigid in its viewpoint.

Recently a friend of mine who had suffered for many years from feeling rejected and estranged from his father had a most amazing experience during a ceremony: his dead father appeared to him and explained to him how he had actually never rejected him, telling him how, had he truly rejected him, he would have thrown him out of his house and disowned him altogether. He went on to tell him that the reason for his attitude towards his own son had been simply because he didn’t understand him and didn’t know how to deal with him. These revelations allowed my friend to reframe his whole relationship with his father under a new light, and made the way for a whole new level of understanding, compassion, and forgiveness towards him. The relaxing of the mind’s activity allows for a letting go of previously held judgments and viewpoints so that an expanded viewpoint can arise.

ALTERED STATES OF CONSCIOUSNESS

Letting go of our usual ways is not always an easy route: we are so used to living almost exclusively within the rational dimension that altered states of consciousness often bring up all sorts of issues regarding one’s ability to navigate through life, if only for a few hours, without a fully functioning mind that operates in a familiar way. Western people particularly have difficulty surrendering the rational mind, and expanded states of consciousness are often experienced as threatening to the individual as well as society. Our identification with the mind and the ego is so deep that their temporary banishment from our field of awareness is often perceived as a kind of death and brings about all sorts of fears regarding one’s own survival and well-being. When it comes to modern man, this is perhaps what the word “Ayahuasca” primarily means: the “Vine of Death.” This implies for many individuals the (mostly temporary) death of the ego, i.e., the dissolution of what one has come to think of as oneself.

More often than not the death one experiences is the final letting go and release of aspects of our own personalities that we have been carrying despite the fact that they are no longer truly useful or valid. Because the ego hangs on to those dynamics for its own survival, their demise is perceived as a little death. Our uneasiness with the dying and letting go processes, whether physical or psychological, can turn this phenomenon into a difficult experience: no matter how much we say we want to let go of certain things, the actuality of the process can be met with all sorts of both conscious and unconscious resistances. Luckily, Ayahuasca gently yet powerfully supports us in the letting go process unlike any other medicine – that is its magic. To be able to let go of old beliefs and viewpoints enables us to be truly in the present moment instead of experiencing what is in front of us through the often distorting lens of the past, or through the thick layers of our fears and worries. The present moment, when fully lived and openly embraced, is the realm of absolute transformation, of endless possibilities, which extend far beyond our imagination.

I will never forget the first time I had such an experience thanks to Ayahuasca. The ceremony had already been closed but I was still in the throes of the medicine and someone’s remark drove me straight into one of my most uncomfortable scenarios: the feeling of not being seen for who I am. I was experiencing a lot of anger and frustration, but unable to move or do anything. I wanted to leave the ceremonial space and go scream out my anger away from everybody else, but couldn’t. Finally I had this moment of clarity and honesty, and could see how this whole scenario was all of my own doing, and that I was not only the main actor but also the screenwriter, director, and location manager. I leaned back and marveled at the intricacy of this whole movie I had created for myself over and over until I violently threw up. I was still shaking from the experience when Don José approached me. He sprinkled me with Camalonga (Thevetia Peruviana) water, but with my eyes closed it felt like I was being showered with a bright light. Taking full responsibility for my own drama caused the paradigm I had created and fed throughout the years to finally crack and fall apart. The sense of liberation and elation that followed this piercing and puncturing through of one of my most limiting creations was extraordinary: it was as if heavy chains, which had turned out to be of my own design and manufacture, had finally broken off my soul. I never fell asleep that night, but instead spent my time imagining and contemplating all the wonderful things I could do now that I was no longer trapped in this old scenario that had kept me feeling small and unappreciated all my life.

The last time such an important shift happened was during my most recent shamanic diet. This time the theme was a similar one: feeling judged as not good enough. In my mind I knew I was making all this up and quickly realized that if I wanted to move forward in my spiritual path, I had to gather all my strength and courage and let this old story go. When the final letting go of a story happens, it can be rather quick and sudden. Yet, the relative simplicity of the process often belies months, years, or lifetimes of preparatory work as we deal with stubborn resistances and attachments to past events and identities. So I drank Ayahuasca and did all that I could do to let go of this belief of being judged rather than accepted and loved. It was only the next day that the result of this letting go shone in all its glory: the space that had been previously occupied by the belief and subsequent experience of being looked at by critical eyes was now filled with a lightness and openness where a much deeper personal truth and reality could shine. This deeper truth was that the Divine loves me and everybody else equally and unconditionally, and that this has always been and will always be so. To allow myself to be enveloped by Divine Love, despite the years of longing for it, was something that could not have happened had I chosen to hold on to the conflicting belief of being judged and not loved enough.

It is really just our own attachment to old limited views of our existence that keeps us locked in nightmares of pain and separation. When we are finally ready to let go of our own preconceived limited views of ourselves and the world, then we can begin to taste the endless energy that springs from Divine Source and drink from it freely.

The state of egolessness, the drastic change in self-image, and the inability of the mind to control the experience can be a truly challenging experience for some. When overwhelming and without the proper environment and support, the experience can become even traumatic. This is not due to some kind of inherent danger of Ayahuasca, but perhaps to the poor preparation of the individual who has ingested it, and the inability to surrender to the medicine.

There is a lot of discussion these days about the power of surrender, and it has been my own experience that there are several layers of surrender and resistance before a total letting go is possible. The demise of the ego puts us in touch with the All, and it is easy for us to feel overwhelmed and scared by such power and immensity. A few years ago I was drinking medicine by myself and was asking the Earth to help me with a particularly bad health situation. And yet, despite my request I realized in the process that there was a part of me still afraid of letting myself be totally embraced and nurtured by Mother Earth. The fear of loss of one’s individuality is often much greater than one can possibly assume.

The use of plant medicines and other entheogens can offer serious reality checks on how truly willing we are to surrender. That can be a humbling but always insightful and important experience. Modern Western society has so thoroughly condemned these states of consciousness that we have become totally alienated from them, to the point that when we are exposed to them we easily feel at a loss, often reacting with panic or unreasonable behaviors. To most traditional societies and according to our most sacred texts, the rational brain is only one part of the human experience – the realms of the spirit and its mysteries are actually what many cultures consider as our true nature. Yet, the use of entheogens, one of the most direct ways of accessing such dimensions, has not only been demonized by various establishments, but also relegated to some kind of intellectual limbo where all sensible discussion is avoided and frowned upon. Perhaps this is due to the fact that these experiences are often beyond the realm of words and left-brain reasoning patterns – the great abyss beyond which we have confined non-ordinary states of consciousness is often a difficult one to bridge.

For the person drinking Ayahuasca for the first time, familiarity with these other states of consciousness, either through the use of other entheogens, meditation, or other spiritual practices, is often a welcome bonus but not a requisite. What is necessary in my opinion is a willingness to let go of preconceived ideas about oneself and the world because often Ayahuasca reflects back to us an image of the Universe that is radically different from the one we are used to. It is not that we have to change our belief systems, but just be flexible enough to make space for these other visions and viewpoints without panicking. People with a rigid personality and very attached to their beliefs will find Ayahuasca rather unbearable and are discouraged from using it. And preconceived negative attitudes towards “drugs” or “primitive cultures” aren’t helpful either. The use of Ayahuasca isn’t for everyone: it is a challenging medicine that requires an open mind and a willingness to surrender to its mysterious ways. This cannot be stressed often enough.

In Western culture, surrender is perceived as defeat and weakness – the ego, so constantly intent on controlling every situation and environment, is reluctant to let go and get out of the picture. “Control” - physical, emotional, and spiritual - has become our way of life. Ayahuasca forces the individual to let go of control, and surrender to its power and magic. Without surrender the experience can easily turn into a nightmare. A woman simply and clearly described this predicament when she shared after her second Ayahuasca ceremony that whenever she was in resistance she was in hell, and whenever she was in acceptance she was in heaven.

I consider myself truly blessed because during my very first time drinking Ayahuasca, which I wrote about at the beginning of this book, I was in a situation where I clearly had no control whatsoever over my experience, and the experience itself was the temporary but complete knock out of my rational mind and ego, which are the basic controlling aspects of our being. I was also lucky somehow, because I was too incapacitated in my normal functioning to be able to offer any resistance. All that was left for me to do was surrender. Whenever I was aware enough of the fear I was in, I would breathe deeply, offer my willingness to the medicine, and remind myself that I was safe. Surrendering over and over meant allowing myself to keep being thrust down a cosmic rabbit hole with no apparent end in sight. As scary as the experience was in the moment, it did have a few purposes. The first one was that without disintegration and psychological or ego death, there cannot be any spiritual rebirth. As it happens with most dying processes, this is not necessarily a pretty event, but one that is often met with dread. The second one was equally profound and it was to teach me experientially that I was and am always safe. I had no idea how this medicine would affect me, but I had worked hard on letting go of my fears before the ceremony and was able to offer my trust to Ayahuasca and surrender completely.

I have learned over the years that there is no more beautiful gift we can offer the world than the gift of love and trust. Andean social and spiritual life revolves around the principle of Ayni, i.e., reciprocity. It is this principle that governs all exchanges, all giving and receiving: we receive as much as we are willing to give and vice versa, like some sort of South American yin and yang. We happily return the help received by others when they are in need and gladly mirror Mother Earth’s generosity by making her offerings of the sweetest fruit, produce, and flowers. In life, and shamanic work is no exception at all, we receive as much as we are willing to give into any particular activity, process, and relationship.

I had spent most of my life suffering from emotional and spiritual stinginess, never really giving of myself with generosity but rather giving out just enough for fear of being shortchanged. In the same way I realized I had sat in a dark corner waiting to be loved before I would open my heart and love in return. What a misconception! And what a waste! Like many people – and what irony that we should feel this way at a time in history when we enjoy more material goods than ever before! – I have suffered from scarcity issues. I have finally realized that the poverty I was experiencing was of my own doing and stemmed from a belief that there is only a limited amount of resources and love in this world as well as inside myself. If the tenet “all we need is love” has any validity, then, by the principle of Ayni, all we need in order to receive all the love we crave is to love with the utmost abandon and generosity.

The same is true about trust and safety. When we offer our trust to ourselves, to others, to a process such as healing with plant medicine, to God, or what have you, that gift is always appreciated and generously returned. The gift we receive in return for offering our trust is the experience of safety and peace.

My trust in Ayahuasca has been tested a few times since that first time many years ago, but hasn’t been broken yet. It is my absolute trust in this medicine that gives me the courage and strength to administer it to other people. I never underestimate its power, but also never doubt its intrinsic benevolence, even when it causes people to go through really challenging and painful moments. Ayahuasca is like a mighty fire that burns away the old and destroys all illusions. As all fires, it needs to be tended with great care and even so, at times its force is too big to be controlled, but once the flames have died out we can see that this devastation is also what creates the necessary conditions for new growth.

When it comes to facing our shadow, we need not only a certain degree of courage, but also and most importantly a willingness to let go of our judgments and see things differently: as long as we consider our shadow as something “negative,” it will continue to elude us. Rather, our shadows are simply aspects of ourselves we have denied: fragments of our being that we have, consciously or not, relegated to unconsciousness. By acknowledging and befriending our shadows, we bring them back into the light. Only by accepting and experiencing them fully are we capable of understanding their powerful lessons and integrating them. Integrating what we have disowned makes us whole – literally, it heals us.

There is one main difficulty in this process, and that is letting go of the negative judgments we have attached to these aspects of ourselves: it is our own negative judgment that relegates a certain event or aspect of ourselves into the unconscious. I, for instance, used to hide a lot of myself under layers of shame and denial. As a young Catholic boy I quickly intuited that certain behaviors of mine were far from well-looked upon by the Church and my fellow church-goers, and so I would do my best to hide these aspects of myself from others and myself. The fear of being found out, punished, and cast away turned me into a master of denial. It was only with age that I was able to see these “horrible” and “sinful” parts of myself as simple aspects of myself rather than something to be ashamed of.

A lot of my own personal healing with plant medicines has revolved around self-acceptance, reclaiming aspects of myself I had disowned and denied, letting go of self-judgment, and forgiving myself. To my own surprise, acceptance of my own shadow has eventually paved the way for the genuine acceptance and honoring of my divinity as well, and in the light of such divinity all previous mistakes and perceived shortcomings have been reframed as the simple learning experiences that they were to begin with.

Letting go of judgment can happen only when we become aware and take responsibility for our actions and thoughts, when we take responsibility for the way we feel and live. It is impossible for us to change our world if we keep blaming others for the way it is. Integration happens only with integrity and honesty towards others and oneself. When we have finally let go of all excuses and lies, and have taken responsibility for our lives, guilt disappears. When we are in integrity, our actions, feelings, and thoughts are in alignment with our spirit and the whole Universe – as a result, we no longer fear some hypothetical divine judgment and retribution. We can now relax and see Life for what it really is, unclouded by our own judgments and limiting beliefs.

By stepping beyond the realm of duality of the mind we are finally capable of seeing the shadow with neutrality and a renewed interest – this is the essence of many other spiritual disciplines as well, with the difference that they usually require a much longer time frame. Often people interested in spirituality are unconsciously steeped in duality: they long for what they perceive as the “positive” aspects and rewards of the spiritual path, but are unwilling to embrace their own totality. Many spiritual traditions reinforce this duality with rigid ethical and moral codes, making the journey towards wholeness difficult and tortuous.

Some of the people who have had a fair share of New Age or other kind of spiritual literature and teachings seem to be the most resistant toward acknowledging and embracing their own shadow, in particular their judgments and anger toward themselves and others. They have heard that anger is no solution to their problems and have opted for a numbing of such feelings, a strategy that only reinforces the belief that these patterns and emotions are bad and best avoided altogether. What happens unfortunately is that repressed emotions do not go away and are bound to resurface one way or another, and when they come out after much repression and resistance, it is usually in a rather explosive manner and directed at something or someone that has nothing to do with the real source of our upset.

I personally struggled for forty-five years before I could acknowledge and express the full range of anger and resentment I had secretly harbored against my parents since birth. It took all sorts of workshops and healing work before I could let out and express something that is indeed a taboo in our society. It was a most healing and liberating experience to let out all this rage, and so now I give the permission and gently encourage and support others through the same process whenever I feel that their own judgments prevent them from connecting with all sorts of uncomfortable emotions.

One such occurrence happened a few years ago the first time a friend of mine came to visit me in Peru to drink Ayahuasca. Because of her upbringing this person would rather drown her anger and frustration under generous amounts of alcohol than let her true feelings out. At some point during the ceremony I felt the call to go over and sing a healing song for her. I could feel her struggling to hold her rage, which was right under her skin, so I began to sing with an encouraging tone of my voice and didn’t give up on her until she broke down through her resistances and let out a good portion of her anger, which made her feel, needless to say, a lot lighter and better.

Letting go of these human constructs can be a real challenge as so much of who we think we are is invested in them. To make things even more challenging is the fact that modern society has put so much importance into “having” and “doing” that we have forgotten as a collective the value of letting go. We spend our lives not only gathering objects, but also experiences, belief systems, relationships, and emotions, and have forgotten the value of letting go and periodically cleansing our own souls. We all suffer to one degree or another of being psychically anal-retentive.

Healing modalities such as the ingestion of vomit-inducing substances, or enemas, have been virtually removed from Western medicine and are resorted to only in extreme cases. When nothing else seems to work, we make our way to a sweat lodge, an Ayurvedic clinic, or the depth of the Amazon jungle, looking for ways to detoxify our bodies and souls from the debris that clog them.

LETTING GO

As far as I am concerned the most important message that Ayahuasca has for modern men and women is “let go”: let go of the social constructs, the psychological armoring, the wounds, and deeply seated traumas that suffocate the spirit and weaken the body.

We are often unwilling to let go as we have so much invested into our identities, even the ones that cause us to be miserable or sick. Our attachment to our wounds and beliefs is extraordinary. Acknowledging to oneself that maybe the choices we have made haven’t been the best ones for our own development is no easy thing to do. Sometimes we prefer to stay in our own suffering rather than attempting to change our minds and attitudes.

More often than not, Ayahuasca invites us to let go of emotions, viewpoints, and attitudes that may have been important, perhaps even necessary, for our own physical, emotional, and mental survival and well-being, but that are no longer necessary, truly beneficial, or valid in the present moment. These obstructions actually prevent us from freely and fully experiencing the present moment and stepping lightly into the future. Once again Ayahuasca proves to be an amazing medicine in that it actively supports the letting go process. This is short of miraculous but definitely true according to the experiences of all that have used it. This is its therapeutic effect, its healing quality.

The letting go process under the influence and guidance of Ayahuasca can be as easy or as laborious as one is ready to experience it, depending on one’s willingness to go along with the medicine’s course of action. When the boundaries created by the ego dissolve, we are able to experience ourselves as a totality rather than a fragmented entity. No longer separated into body, mind, and spirit, we experience who we are and the effects of Ayahuasca multi-dimensionally, as a whole being. The cleansing process happens on all levels, physical, and spiritual, with vomit, defecation, tears, screams, laughter, visions of heavy energies leaving the body or being expelled through the act of vomiting.

It is not unusual for someone to have a clear experience that what one is vomiting isn’t simply bile but old conflicts, emotions, or thought patterns. These may take the appearance of dark snakes, spiders, or other insects, but are often clearly perceived to be much more than that. The experience is cathartic and so profoundly inscribed into one’s cellular memory and spirit that it becomes simply unforgettable: the psyche has been cleansed and rewired with little chance of permanent amnesia or denial.

It can be painful to reconnect with and feel one’s own wounds: unhealed conflicts resurface with all their suppressed energy, not to mention all the judgments and layers of resistance wrapped around them. What was once a simple, if painful, event in one’s life has now become an insurmountable obstacle or an evil beast. Facing our wounds is at times nothing short of a heroic fight against one’s own darkest forces, where survival is often questioned. Yet, few experiences on this planet can be said to be as rewarding as the healing and letting go of such wounds offered by the drinking of Ayahuasca.

And so it is that after going down the infamous rabbit hole, losing one’s mind, and, having no option but to look at our own shadow, we are finally releasing old wounds and heavy energies from the depths of our body and soul. The result of all this is often a feeling of lightness, accompanied by an amazing clarity, increased creativity, and a deep connection to ourselves, others, and the whole Cosmos.

There are multiple levels and degrees of letting go and surrender. Among them I’d like to mention the experience of psychological or symbolical death. I often remind people that drinking Ayahuasca is a wonderful practice for one of the most challenging acts of surrender we are capable of, that of dying. It is remarkable how people with great fear of dying will suddenly find themselves going through this kind of experience during an Ayahuasca ceremony and then later comment on how liberating it was to stop resisting the process and surrender completely and without worries.

CLEANSING THE DOORS OF PERCEPTION

Working with Ayahuasca is like standing in front of a full size mirror. Knowing we are in front of a mirror, we expect it to give us a precise reflection of ourselves, but that mirror is often covered with debris, and as we look at ourselves into that mirror all we see is our wounds and the psychological and mental rubbish amassed there through time. Because we are so identified with our own mental image we believe we are that rubbish and little else. Ayahuasca, at times radically, at times with gentle little swipes, cleanses the mirror so that we are able to get an increasingly clearer picture of who we really are – our own divine nature is finally able to be seen and experienced. Our deepest truths are then revealed to the degree and in the form that we are ready to receive them. All that is needed is to cleanse and prepare our consciousness like a vessel, so that it can hold greater degrees of truth and light.

Just as wise people and spiritual masters have told us throughout the ages, there is no truth to look for out there: we have been carrying it within ourselves all along, and it is only a matter of rediscovering and remembering it. This was my own experience during my shamanic apprenticeship: like countless other people I had been on a spiritual search for many years, reading books, attending workshops, and engaging in various forms of spiritual practice. In the spiritual literature I had often found the notion that everything I was looking for was already within myself, but my search around the world would not stop.

Reading about something and actually having a direct personal experience of it are two totally different things. It was not until my shamanic diet with the Datura plant that I was able to experience first-hand what all of this talk was about. In the first month of my diet with this Plant Teacher I felt how the plant was cleansing me like one would polish a crystal, until it was totally shiny. It was after this process that I realized my whole being had been gently prepared in order to be able to hold greater and greater wisdom, and that such wisdom was not being put inside of me from an outside source, but was actually the resurfacing of a wisdom that had been within me all along. To my great surprise I finally realized what a vast number of spiritual books had been hinting at, and it was amazing to experience the opening of such a rich depository of knowledge and wisdom that had been laying dormant within myself: despite all efforts to the contrary, the spiritual journey is ultimately an inner one.

Ayahuasca is like the best of spiritual teachers in that it doesn’t provide yet another set of beliefs, but reconnects us to our own timeless truths. Like the most loving of gurus, this medicine at times makes us cry long and hard but also reflects back to us our own divinity. There is no need for Plant Teachers to fill us with more teachings or dogmas: they know that deep within each living being lies the same loving essence and their main gift to us all is to help us reconnect with such essence. As the psychological and mental lenses of our perception are cleansed, we are finally able to connect with the deeper layers of our hearts and souls. And as the identification with our minds and wounds lessens, we automatically get in touch with our own Higher Self and inner treasures.

In the course of working with Ayahuasca this happens as a result of, and in parallel with, the cleansing and healing process. The image I am fond of using is that of a hot air balloon that lifts up into the stratosphere as sand bags are being released: as we let go of the heavy energies we carry within ourselves, we are capable of regaining altitude, of seeing the whole landscape of our inner and outer lives, and to bask once again in the clarity of Divine Light. This pattern occurs quite frequently during Ayahuasca ceremonies: often there is a descent into the darkest regions of our being, and once the healing and release have been accomplished, we find ourselves in a state of expansion, elation, and often ecstasy. The reconnection to our own light is the source of increased intuition, trust, self-esteem, and the resulting ability to live according to our heart’s desire.

“Shadow” and “light” are after all only categories of the mind, and under the effects of Ayahuasca these labels are no longer significant – everything simply is. Just as the dualities of the mind are transcended, so are the concepts of time and space: everything happens here and now. In this state of wholeness people often become suddenly clear about deeper layers of who they are, their connection with others, and the Universe. The inner vision, no longer clouded by the illusory drama of life, is reawakened, and the answers one has been looking for are finally visible and clear. It is a powerful and beautiful process that happens effortlessly once we let go of what we have held on for far too long. Just like the cleansing of body and soul, the revelation process happens gradually and can achieve tremendous depth.

Another translation of the word “Ayahuasca” is “Vine of the Soul”: by shedding the layers around the psyche we are eventually able to look directly into our souls and understand what our soul path is. We intuit that we are in this world for specific purposes, but those purposes often elude us: we seem to be suffering from some sort of innate amnesia that prevents us from understanding what we came into this world to do. In the Western tradition it is said that an angel erases from our awareness the reasons for our incarnation at the moment of birth. “What am I doing?” and “What am I supposed to do with my life?” These are recurring questions in our lives, particularly to those on a spiritual search. Working with Ayahuasca, the Vine of the Soul, allows people to reconnect with their soul purpose. This may not happen overnight, but it is definitely within the range of what this medicine is capable of catalyzing.

Knowing beyond any doubt what one is here to do gives a totally new flavor to existence: it is an enlightening experience that allows us to clearly focus, direct, and align our thoughts and actions accordingly. This is not to be confused with the search for a career or another way of satiating a demanding spiritual ego. Life choices may become clear, even obvious, but it is only as a result of an increased inner clarity. Actions are taken not to satisfy the ego but to be in alignment with the spirit.

My own personal work with this medicine gifted me with the sudden awareness of my reasons for being in this physical body at this time and on this planet. It was a powerful revelation that has guided me ever since and has given me the coordinates by which I have been making my decisions since. The understanding that my purpose in this life wasn’t really that of being successful or important has freed me from the pursuit of things that weren’t all that important. Instead I have begun to make choices that were in alignment with my soul path, regardless of social and ego-centered expectations and concerns, and my life has blossomed as a result. Many people I encounter mention wanting to better know what their life purpose is as one of their main reasons for wanting to drink Ayahuasca. Often their desire goes hand in hand with a wish to be of service to others and make the best possible use of their time, talents, and resources. To those who ask these questions from a place where they feel they have already been wasting enough time in doubt and confusion, I often reply by reminding them that all of us are always fulfilling our life purpose already. We may feel discontentment about the general course our life has taken, but that doesn’t mean we are wasting our time or doing anything wrong. The fulfillment of one’s life contract is not always a happy and straightforward affair. Particularly those on a spiritual path will find their roads winding in often confusing ways and paved with all sorts of challenges. To those suffering from confusion and discouragement in life in general or during a healing process with Ayahuasca I often offer these words by R.L. Stevenson, “It’s a better thing to travel hopefully than to arrive.” We may find ourselves at a loss from time to time, but can always trust the mysterious roads of our lives to have an important destination.

By Javier Regueiro in "Ayahuasca - Soul Medicine of the Amazon Jungle",Lifestyle Entrepreneurs Press, USA, 2016, excerpts part I.  Digitized, adapted and illustrated to be posted by Leopoldo Costa.

MIDDLE AGES - MONKS BEHAVING BADLY

$
0
0

If contemporary chronicles are to be believed, England’s medieval clergy may have spent as much time drinking, gambling and fornicating with prostitutes as attending to their flocks’ spiritual needs. Emma J Wells reveals why some men of the cloth simply couldn’t resist the pleasures of the flesh.

In July 1531, John Longland, bishop of Lincoln, made his way to the Augustinian abbey of Missenden in Buckinghamshire. He was tasked with convening a special tribunal to investigate rumours of monastic bad behaviour that had been circulating around the parish. Yet little could he have known the pandemonium that he would uncover.

Shortly after Longland’s arrival, the revelations came thick and fast. A local canon, Robert Palmer, was accused of carnal relations with a married woman, Margaret Bishop. Once accosted, Palmer admitted socialising with Margaret, but insisted that the moment he learned of her true intentions, rather than pursue a carnal relationship, he bolted out the door.

In an attempt to escape censure, Palmer claimed that it was the abbot, John Fox, who had shared Margaret’s bed. The abbot staunchly denied the countercharge but now found himself under the spotlight. He stood accused of numerous offences, including nepotism, financial misconduct, and of turning a blind eye to Palmer’s affair with the married woman. The canons also alleged that he appointed his sister as their brewer, discounting whispers of her “immoral character”. Shortly after the sister’s arrival, reports predictably circulated of her pregnancy, no doubt the consequence of a dalliance with one of the men.

After investigations, Longland passed judgment on both men, and neither fared well. Palmer was imprisoned indefinitely and Abbot Fox was suspended from office.

Bad habits

This monastic morality tale is representative of a familiar cultural stereotype: the promiscuous and corrupt man of the cloth. From Italian poet Giovanni Boccaccio’s philandering Masetto to the absurd and useless Sir Oliver Martext in Shakespeare’s 'As You Like it', literature from the 14th century through to Henry VIII’s reign and beyond is littered with clergymen behaving badly.

And the stereotype has stuck. Medieval bishops, monks, vicars, even nuns, continue to get a bad press in film, TV, theatre and literature. They are most notable not for their unflinching dedication to spreading the word of God but for their proclivity for lasciviousness, greed, alcoholism and apathy.

The problem wasn’t a product of the authorities’ complacency or indifference. On the contrary, ensuring that the clergy remained on their metaphorical pedestal was paramount to the medieval church. In fact, so eager were the ecclesiastical authorities to uphold the highest of standards, and protect themselves from the wrath of God, that they established a mechanism for disciplinary action in the case of failur Across Christendom, monasteries, parishes and colleges were subject to so-called visitations. These were assessments conducted by their own superiors or diocesan bishops.

In England, these records first appeared towards the end of the 13th century, and became increasingly common leading up to the dissolution of the monasteries in the 1530s. Investigators exposed the entire gamut of indiscretions, leaving no stone unturned. They uncovered acts of serious misconduct, such as sexual misbehaviour; they investigated lesser crimes, like building negligence, “walking abroad in secular dress” and “public playing of dice”; and they upbraided clergymen for banal indiscretions, such as inappropriate tonsures (the part of the head left bare) and snoozing mid-service.

The authorities investigated prosaic gossip, documented indiscretions – and swiftly punished those found guilty. Miscreants could expect shaming sentences, ranging from enforced silence and ritual fasting to spells in prison.

And you didn’t necessarily have to be a member of the clergy to be punished. In 1442, one Richard Gray got into hot water for impregnating Elizabeth Wylugby, a Benedictine nun at St Michael’s Priory in Stamford. Worse still, Gray had apparently consorted with Wylugby while lodging in the convent with his wife. The disgraced man was called before Bishop William Alnwick to answer charges of “sacrilege and spiritual incest”, to which he confessed.

His penance, recorded in unusual detail, included a flogging while walking around Stamford church, carrying a candle and dressed only in linen garments, on four Sundays. This was to be followed by a barefoot pilgrimage to Lincoln Cathedral. After falling ill, Gray was unable to carry out his penance and was excommunicated.

Gray and Wylugby weren’t the only ones accused of sexual immorality. In 1500, William Bell, warden of Grey Friars in Nottingham, was accused of “incontinence against another man” (i.e homosexuality). John Shrewesbury, a monk from Dorchester Abbey, was said to have abducted a woman in 1441 and smuggled her into the bell tower of the monastery in a trunk, where he had carnal relations with her.

Medieval clergymen also had a bad record of frequenting brothels. The most notorious were situated in Bankside, south London, on land owned and controlled by the bishop of Winchester. These establishments were dubbed ‘stews’, and the women who worked in them ‘Winchester Geese’. Some of their clients were, no doubt, men of the church.

The authorities came down hard on the crimes they discovered. But no matter how many offenders they punished, it wasn’t long before they unearthed another one. Errant clergy were a feature of medieval life, and part of the reason for that may lie in the nature of their profession.

Most of the secular clergy (deacons and priests who were not monks or members of a religious institution) were poorly educated, and many lived lives indistinguishable from their flocks. They essentially survived as laymen, tilling the earth and minding livestock. They often travelled to other parishes, where not only did they administer to the spiritual, social and medical needs of the poorest in society, but also lodged in local alehouses, mingled with locals and frequented public dances. By many accounts, some lived comfortably and ate well – just as the portly Friar Tuck did in the tales of Robin Hood. Is it any wonder that many couldn’t resist the temptations of secular life?

But it wasn’t just deacons and parish priests who succumbed to worldly pleasures. Although monks and nuns technically led cloistered lives, they were still part of wider society, and prominent members to boot. They regularly left cloisters to visit family, conduct business, teach children and enter politics – and, if reports are to be believed, they committed a litany of indiscretions as they did so.

Of all the accusations levelled against monks, perhaps the most damaging was that they’d abandoned their calling, spending far more time fussing over their appearance and living the high life than praying for their flocks’ souls.

Stranger than fiction

The stereotype of the immoral monk – irredeemably self-indulgent and narcissistic – is perhaps best captured in the fictional figure of Chaucer’s monk, one of the protagonists of 'The Canterbury Tales'. This “fair prelat”, we’re told, preferred the “pricking and hunting of the hare” to poring over a book in the cloister, his rotund figure garbed with sleeves and a cope of grey fur rather than a plain woollen habit and cowl.

But such antics weren’t restricted to fiction. In the 1430s, in a visitation of Canons Ashby Priory in Northamptonshire, the Bishop’s Commissary found that the monks were indulging in private feasting and games, frequenting the village inn, skipping services in the choir and wearing “short aild tight doublets with several ties to their hose” instead of their monastic habit.

To some people today, the image of the corrupt clergyman – more at home drinking ale and consorting with prostitutes than genuflecting at an altar – may be highly amusing. But in the Middle Ages, the results were deadly serious: neglected parishioners, damage to the Catholic church’s reputation and, in some cases, outbreaks of extreme violence.

One of the worst examples of the latter occurred in 1263 when an Italian called Bartholomew de Agnani was appointed rector of St George’s church in the Nottinghamshire village of Barton in Fabis. Unfortunately for Bartholomew, the prior of the Nottinghamshire convent of Lenton had other ideas. He wanted a man called Thomas de Raley to be given the post – and, in an attempt to secure this outcome, told his parishioners that Bartholomew had died.

But Bartholomew was very much alive, and sent his proctor, Bonushomo, to the church to claim the office. Poor Bonushomo was met with an angry crowd – containing the prior and Thomas de Raley’s servants – which robbed him of papal letters that he was carrying, and then murdered him in the churchyard. The prior was then called to appear before Pope Urban IV to answer charges on his part in the crime. When he failed to turn up, he was excommunicated.

By the 16th century, anti-monastic pamphlets groaned with vivid descriptions of clerical misdemeanours. But does this mean that late medieval clergymen were more prone to outbreaks of bad behaviour than their predecessors? Was there something irretrievably rotten abo England’s churches and monasteries, and the people who worked in them?

Before casting judgment, it’s worth noting that when the authorities carried out visitations on churches and monasteries, they weren’t there to highlight examples of monastic excellence. Their job was to unearth clerical failings, and they were absolutely determined to do so.

We should also remember that, by the 1530s, Henry VIII was agitating for the dissolution of the monasteries, and his supporters were looking for excuses to paint the clergy in an unflattering light. Throughout the late Middle Ages and beyond, men and women of the cloth were held to the highest of standards – you could argue that they were unrealistically high.

But for all that, as the examples on these pages prove, some clergymen did drink too much, they did fornicate with prostitutes, and they did gamble with dice when they should have been attending to their flock’s spiritual needs. By the time Henry VIII wielded the axe in 1536, it’s hard to argue that they weren’t a pale imitation of their more distinguished and pious forebears.

Written by Emma J. Wells in "BBC History Magazine", UK, August 2018, excerpts pp.58-61. Digitized, adapted and illustrated to be posted by Leopoldo Costa.

YOUR BURNING FOOD QUESTIONS... ANSWERED!

$
0
0

Debora Robertson
Some cooking queries just aren’t satisfied by the ‘I wonder what happens when I try this…?’ style of kitchen experimentation. We asked, via Twitter and Facebook, for your niggling food-related conundrums, then put the best of them to kitchen guru Debora Robertson (and friends)

1. Why shouldn’t you eat raw crab, although it’s fine to eat raw scallops and other fish?

We do eat raw scallops, oysters and even occasionally mussels if they’re very fresh, though it always involves some degree of risk. I asked John Wright, author of River Cottage Handbook: Edible Seashore (Bloomsbury £14.99), and enthusiastic eater of unusual things, if he ever ate raw crab: “White crabmeat is probably edible raw, but I wouldn’t fancy eating any of the several organs that make up the brown meat – too close to the digestive tract. Many creatures contain parasites beyond bacteria and viruses. I also suspect that none of it would taste too good.” Of the many fishmongers and chefs I asked, they all were in agreement that removing enough raw meat from the shell to make it worth the trouble would be a pain – why bother when it’s so entirely wonderful when lightly cooked?

2. Why do recipes still say to sift flour, even though it doesn’t contain weevils any more?

Habit. You really don’t need to. You can combine flour evenly with other ingredients such as baking powder, salt or cocoa effectively and far less boringly just by whisking it. You may want to sift flour to aerate it if you’re making a super-light sponge such as a génoise, but for your low-maintenance cupcake or victoria sponge, ditch the sieve and pick up a whisk.

3. Why do you never get hot padrón peppers any more?

I’ve been lamenting this lack of dinnertime jeopardy myself, so I asked Steve Waters from the South Devon Chilli Farm. He said: “There are new varieties now that give growers a longer season with mild fruits. The original padrón peppers quickly moved on to hot, after the mild, light-green stage. And as demand has increased, more of the fruit is likely to be smaller, less mature peppers, which are less likely to have heat.” For heat addicts, South Devon Chilli Farm sell a special hot pack of padróns.

4. What makes runny honey turn cloudy and set in the jar? Will it always happen once the lid has been opened for the first time and is there a way to avoid it?

I asked my sweet pal, Hattie Ellis, author of Spoonfuls of Honey (Pavilion £20), and she said: “Honey is naturally unstable and is always susceptible to crystallisation, depending on nectar sources, time and temperature. It’s not a sign of poor quality or spoilage and it can happen whether the jar’s opened or not, but keep the lid on once opened and store at room temperature. You can put the jar in a bowl of hottish water for 15 minutes or so to make it more liquid.”

5. Is some salt ‘saltier’ than others?

All salt is sodium chloride, no matter what the fancy label says. Regular table salt is highly refined and because the grains are small, you can’t use it interchangeably by volume with flaky salts – a tablespoon of table salt will make a dish a lot saltier than the same measure of flaky sea salt. Posh salts, such as Maldon and fleur de sel, are really finishing salts, added right at the end so you can best enjoy their textures and flavours – no need to use them to cook pasta, unless you love pouring money down the drain.

6. Is it true that, unlike cured continental sausages, British bangers don’t carry the same cancer risk?

No. When you look at recently cut raw red meat, you’re seeing a combination of the myoglobin, an iron and oxygen-binding protein found in muscle tissue, and its relation – haemoglobin, which is the similar iron and oxygen-binding protein found in blood. Raw meat is about 70 per cent water, so when you cook it, the tissues contract and release water and myoglobin, which is deeply pigmented (the more myoglobin meat contains, the redder it will be). As the meat’s temperature rises above 60°C, the myoglobin proteins start to solidify and turn brown – when the meat’s temperature exceeds 75°C its juices will no longer run red/pink.

7. Is it true you should never put salt in the cooking water when you’re boiling pulses?

I had long been a non-salter of pulses, which is weird as I practically worship at the altar of salt, but I bought into the received wisdom that salt made them tough. Then I read in On Food and Cooking (Hodder & Stoughton £39.99), the scholarly tome by food scientist Harold McGee, that he salts both the soaking water (2 tsp per litre of water) and then lightly salts the cooking water too. I do this all of the time now and find pulses cook more quickly and have more flavour.

8. Why do some recipes require unsalted butter? Is it personal preference, or does it make a difference to the end result?

Salted butter is my go-to for spreading on bread (I’m a fan of the Danish concept of tandsmør, or tooth butter, which means it’s thick enough to see your teeth marks in it, and a decent forensic dentist could make those charges stick). Unsalted is preferred for baking (particularly pastry) because it lets you regulate the amount of salt in the recipe, but I’m pretty sure I didn’t encounter unsalted butter until I was about 20 and managed quite well without it. If you only have salted in the fridge, don’t let it put you off making that recipe, just add less salt.

9. Why has butter become more expensive?

The price of butter certainly rocketed last year. After the drop in milk prices in 2016, many farmers went bust or quit dairy farming. The fall in production coincided with a trend for ditching vegetable spreads and a rise in demand for butter as we stopped demonising it on health grounds and began recognising it for the magnificent treasure that it is.

Written by Debora Robertson and others in "Delicious Magazine", UK, July 2018, excerpts pp. 47-49. Digitized, adapted and illustrated to be posted by Leopoldo Costa.

TRUE/FALSE MEDICAL CHECKLIST

$
0
0

At your next doctor’s visit, be sure to bring this vital information.

If you’re seeing a doctor or specialist, you don’t really need to bring a medical history or list of meds. It’s the computer age! They can pull up all the information they need.

In the era of electronic records, your doctor may have too much info and won’t have time to wade through screens of data from every clinic or doctor you’ve ever visited. A good bit of the data they need comes from talking to you.

That’s why it’s important to review and write down your medical history, including the most recent symptoms or reasons that are bringing you to the doctor. As part of your history, make notes about physical or mental changes since your last visit (get a friend or family member to review the list with you, and note changes you’ve overlooked). In addition to your history, do bring a list of all medication names and dosages (including supplements and over-the-counter meds). On this page, we’ve composed a checklist of this and other information to discuss. Fill it out and bring it with you, along with a notebook and pen for writing down the answers you get

Good Health . . . Check

With a typical office visit lasting only about 15 minutes, it’s essential to go prepared. Use this checklist (and extra paper if you need it) to make sure you cover all your bases. Some of it takes some preparation, so look it over now and start gathering info.

1. Your history should include:

a. Symptoms you’re currently experiencing.
b. Any condition (chronic or otherwise) for which you’re currently getting treatment.
c. Health milestones: Surgeries, major tests and screenings, and medical problems for which you’ve received treatment. Include dates if you can.
d. Any allergies or sensitivities.
e. Medical history of immediate family (including your parents and siblings), noting diseases and, for deceased family members, causes of death.

2. Medications and other consumables:

List all of them and include both frequency and dosage. Include vitamins, supplements, over-the-counter medicines, herbals, homeopathic remedies, alcohol, tobacco, caffeine and even illicit drugs (don’t worry; your doctor is forbidden from sharing your health info).

3. Blood pressure:

Check your blood pressure every time you pass one of those automated cuffs at a pharmacy or supermarket. Aim for at least 10 readings, each on a different day, and record all of them. Also note the time of day you took the reading.

4. Blood tests to discuss:

Over the course of your life, doctors will order lots of blood tests. But these tests might get overlooked, so ask about them.

a. AIC: Also known as hemoglobin A1C, this measurement reflects average blood sugar level over the past two to three months, unlike the spot check of a regular blood glucose test. It’s a better indicator if you have diabetes or pre-diabetes.

b. CRP: This is also called a C-reactive protein or sensitive-CRP test. It checks for systemic inflammation in the body and can help diagnose early heart disease and other issues.

c. Thyroid function: Doctors may not check if you have no family history, but get this done every five years. Wobbly thyroid output can go unnoticed for years and cause exhaustion, mood swings and other vague symptoms.

d. HEA: Dehydroepiandrosterone, sometimes called a male hormone, plays a role in both genders. Low levels can affect immune function, bone density, erectile ability and others.

c. Aspirin resistance: If you’re on an aspirin regimen, some researchers recommend getting checked for aspirin resistance — about 15 to 25 percent of people are not getting the benefit they should from it.

5. Anything Different?

Log any changes you have noticed in your health. Examples:
a. Moles that look different.
b. Changes in energy levels or libido.
c. Mental or emotional changes or mood swings.
d. Changes in urination or stools.
e. Sleep alterations or increased snoring.
f. Tingling or numbness anywhere.
g. Sensory problems (ringing in the ears, strange smells).
h. Anything you can think of that’s not the same; your doctor can tell if it’s significant or not. Let the doctor make the call.


In "Discover Medical Mysteries", UK, Summer 2018, excerpts pp. 59-61. Digitized, adapted and illustrated to be posted by Leopoldo Costa.

O CHALAÇA

$
0
0


O homem culminante do Primeiro Reinado não foi José Bonifácio. Também não foi o Marquês de Barbacena. O homem culminante do Primeiro Reinado foi o Chalaça. Ninguém conseguiu no Império, durante aqueles nove anos desordenados, uma influência tão alta e tão decisiva. D. Pedro teve para com esse grotesco dizedor de piadas, para com esse seu disparatadíssimo amigo, umas ternuras imperdoáveis. O Chalaça fascinou-o. Foi o seu fraco. Foi, talvez, a única afeição certa daquele incerto Bragança. Dai, do favoritismo incrível, resultou que o poderio desse homem não encontrou limites. Num determinado momento - pode-se proclamar afoitamente - o valido mandou à vontade no Brasil. Conseguia tudo. Fazia e desfazia. Diga-se sem receio: o Chalaça, num dado instante, repartiu com D. Pedro o poder supremo. Não há exagero nisso. Armítage, testemunha presencial, historiador severo e reto, diz textualmente:

"O caráter dos políticos de que o Imperador se cercara não assegurava a confiança pública. A frente destes, estava um português de nome "Chalaça". Tinha um caráter bulhento, extravagante, insolente e dissipado. De simples criado do Paço foi promovido a ajudante da Guarda de Honra e Secretário Privado. E tão grande ascendência ganhou sobre D. Pedro, que se pode avançar sem rebuço que PARTILHAVA COM ELE A AUTORIDADE SUPREMA!"

Mas não é só Armitage. Todos os que trataram, nesse tempo, com o curioso personagem, apregoam a inconstrastável influência dele. João Loureiro, que viveu pelas Secretarias de Estado, que conferenciou com todos os Ministros, que passou anos na Corte a deslindar negócios atrapalhados, afirma-o nas suas cartas, alto e firme. Eis uma delas:

"O Imperador disse-me que ele sempre estaria pronto para me ouvir. Mas, se quisesse, eu dissesse a Francisco Gomes QUE ERA O MESMO QUE TRATAR COM ELE".

Eis outra:
"He sabido que, nestes negócios de Portugal, quem se abaixa a Francisco Gomes, quem vai com as suas chalassas, e quem o ellugia, e serve com humilhação, tem sido sempre attendido".

E noutra parte:
"E a todos aqui está fechada a alta política, menos a Francisco Gomes. Mas este não falla senão em petiscos e moças: aqui tem V. Sa. como isto por cá vai".

Melo Morais, por seu turno, di-lo categoricamente. Assim: "Estes dous validos (o Chalaça e o João Pinto), ambos portuguezes, ambos debochados, corrompidos, ignorantes, e de baixo nascimento, eram os mais perniciosos, PORQUE ERAM OS QUE GOZAVAM EM GRÃO MAIS SUBIDO DA CONFIANÇA E ESTIMA DO IMPERADOR".

Quem é afinal, esse homem tão em destaque?

Quem é esse íntimo de D. Pedro? Quem é êsse enigmático personagem, tão enigmático que a História do Brasil, a História com H maiúsculo, nem sequer se digna de lhe mencionar o nome? É fácil dizer.

* * *
O Chalaça nasceu em Portugal. Era filho de Antônio Gomes da Silva, ourives do Paço. Veio para o Brasil com a fuga de D. João VI. Chamava-se, antes de ser o Chalaça, burguesmente, Francisco Gomes da Silva. Tocava violão, cantava lundus, era grande amigo de ceiatas, muito petiscador de mulherinhas. Aqui, no Brasil, para tentar fortuna, experimentara tudo: fora barbeiro, fora ourives, fora seminarista, fora até criado de galão!

Mas o destino, por um desses caprichos de espantar a gente, reservara a esse aventureiro, a esse boêmio, a esse famigerado berrador de modinhas, uma sorte brilhantíssima. D. Pedro, numa das suas noitadas de príncipe estróina, topara certa vez com aquele exótico figurão, muito alto e muito magro, a entoar as suas trovas e lundus no "Botequim da Corneta". Ninguém mais patusco, nem mais folião! E o Príncipe, num daqueles seus repentes, afeiçou-se desmedidamente àquele tipo estranho, tão galhofeiro, sabedor de tão boas piadas e chalaças: e no dia seguinte a esse encontro providencial, o Senhor Francisco Gomes da Silva, fechando a loja de barbeiro, aboletava-se no Paço de São Cristóvão, onde o Príncipe lhe mandara dar ótimo agasalho e ótima tença. Dai em diante, por essa boa-estrela, tornou-se o Chalaça um personagem relevantíssimo, o mais adulado dos fâmulos de D. Pedro. Para fazer-se idéia das mercês com que foi aquinhoado o tipo reles, basta ler o resumo que dele traçou Alberto Rangel. Lá diz o ilustre historiador de "D. Pedro I e da Marquesa de Santos":

"A 19 de novembro de 1822, foi-lhe mandado entregar ouro para fatura da Coroa e do Cetro. Em dezembro de 1823, encontra-se oficial da Secretaria dos Negócios do Império: depois, a 4 de abril de 1825, oficial maior graduado da mesma Secretaria, com exercício no gabinete imperial; e a 16 de abril de 1827, um decreto mandava que ele, a seu pedido, recebesse emolumentos em "todas as Secretarias de Estado", como se fosse Oficial efetivo delas! Intendente Geral das Cavalariças, Secretário do Gabinete Imperial, Conselheiro de Estado, Comandante da Imperial Guarda de Honra, Concessionário da exploração do ouro, oficial da Ordem do Cruzeiro, comendador honorário da Torre e Espada, comendador da Ordem de Cristo e de S. Leopoldo, ministro plenipotenciário, procurador e "fac-totum" de D. Amélia viúva, tudo isso Gomes o foi".

Conseguiu o Chalaça, como se vê, posições e dignidades altíssimas. No entanto - é curioso notá-lo - o valido não teve a ambição das riquezas. Apesar de receber emolumentos por todas as Secretarias de Estado, como se fosse oficial efetivo delas, apesar de ser o único concessionário da exploração do ouro, apesar de ser o mais querido e o mais íntimo dos amigos do soberano, o Chalaça não enriqueceu. O dinheiro, ao que parece, não o fascinou. As honrarias, sim, essas é que o deslumbraram. Ele próprio é quem o confessa numa das suas cartas ao Marquês de Barbacena, então seu nobre e poderoso amigo. Assim:

"Relativamente aos presentes do estilo, Sua Majestade Imperial ordenou que se fizessem; isto, creio, lhe será participado pelo ministro dos negócios estrangeiros; sei bem que não se há de esquecer de mim; porém sempre lhe lembro que eu tenho servido de secretário de Sua Majestade Imperial; de Oficial maior da Secretaria, etc., nada mais lhe digo, pois que, além de ser amigo sabe que eu ambiciono mais as honras que o dinheiro".

Dessa forte ambição por honras, nasceu a causa da sua ruína. A história dessa queda foi curiosa. Ei-la:  Barbacena, o afortunado Caldeira Brant, estava então no auge do poder. Era Primeiro Ministro. D. Pedro tinha por ele uma estima cega. D. Amélia amava-o com ternuras de filha. Um dia, no Ministério, o Chalaça procurou o velho diplomata.

- O Imperador pede a Vossa Excelência que passe hoje à tarde por S. Cristóvão. É para Vossa Excelência resolver um negócio meu...

Barbacena intrigou-se. E com o seu velho faro político, conhecedor do Amo como ninguém, Caldeira Brant suspeitou logo que ali andava dente de coelho. Mas, não se perturbou. À tarde, entrando para a sege, ordenou secamente ao trintanário:
- São Cristóvão!

No Paço, porém, antes de falar ao Imperador, enveredou o Primeiro Ministro pelos aposentos da Imperatriz. Ai conferenciou em sigilo, longamente, com Sua Majestade. Depois, sereno, com a sua bela estampa decorativa, Barbacena penetrou no Salão dos Despachos. D. Pedro recebeu-o de braços abertos, jovialíssimo. E logo, sem preâmbulos, foi entrando em matéria:

- Meu Barbacena! O Chalaça, como Vossa Excelência sabe, tem trabalhado com afinco nos meus negócios particulares. É de uma dedicação rara. Eu preciso, portanto, dar uma prova de amizade ao Chalaça. Preciso, galardoar os seus serviços. Vossa Excelência conhece a paixão que ele tem por dignidades. Vamos, por conseguinte, satisfazer-lhe a vaidade. Vossa Excelência mande lavrar um decreto concedendo ao Chalaça o título de Marquês... Barbacena ergueu-se, chocadíssimo:
- Marquês? O Chalaça?

- Sim, meu Barbacena. E por que não? O Chalaça é o mais devotado de todos os meus criados. E eu quero recompensá-lo. Não discutamos, pois: mande lavrar o decreto!

Caldeira Brant ouviu, estupefato. E ali diante do soberano, enfunou-se o ministro duma audácia louca:
- Perdão, Majestade! Mas é necessário ponderar um pouco. Esse decreto é uma temeridade. É um ato comprometedor...
- Comprometedor?
- Sim, Majestade. Elevar o Chico Gomes a dignidade tão alta, fazer do nosso vulgaríssimo Chalaça um marquês, é graça verdadeiramente escandalosa. Vossa Majestade vai irritar o país com tão acintosa mercê...

- Deixe-se de baboseiras, Marquês! - Ninguém neste país tem opinião. Opinião, aqui, é a opinião do Imperador. Não há outra. Toda gente engole o que eu quiser: Deixe-se de baboseiras! Vamos lá: mande lavrar o decreto.

Barbacena sorriu. E sem azedume, mas reto e digno:
- Vossa Majestade há de me escusar. Mas eu, como Primeiro Ministro, não referendo esse decreto.
D. Pedro fuzilou:
- Não referenda?
- Não!
E impávido, com dignidade, Barbacena lançou ao Monarca esta coisa enorme:
- Não referendo! E digo mais: se Vossa Majestade quiser conservar-me no Ministério, há de fazer a mim esta mercê, que reputo essencial à moralidade e ao prestígio do Trono: despedir o Chalaça! Mandar o Chalaça embora do Brasil!

D. Pedro escutou aquilo, assombrado! Não podia acreditar no que ouvia. E com os olhos arregalados, tonto:

- Mandar o Chalaça embora do Brasil?

Barbacena ia responder. Mas nisto, erguendo o reposteiro, surgiu no salão a figura doce e espiritualizada de D. Amélia. Naquele ambiente sombrio, tão carregado de trovoada, a silhueta moça e luminosa da Imperatriz foi como um raio de sol. D. Pedro, ao vê-la, sorriu.
E galhofeiro:
- Sabe? Aqui o Barbacena está a me pedir uma graça incrível...

E a Imperatriz, toda luz e brejeirice:
- Uma graça? Então, Majestade, é necessário concedê-la já. Não se pode negar coisa alguma ao nosso Barbacena.

- Mas é preciso ver o que pede o Barbacena...

- Que há de ser, meu Deus?

D. Pedro, com um gesto largo:
- Um disparate! Isto: a saída do Chalaça do Brasil!!

D. Amélia tomou uns ares sisudos. Tornou-se, bruscamente, pensativa e grave. Aquela boneca frágil, tão galante e loira, sabia ser imperatriz nos momentos exatos... E ali com uma solenidade súbita, tornou para o Imperador:

- O nosso Marquês tem razão, Majestade! Esse homem precisa sair do Império...

- Que diz Vossa Majestade?

- Digo que o Chalaça precisa sair daqui. Vossa Majestade perdoe... Mas eu digo mais: esse tipo é abominável! Eu o detesto. E detesto-o, porque ele desmoraliza o Paço. Porque prejudica o Império. Porque impopulariza o regime. Porque compromete a Vossa Majestade!

- É um homem nefasto! É um...

E ambos, Imperatriz e Ministro, assediaram o Imperador de argumentos ferozes. Mas qual! D. Pedro não se deixava vencer. Resistia. Discutia. E afinal, para cortar o assunto:

- Bem, eu vou pensar...

Barbacena cintilou. Estava ganha a cartada... Sabia bem o astucioso ministro que D. Amélia, a deliciosa Beanharnais, com os seus radiosos dezessete anos, com aquela sua mocidade fresca e resplandescente, havia agrilhoado o coração borboleta do moço Imperador. D. Pedro teve pela mulher uma paixão desordenada. Amou-a desvairadamente. Amou-a com toda a explosão do seu temperamento vulcânico. E Barbacena sabia bem que D. Pedro, no seu enlevo, perdido de paixão, jamais teria para com aquela doce criatura a áspera rudeza de um "não".

Não se iludira o velho ministro. D. Amélia, realmente, deveria ter inventado carícias atordoantes, filtros estranhos, amolecedores. D. Pedro não resistiu à mulher. A linda moça, com os seus amavios, com os seus feitiços, conseguiu o milagre único: afastou o Imperador de, seu maior valido. Mandou o Chalaça embora!

Um dia, enfim, estourou na Corte a notícia surpreendente: Francisco Gomes partia do Brasil. Que é que aconteceu? Por que tamanho desfavor? D. Pedro interveio. Não admitiu que o amigo partisse enxovalhado. Fez tudo por dourar aquele desterro. Fez tudo por suavizar aquela enorme queda. E então, contra o sentir de todos os ministros, afrontando o escândalo, D. Pedro timbrou em engrandecer o seu amigo: nomeou-o ministro diplomático em Nápoles!

O Chalaça ministro! O Chalaça, o antigo ourives, o antigo criado do Paço, aquele rastejante tocador de violão, elevado às culminâncias de diplomata brasileiro!

* * *

A partida do favorito foi dum burlesco espantoso. D. Pedro andava numa desolação. Abraçava o amigo, acariciava-o, chorava. Preocupava-se com todas as miudezas da viagem. Ia em pessoa ver o arranjo das malas. Descia às adegas buscar os vinhos prediletos do Chalaça. Providenciava as maiores comodidades para a travessia. Uma dobadoura! Não a descreva eu, que não hão de acreditar-me. Fale o cronista a sua língua desataviada, o que foi essa partida, essa verdadeira página bufa. Eis:

"O valido partiu, por ordem do imperador, a bordo de um paquete inglês para a Inglaterra. O imperador concedeu do seu bolsinho uma pensão anual ao Chalaça de vinte e cinco mil francos. Ao imperador custou muito esta separação. Encarregou-se ele próprio de todo o necessário da bagagem, para que nada faltasse. Lembrava-se das coisas as mais miúdas para cômodos do seu amigo. Tudo o que fazia o imperador comunicava aos ministros. E entretinha-os antes dos despachos com essas ridicularias. Era assim: estive toda esta manhã a fazer arranjar tal ou tal mala: um estojo para aqui, um copo para ali, um talher e outras coisas para Francisco Gomes levar. Isto mortificava o ministério! E como o Chalaça bebia muito, o imperador teve grande cuidado em arranjar-lhe as frasqueiras para a viagem..."

Não haveria por aí, entre os nossos caricaturistas, alguém que fixe esse lance saboroso?

* * *

Assim, graças a essa patriótica urdidura do Barbacena, partiu enfim do Brasil o grandíssimo patife. Esse homem, que subiu tão vertiginosamente, soube apenas, para conseguir tantos triunfos, servir-se deste singelo ardil: explorar a boemia do soberano. Que é que fez o Chalaça na vida? Acompanhou o Amo nas patuscadas, preparou-lhe ceiatas, com violão e lundus, descobriu vinhos velhos, inventou petisqueiras, arranjou-lhe mulherinhas para os regabofes, alimentou à farta o temperamento patusco do monarca. Com isso, com alcovitismos e sabujices, conseguiu tudo. Cobriu-se de honras. Distribuiu favores. Protegeu amigos e apaniguados. Foi um homem culminante no seu tempo. No seu tempo só, não: hoje ainda, em plena democracia, seria o rufião uma pessoa relevantíssima. Quem não conhece, meus senhores, os Chalaças da República?


O paquete "Swallow" enfiou a proa nas águas atlânticas. Ia nele, enfim, o senhor ministro diplomático de Nápoles, rumo do seu exílio dourado. Lá ao longe, entre morros, a cidadezinha diluía-se, confusa. No tombadilho, encostado à amurada, o grande amigo de D. Pedro, com ar murcho, cravava um olhar comprido naquele pequenino casario que se ia apagando na distância. Apertava-lhe o coração um despeito sangrento. Bailava-lhe no lábio um sorriso vago, mas feroz. Todo ele era sombra e fel. E crispando o punho, num gesto de ira, o favorito ciciou acerbamente:

- Deixe estar, Barbacena! Deixa estar...

E em segredo, bem dentro do coração, pôs-se a forjar vinganças espantosas...

* * *

O Marquês de Barbacena, triunfalmente, prestigiadíssimo, começou então a governar o
Brasil numa rósea tranqüilidade. A boa-estrela de Caldeira Brant tocara o mais alto do céu. Tudo sorria-lhe. Tudo, as coisas e os homens, rastejavam-lhe aos pés, com docilidade. Não havia mais estorvos no seu caminho. O Chalaça partira. A Marquesa de Santos partira. João Pinto da Rocha partira. A própria Duquesinha de Goiás fora banida do Paço. Além de tão vastos triunfos, para coroa de tudo, a Imperatriz adorava-o. José Bonifácio, que voltara do exílio, prestigiava-o. E D. Pedro, com as desbordâncias de sua estima, tinha para com o Primeiro Ministro deferências únicas, envaidecedoras. Tratava-o com rara afetuosidade. Abria-lhe a alma em intimidades de irmão. As cartas do soberano, por esse tempo, revelam alto essas amizades fortes. Eram da mais carinhosa confiança. Vede uma pequena amostra: "Meu Barbacena - Grande dia hoje e memorável será em sua casa, pois eu nomeei-o mordomo-mor da imperatriz; e ela nomeou dama a sua filha. Agora segredo. Custou-me a vencer a imperatriz para que a "Pedra Parda" não fosse nomeada; mas finalmente esteve pelas minhas reflexões, e não a nomeou. Creio que a Pedra-Parda tangeu o negócio por boa parte, digo pela duquesa-mãe, mas tudo foi baldado. Estimarei que acredite que sou e serei, seu amo e amigo - Pedro".

Eis outra:
"Barbacena - Remeto-lhe esse papel, a fim de que mande examinar se o que esse homem representa é verdade. Desejo muito que essa o ache bom e mais toda a sua família. Eu estou bom, a imperatriz igualmente os dois príncipes. A Paula está um pouco incomodada, mas vai bem. Perdoe que lhe lembre esporear o promotor dos jurados: há papéis que merecem bem de ser lidos e considerados pelo ministério. Isto é muito amical, pois de todo o coração sou seu amigo. - Pedro".

Barbacena, realmente, saboreou então o pináculo do fastígio. Foi a sua hora suprema. O Brasil inteiro, fascinado, ajoelhou-se diante do Grande Homem, como um inca diante do sol. Mal imaginava o ditoso Marquês, naquele momento de glória embriagante, que em Londres, lá por esse remoto Londres, sob o fog, trotando por Picadilly, andava alguém, espumejando, com um ódio de morte fincado no coração, a forjar contra o Primeiro Ministro vinganças espantosas...

* * *

- O Imperador!
As ruas abarrotam-se de gente. Grande correria. As janelas abrem-se com estrépito. Que há?
- O Imperador!

É o Imperador que passa. Sua Majestade guia um coche tirado a seis. O fraco de D. Pedro, toda gente o sabe, é guiar. Não há para Sua Majestade paixão que o empolgue tanto. Naquele dia, então, como o sol luzisse magnífico, D. Pedro saiu com espavento. Soberbo, o chicote em punho, o boleeiro imperial largara o coche num galope solto. Vinha dentro a Imperatriz D. Amélia. Dum lado, D. Maria da Glória, a rainhazinha de Portugal. Do outro lado, o Príncipe Augusto, irmão da imperatriz. Um bando luzidissimo! De repente, a uma chicotada mais violenta, um dos cavalos pula, as guias quebram-se, o coche revira com estrondo! Grande pânico! D. Pedro é arremessado longe. A Imperatriz e a Rainha caem
 de borco no chão. O Príncipe Augusto bate a cabeça no lajedo. Um desastre completo. Todo o mundo precipita-se numa ânsia. Que foi? Que foi? Os viajantes reais estavam feridos. O Imperador, gemendo, vermelho de sangue, tinha duas costelas quebradas. Era na Rua do Lavradio. Era em frente à casa do Marquês de Cantagalo. O Marquês corre com todos os escravos a socorrer os feridos. Recolhe-os. Presta-lhes auxílios enérgicos. Vieram logo os médicos. Veio o cirurgião. Encastoaram fortemente o Imperador. E Pedro, durante largos dias, até curar-se da fratura, deixou-se ficar na casa amiga do Cantagalo.

* * *

Um dia, ao fim da doença, recebeu o monarca a correspondência de Estado. Era imensa. D. Pedro pôs-se a correr os olhos por aquele monte de papéis. Havia, entre eles, uma carta que chegara de Londres. Carta grossa, recheada de documentos. D. Pedro leu-a, com espanto. Depois, com mais vagar, tornou a ler. Meditou. Tornou a ler... Aquela estranha carta chocara vivamente o soberano! D. Pedro bateu palmas. Apareceu o guarda-roupa de serviço:

- Vá buscar o Barbacena. Que venha já!

O guarda-roupa saiu. Devia existir nela qualquer coisa de muito grave, de muito impressionante. Aquelas letras tiveram influência radical no espírito de D. Pedro. Perturbaram-no. Um ricto de cólera enrugou-lhe o lábio. O olhar lampejou-lhe, bravio. Não restava dúvida: aquela estranha carta revirou-lhe os nervos. Assim, quando Barbacena entrou, D. Pedro fervia.

O Ministro notou logo aquele azedume, aquelas sombras, D. Pedro, encastoado nas faixas, fez um enorme esforço para sentar-se. Sentou-se. E áspero:
- Diga-me aqui, Marquês: quanto V. Excia. gastou na Europa com o meu casamento?
Barbacena petrificou-se! Olhou o Amo assombrado. E D. Pedro, cada vez mais rude:
- Vamos lá, Marquês: quanto V. Excia. gastou?
Barbacena reconcentrou-se. Um instante depois:
- É fácil dizer. Gastei: 177.738 libras, 19 shillings, 10 pence.
- Mas é fabuloso, Marquês! E em que coisas dispendeu V. Excia. tanto dinheiro?
E Barbacena, olhos escancarados:
- Eu já expliquei tudo, Majestade! E expliquei de tal forma, que Vossa Majestade aprovou as minhas contas...
- O Marquês não explicou coisa alguma. Eu não vi coisa alguma! V. Excia. mostrou-me aí uma papelada. Uma papelada que eu não examinei, que fui aprovando à toa, confiado em V. Excia.. Mas, agora, depois das revelações que recebi, exijo que o Marquês torne a prestar contas. Quero que me forneça todos os detalhes. Não é possível que V. Excia. tivesse gasto tanto! Não é possível... Nisso, Marquês, andou patifaria...
- Majestade!
- Patifaria, sim senhor! Patifaria grossa! Eu sei agora - tenho provas - que V. Excia., em Londres, recebeu comissão de todos os fornecedores. V. Excia. mandou passar os seus recibos por um preço, mas pagou outros. V. Excia. inventou despesas que não se fizeram.
V. Excia..
Barbacena tremia, indignado. E com fúria, chamejante:
- Mas isso é calúnia, Majestade! Isso é infâmia dos meus inimigos!
- Não é calúnia, não senhor! Onde está, Marquês, o tal adereço de pérolas que V. Excia.
diz que comprou para a Imperatriz? Onde está? E a afogadeira de rubis? Onde está? Ora, sabe o que mais?
Afogueado, os olhos chispantes, com aqueles seus eternos ímpetos de estouvado:
- Sabe o que mais? Escute lá: V. Excia. roubou-me!
- Majestade!
- Roubou-me, sim senhor! V. Excia, é um ladrão...
Barbacena não se conteve. Pulou:
- Vossa Mejestade enlouqueceu! Vossa Majestade não sabe o que diz! Vossa Majestade...
Ferveu entre ambos uma altercação furiosa. Disseram-se os mais tremendos desaforos. Conta o velho Melo Morais:

"Foi tão vergonhosa a polêmica entre o Imperador e o Marquês de Barbacena, que o Imperador, furioso chamou a Barbacena de ladrão. A Imperatriz D. Amélia caiu doente!"

Resultou do atrito incrível - era fatal! - a demissão imediata de Barbacena. O homem do dia ruiu por terra. Espatifou-se o deus da hora. Mas, de que jeito? O ídolo tombou por um decreto famoso, decreto de uma secura achincalhante, decreto que o enlameava. Dizia, com todas as letras, que:

- "Sendo necessário tomarem-se as contas da caixa de Londres, e examinarem-se as grandes despesas feitas pelo Marquês de Barbacena com minha Augusta Filha, e, especialmente com o meu casamento... hei por bem demiti-lo do cargo de Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda".

Barbacena veio a público defender-se da pecha infame. Mas antes de assumir assim uma atitude de ostensiva luta, o velho ministro tentou conciliar um pouco as coisas. E lançou esta ponte: endereçou ao soberano uma petição em que solicitava, com certa malícia amedrontadoramente, autorização para publicar documentos graves. A resposta foi duma rudeza desaforada. Proclamava mais uma vez nuamente, o desvalimento em que caíra o Marquês. Dizia o Ministro do Império: "O Augusto Amo e Senhor ordenou que participasse a V. Excia. que, pela garantia do art.179 parágrafo 4.o da Constituição do Império, é desnecessária a licença que requer".

Não podia mais, diante da resposta, haver um instante de protelação. Barbacena despejou a sua defesa. Trouxe à baila cartas reservadíssimas. Desvendou toda a vergonheira do casamento. Explicou as instruções secretas de D. Pedro, os requisitos que exigia da noiva, as casas reinantes antipáticas, o diabo! Espalhou com retumbância as tábuas de D. Pedro, o enxoval, os empréstimos, mil intimidades ridículas e comprometedoras.

E foi só assim, graças à briga indecorosa, que a posteridade soube afinal das miudezas daquele célebre casamento imperial, miudezas tão cômicas, é verdade, mas tão dolorosas para os brios do Imperador e para as nossas arrogâncias de nação. Aquele desvendar de coisas limpou galhardamente a memória de Barbacena. O embaixador e plenipotenciário entupiu a boca dos maledicentes pósteros. Mas não o redimiu perante o Amo. Ao contrário: agravou-lhe mais a desvalia. O Marquês de Barbacena, desde então, despenhou-se irremissivelmente na desgraça!

* * *

O Chalaça, lá em Londres, haveria de sorrir um belo sorriso satânico, ao saber da queda fragorosa do seu imenso inimigo. E haveria de sentir, com legitimo orgulho, o seu ainda
formidável prestígio ante o coração do Amo e Amigo. D. Pedro não o esquecera. E a sua influência era ainda tão alta, tão decisiva, que, mesmo do exílio, mesmo de muito longe, bastava uma simples carta, uma pequenina palavra sua, para arremessar do pedestal um ministro onipotente, validíssimo, amigo e confidente da Imperatriz.

Não há que fugir, esta é a rude verdade: o Chalaça foi o homem culminante do Primeiro Reinado.

Texto de Paulo Setúbal em "As Maluquices do Imperador", Saraiva, São Paulo, 1983, excertos pp.56-63. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

HEALING FOODS- DROWNING YOUR SORROWS

$
0
0
Kefir

New research is bubbling around ‘psychobiotics’: food products like kefir that boost your gut—and your mood. Shann Nix Jones reports.

It may be hard to believe that by taking a probiotic like kefir, you can alter the composition of your gut bacteria in a way that positively affects your mood and brain function, while also resolving your irritable bowel syndrome (IBS). But a massive wave of research into the brain– gut axis has shown exactly that.

Kefir—a fermented product similar to liquid yogurt—has been around for millennia, but today it’s poised to become a major player in a new frontier in neuroscience because of its actions as a ‘psychobiotic.’ This is a new term for a combination of live organisms that, when ingested in adequate amounts, produce mental health benefits.

While it’s been known for over a century that bacteria can have positive effects on our physical health, it’s only in the last 10–15 years that studies have shown there’s a connection between the gut, the bacteria in the gut and the brain.

In mice, enhanced immune function, better reactions to stress, and even learning and memory advantages have been attributed to adding the right strain of bacteria to the gut.1

“Those studies give us confidence that gut bacteria are playing a causal role in very important biological processes, which we can then hope to exploit with psychobiotics,” says Philip Burnet, an associate professor of psychiatry at the University of Oxford.

Psychobiotics have been largely studied in groups of IBS patients where positive results were seen on their IBS and their depression/anxiety.2

But you don’t need to be clinically depressed to benefit from psychobiotics.

The latest research shows that anyone suffering from chronic stress, low mood or anxiety-like symptoms can benefit from them as well.3

How do psychobiotics work?

Psychobiotics work on the brain in three different ways:

a. By producing active compounds like serotonin that work on the gut–brain axis. When our gut secretes serotonin, this triggers cells within the gut lining to release molecules that signal brain function and affect behavior.4

Guidelines for making your own kefir

Working with live cultures can be a wonderful boon to health. It’s easy to make your own kefir at home: kefir grains can be ordered online.

Like anything, however, homemade kefir has both benefits and potential risks— and often the risks are not described in the instructions that accompany the grains.

So, in order to ensure that your homemade kefir is safe for consumption, please observe the following food safety guidelines.

1. Ferment your kefir until the pH is below 4.5. This is the level at which most bacterial pathogens are unable to survive. pH meters are widely available for this purpose.

2.  Drop the pH of your kefir down to 4.5 or below as rapidly as possible. Although it’s fine for the entire fermentation process to take up to 48 hours, this initial drop in pH needs to happen quite quickly—ideally within the first 16 hours of fermenting. Otherwise you run the risk of spoilage bacteria entering your kefir.

3. The ideal ratio of grains to milk is about 1:7. Fermentation rates vary, depending on heat and activity (both of which increase fermentation rates), so keeping your kefir warm and shaking it from time to time will speed up the fermentation process.

b. By working on the body’s stress response system, which involves the brain and the adrenal glands (at least in animal studies).5 This system, also known as the hypothalamic–pituitary–adrenal (HPA) axis, is damaged by chronic stress or illness. When your HPA axis is out of whack, the production of cortisol and other stress-related hormones goes wrong as well.6

This plays a big part in causing mood disorders and cognitive problems.

c. By affecting the brain through their anti-inflammatory actions. Chronically elevated levels of inflammation throughout the body and brain are now known to be one of the major underlying causes of IBS, depression and anxiety. This inflammation can stem from the gut, and psychobiotics affect the brain by lowering inflammation.7

Psychobiotics can also help boost mood and ease anxiety in people suffering from various chronic diseases. Beneficial bacteria were used in a double-blind, placebo-controlled trial in patients with chronic fatigue syndrome, and the participants taking the probiotic had a significant decrease in anxiety symptoms compared to the control group.8

In another trial, psychobiotics were shown to help people during times of stress by preventing stressrelated cortisol increases while raising serotonin levels.9

For those with IBS, research has found that daily treatment with a psychobiotic for four weeks led to improved mood, reduced anxiety scores and significantly improved quality of life in IBS sufferers.10

Recent science has also shown that psychobiotics may relieve symptoms of depression. In a 2017 study, researchers from McMaster University in Canada found that twice as many adults with IBS reported improvement in coexisting depression when they took a psychobiotic compared to those who took a placebo. The study provides further evidence that the microbiota environment in the intestines is in direct communication with the brain.11

In fact, one study comparing psychobiotic bacteria to the SSRI citalopram showed that the bacteria actually worked better than the medication in dealing with depression, anxiety and cognitive dysfunction due to chronic stress. It lowered cortisol and restored levels of serotonin and other brain chemicals to normal.12

4. Test your finished kefir once a month at a public health laboratory, to ensure your grains have not become contaminated. Whenever you reuse a live culture (such as kefir grains), you run the risk of bacteriophage contamination. Bacteriophages, or ‘phages,’ are viruses that infect bacteria, and they can turn harmless bacteria into agents of disease by altering their genetic code to produce toxic substances. These bacteria are then able to infect humans and cause food poisoning and other potentially deadly diseases. If you contact the public health laboratory near you, they can explain how you can bring in your kefir for testing. Ask for a standard microbiological food safety screen for a live culture product.

HOW TO TAKE YOUR KEFIR

Kefir is strong stuff, so I recommend you start slowly. Take 1 Tbsp of kefir per day, and as your system adjusts, work your way gradually up to a daily dose of up to 6 fl oz.

Choose pure goat’s milk kefir that’s been made with real kefir grains, with no added sugar, sweeteners or flavorings. Drink it first thing in the morning on an empty stomach. Why on an empty stomach? Because tryptophan, the precursor to serotonin that kefir is packed with, only works on the brain when consumed on an empty stomach.

Why first thing in the morning? Because the lactate in kefir (not lactose: kefir is 100 percent lactose free) will give you an energy boost, and you don’t want that last thing at night or you’ll have trouble getting to sleep.

Make sure to give other liquids 15 minutes or so to clear your system before you take your kefir. The idea here is to give the live bacteria in the kefir a nice clear run at the wall of the gut, to which they’ll adhere and begin fighting for space with the bad bugs that are parked there, and start pushing them out.

You can sweeten your kefir by adding 100 percent stevia or blend it up with fruit, but if you do the latter, be sure to consume it immediately. Don’t let it sit overnight, as the fructose (fruit sugar) will degrade the power of the probiotics.

MOOD-HEALING BREAKFASTS

Regular bread containing gluten is not recommended while trying to heal a gut-based condition, but here are two gluten-free options that you can have instead.

Pancakes are considered a staple food by many families, but they are typically considered off-limits outside of breakfast, and when they are served, they’re smothered in high-GI maple syrup. And in many European countries, if they’re eaten at all, they’re doused in powdered sugar.

So, I officially encourage you to reboot your ideas about pancakes. A pancake is just a simple flat bread cooked on a griddle or in a frying pan and nothing could be faster, easier or more tempting.

We fry up a stack of the following ‘save-my-snacktime’ pancakes every three days or so, wrap them up and store them in the fridge (where they’ll keep for up to four days).

For a snack, or lunch, you can then pop them in the toaster to make them warm and crispy. They can be sweet or savory—serve them with the topping of your choice from the suggestions below.

SAVE-MY-SNACKTIME PANCAKES

Makes 8 pancakes
17 fl oz kefir
7 fl oz goat’s milk
1 free-range egg
8 oz gram flour (chickpea flour)
7 oz other gluten-free flour—choose from buckwheat, quinoa, sorghum, millet flakes or 1 Tbsp potato starch (not potato flour)
1 tsp baking soda
½ tsp sea salt
Goat’s butter or coconut oil

Method

1. Combine the kefir, egg and goat’s milk.
2. In a medium bowl, mix the flour, baking soda and salt.
3. Melt 1 Tbsp of the goat’s butter and pour onto the dry ingredients.
4. Incorporate the flour slowly into the kefir mixture to produce the batter. (Make sure the batter is not thin and soupy, otherwise you’ll get crepes. It should be a nice firm batter that is pourable. If the batter is too thin, add more flour.)
5. Heat a griddle or frying pan to medium heat and add about 1 Tbsp of goat’s butter/coconut oil. Scoop the pancake batter with a ladle and pour into the pan.
6. Cook each pancake for a few minutes on each side. Flip them over when you see bubbles appear on the surface. If you like a sweet pancake, add 100 percent pure stevia to taste, or top it with fruit, such as blueberries or strawberries. If you prefer yours savory, add butter, soft goat’s cheese, hummus, guacamole, peanut butter or almond butter.

KEFIR SODA BREAD 

This bread is hearty and crumbly. It’s a bit challenging to make sandwiches with it, but it’s a great complement to soups, stews and slow-cooked meals.
8 fl oz kefir (milk or water kefir)
4 oz organic buckwheat flour
2 oz organic quinoa flour or oat flour (if tolerated)
2 oz organic almond flour/meal
1 oz soaked oat groats (optional)
Pinch sea salt
1 tsp baking soda

Method

1 Put the buckwheat flour and the kefir in a glass bowl. Soak overnight, or for at least 12 hours.
2 Preheat the oven to 400°F.
3 Sieve the remaining dry ingredients into a glass bowl, then add the wet ingredients. Try to mix them as little as possible. Leave the dough in the bowl for 10 minutes.
4 Add a little flour to your hands. Put the dough (leave it in the shape it took while in the bowl) on a baking tray lined with a greased sheet of parchment paper. Dust the dough lightly with a bit of gluten-free flour and cut a deep cross in the top.
5 Bake for 30 minutes until brown on the outside. Enjoy warm, dripping with goat’s butter!

NOTES

1 Trends Neurosci, 2016; 39: 763–81
2 Biol Psychiatry, 2013; 74: 720–6
3 Gastroenterology, 2013; 144: 1394–401
4 Adv Exp Med Biol, 2014; 817: 221–39
5 Neurogastroenterol Motil, 2014; 26: 510–20
6 Psychiatry, 2006; 5: 166–70
7 Clin Ther, 2015; 37: 984–95
8 Gut Pathogens, 2009; 1: 6
9 Benef Microbes, 2016; 7: 153–6
10 Aliment Pharmacol Ther, 2009; 29: 508–18
11 Gastroenterology, 2017; 153: 448–59.e8
12 Neuroscience, 2015; 310: 561–77

In "What Doctors D'ont Tell You", USA, August 2018, excerpts pp.44-49. Digitized, adapted and illustrated to be posted by Leopoldo Costa.

BRASIL - TRAÇOS GERAIS DA ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA, SOCIAL, ECONÔMICA E FINANCEIRA DA COLÔNIA

$
0
0


1. A administração e o cargo público
2. O espectro político e administrativo da metrópole e da colônia
3. As classes: transformações c conflitos

1. A administração e o cargo público

Fazenda, guerra e justiça são as funções dos reis, no século XVI, funções que se expandem E se enleiam no controle e aproveitamento da vida econômica. Uma constelação de cargos, já separada a administração pública da casa real, realiza as tarefas públicas, com as nomeações e delegações de autoridade. Separação, na verdade, tênue, em que o valido da corte se transmuta em funcionário ou soldado, num processo de nobilitação, que abrange o letrado e o homem de armas. O patrimônio do soberano se converte, gradativa-mente, no Estado, gerido por um estamento, cada vez mais burocrático. No agente público — o agente com investidura e regimento e o agente por delegação — pulsa a centralização, só ela capaz de mobilizar recursos e executar a política comercial. O funcionário é o outro eu do rei, um outro eu muitas vezes extraviado da fonte de seu poder. Um cronista do início do século XVII já define, em termos de doutrina, a projeção do soberano no seu agente: ''os amigos do rei, seus viso-reis e governadores e mais ministros hão de ser outro ele, hão de administrar, governar e despender como o mesmo rei o fizera, que isto e ser verdadeiro amigo; mas quando a cousa vai por outro rumo, que o governador e ministro não pretende mais que governar para si e para os seus, então não sinto eu mor imigo do rei que este, porque poderá ele dizer polo tal governador. — Este que aqui está é outro si, ou outro para si. Em toda a parte isto tem lugar'.1 O cargo, como no sistema patrimonial, não é mais um negócio a explorar, um pequeno reino a ordenhar, uma miga a aproveitar. O senhor de tudo, das atribuições e das incumbências, é o rei — o funcionário será apenas a sombra real. Mas a sombra, se o sol está longe, excede a figura: "A sombra, quando o sol está no zênite, é muito pequenina, e toda se vos mete debaixo dos pés; mas quando o sol está no oriente ou no ocaso, essa mesma sombra se estende tão imensamente, que mal cabe dentro dos horizontes. Assim nem mais nem menos os que pretendem e alcançam os governos ultramarinos. Lá onde o sol está no zênite, não só se metem estas sombras debaixo dos pés do príncipe, senão também dos de seus ministros. Mas quando chegam àquelas Índias, onde nasce o sol, ou a estas, onde se põe, crescem tanto as mesmas sombras, que excedem muito a medida dos mesmos reis de que são imagens".2 Neste trânsito do agente patrimonial para o funcionário burocrático, apesar dos minudentes regimentos régios, a competência das sombras ou imagens do soberano se alarga nas omissões dos regulamentos e, sobretudo, na intensidade do governo. A luz do absolutismo infundia ao mando caráter despótico, seja na área dos funcionários de carreira, oriundos da corte, não raro filhos de suas intrigas, ou nos delegados locais, investidos de funções públicas, num momento em que o súdito deveria, como obrigação primeira, obedecer às ordens e incumbências do rei. A objetividade, a impessoalidade das relações entre súdito e autoridade, com os vínculos racionais de competências limitadas e controles hierárquicos, será obra do futuro; do distante e incerto futuro. Agora, o sistema é o de manda quem pode e obedece quem tem juízo, aberto o acesso ao apelo retificador do rei somente aos poderosos. O funcionário é a sombra do rei, e o rei tudo pode: o Estado pré-liberal não admite a fortaleza dos direitos individuais, armados contra o despotismo e o arbítrio.

Infeliz, Doroteu, de quem habita
Conquistas do teu dono tão remotas!
Aqui o povo geme e os Seus gemidos
Não podem, Doroteu, chegar ao trono.
E se chegam, sucede quase sempre
O mesmo que sucede nas tormentas,
Aonde o leve barco se soçobra
Aonde a grande nau resiste ao vento.3

O funcionário recebe retribuição monetária, o agente desfruta de vantagens indiretas, com títulos e patentes, que compensam a gratuidade formal. Os ordenados dos funcionários pouco crescem no curso dos anos numa despesa global fixa, apesar do número crescente de pessoal, com o aumento das tenças e dos juros nas despesas públicas, o que sugere a expansão da nobreza e do comércio, controlada a burocracia numa rede de governo, que gravita em torno do rei e de sua aristocracia.4 Essa degradação dos vencimentos explicará as inúmeras denúncias de corrupção, aliada à violência, instrumento esta, para garrotear os súditos, sobretudo se as distâncias e o tempo os desamparam da vigilância superior. Os vícios que a colônia revela nos funcionários portugueses se escondem na contradição entre os regimentos, leis e provisões e a conduta jurídica, com o torcimento e as evasivas do texto em favor do apetite c da avareza. O padre Antônio Vieira volve sua lança oratória contra dois abusos do sistema, com a crítica à rapinagem burocrática e à drenagem de recursos para a metrópole: "Perde-se o Brasil, Senhor (digamo-lo em uma palavra), porque alguns ministros de Sua Majestade não vêm cá buscar o nosso bem, vêm cá buscar nossos bens. [...] El-Rei manda-os tomar Pernambuco, e eles contentam-se com o tomar [...] Este tomar o alheio, ou seja o do Rei ou o dos povos, é a origem da doença; e as várias artes e modos e instrumentos de tomar são os sintomas, que, sendo de sua natureza muito perigosa, a fazem por momentos mais mortal. E senão, pergunto, para que as causas dos sintomas se conheçam melhor: — Toma nesta terra o ministro da justiçar — Sim, toma. — Toma o  ministro da fazenda? — Sim, toma. — Toma o ministro da milícia? — Sim, toma. — Toma o ministro do Estado? — Sim, toma. E como tantos sintomas lhe sobrevêm ao pobre enfermo, e todos acometem à cabeça e ao coração, que são as partes mais vitais, e todos são atrativos e contrativos do dinheiro, que é o nervo dos exércitos e das repúblicas, rica tomado todo o corpo e tolhido de pés e mãos, sem haver mão esquerda que castigue, nem mão direita que premie; e faltando a justiça punitiva para expelir os humores nocivos e a distributiva para alentar e alimentar o sujeito, sangrando-o por outra parte os tributos em todas as veias, milagre é que não tenha expirado". No indignado sermão, pregado em meados do século XVII, a denúncia atinge plano mais profundo, ao tocar a chaga da venalidade, vinculando-a ao controle fiscal e comercial do reino: "Desfazia-se o povo em tributos, em imposições e mais imposições, em donativos e mais donativos, em esmolas e mais esmolas (que até à humildade deste nome se sujeitava a necessidade ou se abatia a cobiça), e no cabo nada aproveitava, nada luzia, nada aparecia. Porque? — Porque o dinheiro não passava das mãos por onde passava. Muito deu em seu tempo Pernambuco; muito deu e dá hoje a Bahia, e nada se logra; porque o que se tira do Brasil, tira-se do Brasil; o Brasil o dá, Portugal o leva". Uma imagem dá a veemente medida do bombeamento de riquezas para a metrópole, por meios legais e por meios ocultos: "Como terem tão pouco do Céu os ministros que isto fazem, temo-los retratados nas nuvens. Aparece uma nuvem no meio daquela Bahia, lança uma manga no mar, vai sorvendo por oculto segredo da natureza grande quantidade de água, e depois que o está bem carregada, dá-lhe o vento, e vai chover daqui a trinta, daqui a cinqüenta léguas. Pois, nuvem ingrata, nuvem injusta, se na Bahia tomaste essa água, se na Bahia te encheste, porque não choves também na Bahia? se a tiraste de nós, porque a não despendes conosco? Se a roubaste a nossos mares, porque a não restituis a nossos campos? Tais como isto são muitas vezes os ministros que vêm ao Brasil — e à fortuna geral das partes ultramarinas. Partem de Portugal estas nuvens, passam as calmas da linha, onde se diz que também refervem as consciências, e em chegando, verbi gratia, a esta Bahia, não fazem mais que chupar, adquirir, ajuntar, encher-se (por meios ocultos, mas sabidos), e ao cabo de três ou quatro anos, em vez de fertilizarem a nossa terra com a água que era nossa, abrem as asas ao vento, e vão chover a Lisboa, esperdiçar a Madri. Por isso nada lhe luz ao Brasil, por mais que dê, nada lhe monta e nada lhe aproveita, por mais que faça, por mais que se desfaça. E o mal mais para sentir de todos é que a água que por lá chovem e esperdiçam as nuvens não é tirada da abundância do mar, como noutro tempo, senão das lágrimas do miserável e dos suores do pobre, que não sei como atura já tanto a constância e fidelidade destes vassalos".5

O brado moralizador tem uma nota singular, não conhecida de Diogo do Couto e do autor da Arte de furtar. O golpe contra a burocracia, ao tempo que fere a corrupção, vibra a corda nacionalista, do embrionário nacionalismo do Brasil. O protesto terá fundamento na repulsa da burguesia comercial, à qual Vieira estava ligado, e nos interesses brasileiros, já conscientes da exploração metropolitana. Em todos os botes a denúncia quer mostrar o domínio do funcionário, sombra do rei, infiel aos fins ideais do soberano, mas coerente com o patrimonialismo que este encarna e dirige. Há mais, porém. O burocrata, já desenvolvido do embrião estamental do cortesão, furta e drena o suor do povo porque a seu cargo estão presos os interesses materiais da colônia e do reino. O súdito não é apenas o contribuinte, mas a vítima do empresário que arrenda os tributos, a vítima dos monopólios e das atividades da metrópole. Dessa conexão estava afastado apenas o padre, em princípio meramente recebedor de subsídios. Ao contrário do mundo holandês e inglês, a rede, a teia de controles, concessões c vínculos avilta a burguesia e a reduz à função subsidiária e dependente do Estado. O exercício do comércio prende-se, em termos gerais, a um contrato público, que gera os contratadores, por sua vez desdobrados em subcontratadores, sempre sob o braço cobiçoso da administração pública. Nesse regime, não se concentram em poucas mãos as fortunas, nem se emancipam as atividades mercantis dos regulamentos, sempre minuciosos e casuísticos. A burguesia, domesticada e agrilhoada, vinga-se do funcionário, sussurrando ou bradando contra a corrupção. O funcionário, de seu lado, acostado ao fidalgo, desdenha o comerciante no seu parasitismo e no seu aproveitamento do trabalho alheio para enriquecer. Os soldados ou os burocratas que se volvem ao comercio continuam a ostentar, para poupar-se à degradação, seus velhos títulos.6 As duas categorias, com as tensões e os encontros de interesses, marcam a cúpula social com muitas faces ambivalentes e contraditórias.

A função pública congrega, reúne e domina a economia. Ela é o "instrumento regalista da classe dominante", formando um "patriciado administrativo".7 Por meio dele, amolda-se o complexo metropolitano e se homogeneiza o mundo americano. Nas suas duas expressões — o funcionário de origem cortesã e o agente local recrutado pelo rei — fixa-se a transação entre a centralização governamental e as correntes desintegradoras dos núcleos locais e provinciais. Um problema de domínio se resolve num problema de conciliação, formulada do alto: "a conciliação entre a unidade do governo e a tendência regionalista e desintegradora, oriunda da extrema latitude de base geográfica, em que assenta a população".8 A Independência, o Império e a República sentirão, a cada passo e em todos os episódios, o latente ou o aberto contraste das duas pontas do dilema. A unidade do governo, traduzida e realizada numa camada social, será a rocha sobre a qual se erguerá a unidade nacional, em luta contra a vocação regional e autonomista das forças locais. No fundo do drama não estão apenas os funcionários leais ao rei pela hierarquia, senão os funcionários que não sabem que atuam sob a vontade do rei, que os doma, disciplina e lhes infunde o cunho de colaboradores submissos. Vilhena, no começo do século XIX, sabia melhor do que os historiadores futuros que, mesmo os paulistas — membros da categoria dos conquistadores —, apesar da fama de "facínoras, rebeldes ao soberano, e insubordinados às leis", são "todos vassalos da Coroa portuguesa os que nesta dilatadíssima região têm dado as mais evidentes provas de fidelidade, zelo, e obediência ao seu Soberano, quem mais tem exposto as vidas em benefício da pátria, em utilidade da capital, e da nação".9 A força integradora, que arrasta, na cauda, todas as energias e todas as rebeldias, será a camada dos fiéis agentes do rei e dos funcionários. Esse círculo de privilégios e honras confere mando, superioridade e fidalguia.

O cargo público em sentido amplo, a comissão do rei, transforma o titular em portador de autoridade. Confere-lhe a marca de nobreza, por um fenômeno de interpenetração inversa de valores. Como o emprego público era, ainda no século XVI, atributo do nobre de sangue ou do cortesão criado nas dobras do manto real, o exercício do cargo infunde o acatamento aristocrático aos súditos. Para a investidura em muitas funções públicas era condição essencial que o candidato fosse "homem fidalgo, de limpo sangue" (Ordenações Filipinas, L. I, tít. I), ou de "boa linhagem" (idem, tít. II). Nas Câmaras se exigia igual qualificação para a escolha dos vereadores entre os "homens bons"— embora, na realidade, esses caracteres fossem muitas vezes ignorados. Os "homens bons" compreendiam, num alargamento contínuo, além dos nobres de linhagem, os senhores de terras e engenhos, a burocracia civil e militar, com a contínua agregação de burgueses comerciantes. Os Livros da Nobreza, guardados pelas Câmaras, sofriam registros novos e inscrições progressivas, sem, contudo, eliminara categoria aristocrática. Não tardaria muito e a venda dos empregos elevaria aos cimos da nobreza a burguesia enriquecida, para indignação e pasmo das velhas linhagens. O severo Critilo, representante da nobreza letrada, ou nobre porque letrada, retrata bem os valores dominantes, na repulsa às ascensões plebéias aos postos de governo.

Conheço, finalmente, a outros muitos
Que foram almocreves e tendeiros,
Que foram alfaiates e fizeram,
Puxando a dente o couro, bem sapatos.
Agora, doce amigo, não te rias
De veres que estes são aqueles grandes
Que. em presença do chefe, encostar podem
Os queixos nos bastões da fina cana.
Os postos, Doroteu, aqui se vendem,
E, como as outras drogas que se compram,
Devem daqueles ser, que mais os pagam.
E também, Doroteu, contra a polícia
Franquearem-se as portas, a que subam
Aos distintos empregos, as pessoas
Que vêm de humildes troncos. Os tendeiros.
Mal se vêem capitães, são já fidalgos;
Seus néscios descendentes já não querem
Conservar as tavernas, que lhes deram
Os primeiros sapatos e os primeiros
Capotes com capuz de grosso pano.
Que império, Doroteu, que império pode
Um povo sustentar, que só se forma
De nobres sem ofícios?10

A burguesia, nesse sistema, não subjuga e aniquila a nobreza, senão que a esta se incorpora, aderindo à sua consciência social. A íntima tensão, tecida de zombarias e desdéns, se afrouxa com o curso das gerações, no afidalgamento postiço da ascensão social. A via que atrai todas as classes e as mergulha no estamento é o cargo público, instrumento de amálgama e controle das conquistas por parte do soberano.

2. O espectro político e administrativo da metrópole e da colônia

Um esquema vertical na administração pública colonial pode ser traçado, na ordem descendente: o rei, o governador-geral (vice-rei), os capitães (capitanias) e as autoridades municipais. A simplicidade da linha engana e dissimula a complexa, confusa e tumultuaria realidade. Sufoca o rei seu gabinete de muitos auxiliares, casas, conselhos e mesas. O governador-geral, chefe político e militar, está flanqueado do ouvidor-geral e do provedor-mor, que cuidam da justiça e da fazenda, os capitães-generais e governadores e os capitães-mores das capitanias se embaraçam de uma pequena corte, freqüentemente dissolvida nas juntas, os municípios, com seus vereadores e juizes, perdem-se no exercício de atribuições mal delimitadas. A dispersão em todos os graus se agrava com o vínculo frouxamente hierárquico: todos se dirigem ao rei e ao seu círculo de dependentes, atropelando os graus intermediários de comando. Duas fontes de fluidez do governo: os órgãos colegiados e a hierarquia sem rigidez. O quadro metropolitano da administração como que se extravia e se perde, delira e vaga no mundo caótico, geograficamente caótico, da extensão misteriosa da América. Os juristas e burocratas portugueses, pobres de inspiração criadora — ao contrário dos escolásticos espanhóis, enredados na subtileza de especulações pouco práticas, e dos colonizadores ingleses, desvinculados da teoria rígida — transplantam mais do que adaptam, exportam mais do que constroem. Flexibilidade colonizadora e hierática fixação de pensamento — esta a característica da armadura colonial, imposta ao flutuante, mutável e rebelde mundo atlântico. Vinho novo lançado em odres velhos, mas vinho sem capacidade para fermentar e romper os vasilhames tecidos por muitos séculos. O arbítrio, a desobediência, a rebeldia das autoridades coloniais, ao lado da violência, terão um papel criador, ajustando o vinho novo aos odres antigos, não raro desfigurados, deformados pelas pressões locais.

Na cúpula da organização política e administrativa situa-se o rei, com os poderes supremos de comando, conquistados na fixação do território e nos acontecimentos revolucionários do século XIV. Mas não há aí um rei absoluto e solitário nas suas decisões; ao seu lado se articula, limitando-lhe o arbítrio, uma armadura ministerial e, o que é mais importante, uma construção colegiada, com o órgão máximo à sua ilharga, estruturado, por ele presidido: o Conselho del Rei ou Conselho de Estado. O apêndice ministerial, com suas funções de auxílio e execução, vincula-se ao comando monocrático, nas origens patrimoniais do servo que obedece e cumpre. A ordem monocrática sofre, com os órgãos colegiados, limitação drástica, retardando as decisões, orientando-as e distorcendo-as, ao sabor das suas deliberações. Dentro deles a nobreza — a nobreza dos cargos militares e civis — e a burguesia comercial se completam, com a supremacia aristocrática, acaso controlando e anulando a tendência do soberano de se aliar ao mercador, mercador ele próprio. Sociedade aristocrática, fixada no estamento, em luta surda e tenaz contra a mercancia, que, incapaz de se tornar independente, adere aos valores da nobreza, aos seus costumes e à sua ética. A única facção inassimilável ao absorvente comando nobiliárquico estamental, com o núcleo no cristão-novo e nos manipuladores do dinheiro e do crédito, sofre, durante mais de dois séculos, duro, enérgico e persistente combate, por meio da Inquisição. Não a nobreza territorial, de consistência feudal, como pareceu a um escritor11, dirige a caça ao judeu — mais a caça ao mercador do que ao judeu —, mas a nobreza dos cargos, da corte, temerosa e ameaçada da perda de suas posições. Somente a conversão ao catolicismo, num grau que signifique a total adesão à ideologia social dominante, poupa o cristão-novo à punição, punição que alcançou, em casos inúmeros, o comerciante abastado e o traficante de dinheiro.

O embuçado autor da Arte de furtar, nos primeiros anos do Portugal restaurado, assinala a presença de doze tribunais, dedicados aos cinco atributos de governo que Aristóteles reputava necessários à República: fazenda, paz, guerra, provimento e justiça. "Para o primeiro da Fazenda pública e particular, temos dous: hum se chama também da Fazenda, e outro he o Juizo do Cível com sua Relação, para onde se apela, e agrava. Para o segundo da Paz temos cinco, três deles para o sagrado, e são o Santo Ofício, o do Ordinário, e o da Conciencia; e dous para o profano, que são a Mesa do Paço, e a Casa da Suplicação. Para o terceiro da Guerra temos dous; hum que se chama também da Guerra, e outro Ultramarino. Para o quarto do Provimento temos outros dous; hum he o da Camera, e outro o dos Estados. E para o quinto da Justiça temos outros dous, que já ficão tocados, e são a Mesa do Paço, e a Relação. E para melhor dizer, todos os Tribunais tirão a hum ponto de se administrar justiça às partes. E finalmente sobre todos hum, que os comprehende todos, e he o do Estado."12 O profundo crítico da sociedade portuguesa distingue entre conselho c execução, dependente esta de outras autoridades, subordinadas à autoridade régia, advertindo que os consulentes devem executar os alvitres deliberados. O autor, ele próprio filho da nobreza funcionária, insiste na utilidade dos órgãos colegiados, zombando do consultor que traduz a vontade do rei, segundo o vicioso princípio de que onde o príncipe é poeta todos fazem trovas. Questão grave será a do número dos conselheiros e das fontes de recrutamento, distribuídas entre nobres, letrados e teólogos, isto é, entre a aristocracia militar, o funcionário nobilitado e o clero, sem atenção ao mercador, relegado a participar de órgãos locais, em direto contato com as medidas econômicas de exportação e importação. "Os Conselheiros devem ser muitos sobre cada matéria, porque huns alcanção, e suprem o a que não chegam os outros; mas não sejão tantos, que se confundão, e perturbem as resoluçoens; quatro até cinco bastão. Outra questão he, se devem os Conselheiros ser letrados, se idiotas; isto é, de capa, e espada? Huns dizem, que os letrados, com o muito, que sabem, duvidão em tudo, e nada resolvem; e que os idiotas com a experiência sem cspeculaçoens dão logo no que convém. Outros tem para si, que as letras dão luz a tudo, e que a ignorância está sujeita a erros: e eu digo, que não seja tudo letrados, nem tudo idiotas: haja letrados Teólogos, e Juristas, para que não se cometão erros: e haja idiotas, que com sua astúcia, sagacidade, e experiência descubrão as couzas, e dêm expediente a tudo."13 Por meio dos letrados e juristas a burguesia se insinua nos conselhos, burguesia, entretanto, pela origem e não pela conduta, absorvida, cunhada pelo estamento de funcionários, que tritura os próprios nobres de terras.

Esse enxame de tribunais ou conselhos suscita problemas pouco debatidos pelos sociólogos e historiadores. Há que determinar, no sistema monocrático português, armado, nas suas origens, na identificação do rei ao chefe da guerra, o grau em que o enfraquece o colegialismo. Na mesma perspectiva, a dependência dos órgãos colegiados ao soberano, relação dificilmente discernível e mensurável, dará algumas indicações sobre o trato público entre a metrópole e a colônia. Em princípio, os colégios — tribunais, mesas e conselhos — atuam dentro da competência traçada pelo rei, em seu nome e sob sua aprovação. Eles se situam na fronteira, na areia movediça do tipo patrimonial de domínio para o burocrático, numa estrutura estamental. O limite oposto ao governo monocrático se arrima nos privilégios — privilégios da fidalguia, tradicional e legalmente mantidos, dos letrados e do clero. Esta particularidade confere aos órgãos coletivos, às magistraturas não ministeriais, um caráter misto, flutuante, entre as funções de prévio conselho à execução e a execução mediante o compromisso dos membros do colégio, seja por meio do pacto ou imposição negociada. A colegialidade consultiva invade, em certos casos, a própria esfera da execução, com maior ou menor autoridade, de acordo com a densidade dos privilégios dos conselheiros. Nada há de democrático, ou de pré-democrático, nesse tipo de organização. Ao contrário, a colegialidade é exatamente o modo de evitar que o soberano, apoiado no seu aparelho monocrático, se acoste nos elementos não privilegiados, para estender seus poderes. Ganha a administração menor rapidez de decisões, fria c muitas vezes dura impessoalidade, afastado o senhor supremo da devoção emotiva do povo, controlado por uma rede de impedimentos e tardanças, capazes de filtrar as pressões do estamento.14 A colegialidade, que se estrutura e expande nos séculos XVI e XVII, revela um passo do ajustamento da doutrina saída da Revolução de Avis com o incremento do império ultramarino, na retomada e fixação dos caracteres estamentais, contemporâneos à nova fisionomia monárquica, no afidalgamento dos servidores públicos e seu engaste na atividade política.

O grau de dependência dos órgãos colegiados ao rei está condicionado, repita-se, aos privilégios de seus componentes. O Tribunal do Santo Ofício, embora desvinculado da Santa Sé e preso à corte, pouco obedece ao rei, que não pode evitar que seus amigos e protegidos expiem longas prisões ou o suplício extremo, entregues às garras da feroz Inquisição.15 Ocorre que o clero, com suas tradicionais incolumidades, não se sente dependente do soberano, no grau em que este logra domesticar a nobreza e da maneira como cria, a sua ilharga, os letrados. Para os conselhos políticos e judiciários, maior será a força da autoridade real, que se sobrepõe às resistências dos colégios.

As conquistas e colônias dão ênfase aos órgãos colegiados, preocupados os soberanos em coordenar e centralizar a administração e os negócios ultramarinos. Os tribunais, conselhos e casas subordinam-se, frouxa ou rigidamente, ao comando dos ministros régios. Os interesses comerciais e fiscais inspiram a organização dos estabelecimentos formados ao lado da atividade diretamente desenvolvida pelo Estado, sistema próximo das modernas autarquias. O padrão dos novos estabelecimentos será o colegialismo, já introduzido em Portugal, pelas razões históricas apontadas. Dom Fernando, às vésperas da Revolução de Avis, criou os vedores da fazenda, ministros encarregados das finanças, no lugar dos ouvidores da portaria. No reinado de dom Manuel, os vedores da fazenda passaram a ser em número de três (1516) , com a incumbência de gerir coletivamente os negócios do Reino, Índia e África. Mais tarde, ao lado do subministro, o Secretário d'el Rei, o cargo de maior relevo do reino, cria dom Sebastião o Secretário dos Despachos e Coisas da Índia ou Secretário da Índia. Dessas autoridades, de categoria ministerial, dependem as Casas: Casa da Guiné (1480), Casa da Guiné e Mina e Casa da Mina e Trautos da Guiné e Casa da índia, ganhando esta, no curso de poucos anos, o principal lugar. A Casa da Índia desempenha o papel de bolsa, com a aquisição e venda dos produtos africanos c asiáticos, acumulando as funções de alfândega, com o encargo de "superintender nas feitorias portuguesas espalhadas pelo mundo, fornecendo-lhes os artigos necessários ao seu comércio e matricular as tripulações dos navios, pagando-lhes os soldos em dinheiro, especiarias, 'liberdades' de comércio e até em escravos".16 Este órgão, que não participa do caráter colegiado, goza de relativa autonomia, circunstância que induz seu desprendimento do comando ministerial. As atribuições administrativas da Casa da Índia — não a instituição que só veio a ser extinta em 1823, incorporada à Alfândega de Lisboa —, por uma série de vicissitudes, transformações e reformas, se fixam no Conselho Ultramarino (1643) chocado em dois precursores filipinos, ao tempo da união das coroas: o Conselho da Fazenda (1591) e o Conselho da Índia (1604).17 Esse órgão exercerá o principal papel na coordenação e centralização da política portuguesa no Brasil, absorvendo, com expedientes conciliatórios, o trato dos negócios da fazenda, entregues anteriormente ao Conselho da Fazenda. Não cuida, entretanto, de todos os assuntos da colônia, confiados, em matéria de justiça, ao aparelhamento judiciário local, com os recursos às Relações instaladas no Brasil e nos tribunais superiores do Reino. Grande será também o papel da Mesa de Consciência e Ordem, cuja presença nos negócios ultramarinos se explica na concessão que a Ordem de Cristo, unida depois à Coroa, recebe dos dízimos para cuidar do culto divino e das igrejas. O Regimento de 1608 atribui-lhe "as cousas espirituais que os prelados das ilhas e das partes da Índia e da Guiné" submetessem ao rei, com respeito ao culto e à conversão do gentio.

Dom João IV, ao assumir o trono restaurado, manteve as leis editadas durante a união. Auxiliado por um único secretário de Estado, desdobrou a pasta em duas, cumprindo ao Conselho Ultramarino levar o expediente, conforme o assunto, a um ou outro ministro, até que, em 1736, supervisiona-o o recém-criado e nomeado secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar. (Já então três eram os ministros: 1 — dos negócios interiores do reino; 2 — dos estrangeiros e guerra; e 3 — da marinha e ultramar. Só no fim do século cria-se o Ministério da Fazenda, que preside o Conselho da Fazenda e o Real Erário.) Pelo Conselho passam, a partir de sua criação, todos os assuntos ultramarinos que devem ser resolvidos pelo rei. Consulta-o o soberano, permitido aos interessados iniciar o processo por petição a ele dirigida. Compõem-no, inicialmente, em número que depois se alarga, três conselheiros, sendo dois fidalgos, homens de guerra, "Conselheiros de capa c espada", e um jurista, "Conselheiro letrado". Para harmonizar as disputas entre o Conselho Ultramarino e o Conselho da Fazenda (colégio dos três vedores), assentou-se que presidiria o primeiro, acumulando os cargos, o membro que exercesse a vedoria da Índia. O órgão não se conformava com a doutrina, tão cara ao estadista da Arte de furtar, da separação entre o conselho e a execução: queria, usurpando as atribuições do Conselho da Fazenda, decidir e ordenar todos os assuntos de ultramar. Pretende ser o melhor alvitre de governo que as decisões se executem pela mesma entidade que as aconselha, argumentando com o rei: "de ordinário sucede diferirem os Conselhos no Parecer, seguindo-se daqui frieza e dilação, quando um se executa o que ao outro lhe parece".18 Aceita mal o Conselho, de outro lado, a sua ausência de jurisdição em matéria eclesiástica, confiada à Mesa de Consciência e Ordens, As atribuições do poderoso colegiado abrangem, salvo as exceções explícitas e legais, "todas as matérias e negócios, de qualquer qualidade que forem" do ultramar, com a administração fazendária, carga de navios, apercebimentos militares, patentes e despachos dos vice-reis, governadores e capitães, bem como os requerimentos de mercês dos que prestaram serviços nas colônias e conquistas. (Reg., caps. 2, 5, 6 e 12.) A política meramente comercial da aventura da Ásia sucede, graças ao novo organismo, uma orientação coordenada e centralizada, definidas as linhas que asseguram a integridade territorial à colônia e a unidade de dependência econômica. Nele doutrinou, para grande proveito do Brasil, Alexandre de Gusmão. Não ficou imune às queixas acerca de sua morosidade, nem às acusações de corrupção. As autoridades ultramarinas e as partes dirigiam-se, com a tardança das soluções, ao rei, que, em regra, poupava-se e se furtava a resolver, diretamente, os assuntos regimentalmente confiados ao colegiado.

Nesse feixe de conselhos — sob o comando do conselho do rei —, a direção régia e ministerial vê sua autoridade dilacerar-se, com o esfriamento do tempo de ação. Os assuntos brasileiros, meticulosamente medidos e previstos, com as decisões tardas, ficam a cargo, desta sorte, de outros funcionários e agentes, nas medidas urgentes. Interfere, entre a metrópole e a colônia oficial, larga parcela de arbítrio do setor privado, que, desta sorte, usurpa funções públicas. Este um efeito inesperado do colegialismo: ao limitar, em proveito de uma categoria social, a autoridade real e ministerial, abre uma faixa de governo aos particulares e aos distantes e abandonados oficiais da Coroa. Daí não se originou, todavia, um campo de self-government local, ou do exercício de liberdades municipais. Cria-se um governo, ao contrário, sem lei e sem obediência, à margem do controle, inculcando ao setor público a discrição, a violência, o desrespeito ao direito. Privatismo e arbítrio se confundem numa conduta de burla à autoridade, perdida esta na ineficiência. Este descompasso cobrirá, por muitos séculos, o exercício privado de funções públicas e o exercício público de atribuições não legais. O déspota colonial e o potentado privado têm aí suas origens, origens que o tempo consolidará.

A administração metropolitana se conjuga à colônia, no seu elo principal, com o governador-geral (vice-rei desde 1640, título que se tornou definitivo e de uso corrente somente depois de 1720). O governador-geral dispõe de poderes escritos de grande profundidade e alcance, embora não logre subjugar as capitanias e os focos de autoridade local, as câmaras, em comando vertical e completo. A transferência definitiva do governo-geral para o sul, com sede no Rio de Janeiro (1763), completa um ciclo de domínio, muitas vezes contestado, desde as resistências iniciais de Duarte Coelho até às rebeldias frustradas dos poderes locais, com base nos municípios e nas capitanias. O Regimento de Tomé de Sousa (1548), estatuto básico da condução política colonial, moderniza-se em 1677 (Regimento de 23 de janeiro)19, guardadas as linhas básicas do primeiro até a transmigração da corte e a instalação do Reino Unido (1815). Dentro dos amplos poderes delegados pelo rei — o vice-rei está no lugar do rei —, cabem atribuições do teor seguinte: "todo o poder e alçada sobre todos os generais, mestres de campo, capitães de fortaleza, pessoas que nela estiverem e que forem àquele Estado [do Brasil] e sobre todos os fidalgos e quaisquer outros meus súditos de qualquer qualidade, estado ou condição que sejam, do qual [poder] em todos os casos, assim crimes como cíveis, até morte natural inclusive, poderá usar inteiramente; e dar-se-á execução às suas ordens e mandados, sem delas haver mais apelação nem agravo e sem excetuar pessoa alguma em que o dito poder e alçada se não entenda".20 Bem verdade que tais poderes se suavizam com a Junta Geral — o órgão colegiado de maior relevo na colônia —, presidida pelo governador e composta das mais altas autoridades da justiça, fazenda, clero. Outro freio viria das capitanias e das câmaras, certo que a autoridade, sempre que se alonga em delegações, perde substância, bem como se, do alto, a retardam os conselhos metropolitanos. As funções do vice-rei, de caráter militar na sua expressão essencial, penetram em todos os setores, regulando a administração e a economia, nos seus mínimos detalhes. A imensa autoridade do governador-geral (vice-rei) não subordina hierarquicamente os capitães-generais e governadores das capitanias (capitães-mores ou apenas governadores das subalternas). O vice-rei acumula o governo da capitania-sede (Bahia e, desde 1763, Rio de Janeiro) com os encargos de supervisão geral, no comando coordenador e centralizador da colônia (do Estado do Brasil, algum tempo separado do Estado do Maranhão). Os privilégios inerentes ao cargo público no sistema patrimonial estamental, sem o racionalismo da estrutura burocrática, impedem o controle de revisão e de substituição de autoridade, em graus. Daí os conflitos, as disputas de atribuições, as resistências de funcionários que se dirigem diretamente ao Conselho Ultramarino, com proteções poderosas de pessoas da corte, encostados no setor ministerial do governo. O Regimento de 23 de janeiro de 1677 tentou pôr cobro a essas dúvidas, peremptoriamente nos propósitos, mas sem completo êxito na realidade. "Hei por bem"— declara o cap.39.° — "que por evitar as dúvidas que até agora houve entre o Geral do Estado, e o de Pernambuco, e Rio de Janeiro sobre a independência, que pretendiam ter do Governador-Geral, declarar que os ditos governadores são subordinados ao Governador-Geral, e que hão de obedecer a todas as ordens que ele lhes mandar, pondo-lhe o cumpra-se, e executando-as assim as que lhe forem dirigidas a eles, como aos mais Ministros da Justiça, Guerra, ou Fazenda, e para que o tenham entendido lhe mandei passar cartas que o dito Governador leva em sua companhia para lhe remeter com sua ordem, e lhes mandará registrar nos Livros de minha Fazenda, e Câmaras, de que lhe enviarão Certidões para me dar conta de como assim se executou." A autoridade do governador-geral não penetra, todavia, em todo o território, reservados certos espaços, sobretudo o do ouro e dos diamantes, à direta nomeação e controle régios.

O terceiro elo da administração colonial, depois do vice-rei e do capitão-general e governador, se forma em torno do município (v. cap. V, 2). Será a vila a base da pirâmide de poder, na ordem vertical que parte do rei — vila administrada pela Câmara, ou Senado da Câmara. As Ordenações Afonsinas, Manuelinas e as Filipinas regulam essa unidade de governo, nascida de preocupações fiscais do soberano, com o estímulo de motivos militares e de defesa, sempre alheias ao espírito autonomista do self-government anglo-saxão. Muitas lendas, forjadas pela história moderna e pela doutrina liberal, de recente nascimento, embelezam a história, infiéis ao peculiar estilo da monarquia portuguesa. As rebeldias, as usurpações, as violências das câmaras, raras vezes empolgadas pelos potentados rurais, constituem episódios romantizados, de duvidosa autenticidade. Na verdade, salvo um fugaz momento de estímulo régio de um século, estímulo que não busca a autonomia mas subordinação, por meio do compromisso, o município se submete ao papel de braço administrativo da centralização monárquica. A própria categoria de vila, habilitada a possuir a câmara, depende da vontade régia, mesmo quando a palavra do soberano se limita a reconhecer um fato. A presença do chefe da monarquia se faz sentir na nomeação do presidente — se importante o município — na pessoa de um letrado, o juiz de fora (desde 1696 no Brasil). Desnecessária essa autoridade, ocupa o seu lugar o juiz ordinário. Fora desta e outras ilhas régias, que dominam a autonomia local, acentuando a função auxiliar da câmara ao ordenamento geral, prevalece o princípio da eletividade: eleitos eram os juizes ordinários, os três vereadores (em algumas vilas, quatro), o procurador, o tesoureiro e o escrivão, cada um com as estritas atribuições que lhe conferem as Ordenações. A Câmara se compõe dos juizes ordinários e dos vereadores — os outros funcionários, eletivos ou nomeados, incumbem-se de funções pré-traçadas, sob o comando da vereança ou vereação, sem que se possa discernir, nas atribuições das autoridades, funções separadas, no tocante à administração, justiça e legislativo, ou com respeito à esfera superior das capitanias.

A eleição da câmara assegura — afora os fluidos e indefinidos ajuntamentos populares, ou as juntas locais — o vínculo entre o povo e a administração pública, toda interiormente voltada para o rei. O povo que elege e delibera, na tensão permanente e subterrânea entre sociedade e governo, restringe-se legalmente e sofre severa limitação nas suas expansões. O colégio eleitoral se compõe dos "homens bons e povo, chamado a Conselho" (Ord. Filip., Livro I, tít. LXVII), o que supõe corpo restrito de eleitores, na verdade reduzido aos homens bons. Esta expressão, de incerto significado, usado em sentido diverso nas leis21, tem longas origens. "O vocábulo homens-bons (boni-homines), que tratando das classes não nobres, é aplicado em especial a todos herdadores (indivíduos não nobres que possuem hereditariamente a propriedade livre), como a mais autorizada entre elas, encontrar-se-á em certos monumentos, principalmente em atos judiciais, qualificando os indivíduos mais respeitáveis das classes nobres e privilegiadas." (Alexandre Herculano.) Os homens bons e as pessoas do povo que podiam votar, eram pelos corregedores ou juizes a quem incumbia presidir as eleições, qualificados em cadernos, onde se escreviam os seus nomes com todas as individuações necessárias para verificar-se a idoneidade, exigidas pelas leis, forais e costumes." (Alv. de 12 de novembro de 1611.) Não eram qualificados os mecânicos operários, degredados, judeus e outros que pertenciam à classe dos peões. (Prov. de 8 de maio de 1705.)22 Exige-se, em princípio, a naturalidade ou a fixação na terra, proibida, nos primeiros séculos, a eleição de comerciantes, privilégio só conquistado com a ascensão dessa classe social. As Ordenações Filipinas apontam, na restrição do corpo eleitoral e dos eleitos, o "respeito às condições e costumes de cada hum, para que a terra seja melhor governada" (Livro 1, tít. LXVII). Os "homens bons" não se caracterizam pela fidalguia ou limpeza de sangue, qualidades necessárias para certos cargos ou funções.23 A limitação do corpo eleitoral, herdada cegamente das leis portuguesas, na passiva linhagem das Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, nada tem a ver com o predomínio do sangue branco como se sugeriu24, embora resulte em instrumento de submissão do escravo e das classes inferiores. Na verdade, o escopo íntimo da superioridade institucional do homem bom será o mesmo que inspira os conselhos portugueses: inscrever os proprietários e burocratas em domicílio na terra, bem como seus descendentes, nos "Livros da Nobreza", articulando-os, desta sorte, na máquina política e administrativa do império. Incorporam-se, por meio da aristocracia por semelhança, as camadas novas de população, enobrecidas pelos costumes, consumo e estilo de vida. O complicado sistema eleitoral destila novas levas, autorizadas pela confiança local, ao estamento, cada vez mais burocrático na sua densidade. As confirmações — dos juizes pelo desembargo do Paço — agregam ao peso eletivo a vontade da organização administrativa (Ord. Filip., Livro 1, tít. LXVII), caráter também acentuado com as nomeações e demissões impostas pelo governador, quando este não determina às câmaras que façam ou providenciem certas obras locais. O povo não delibera e, quando delibera, restrito a uma parcela pouco numerosa, se embaraça, na ação, dentro das redes do sistema político geral.

Na aparência, amplas eram as atribuições das câmaras. Em passagem muitas vezes repetida e não menos repelida, João Francisco Lisboa, escrevendo sobre o período anterior à centralização dos meados do século XVII, arrola suas largas funções: "taxavam o preço ao jornal dos índios, e mais trabalhadores livres em geral, aos artefatos dos ofícios mecânicos, à carne, sal, farinha, aguardente, ao pano e fio de algodão, aos medicamentos, e ainda às próprias manufaturas do reino. Regulavam o curso e valor da moeda da terra, proviam tributos, deliberavam sobre entradas, descimentos, missões, a paz e a guerra com os índios, e sobre a criação de arraiais e povoações. Prendiam e punham a ferros funcionários e particulares, faziam alianças entre si, chamavam finalmente à sua presença, e chegavam até a nomear e suspender governadores e capitães. Esta vasta jurisdição exercitavam na só por si nos casos de somenos importância; nos mais graves, porém, convocavam as chamadas juntas gerais, nas quais se deliberava à pluralidade de votos da nobreza, milícia e clero".25 Um raciocínio se desenvolve, à margem dos fatos: o poder político, nesse período, estaria entregue aos homens bons, confundidos com os proprietários, com exclusão da vontade da Coroa. Em verdade, como acentuado (cap. V, 2), houve um momento em que a metrópole confiou a colonização ao morador e ao senhor de engenho, em compromisso de que logo se arrependeu, temerosa das conseqüências autonomistas e descentralizadoras. Foi um momento fugaz, breve. Os interesses mercantis, a cobiça holandesa, o zelo pelo estatuto colonial deram o sinal de recuo. Os extensos poderes e atribuições das câmaras, de outro lado, não induzem usurpação de competência régia ou a onipotência local: dos séculos XVI a XIX tudo — a economia, as finanças, a administração, a liberdade — está regulado, material e miudamente, pelo poder público, do qual os conselhos serão um ramo, ramo seco ou ramo vivo, conforme as circunstâncias. As atribuições amplas não são, como enganadoramente se crê, próprias das câmaras brasileiras, mas inerentes à administração, metropolitana e ultramarina. As Ordenações Filipinas, apenas folheadas, no Livro I, oferecem a prova das largas interferências na vida do homem colonial, em todos os seus atos, gestos c iniciativas. Pondere-se, ainda, que as atribuições locais e do governo-geral não se delimitam fixamente, como confusas são as atividades em todos os setores judiciários ou administrativos. Os juizes e oficiais fiscalizam o comércio, cuidam da justiça, expedem ordens, em controle não apenas exterior e formal como nos tempos atuais, mas em vigilância íntima e profunda.

As câmaras se convertem, depois de curto viço enganador, em simples executoras das ordens superiores. De "cabeça do povo" descem, passo a passo, a passivo instrumento dos todo-poderosos vice-reis, capitães-generais e capitães-mores. A introdução dos juizes de fora já havia aviltado a autoridade do juiz ordinário, filho da eleição popular. Na Bahia a intervenção chegou ao achincalhe: os vereadores foram designados pelo rei. As câmaras caíram à categoria de departamentos administrativos da capitania, meros cumpridores de determinações superiores. Um terço de suas rendas flui para o soberano, aplicado o restante em obras públicas, soldos, aposentadorias, ordenados e festividades. O marquês de Lavradio, no último quartel do século XVIII, declara, sem rebuço e sem nenhuma dissimulação, seu poder sobre a câmara do Rio de Janeiro: "Como as leis de S.M. têm nobilitado os comerciantes, destes escolhi para Vereadores, nomeando-lhes sempre por companheiros um dos melhores da terra, e por este modo consegui pôr as ruas da cidade como V. Ex.a tem visto, fazerem-se mais duas fontes públicas, muitas pontas, consertarem-se os caminhos, juntar e entulharem-se infinitos pântanos, que havia na cidade, origem de infinitas moléstias".26 Uma testemunha do tempo assinala três causas da desordem que domina o Senado da Câmara da Bahia: a falta de autoridade do juiz de fora, embaraçado pela politicalha dos vereadores; a ascendência do Supremo Tribunal da Relação, que furta a câmara de sua jurisdição privativa; e as portarias dos governadores, que se assenhoreiam das regalias do conselho, "pondo-o em estado de não poder deliberar cousa alguma de ponderação, e que possa ter validade, sem que seja munida com uma portaria".27 A descrição de João Francisco Lisboa, colhida de um efêmero momento da colônia, não traça um fiel retrato do município brasileiro, nos primeiros séculos de sua formação. O estudo das fontes a desacredita: as câmaras nunca passaram de corporações administrativas, sem a fantasiosa prerrogativa de colaborar na vontade da política colonial.28 A lei de organização municipal de 1.° de outubro de 1828, ao assegurar a tutela do governo provincial e geral sobre as câmaras, fixando-lhes o caráter puramente administrativo, reconheceu uma realidade tradicional, apesar do renascimento primaveril nos dias da Independência.

O quadro administrativo da colônia se completa com a presença de quatro figuras, que acentuam e reforçam a autoridade metropolitana: o juiz, o cobrador de tributos e rendas, o militar e o padre.

A autoridade suprema da justiça, contemporânea da fundação do governo-geral, é o ouvidor-geral. O ouvidor decide os casos crimes, até morte para escravos, gentios, peões cristãos livres. Sua competência não abrange pessoas de maior qualidade nem alcança o clero. O corregedor da corte julga os recursos de suas sentenças. A indefinição entre as atividades judiciárias e administrativas faz intervir nos julgamentos o governador-geral. As capitanias se dividem, mais tarde, em comarcas, cada uma delas provida de um ouvidor, superintendido por um corregedor, em regra o próprio ouvidor. Nas categorias territoriais inferiores, decidem os juizes de fora, letrados versados em direito romano e ciosos da ascendência do rei sobre todos os negócios, subordinados a eles os juizes ordinários, leigos, presos à eqüidade, ao direito costumeiro e aos forais. Abaixo deles há ainda os juizes de vintenas, para as aldeias e termos, em alçada restrita. A vara traduz e simboliza a autoridade, em sinal de poder e jurisdição. Investida de jurisdição administrativa, a justiça se perde nos meandros da vida social e econômica da colônia, apesar da aparente clareza das funções traçadas pelas Ordenações. Apressou-se a Coroa em criar a primeira Relação — tribunal de recursos do Brasil — com percalços que só foram removidos em 1652, acrescida de outra, para as capitanias do sul, em 1751. Uma cadeia de alçadas e recursos levava a justiça colonial a se perder nas aldeias e a se esgalhar até Lisboa, na Casa de Suplicação, no Desembargo do Paço e na Mesa de Consciência e Ordens. Ai de quem caísse nas mãos dessa justiça tarda, incompetente, cruel, amparada nas duras leis do tempo. "Vede um homem desses que andam perseguidos de pleitos ou acusados de crimes, e olhai quantos o estão comendo. Come-o o meirinho, come-o o carcereiro, come-o o escrivão, come-o o solicitador, come-o o advogado, come-o o inquiridor, come-o a testemunha, come-o o julgador, e ainda não está sentenciado, já está comido. São piores os homens que os corvos. O triste que foi à forca, não o comem os corvos senão depois de executado e morto; e o que anda em juízo, ainda não está executado nem sentenciado, e já está comido. 29 Com a máquina judiciária entram em cena os advogados, dos quais um documento colonial se queixa pelo "tanto trocar, tanto mentir, tanta trapaça, que as novas delas não fazem senão acarretar bacharéis à pobre província".30 A primeira manifestação hostil contra o bacharelismo toca o ponto vulnerável da administração colonial; o advogado, o letrado por excelência do ordenamento jurídico da metrópole, será o mais fiel agente da rede centralizadora. Verdade que não seriam numerosos os bacharéis, absorvidos todos no reino, voltada a acusação mais contra a justiça emperrada e a administração tarda. Os magistrados, na grande maioria, são leigos, com os cargos herdados ou obtidos no enxoval da noiva.31

A fazenda merece um capítulo especial (VI, 4), visto que em torno dela se projetam a economia e a sociedade coloniais. A organização administrativa, em linhas sumárias, mostra um corpo agregado à centralização régia, fixado em todos os níveis de governo, com o escoadouro comum dirigido à metrópole. O Conselho da Fazenda, na corte, em conflito ou em harmonia com o Conselho Ultramarino, dirige e controla a administração fazendária no Brasil, num período em que o tributo consome já a quarta parte da produção colonial.32 Com o governo-geral (1549), criou-se o cargo de provedor-mor, que deveria unificar, racionalizar e escriturar a administração fiscal, com a instalação de alfândegas e agências de cobrança. O propósito frustrou-se, com a intervenção subseqüente da metrópole em todos os negócios, num sistema em que os tributos representam mais uma apropriação de renda para certos grupos do que a cobertura de necessidades públicas. "Para gerir o Real Erário nas capitanias do Brasil, arrecadar tributos e efetuar despesas, há uma série de órgãos paralelos com funções mais ou menos especializadas. Eles não se subordinam uns aos outros, nem ao governador, no sentido em que hoje entendemos a hierarquia administrativa."33 A Junta da Fazenda (Real Junta da Arrecadação da Real Fazenda, Tribunal da Junta da Real Fazenda, etc.) situa-se junto ao governador e é por este presidida, com as funções judiciárias e administrativas de dirimir contendas, traçar as normas gerais de cobrança e fiscalizar as entidades e repartições inferiores. As arrecadações especiais criam órgãos próprios, extravagantes à disciplina geral, num casuísmo que os vincula a Lisboa, apesar da presidência nominal do governador: Junta da Arrecadação do Subsídio Voluntário; as Alfândegas; Tribunal da Provedoria da Fazenda; Juízo da Conservadoria, etc, numa mistura de atividades hoje incompreensível. Cobram tributos também as câmaras, com a reserva de uma parcela ao rei. O ouro, o diamante, o tabaco, o açúcar suscitam, por sua vez, outros organismos, todos zelosos dos quintos, monopólios, terças partes, emolumentos, contratos, tributos, em interferência direta, miúda, desconfiada sobre a economia. Daí irradia uma multidão de funcionários, atraindo os reinóis ociosos: deputados das juntas, intendentes, tesoureiros, oficiais, escrivães, meirinhos. O leite ordenhado da colônia chegava diluído e aguado aos reais beiços, com provável déficit antes da explosão açucareira e aurífera.34

A administração, a justiça, o controle fazendário assentam, em última análise, sobre a paz interna e a defesa, voltada esta contra o indígena e as agressões externas. A instituição das forças armadas na colônia revela o modo de integrar o povoador nos desígnios e nas atividades da Coroa. O particular, por esse meio, transforma-se em agente real, em delegado de objetivos públicos, situando-se a um passo do funcionário. A organização militar precede à descoberta, estrutura-se com a monarquia no curso dos séculos e funde-se com a história da colônia. Ela terá um papel de defesa e um papel social, aglutinando populações e elevando os seus elementos na escala de prestígio. A terra se consolida nas mãos do português por via da força armada — é a conquista. Mas a terra se torna interiormente portuguesa também mercê da integração no quadro das funções e das honras militares — é o prolongamento da metrópole na colônia. Este o elo mais profundo, mais duradouro, mais estável da integração ultramarina, ponto que, na verdade, funde — algumas vezes frouxamente — a camada dominante de Portugal com a ascendente e afidalgada categoria dos dominadores coloniais. Entre uma e outra corrente haverá diferenças e particularidades, dissensões e rivalidades, mas, sobre as tendências desagregadoras, prevalecerá o comum tropismo da constituição de uma nobreza comum. A mais ardente expressão dessa obra de convívio e de amálgama será o conquistador, com a face nativa do bandeirante e a alma vinculada aos mandamentos que o rei lhe insufla, num processo contínuo de cunhar e amoldar forças americanas com o selo português, monárquico e público.

O foral de Duarte Coelho (24 de setembro de 1534) e o Regimento de Tomé de Sousa (17 de dezembro de 1548) fixam as linhas do sistema militar que haveria de imperar na colônia. Nos dois documentos os moradores e povoadores sofrem a obrigação de servir em tempo de guerra, militarmente. O primeiro governador-geral recebe, pronto e articulado, um plano de defesa e de combate, com a circunstância, ao tempo nova, de basear-se em forças profissionais, os seiscentos soldados, exagerados para mil homens de peleja por frei Vicente do Salvador.35 Havia, na sede do governo, uma fortaleza, que começaria de um valo, madeira ou taipal. De outro lado, reforçando a militarização dos moradores um duplo sistema proveria a defesa: a) os engenhos de açúcar teriam "cada um em sua terra uma torre ou casa forte da feição e grandura que lhe declarardes nas cartas, e será a que vos parecer, segundo o lugar em que estiverem, que bastarem para segurança do dito engenho e povoadores de seu limite"; b) para apoio das fortalezas e povoações, os capitães das capitanias, os senhores de engenho e os moradores deveriam estar munidos de artilharia e armas ofensivas e defensivas. A estrutura estava lançada, por três séculos: as fortalezas, guarnecidas de soldados profissionais, e as tropas territoriais, as companhias de ordenança, mais tarde confundidas e, afinal, discriminadas das milícias. As duas vertentes da força armada têm aí seu ponto de institucionalização na colônia, perdidas as origens em Portugal. O ramo burocrático (primeira linha, regular) e o ramo territorial (segunda linha, auxiliar) comunicavam-se, com transferências de uma carreira a outra. Separam-se pelo espírito e pela fidelidade a causas opostas, no curso dos anos, a partir do último século colonial.

Um membro da Academia Brasílica dos Renascidos situa a reorganização do exército no reinado de dom Afonso V (1438-81), o primeiro soberano a usar o título de "Rei de Portugal e dos Algarves de aquém e além-mar", obra que culmina com o Regimento de 1 570, promulgado por dom Sebastião.36 A este sistema talvez aludisse Camões ao advertir, ironicamente, que

A disciplina militar prestante
Não se aprende, senhor, na fantasia,
Sonhando, imaginando ou estudando
Senão vendo, tratando e pelejando.
(Os Lusíadas, CX, CLIII)

Até então — a dar crédito ao acadêmico colonial — as unidades, distribuídas em partes desiguais, as "hostes ou bandeiras""pelejavam quase tumultuosamente", sem a "regra científica" depois consagrada.37 Na expedição de dom Francisco de Almeida à Índia, recrutados sob os novos moldes, seguem "mil e quinhentos homens de armas, todos gente limpa", engajados por três anos, com soldo estipulado em dinheiro e pimenta, gente que se soma aos humildes soldados de Afonso de Albuquerque que se fixariam à terra com as doações de glebas e os casamentos locais.38 Ainda no século XVII perdura a confusão acerca dos soldos e vantagens, quer quanto às quantias, estipuladas de modo arbitrário, quer quanto às fontes de pagamento. Desde que as forças regulares — afora os homens das fortalezas — se instalam no Brasil, a partir de 1625, empenhadas na retomada de Salvador aos holandeses, não se tinha meio certo de retribuição. Somente dom João IV mandou acudir a despesa das receitas dos vinhos, aguardente, etc.39 A providência não impede, entretanto, os atrasos de pagamento, nem as revoltas dos soldados famintos. Em Minas Gerais, os dragões — tropa de primeira linha — recebem seu soldo dos dízimos reais, cujo contrato vincula expressamente o resultado da cobrança ao destino da despesa.40 O soldado de linha torna-se, dessa sorte, um profissional, um burocrata.

A nova estrutura militar, ao profissionalizar o soldado, libera o rei da última dependência à nobreza, transformando o exército em organização permanente, não mais confundido com as mesnadas dos ricos homens. Na reserva dessa ala paga — e daí adviriam profundas conseqüências para o Brasil — forma-se um corpo de soldados não pagos, cujas origens estão nas milícias não nobres das localidades, mas com a diferença de obedecerem ao soberano, em linha reta, verticalmente. São as companhias de ordenança, com os oficiais escolhidos por eleição dos soldados, sistema depois substituído pela nomeação dos governadores, mediante homologação real por meio do Conselho Ultramarino. Entre ordenanças e milícias houve confusão de nomes, certo que, com o tempo, as milícias ocuparam a segunda linha e as ordenanças a terceira, esta de caráter local, sem obrigação de se empenharem com ações fora da sua sede. Ainda em 1612, o Livro que dá razão do Estado do Brasil, escrito por um militar em inspeção na colônia, distingue, ao lado das "companhias do presídio", com sua gente paga pela Fazenda de Sua Majestade e incumbida "da guarda da costa como na vigia do pau-brasil", as "companhias de ordenança", a cuja obrigação de servir se furtam apenas os homens de obrigação da corte, estudantes, nobres e privilegiados, oficiais públicos.41 A maior despesa pública da colônia, nessa época, flui aos "oficiais de guerra".42 O Regimento do Governo-Geral de 23 de janeiro de 1677 distingue as ordenanças (chamadas embora "gente miliciana") das milícias, com a diferença dos postos entre uma e outra categoria, ambos não retribuídos, salvo os sargentos-mores e ajudantes das últimas, que saem da tropa regular, arcando a câmara onde se situam com o soldo.43 No século XVIII, as milícias, já com o nome próprio, libertas da confusa sinonímia das ordenanças, ocupam o lugar de forças brasileiras, braço longo dos governadores, ao lado e sob o comando da tropa regular. Na quadra da Independência, a velada rivalidade entre a tropa de linha, portuguesa e leal à metrópole, e as milícias, de formação e origem nacionais, se transmuta em dissídio aberto. A divisão Auxiliadora do Rio de Janeiro e o exército de Madeira na Bahia serão o mais eficaz obstáculo à emancipação, enquanto os milicianos de São Paulo e Minas sairão de sua terra para socorrer o príncipe, como haviam feito, algum tempo antes, nas lutas do sul contra o espanhol.

Dessa labareda, sempre com funções separadas, sairá um novo exército e uma nova força auxiliar — o Exército e a Guarda Nacional, em cujo seio, em 1831, mergulharão as milícias e ordenanças. As ordenanças, embora existentes até 1831, perderam o relevo diante das milícias, responsáveis estas pela defesa contra o gentio, o bandeirismo, a epopéia pernambucana e as guerras do Rio Grande do Sul, associadas às tropas de linha ou delas desvinculadas. Em 1831, as guardas territoriais — a milícia e a ordenança — desaguaram, desaparecendo, na Guarda Nacional, inspirada, pelas idéias, no liberalismo da França e dos Estados Unidos, resultante, na realidade histórica, de uma velha maturação de mais de dois séculos. Fundada para se contrapor ao Exército, da grandeza do qual desconfiavam os homens da Regência, tornou-se a mão da centralizadora presença monárquica, tal como na sua moldura colonial, em perfeita continuidade.

A integração do colono à ordem metropolitana fez-se por meio da ordem militar. A conquista do interior, a paz dos engenhos, perturbada pelos gentios e pela rebeldia dos escravos, a caça ao trabalhador indígena e a busca do ouro realizam-se por via do prolongamento da ordem estamental, incorporada dos rudes paulistas e homens da terra. A patente das milícias correspondia a um título de nobreza, que irradiava poder e prestígio, cifrando-se nas promoções e graus de oficiais as prometidas mercês do rei aos paulistas que abrissem as minas escondidas nos sertões. A patente embranquece e nobilita: ela está no lugar da carta de bacharel, no Império. Na colônia, o próprio bacharel de Coimbra só se eleva com o título militar. Inácio José de Alvarenga Peixoto, formado e graduado em leis pela Universidade de Coimbra, requestou e obteve a patente de Coronel Comandante do Regimento de Cavalaria Auxiliar do Continente do Rio Verde, Comarca do Rio das Mortes. A carta de Coimbra pouco valia: os bordados de coronel realçam-na, engrandecem-na e lhe dão prestígio. O coronel-bacharel, realidade do mundo colonial, perde a identidade, no Império, com a separação do bacharel do militar, mesmo o paramilitar da Guarda Nacional. O corpo militar, nos seus graus de oficial, infundia nobreza, equiparada a milícia e depois a Guarda Nacional às tropas de linha para os efeitos de honras aristocráticas.44 Os filhos dos oficiais podiam ingressar na tropa de linha como cadetes, privilégio reservado à nobreza. A tropa auxiliar servia ao comando dos governadores, que a utilizavam para o despotismo, não raro, e para marcar a autoridade, muitas vezes transformada em autoritarismo. A organização militar constitui uma "casta privilegiada"45, com poderes para se esquivar à justiça, a ela confiada a tarefa de compelir os recalcitrantes ao pagamento de tributos, quintos e contribuições. A tropa regular e os auxiliares, segundo um documento da época, apenas encontram um oficial de justiça vestem suas fardas, retirando do caminho os funcionários da justiça.46 O governador de Minas Gerais — e, entre todos, o padrão será Cunha Meneses, o "Fanfarrão Minésio" das Cartas chilenas — forma batalhões e mais batalhões, elevando os corpos de treze para quarenta. A capitania via-se militarizada de alto a baixo, com 24.998 homens armados, com o pretexto de economizar soldos nos regimentos pagos, na verdade para engrandecer seu prestígio e dourar fidelidades, num momento — a hora do esgotamento das minas — em que estariam vivas, sob as decepções, as rebeldias. Esta obra, empreendida na véspera da conjuração mineira, revela o tino do político: brancos e pardos conquistavam patentes e honras, insuflado, com a tarda, o sentimento de obediência à autoridade. Além disso, as patentes — ao que murmura o ácido Critilo — enchiam os bolsos do governador e da sua pequena, postiça e autoritária corte. Verdade que Lisboa não aceitava o excesso, deixando de confirmar muitas patentes, com agravo ao despótico capitão-general. Chegou a Coroa a anular a criação de unidades. Nas instruções ao visconde de Barbacena (1788), lembrou a metrópole que a tropa regular — os dragões — era indispensável para exercer as funções de "guardas, registros, patrulhas, destacamentos, e diferentes outros serviços; e sobretudo para conter, e fazer respeitar as leis, e a autoridade do governo, ao grande concurso de gente de todas as qualidades, bons, maus, e péssimos além dos habitantes do país, que de todas as partes concorrem a ele levados da ambição do ouro, e para marchar enfim em tempo de guerra àquela parte do continente da América, em que este socorro se fizesse preciso".47 Estranhava, entretanto, a "desordenada irregularidade" da criação de corpos irregulares, recomendando sua redução de acordo com a utilidade, corrigido o abuso, existente em outras capitanias. Igual política seguia o capitão-geral com respeito às ordenanças, a cujo corpo pertence o Capanema das Cartas chilenas (Livro 9, 387), que teria largado boas placas para lograr de "capitão maior a vermelha farda". Este singular Capanema — Francisco José da Silva Capanema —, mercador elevado [legitimamente a oficial, homem com loja de fazenda, botica e taberna, inscreve na imponente casa recém-construída o letreiro: "quem dinheiro tiver fará o que quiser". Na representação à rainha que os povos de Pitangui contra ele fizeram (1799) apontam-no "como lobo faminto antepondo o aumento dos seus interesses aos de utilidade pública, vexa os pobres, oprime os desvalidos, e faz quanto pode fazer um monstro o mais indômito, o mais feroz".48 Usava a cadeia e o tronco contra seus concorrentes e inimigos, sem piedade, no uso de poderes que a patente lhe permitia. Milícias e ordenanças, o segundo e o terceiro graus da reserva, equiparam-se em autoridade, todas dependentes das ordens do governador, com desrespeito à magistratura e ao clero, representantes, à época, da estrutura civil. Contra a justiça erguem-se os "atrevidos soldados", que "riscam do rol dos delinqüentes" e dos autos o nome dos protegidos do chefe militar. A milícia, criada para guarda dos vassalos, torna-se "a mesma que nos priva do sossego" (Cartas chilenas, 9, 367). Com os olhos em Pernambuco, Koster caracterizou a administração do Brasil como militar: todos os homens, entre dezesseis e sessenta anos, deveriam pertencer às milícias ou as ordenanças, também lá preocupado o governador em aumentar os corpos da tropa.49

Os milicianos moldaram a sociedade do interior, assegurando-lhe, com seu vínculo ao rei, a disciplina, a obediência e o respeito à hierarquia. Além disso, revigoraram a tropa de linha, com a possível transferência para este corpo, como ocorreu com o marechal José de Abreu, o primeiro Mena Barreto e outros. O Rio Grande do Sul não seria brasileiro sem as milícias; o frágil Regimento de Dragões não impediria a pressão castelhana.50 As bandeiras são outro fruto das milícias, investidos seus chefes de honrosas patentes falando em nome do rei.51 O papel de integração, empreendido pelas milícias, entre a ordem pública e a turbulência social mereceu lúcida compreensão dos estadistas coloniais. O marquês de Lavradio, em 1799, assinala: "Estes povos em um país tão dilatado, tão abundante, tão rico, compondo-se a maior parte dos mesmos povos de gentes de pior educação, de um caráter, o mais libertino, como são negros, mulatos, cabras, mestiços, e outras gentes semelhantes, não sendo sujeitos mais que ao Governador e aos magistrados, sem serem primeiro separados c costumados a conhecerem mais junto assim outros superiores que gradualmente vão dando exemplo uns aos outros da obediência e respeito, que são depositários das leis e ordens do Soberano, fica sendo impossível o poder governar sem sossego e sujeição a uns povos semelhantes".52 Sem as milícias, o tumulto se instalaria nos sertões ermos, nas vilas e cidades. Verdade que, com elas, o mandonismo local ganhou corpo, limitado à precária vigilância superior dos dirigentes da capitania.

A nobilitação das milícias dava lugar às zombadas dos fidalgos e dos letrados incorporados à aristocracia. As prescrições antigas de limpo sangue, de avós de linhagem pura, de pele branca perdem o vigor: tendeiros e mulatos conquistam os postos, elevados os próprios negros, graças às proezas da guerra pernambucana, às mais altas dignidades. Vilhena arrola, entre os regimentos (antigos terços) das milícias: os Úteis, composto de comerciantes e seus caixeiros; o de Tropa Urbana, integrado de artífices, vendeiros, taberneiros e outros homens brancos; o Auxiliar de Artilharia, com os pardos e mulatos livres; e o dos Henriques, em homenagem a Henrique Dias, formado de pretos forros. Todos, com exceção do regimento dos pretos, são exercitados por um sargento-mor e um ajudante, saídos da tropa de linha, pagos pelo Senado da Câmara. 53 Fardam-se à sua custa, sem dispensar soldos e ajudas, requerendo os heróis de guerra ao soberano pensões e tenças, pelos serviços prestados, tal como outrora demonstrara Diogo do Couto no Soldado prático e como documentam os postos e privilégios concedidos aos guerreiros que libertaram Pernambuco. O mulato ganhava atestado de brancura com o posto: um capitão-mor era, mas já não é mulato. Atônito, o estrangeiro Koster pede uma explicação: "— Pois, Senhor, um Capitão-Mor pode ser mulato?"54 O ácido Critilo, letrado com fumos aristocráticos, não esconde seu espanto: o Fanfarrão Minésio (o governador Luís da Cunha Meneses, da capitania de Minas Gerais) militarizou a capitania, nomeando coronéis, tenentes-coronéis e oficiais, para conquistar afeições e lealdades, sem respeitar o sangue velho e a idade tenra. Ele "agarra tudo", "alista o povo inteiro":

E também, Doroteu, contra a polícia
Franquearam-se as portas, a que subam
Aos distintos empregos, as pessoas
Que vêm de humildes troncos. Os tendeiros,
Mal se vêem capitães, são já fidalgos;
Seus néscios descendentes já não querem
Conservar as tavernas, que lhes deram
Os primeiros sapatos e os primeiros
Capotes com capuz de grosso pano.
Que império, Doroteu, que império pode
Um povo sustentar, que só se forma
De nobres sem ofícios?55

Os negros, crioulos e mulatos conquistam os postos, com a indignada censura do branco. A crítica volta-se, porém, para o alvo certo: as patentes afidalgam, levam o mulato c o negro livre a desprezar o trabalho para se elevar, verticalmente, com o galão nobilitador. O vendeiro e o mercador abandonam a taberna e a mercearia para viver a lei da nobreza, ociosa e improdutiva. Daí sai o parasitismo, agarrado, para se sustentar, às honras militares. A autoridade civil — a queixa é de Critilo e de Vilhena, reforçada pelas palavras do marquês de Lavradio — se amesquinha, com o predomínio insolente da espora. A militarização do civil, integrado nas tropas auxiliares, realça a hierarquia e o paradigma social, fixados no corpo regular, na tropa de linha. "Não há"— geme Critilo — "não há distúrbio nesta terra / De que mão militar não seja autora."56 Vilhena não fala das "atrevidas fardas", mas lhes nota sua incivilidade, que não se dá ao trabalho de cortejar as autoridades civis.57 Dentro do arbítrio, a tropa acompanhava o exemplo de cima, ciosa de que dela e só dela, em ultima instância, dependia a autoridade, o respeito aos chefes, a obediência ao soberano. De toda parte, a elite colonial percebe o efeito nocivo de incorporar toda a população aos regimentos auxiliares ou de linha, engajamento que arrebata os valores sociais para outra esfera: a falsa, mas operante, aristocracia colonial. Um reino bem regido — reclama o autor das Cartas chilenas — não se forma só de soldados; "tem de tudo: tem milícia, lavoura e tem comércio".58 Os regimentos dos comerciantes e caixeiros seria melhor que não existissem "pelos inconvenientes que vêm ao comércio, coluna a mais forte, em que se sustenta esta importantíssima colônia; em razão das guardas, e exercícios, se perdem os caixeiros que seus patrões zelam, com muita razão mais do que se fossem donzelas, por lhes mostrar a experiência diária, que aquelas distrações, e liberdades lhes são em extremo prejudiciais, em uma cidade como a Bahia, onde a lassidão é modo de vida, e onde aparecem mil harpias para cada um Fineu. O serviço que eles fazem, quando montam guarda, melhor fora se não fizessem, porque tudo são desordens, tudo inquietação, e desaforos indignos do negro mais vil, e dissoluto".59 A crítica percute ainda no século XIX, quando a Guarda Nacional lembrará as velhas milícias e ordenanças: a patente, ao tempo que enriquece a galeria militar, desmente a doutrina bramânica, que tira dos braços de Brama os soldados, reservado o ventre para produzir comerciantes e agricultores.60 0 posto honorífico atrai todas as cobiças. O espetáculo de suas paradas varia de capitania a capitania: no Rio de Janeiro, os escravos carregam os mosquetes, os tambores e a bandeira dos oficiais, enquanto no Rio Grande do Sul, em guerra constante, apesar da farda rota e o equipamento ruim, o garbo impressiona o viajante.61

As tropas de linha, com o apêndice das milícias, desaguadouro dos conquistadores e aventureiros dos séculos XVI e XVII, formam a segura base e o penhor da obediência aos capitães-generais. O corpo regular de militares, saído dos homens de peleja de Tomé de Sousa, profissionaliza-se e se torna o exército permanente, organizado no fim do século XVIII, em termos de lealdade à metrópole. Para preencher seus claros inferiores, o recrutamento aterroriza o sertão e as vilas, em sistema que Portugal transmite à colônia. O gado humano é apanhado à força, dispensados depois os apadrinhados e os que usam as subtilezas da pecúnia.62 Somente os pobres e os desamparados não conseguem provar a incapacidade física: de quatrocentos homens apenas trinta acabam nas linhas, com o despovoamento das lavouras e a fuga das vilas.63 "É nessa ocasião que a tirania tem o seu esplendor, que o capricho e o arbítrio se aliam e que a mais injusta parcialidade prevalece, e se executa a mais intolerável opressão. O fato é que todo o país se arma, uns contra os outros, e todos os meios de surpreender cada um são usados pelo vizinho. [...] Vingança, violência, fraude, quebra de confiança, são estimuladas e, em lugar de sua supressão, recebem encorajamentos."64 O pavor ao serviço militar, a fuga ao dever de servir ao exército se prolongará até ao Império, quando as comissões de recrutamento eram expulsas, no interior, pelas mulheres. Dom Pedro II escusava-se de ampliar a tropa de linha, além da falta de recursos financeiros, pela "extrema repugnância dos brasileiros pelo serviço militar".65 O serviço militar, como profissão e atividade permanente, sem as patentes superiores, não afidalgava nem era meio de vida conveniente. O soldo e a farda sem galões de nada valiam: refugio de maus elementos, mulatos e camponeses pobres, desvalidos e trabalhadores urbanos. O olho guloso do comerciante fixa-se em outro ponto: na patente superior, que eleva, dignifica e enobrece, reservada ao comerciante, ao mulato cobiçoso de grandezas e ao áulico do governador.

A organização militar constitui a espinha dorsal da colônia, elemento de ordem e disciplina, auxiliar na garantia da cobrança dos tributos e dos privilégios reais. O caráter, a postura vertical, os padrões europeus de ética foram infundidos pelo padre, sobretudo pelo jesuíta. O missionário encontrou duas tarefas diante de si: a conquista espiritual do indígena c o domínio do branco, contendo o deslumbramento do português diante da presa sexual e da presa apta ao trabalho não pago. Obra, em conjunto, de integração de duas culturas, desde o início separados os valores superiores em duas direções, os do colono e os do diretor de consciências. No comando das orientações em dissídio, na cúpula do sistema está, sempre e ainda uma vez, o Estado, com uma circunstância especial: a história portuguesa conseguira, desde suas origens, vencer, vigiar, limitar o clero, mas jamais o absorvera como fizera com a nobreza. Comando, portanto, formal, tênue, cheio de desconfianças mútuas, em estrutura que se prolongará no Império e encontrará o desfecho na República com a separação do Estado da Igreja. No século XV, a Igreja, apesar das reminiscências césaro-papistas, está"profundamente dominada pelo Estado"66 Como habitualmente sucede, a submissão do padre — submissão relutante, inconformada e não liberta de desconfianças — decorreu da dependência financeira, entrosada no leal entendimento, composto na Idade Média, entre os desígnios papais e o dos reis de Portugal. A expansão marítima portuguesa fez-se sob as bênçãos papais, como uma cruzada moderna. As bulas reconhecem e aprovam os primeiros passos da conquista da monarquia portuguesa, consagrada com a bula Inter Coetera (1456), a base do padroado, entregues as terras novas à Ordem de Cristo. Com a incorporação da Ordem de Cristo à Coroa (dom Manuel), os "dízimos de Nosso Senhor Jesus Cristo" integraram-se nas rendas públicas, redistribuídas as despesas, às vezes em quantia superior à arrecadada, ao sustento do clero e suas empresas. O trato direto do rei com o papa, em negociações facilitadas pela velha lealdade e fidelidade da monarquia portuguesa, assegurou o controle da Igreja, com a redução do clero a um ramo da administração pública. "Em resumo,"— escreve Américo Jacobina Lacombe — "o padroado consistiu praticamente no controle das nomeações das autoridades eclesiásticas pelo Estado e na direção, por parte deste, das finanças da Igreja. Mas, na verdade, de tal maneira estava a administração eclesiástica entrosada na máquina administrativa do governo civil, que seria difícil ao vulgo ver nela não um departamento do Estado, mas um poder autônomo."67 Dentro dessas linhas se fixou a organização eclesiástica do Brasil na cúpula colonial: o primeiro bispo de Salvador (1554) , com seus oito sucessores, até que, em 1676, a diocese da Bahia se eleva à categoria de arquidiocese, reconhecido ao arcebispo, até a República, o caráter de metropolitano de toda a província eclesiástica. No fim da colônia o Brasil se estrutura desta forma: o arcebispado da Bahia, seis bispados (Rio, Pernambuco, Maranhão, Pará, Mariana e São Paulo) e duas prelazias (Goiás e Mato Grosso), circunscriações, estas, de transição para os bispados. Na cúpula do sistema, sediado na corte, a Mesa de Consciência e Ordens dirimia os conflitos e provia as matérias concernentes ao governo espiritual.

A Igreja exercia atribuições de ordem administrativa da maior relevância: os registros de nascimento, o casamento com todas as suas vicissitudes jurídicas, e a morte estavam a seu cargo. A assistência social da colônia não encontrava outro remédio senão na Igreja, entregue ao seu cuidado o ensino. O clero ordenava as relações domésticas, vigiando todas as suas particularidades, dele dependendo a vida social da colônia, com as ruidosas festividades nos pátios dos templos, onde as dispersas populações confraternizavam. Nos engenhos e fazendas os párocos, aliados à categoria dos proprietários, davam cunho ideológico às resistências contra o despotismo da pesada, dura e cruel administração colonial. Contrapunham-se aos padres burocratas, subvencionados pelas côngruas saídas dos cofres públicos. As despesas eclesiásticas, graças às quais foi possível a catequese, atingiam na fase inicial da colonização o maior vulto, somente superadas pelos gastos militares.68 O rei dotava as corporações religiosas, para o custeio de suas obras, com terras e escravos, além de dedicar-lhes rendas especiais. O pagamento aos padres sofria as mesmas dificuldades, retardamentos e incertezas que atingiam os demais funcionários civis e militares.

De todas as ordens religiosas, franciscanos, capuchinhos, beneditinos, carmelitas, oratorianos, responsáveis estes pela educação liberal de alguns homens públicos, nenhuma desempenhou, durante dois séculos (1549 a 1759), o papel dos jesuítas, junto aos indígenas e aos colonos. Nenhuma ordem, como esta, mais irredutível aos interesses econômicos dos colonos, nenhuma mais rebelde aos ditames da administração. Representou, na dissolução de costumes dos invasores brancos, a moral romana e européia, enrijecida pelo Concilio de Trento, no espírito da Contra-Reforma. Herdeira, pela inassimilação secular do clero, da voz dos profetas, defendeu uma causa, só eles coerentes num mundo subvertido pelo caos: a disciplina da sociedade a padrões religiosos. A Ordem, ao contrário das demais, vincula-se à mais estrita obediência ao papa, por meio de solene voto. A família e o Estado são desprezados, em benefício de missão mais alta e consagrada diretamente ao chefe da Igreja. Nessa submissão havia um dissídio íntimo e cheio de conseqüências latentes com o padroado. No trato com o indígena, sem respeito ao colono e a seus imediatos interesses, em desafio às autoridades do mundo, tudo levaria o jesuíta a uma organização teocrática. Obstou-lhe o passo — ao contrário da sociedade espanhola, embora também presa ao padroado — a rígida integração do Estado português, estruturado com base na supremacia do poder civil. Os bandeirantes e os colonos do norte defenderam o poder civil, compreendido o catolicismo dentro do Estado, identificado com a grei portuguesa. A organização política de Portugal nunca assentou, como a espanhola, sobre a Igreja, Igreja, contudo, limitada pelo padroado.69 O respeito devotado ao padre e ao clero, a obediência aos padrões religiosos, não impediram que a supremacia civil mantivesse suas prerrogativas de comando, alicerçadas numa secular luta. O que as ordens religiosas conseguiram, no Brasil, foi, no máximo, sobretudo pelo esforço dos jesuítas, a conservação da moldura religiosa da sociedade. Enquanto as outras ordens transigiram com a flutuante e dissolvente moral da terra, na qual os transmigrados seriam um bando desaçaimado de garanhões e de escravizadores e a indiada, matéria-prima do bordel dos sertões, os jesuítas, os "donzelões intransigentes"70, se mantiveram incólumes ao apelo da carne e à cobiça escravagista.

O domínio do indígena, sua integração à cultura européia, pareceu à autoridade metropolitana obra do missionário, com a catequese como o "prelúdio da submissão da raça inferior. Após o homem do Evangelho, com ele muitas vezes, aparecia o soldado, e em seguida o colono traficante. O episódio da conversão tinha por desfecho a fazenda agrícola, o engenho, a servidão doméstica".71 O colono queria o índio convertido em mão-de-obra barata, em escravo, escravo com os sentimentos humildes do bom cristão, modelado pelo missionário. A este desígnio obedecia o franciscano, menos rígido e menos intransigente que o jesuíta, num sistema de hibridismo cultural e de ascendência do branco.72 No primeiro contato com a terra virgem, também assim teria pensado o jesuíta, fundado nos processos persuasivos de catequese. A colonização acompanharia a catequese, feitos os índios cristãos e sujeitos ao branco.73 Não tardam a perceber o engano, fundado em duas hipóteses falsas: a mansidão do indígena e a moderação do colono. O colono quer braços e concubinas, o índio, arrancado de seus costumes, reage com ferocidade contra o branco, rebelde na sua cultura bravia. A solução híbrida não lhes parecerá outra coisa que a barbarização do branco e a degradação do vermelho. O isolamento do índio, entregue a si próprio, somente vinculado ao português por meio de alianças e com a divisão das tribos rivais para equilibrar seu poder, parecer-lhes-á traição ao imperativo missionário. O alvitre que lhes ocorre, em desvio aos dois sistemas, seria a segregação vigiada, da qual o aldeamento era uma modalidade. Para alcançar os sertões, para sair da praia e invadir o interior, desesperançados da persuasão pacífica, o caminho devia ser aberto a fogo, num plano onde está implícita a obediência do conquistador ao padre, cabendo a este legitimar o cativeiro. Nóbrega, em 1558, lança as bases de seu plano colonizador, no qual a espada impaciente, filha do brio português, teria o primeiro papel. "E são tão cruéis e bestiais,"— observa o jesuíta — "que assim matam aos que nunca lhes fizeram mal, clérigos, frades, mulheres de tal parecer, que os brutos animais se contentariam delas e lhes não fariam mal. Mas são estes tão carniceiros de corpos humanos, que sem exceção de pessoas, a todos matam e comem, e nenhum benefício os inclina nem abstém de seus maus costumes, antes parece e se vê por experiência, que se ensoberbecem e fazem piores, com afagos e bom tratamento. [...] Este gentio é de qualidade que não se quer por bem, senão por temor e sujeição, como se tem experimentado e por isso se S.A. os quer ver todos convertidos mande-os sujeitar e deve fazer estender os cristãos pela terra adentro e repartir-lhes o serviço dos índios àqueles que os ajudaram a conquistar e senhorear, como se faz em outras partes de terras novas, e não sei como se sofre, a geração portuguesa que entre todas as nações é a mais temida e obedecida, estar por toda esta costa sofrendo e quase sujeitando-se ao mais vil e triste gentio do mundo." [...] "Sujeitando-se o gentio, cessarão muitas maneiras de haver escravos mal havidos e muitos escrúpulos, porque terão os homens escravos legítimos, tomados em guerra justa, e terão serviço e vassalagem dos índios e a terra se povoará e Nosso Senhor ganhará muitas almas e S.A. terá muita renda nesta terra, porque haverá muitas criações e muitos engenhos já que não haja muito ouro e prata.""Devia de haver"— acrescenta ao assentar a cúpula de seu plano colonizador e catequizador — "um protetor dos índios para os fazer castigar quando o houvessem mister c defender dos agravos que lhes fizessem. Este devia ser bem salariado, escolhido pelos Padres e aprovado polo Governador. Se o governador fosse zeloso bastaria ao presente."74 Os objetivos da obra missionária seriam evitar que o indígena comesse carne humana, se lançasse às suas guerras permanentes e corresse o sertão, sem pouso. Os índios se vestiriam e adotariam a monogamia, com o afastamento das crianças do mau exemplo paterno, embora muitos, apenas crescidos, voltem à magia do sertão, com o abandono da fé e dos preceitos cristãos. Os colonos, entretanto, não queriam cristãos, mas escravos, desejo que os padres não recusariam, com o negro, num acordo de tendências, advogado pelos jesuítas.75 Daí a contradição: o escravo índio estaria submetido a restrições, enquanto o escravo negro não tinha nenhum direito, salvo o da brandura cristã dos senhores. Desta sorte inaugura-se o mais profundo dissídio colonial, entre jesuítas e colonos, entre jesuítas e bandeirantes, entre jesuítas e câmaras municipais, entre jesuítas e as milícias, e, por fim, entre jesuítas e governo. A baixa extração dos colonos atribuíam os padres a indianização moral do português, instando com o rei para mandar ao Brasil homens de melhor origem. Por "melhor gente", por gente rica capaz de obter escravos importados, clamavam os padres76, vendo no aventureiro o povoador transitório, embriagado pela carne fácil e pelo trabalho alheio. Na região amazônica, como outrora nas terras vicentinas, onde as culturas pobres não permitiam o negro, a luta se fez contínua, até à expulsão dos jesuítas. Sem o índio não haveria produção, sem produção não haveria colonos e conquistadores, sem estes a fronteira se perderia. A legislação portuguesa, varrida de interesses contraditórios, tergiversou entre um pólo e outro, ao sabor das influências, ora poderosas dos jesuítas, ora incontrastáveis dos colonos.77 No fundo, os jesuítas se mantinham irredutíveis, apesar das concessões secundárias, numa doutrina, inaceitável para os colonos e para o rei: "a liberdade dos índios, com isenção da autoridade civil e sujeição incondicional aos missionários".78

As aldeias ficariam incólumes aos agentes régios e à corruptora influência do branco. Um gigante iluminou a cena da secular batalha, na voz do padre Antônio Vieira. Ele não se opunha à escravidão, mas queria escravidão sem o demônio de permeio — para os negros o reino dos céus redimiria o martírio, transformando-os, na vida futura, "posto que pretos, em anjos".79 O cativeiro deveria ser lícito, isto é, aprovado e regulamentado pelos jesuítas, admitida a tomada do índio em duas hipóteses: os resgatados das cordas de seus semelhantes e os conquistados em justa guerra. Os outros seriam aldeados ou repartidos pelos moradores, com serviço de seis meses ao ano, mediante salário, "Este povo, esta República, este Estado, não se pode sustentar sem índios. Quem nos há de ir buscar um pote de água ou um feixe de lenha? Quem nos há de fazer duas covas de mandioca? Hão de ir nossas mulheres? Hão de ir nossos filhos? — Primeiramente"— esclarecia o grande orador — "não são estes os apertos em que vos hei de pôr, como logo vereis; mas quando a necessidade e a consciência obriguem a tanto, digo que sim, e torno a dizer que sim: que vós, que vossas mulheres, que vossos filhos e que todos nós nos sustentássemos dos nossos braços; porque melhor é sustentar do suor próprio, que do sangue alheio. Ah fazendas do Maranhão, que se esses mantos e essas capas se torcerem, haviam de lançar sangue."80

Esta batalha, na parte que procura segregar e libertar o índio, perderam-na os jesuítas. O Estado português não permitia outro poder senão o de sua administração e de seus agentes, frustrado o plano de uma teocracia limitada ao sertão. Perderam-na também no ponto em que procuraram evitar o hibridismo, na indianização do branco, no desenfreado gosto por muitos braços escravos, no amor à submissão, às superstições, na conquista de muitas mulheres, com o puritano modelo de família. Mas a guerra eles a venceram, em profundidade e em amplitude histórica: o padrão europeu e católico de moral se transplantou na conquista portuguesa, padrão, na verdade, nem sempre obedecido na consciência, mas respeitado na conduta exterior. A cultura nativa deixou traços, reminiscências, resíduos: seu conteúdo ósseo se perdeu, substituída pela predominância portuguesa, infiltrada — apenas infiltrada — de águas subterrâneas, degradadas, espiritualmente degradadas. A conciliação das duas culturas seria impossível, como impossível a segregada permanência do indígena. Em todos os tempos, as culturas, quando se encontram, combatem, com o sacrifício de uma, num permanente processo de trituramento interior, com a sobra da nostalgia idealizada da civilização perdida e soterrada, longínqua e morta. Os desagregadores e persistentes sentimentos, os costumes indígenas e negros nada puderam contra o núcleo europeu de cultura, que a língua e a ética expressaram: os jesuítas "levantaram uma barreira à desintegração da herança cultural de que eram depositários e de que foram, na colônia, os mais autorizados representantes e os propagadores mais ardentes. As águas que colheram nas fontes da Igreja e nas tradições da Metrópole e que fizeram derivar das altas cumeadas de seus colégios, derramaram-se pelas duas vertentes — a das senzalas e a das aldeias de índios. Embora não tenham chegado com todo o seu esforço a neutralizar as influências que foram enormes, das duas culturas — indígena e, sobretudo africana, a mais próxima e penetrante, é certo que conseguiram contê-las bastante para que a unidade cultural não se dissolvesse ou quebrasse sob a pressão permanente de uma extraordinária diversidade de elementos heterogêneos".81 Esta obra teve um preço, que a cultura brasileira rigorosamente pagou. A espontaneidade da criação artística, a incorporação da ingenuidade literária na obra culta, o vínculo vivo entre povo c letrados ficaram comprometidos. O padre, desta sorte, embora impelido para uma constelação autônoma de valores, relutante a se subordinar à ordem civil, contribuiu para reforçar a tendência de concentrar, em poucas mãos e numa camada homogênea de comando, a direção da vida espiritual, autoritariamente fixada e congelada. Uma outra corrente, aberta à ciência experimental e engrossada pelo liberalismo, já nos dias da Independência, procurará desacreditar a austera fisionomia imposta de fora, fisionomia severa e, muitas vezes, cruel na sua rispidez. No fundo, quebrada a comunicação entre as forças primárias e a disciplina culta, haverá, por muito tempo, na superfície do mundo da cultura, troca de roupagens, com a importação de peças mais novas c mais vistosas. O alheamento do comando ao povo comandado — alheamento político e cultural — será definitivo, irrevogável, permanente. Mais forte do que a emancipação à autoridade civil e o tropismo à direção do pontífice revelou-se a integração na ordem da rede burocrática: o padre cedeu à prisão do padroado e à dependência econômica, funcionário também ele num universo de funcionários.

Uma imensa cadeia, formada aos pés do rei e alongada na colônia, penetra em todas as atividades. O plantio de cana, a extração de madeiras, a lavra das minas obedeciam aos interesses fiscais do Estado. A consciência do homem, sua palavra e suas expressões políticas estavam à mercê dos censores, censores informais ligados ao padre e ao funcionário. A burguesia se enobrece com a compra de cargos, o pardo se afidalga com o uniforme das forças paramilitares. O cargo domestica turbulências dispersas, imantando, na sua dignidade, a submissão ao soberano. O velho e tenaz patrimonialismo português desabrocha numa ordem estamental, cada vez mais burocrática no seu estilo e na sua dependência. O rei, por seus delegados e governadores, domina as vontades, as rebeldes e as dissimuladas: "neste Estado há uma só vontade"— escrevia o padre Antônio Vieira, em 1655 — "e um só entendimento e um só poder, que é o de quem governa".82 O poder é o poder — esta a fórmula ainda dominante no Segundo Reinado, na palavra sem adjetivos de um tribuno, o primeiro que falou em nome de uma ficção, o povo.

3. As classes: transformações e conflitos

A sociedade colonial não esgota sua caracterização com o quadro administrativo e o estado-maior de domínio, o estamento. Esta minoria comanda, disciplina e controla a economia e os núcleos humanos. Ela vive, mantém-se e se articula sobre uma estrutura de classes, que, ao tempo que influencia o estamento, dele recebe o influxo configurador, no campo político. O patrimonialismo, de onde brota a ordem estamental e burocrática, haure a seiva de uma especial contextura econômica, definida na expansão marítima e comercial de Portugal. A burguesia, limitada na sua vibração e vinculada nos seus propósitos ao rei, foi incapaz, incapaz secularmente, de se emancipar, tutelada de cima e do alto.

A classe é um fenômeno da economia e do mercado, sem que represente uma comunidade — embora a ação comunitária seja possível, provável e freqüente com base na situação comum e em interesses homogêneos. Ter ou não ter — obter lucros, possuir bens, ou desfrutar de ingressos econômicos em virtude de habilitação profissional — situam a classe, positiva ou negativamente qualificada. O ter e o não ter, a capacidade de lucro ou salário refere-se ao mercado, aos valores que se podem fixar em termos econômicos, redutíveis, em expressão última, ao dinheiro.83 As classes, nas suas conexões com o domínio, o comando e a política, ganham ascendência com a sociedade burguesa, com a Revolução Industrial. Num período pré-capitalista — de capitalismo comercial ou de capitalismo politicamente orientado —, elas se acomodam c subordinam ao quadro diretor, de caráter estamental. Suas pretensões de se apropriar das decisões do Estado ou do seu mecanismo se perdem na mediação de outras categorias, fortes para a ação imediata somente com o predomínio da sociedade industrial. As formas sociais e jurídicas assumem caráter constitutivo na estrutura global, estabilizando as manifestações econômicas, freando o domínio das classes.84 Essa posição subalterna das classes caracteriza o período colonial, com o prolongamento até os dias recentes, sem que o industrialismo atual rompesse o quadro; industrialismo, na verdade, estatalmente evocado, incentivado e fomentado. Numa sociedade desta sorte pré-capitalisticamente sobrevivente, apesar de suas contínuas modernizações, a emancipação das classes nunca ocorreu. Ao contrário, a ascensão social se desvia, no topo da pirâmide, num processo desorientador, com o ingresso no estamento. A ambição do rico comerciante, do opulento proprietário não será possuir mais bens, senão o afidalgamento, com o engaste na camada do estado-maior de domínio político.

O processo de decantação tipológica indicará as classes que ocupam o tabuleiro social num plano teórico: a classe proprietária, a classe lucrativa e a classe média. A classe proprietária se define pelas
diferenças de bens, que determinam a situação dos membros. O setor positivamente privilegiado se compõe de senhores de rendas — rendas colhidas em imóveis, escravos, barcos, valores e créditos. No pólo contrário, gemem os objetos da propriedade (escravos), déclassés, devedores, pobres. A classe lucrativa (especulativa) encontra seu caráter nas probabilidades de valorização de bens e serviços no mercado —comerciantes, armadores, industriais, empresários agrícolas, banqueiros e financistas, e, mediante certas circunstâncias, profissionais liberais de grande e qualificada clientela, mais orientadores econômicos, associados aos primeiros, do que dependentes de honorários. Os trabalhadores, qualificados, semiqualificados e braçais, se agrupam no extremo negativamente privilegiado. A chamada classe média recolhe as camadas intermediárias dos grupos de proprietários e especuladores e mais setores de expressão própria: a pequena burguesia antiga e a nova classe média dos empregados com status quase autônomo (white collar). Na classe proprietária predomina a tendência à estabilidade social, enquanto a classe lucrativa se beneficia das mudanças sociais.85 Pelo estilo de vida, a classe proprietária e certos setores da classe média são os que mais se aproximam do estamento. Não obstante, no sistema global português-brasileiro o estamento assenta, viça e se desenvolve sobre a classe lucrativa, com os impedimentos e limitações que a condicionam, voltando-a para o capitalismo comercial e o capitalismo politicamente orientado, que se desenvolveu à ilharga da velha monarquia de Avis.

A tradicional visão da sociedade da colônia dos dois primeiros séculos reduz as classes a duas, senão a uma, em seus dois pólos extremos: o proprietário rural, com engenhos e fazendas, contraposto à massa dos trabalhadores do campo, escravos e semilivres.86 O proprietário rural, com a economia assentada na sesmaria latifundiária, ganharia status aristocrático, em simbiose com a nobreza de linhagem. Mais um passo: o "aristocrata" comandaria a vida política local, controlando e calando muitas vezes a supremacia administrativa reinol. Volvidos dois séculos, o comércio, com as concentrações urbanas, se levantaria, em aliança com o rei, para nova mudança nas peças do xadrez. A tese sofre da projeção das sombras feudais, esteticamente entrevistas na colônia, adensada pelo trânsito da ordem econômica na estrutura política, sem respeito à armadura fixada em muitos séculos da monarquia lusa. A aparência jura em favor do esquema, aparência colhida nos cronistas e viajantes do período colonial. Fernão Cardim descreve, no primeiro século, salivando de gulodice, "os grandes banquetes de extraordinárias iguarias" que lhe foram oferecidos nas fazendas e engenhos: "em Pernambuco se acha mais vaidade que em Portugal".87 Cem anos depois, Antonil doura o quadro com o fumo aristocrático: "O ser senhor de engenho é título a que muitos aspiram, porque traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado de muitos. E se for, qual deve ser, homem de cabedal e governo, bem se pode estimar no Brasil o ser senhor de engenho, quanto proporcionalmente se
estimam os títulos entre os fidalgos do Reino".88 Os lavradores, os oficiais e os escravos dependem do senhor de engenho. Igualmente, já no século XIX, Tollenare e Koster sentiram, no interior da zona
açucareira, a supremacia do senhor de engenho, supremacia esbanjadora, envolta em luxúria e muitas vezes cruel.

Esta perspectiva, todavia, projeta-se apenas internamente, desdenhosa da administração e dos empórios comerciais, penetrando na realidade rural. Será uma visão, para o tempo, viciada pela troca de datas: ela alcança o Brasil, não como colônia e economia dependente, mas como metrópole. São olhos — pode-se dizer sem quebra do respeito que merecem historiadores e sociólogos —, são olhos provincianos, perturbados pelo latifúndio e pelo município. Sem aprofundar as linhas de suas observações, bem percebeu Capistrano de Abreu as duas faces da vida econômica colonial, a face internacional e interoceânica, e a face interna89, mal advertido que o comércio por via metropolitana dá a vida, a luz e o calor à fazenda de plantação.

Um veio esquecido leva a subverter o esquema tradicional, com o discernimento de vínculos e ligações que conduzem à metrópole, à sua secular estrutura econômica e social. Aberta a economia açucareira na colônia, depois que, no mundo, o açúcar deixa de ser especiaria para se converter em mercadoria do comércio em grande escala, os historiadores escamoteiam da cena os negociantes, financiadores de dinheiro e de escravos, afastando-os da face da vida brasileira. O predomínio mercantil da atividade metropolitana como que some na aventura da Índia, sem deixar vestígios. João de Barros já revela, entretanto, o miolo da própria expedição de Cabral, denunciando a presença dos donos e armadores de navios, comerciantes e nobres, envoltos na cobiça. "Os capitães dos outros navios eram Diogo Barbosa, criado de dom Álvaro, irmão do duque de Bragança, pelo navio ser seu, e Francisco de Movais, criado de el-rei, e o outro era Fernão Vinet, florentim de nação, pelo navio em que ele ia ser de Bartolomeu Marcioni [Marchioni], também florentim, o qual era morador em Lisboa, e o mais principal em substância de fazenda que ela naquele tempo tinha feito.

"Ca ordenou el-rei, para que os homens deste reino, cujo negócio era comércio, tivessem em que poder tratar, dar-lhe licença que armassem naus para estas partes, delas e certos partidos e outros a frete, o qual modo de trazer a especiaria a frete ainda hoje se usa. E, porque as pessoas a que el-rei concedia esta mercê, tinham por condição de seus contratos, que eles haviam de apresentar os capitães das naus ou navios, que armassem, os quais el-rei confirmava, muitas vezes apresentavam pessoas mais suficientes para o negócio da viagem e carga que haviam de fazer, do que eram nobres por sangue."90 No mesmo sistema, o pau-brasil foi entregue, por contrato, a um poderoso comerciante. Daí por diante, a paisagem dos canaviais e dos engenhos obscureceu as cordas que movem os escravos e as máquinas. Quem os recorda, entretanto, são os próprios viajantes e cronistas dos primeiros séculos, já em plena euforia açucareira. A terra doada, as sesmarias obtidas sem dinheiro, fazem supor que, do chão americano, surgiu, sem outros esteios, a exploração açucareira. O viço das casas senhoriais, a mesa esbanjadora, o luxo farto conduz a muitos enganos. Estas exterioridades custavam, na verdade, muito, assentadas sobre o escravo e o investimento do engenho. Gandavo (1576) não se cansa de insistir: os moradores todos tem terras, mas "a primeira cousa que pretendem alcançar, são escravos para lhes fazerem e granjearem suas roças e fazendas, porque sem eles não se podem sustentar na terra".91

Pouco mais tarde, Fernão Cardim, deslumbrado com os senhores de engenho — "na fartura parecem uns condes'—, sente que o escravo, que morre à toa, "os endivida sobre todo este gasto".92 No começo do século XVII, os Diálogos das grandezas do Brasil acentuam que "a maior parte das riquezas dos lavradores desta terra consiste em terem poucos ou muitos escravos", sem esquecer que o engenho exigia cabedal, "grande quantidade de dinheiro" e crédito largo, "com mais de 85 por cento de avanço", na prática da horrenda onzena, que o Santo Ofício viria a descobrir, bastante atuante, no Brasil.93 O engenho, lembra Antonil, requer "homem de cabedal" e crédito, crédito que, levado ao abuso, conduz às quebras. O cabedal é a garantia do empreendimento, o crédito a sua ruína, pasmando o cronista que os aspirantes e senhores achassem "quem lhes emprestasse alguma quantidade de dinheiro, para começar a tratar de que não são capazes por falta de governo e de agência, e muito mais por ficarem logo na primeira safra tão empenhados com dívidas, que na segunda ou terceira já se declaram perdidos".94 O crédito penetra em todas as operações econômicas, para a compra da cana, o pagamento de salários, a aquisição de escravos e a venda do açúcar.

O senhor de engenho trabalha a crédito; o comerciante, embora às vezes ele próprio senhor de engenho — em nome e por conta de outro sediado na metrópole —, fornece dinheiro em troca da produção. "O crédito de um senhor de engenho funda-se na sua verdade, isto é, na pontualidade e fidelidade em guardar as promessas. E, assim como o hão de experimentar fiel os lavradores nos dias que se lhes devem dar para moer a sua cana, e na repartição do açúcar que lhes cabe, os oficiais na paga dos soldados, os que dão a lenha para as fornalhas, madeira para a moenda, tijolo e formas para a casa de purgar, assim também se há de acreditar com os mercadores e correspondentes na praça, que lhe deram dinheiro, para comprar peças [escravos], cobre, ferro, aço, enxárcias, breu, velas e outras fazendas fiadas. Porque, se ao tempo de frota não pagarem o que devem, não terão com que se aparelhem para a safra vindoura, nem se achará quem queira dar o seu dinheiro ou fazenda nas mãos de quem lha não há de pagar, ou tão tarde e com tanta dificuldade que se arrisque a quebrar.

"Há anos em que, pela muita mortandade dos escravos, cavalos, éguas e bois, ou pelo pouco rendimento da cana, não podem os senhores de engenho chegar a dar a satisfação inteira do que prometeram. Porém, não dando sequer alguma parte, não merecem alcançar as esperas que pedem, principalmente quando se sabe que tiveram para desperdiçar e para jogar o que deviam guardar para pagar aos seus credores."95 Os portos acolhiam mercadores e comissários, agentes dos comerciantes da metrópole, na compra antecipada do produto, com o fornecimento de escravos e mercadorias a crédito, num extenso e profundo tecido de adiantamentos. O papel mais saliente da economia colonial se concentra na aquisição da mão-de-obra escrava, que se íntegra no capital da empresa, com cerca de 16%, percentagem que, na lavoura, se elevará a mais de 70%.96 O tráfico de escravos, aproveitado por mercadores e personagens do Estado, se expande até ao fazendeiro e senhor de engenho, com pagamento de apenas um quarto à vista.97

Essa estrutura econômica — a produção voltada para a metrópole comercial, integrada na economia européia pela intermediação de Portugal — suscita e evoca uma classe, a classe que negocia, compra e revende, financia e fornece as utilidades produtoras. A esquecida exploração comercial há de reconquistar o seu lugar, o primeiro lugar que lhe outorga a ordem econômica, junto e ao pé da camada dominante na ordem social. No centro do sistema, o mercantilismo, com a dependência da colônia à metrópole. Uma burguesia comercial, posta na sombra pelos historiadores, se conjuga com o listado, que a licencia, entrega-lhe os contratos, os arrendamentos de tributos e de monopólios, regulamentando-a burocraticamente. Vista pela aristocracia com desdém, com ela se associa na obra comum da exploração das colônias e conquistas, com aquele hibridismo incoerente já percebido por João de Barros. Comerciantes, na verdade, não só portugueses, mas italianos (venezianos e florentinos), flamengos e alemães — os Adornos, os Marchionis, os Fuggers, os Welsens, todos, por si ou por seus agentes, privilegiados pelo rei para o tráfico que de Lisboa se irradia pela Europa, com restrições xenófobas só levantadas no século XVII. Muito comerciante estrangeiro animou as primeiras empresas açucareiras, concentrado geograficamente em Lisboa, reduzida, nos negócios de ultramar, ao centro ativo metropolitano.98 O negociante português seria uma constante na vida colonial e no Império, combatido, a partir do século XIX, nas expansões nativistas e como reação da classe proprietária, que só se consolida com a autarquia agrária das fazendas, na realidade expressão da decadência do comércio internacional. No começo do século XVII, a presença do comerciante ocupa o centro do palco, ferido embora pelo desprezo do fidalgo, o que o leva a afidalgar-se para conquistar posição social, atacado, ainda, pela concepção velhamente portuguesa e européia de considerá-lo o parasita por excelência, o ocioso e improdutivo sanguessuga do trabalho alheio. Brandônio será a voz do mundo colonial: os mercadores "trazem do reino as mercadorias a vender a esta terra, e comutar por açúcares, do que tiram muito proveito; e daqui nasce haver muita gente desta qualidade nela com suas lojas de mercadorias abertas, tendo correspondência com outros mercadores do reino, que lhas mandam; como o intento destes e fazerem-se somente ricos pela mercancia, não tratam do aumento da terra, antes pretendem de a esfolarem tudo quanto podem". Olinda, fala ainda o autor dos Diálogos das grandezas do Brasil, nos seus "inumeráveis mercadores com suas lojas abertas, colmadas de mercadorias de muito preço, de toda a sorte, em tanta qualidade que semelha uma Lisboa pequena".99

O mecanismo das intermediações, que granjeia riqueza e opulência, tem já uma rede local: um grupo de comerciantes trabalha por ida e vinda, trazendo mercadorias e levando açúcar, algodão, etc; outro fixa-se na terra com lojas. As mercadorias trazidas do reino são cambiadas aos comerciantes locais, com 40% de ágio, vendidas nos engenhos e fazendas, pelos ambulantes, com 100% de lucro. "E eu vi"— conta o escandalizado Brandônio — "na capitania de Pernambuco a certo mercador fazer um negócio, posto que o modo dele não aprovo, pelo ter por ilícito, o qual foi comprar para pagar de presente uma partida de peças da Guiné por quantidade de dinheiro e logo no mesmo instante, sem lhe entrarem os tais escravos em poder, os tornou a vender a um lavrador fiados por certo tempo que não chegava a um ano, com mais de 85 por cento de avanço".100 A impiedosa exploração mercantil aos lavradores e senhores de engenho cria muitos conflitos, ao tempo que alimenta o "infinito luxo sem cabedal". O padre Antônio Vieira testemunha, em 1697, um dissídio entre mercadores e produtores de açúcar, em denúncia implícita sobre as vantagens extorquidas pelos agentes metropolitanos. Os mercadores querem que o açúcar desça a 1$400 e os senhores de engenho que suba a 1$600. "Eu também sou de voto que se abata o preço do açúcar, mas com a balança na mão, de maneira que também se abatam os preços das outras cousas; mas é manifesta injustiça, que, crescendo os de lá e os de Angola cento por cento mais, se queira no mesmo tempo que toda a baixa das drogas seja a do Brasil".101 A riqueza exige maior participação nos negócios públicos e o afidalgamento, reservado este, no primeiro século, aos senhores de engenho, aos conquistadores militarizados e aos funcionários reinóis. A tendência se reforça, no século XVIII, com a venda de cargos públicos, porta ampla que permite à burguesia acotovelar, familiarmente, a aristocracia. A luta dos comerciantes — da qual a guerra dos mascates é um episódio — traduz anseio de integração social e não apenas a partilha de vantagens, evidente desde a primeira caravela que aportou no ultramar atlântico. Azedamente, contra esse afidalgamento, um escritor do fim do século XVIII formula o protesto zombador os caixeiros, pobres reinóis enriquecidos e convertidos em comerciantes, supõem que o Imperador da China é indigno de cuidar de seus filhos. Com a "mania de ser nobres" ostentam a "quiméríca nobreza", usurpando apelidos aristocráticos, "tanto se empavonam com esta imaginação, que tem para si que um duque é nada para si".102

A peculiar contextura da metrópole, que assegura para si todo o comércio da Europa, África e Ásia, redistribuindo mercadorias para a América — a economia de transporte —, torna os comerciantes sediados no Brasil, reinóis quase todos como seriam ainda no século XIX, dependentes de Portugal. O comerciante brasileiro tem um braço preso em Portugal, enquanto estende o outro para o interior, ramificado na rede distribuidora nas localidades e por meio dos mascates. A economia colonial, por essa via, se insere na economia metropolitana, vinculada aos mercadores das praias portuguesas, ou, em certos momentos, às companhias de comércio privilegiadas, sob o direto comando da Coroa.

A política colonialista guarda para a metrópole o monopólio do comércio, servindo a ordem administrativa e fiscal para consolidar e estabilizar esse elo. Monopólio para a metrópole e não para o rei, limitado este a alguns estancos. O modo de produção sofre a determinação desse ditado mercantil: o açúcar recebe incentivo e incremento em função do mercado distribuidor. Bem verdade que a cadeia colonial de comércio estava ferida, antes da transmigração da corte, pelo comércio inglês, licenciado excepcionalmente e tolerado pelo contrabando. A Revolução Industrial, liderada pela Inglaterra, tornou precários, em todo o globo, os mercados cativos, mesmo antes da entrada de Junot em Portugal.103 Em 1798, a praça da Bahia, "uma das mais comerciosas das colônias portuguesas"104, oferece o seguinte quadro: 1) exportação da Bahia para Portugal: Rs. 2.688:354$070, com 1.646:576$640 reservados ao açúcar, 669:701$750 ao tabaco, 148:427$400 ao algodão e 100:000$000 em moeda corrente; 2) importação de Portugal: Rs. 2.064:012$430, com 794:952$140 de mercadorias gerais da Europa, 548:657$380 de mercadorias de fabricas de Portugal, 440:018$510 de mercadorias de fabricas particulares e 280:384$400 de mercadorias da Ásia. Da Costa da Mina e de Angola (conquistas portuguesas) recebeu escravos, no valor de Rs.662:380$000, cabendo ao Rio Grande de São Pedro o maior quinhão do comércio costeiro, com Rs. 382:000$000, do qual 360:000$000 queijos e trigo. O comércio do Brasil, até 1808, com a exceção inglesa a partir de 1800, corria para Portugal, que aplicava os produtos na Europa e dela comprava as mercadorias introduzidas no Brasil. O comerciante português, além dos fretes, embolsa os lucros das vendas e das compras, com parasitismo quase integral, visto serem as reexportações portuguesas, no período final da colônia, constituídas, na maior parte, da produção brasileira. O mercado brasileiro, consumidor obrigatório da produção e da reexportação portuguesas, não concorre com o reino com mercadorias que este pudesse produzir. Hamburgo, os portos da Holanda — sempre a Holanda de Bruges e Flandres da velha feitoria portuguesa —, Veneza e Gênova cobrem o centro e o sul da Europa com o açúcar brasileiro, por conta do comércio português, que arrecada lucros, sem contar o frete, em torno de trinta a quarenta por cento. O escravo será outra fonte de benefícios, com o lucro e os fretes, negócio do qual a Coroa participava largamente, com as rendas tributárias e contratuais. A ameaça ao sistema de comércio não provém da produção brasileira, mas da manufatura inglesa, que expulsa, pouco a pouco, a mais onerosa e a mais tosca produção portuguesa. De 1800 e 1801 em diante, as manufaturas portuguesas caem bruscamente na exportação ao Brasil, vinte por cento ao ano, até que em 1807 se reduzem a trinta por cento do valor de referência. O pacto colonial cede ao golpe da Revolução Industrial, pacto já comprometido, como se verá (n.° 4), desde a Restauração, sem esperar pelos providenciais soldados de Junot — daí por diante a metrópole passará a se caracterizar como força nua da espoliação, tendente a colônia a fugir do sufocante controle português.

Nessas circunstâncias, o comerciante sediado no Brasil não será outra coisa senão o representante do sistema metropolitano, no setor dinâmico das reexportações e do transporte de mercadorias. Ele recebe a energia de Lisboa e transmite vibração à agricultura, alimentando-a de escravos e mercadorias européias, ao tempo que subjuga a produção aos seus interesses. Não passa, na verdade, de comissário do grande negociante português, não raro abastecido de recursos da metrópole ou "com cabedais de personagens a quem seria menos decente o saber-se que comerciam".105 O famoso relatório do marquês de Lavradio, de 1779, tocou no ponto sensível da situação dos mercadores da praça do Rio de Janeiro: "A maior parte das pessoas a que se dá o nome de comerciantes nada são que uns simples comissários [...] Como estes homens são muito ativos e de verdade e têm tido a fortuna de poderem dar uma pronta saída às fazendas que lhes vêm, de as reputarem bem, e de as passarem a pessoas que lhes façam mais prontos pagamentos, e de serem diligentes de procurarem novas cargas para a pronta saída dos navios que lhes são encarregados, esta notícia, comunicada aos negociantes da Europa, os obriga a procurá-los por por seus comissários, e dirigir-lhes à sua comissão os efeitos e embarcações que para aí mandam".106 O inconveniente desse tipo de comércio já fora apontado pelo estadista: a obediência às ordens estritas dos negociantes reinóis impede-os de mandar outros gêneros que os pedidos pela metrópole com a estabilidade e rotina do tráfico. De outro lado, a desnecessidade de capital próprio avultado atrai os imigrantes portugueses para o balcão, desviando-os da agricultura. O comissário tem dois comitentes: o negociante europeu e o produtor brasileiro, função que lhe permite ser o árbitro da produção e dos preços. Um século depois, o mais profundo analista do Segundo Reinado dirá que o crédito faz do fazendeiro "o empregado agrícola que o comissário ou o acionista de banco tem no interior para fazer o seu dinheiro render acima de 12%".107 O comerciante — a burguesia comercial — libará o mel do açúcar, com os proventos da exportação e reexportação, ficando o industrial e o lavrador com as sobras e os ônus.

A classe proprietária, a outra coluna que fixa a estratificação social do mundo colonial, nem sempre ostenta caracteres de pureza tipológica. No topo da pirâmide, ela se descaracteriza, pendendo para a classe lucrativa, no senhor de engenho. O empresário industrial, ligado ao mercador, predomina, em intensidade proporcional aos seus cabedais, sobre o proprietário de escravos e de terras. De outro lado, dado seu caráter misto — industrial mercantilizado c fazendeiro —, a unidade agrícola se adelgaça, nos momentos de prosperidade, na monocultura e se retrai, durante a crise, para a fazenda autosuficiente, em regime de economia natural. O lavrador puramente lavrador — de cana, tabaco, algodão e café, como o criador de gado, são essencialmente membros da classe proprietária, mais próximos, em virtude dessa circunstância, das culturas complementares de subsistência. No ritmo geral da economia brasileira, em certos momentos de valorização da agricultura de subsistência, esta se transmuta na de exportação — sobretudo interna, de capitania a capitania —, fenômeno ocorrido no Rio Grande do Sul, no começo do século XX, com o desaparecimento do trigo e a importação de produtos agrícolas, numa sociedade revitalizada pela imigração de lavradores açorianos.108 O fenômeno, com as oscilações polares, e constante: vale para o açúcar, o ouro e o café. A monocultura, apesar dos males que lhe aponta Gilberto Freyre, sobretudo na dieta das populações109, foi o fator maior da integração das capitanias, com a aquisição distante de alimentos, trocados por produtos exportáveis, numa sociedade quase sem moeda, integração servida também pelo tráfico de escravos de costa a cosia, ou da costa para o interior. Depois de um período de indecisão econômica, na passagem da economia de escambo para a de produção, com a crise dos anos 1540-45, que exigiu enorme quantidade de mão-de-obra para o açúcar, a abundância de gêneros de consumo repentinamente desaparece.110

As mesas variadas, que tanto despertaram a gula do padre Fernão Cardim, se concentram nas casas opulentas, aptas a pagar os altos preços da importação. A ordem sonhada por Duarte Coelho (1549) no aproveitamento das terras — terras para os engenhos, para os povoadores abastados, terras para os canaviais, algodões e de mantimentos para os outros111 — se dissolve em projeto frustrado, no curso de poucos anos. Brandônio, no fim do século, louvará a terra, onde toda agricultura floresce, pela fertilidade, clima e céus, mas decepciona-o a escassez e carestia de "mantimentos legumes". A causa: todos os moradores querem enriquecer depressa, para voltar ao reino, sem cultivar as lavouras para perpetuar a exploração do solo. Os plantadores de mantimentos, eles próprios especializados, procuram o mercado para vender seus gêneros, sem que as plantações se diversifiquem.112 No fundo, a febre mercantil atormenta todas as cabeças, convertido o plano dos donatários em peças autônomas da busca da riqueza, ao serviço do "nervo e substância" de todas: o açúcar. Tudo para a falsa grandeza efêmera dos senhores de engenho, que um professor de grego, desdenhoso de suas pompas, descreverá: "soberbos de ordinário, e tão pagos de sua glória vã, que julgam nada se pode comparar com eles, logo que se vêem dentro nas suas terras, rodeados dos seus escravos, bajulados dos seus rendeiros, servidos dos seus mulatos, e recriados nos seus cavalos de estrebaria, como lhes chamam, uns de folgar, que são os que têm diversos passos, trocadilhos, e habilidades, outros esquipadores, e são os que têm um passo velocíssimo, e composto, e outros com diferentes qualidades, e predicados; comprados por exorbitantes preços, e ricamente ajaezados. Esta é pois a glória dos senhores de engenho, e para maior auge dela, têm na cidade casas próprias, ou alugadas, cumpre muito que tenham cocheira, ainda que não haja sege, o que suprem asseadas cadeiras, que todos têm, em que saem acompanhados dos seus lacaios mulatos, ornados de fardamentos asseados".113 Ao seu lado, movendo os fios da economia, os mercadores — e na base os escravos, ocupados com o trabalho de sol a sol, aos quais mal se permite a roça de mandioca, alimentados com "uma quarta de farinha e meia libra de carne seca, 9para se sustentarem dez dias".114 A imagem do Brasil de Gandavo (1570) está morta: o português ocioso com meia dúzia de escravos, um para pescar e um para caçar e os outros nas roças de mantimentos. Em seu lugar, a devastação mercantil e o desejo de retornar ao reino, para exibir as glórias da opulência.

O engenho de açúcar procura, de acordo com o esquema da doação de terras de Duarte da Costa, integrar-se à paisagem vizinha, com os lavradores e a cultura de subsistência. A tendência seria a de concentrar, no interior do latifúndio, a produção exportável e a produção de consumo: cana e alimentos. Num mundo sem moeda, a unidade monetária se refugia na mercadoria dominante, o açúcar. Do exterior devia vir o que a fazenda não pudesse dar: ferro, chumbo e pólvora, além dos artigos de luxo. O engenho real — que se distanciava da engenhoca — exige grandes capitais, com pequena remuneração (3%), com um lucro não superior a 8% sobre o montante dos negócios, segundo dados de Mauro.115 Indústria onerada com investimento alto (66%), com pequena parcela de salário (24,4%). A monocultura, desta sorte, sofre a restrição das poucas disponibilidades econômicas e monetárias da empresa — "paradoxo de uma economia altamente especulativa, mas pouco monetarizada".116

Com a curta produção interna e com a limitada parcela dedicada à importação (do reino ou das outras capitanias), o assalariado e o escravo deveriam sofrer cruéis restrições de alimento. No fim do século XVIII, a Bahia importava do Rio Grande do Sul a carne salgada para sua população escrava117 , num intercâmbio distante e difícil. O vínculo do engenho com o comércio e a carga fiscal que sobre ele recai, alienando-o da economia com raízes na terra, não completa o quadro das dependências econômicas. O engenho avassala as terras, transmutando-lhes a velha substância sesmarial. Os engenhos cultivam terras próprias, diretamente ou mediante arrendamento (parceria), ou se servem da cana das terras dos plantadores independentes, assentado o cultivo sobre a mão-de-obra escrava. Havia, em um e outro caso, dependência ao senhor de engenho, dependência puramente econômica e dependência econômica e jurídica, sem que os plantadores sem terras gozassem de direitos sobre sua lavoura. A terra, de concessão para fomento da agricultura, presa ao destino industrial da safra, numa unidade de capitais avultados, converte-se em bem dominial, parte do investimento do engenho (v. cap. IV, 5). Nesse vínculo pretendeu-se ver o sistema feudal redivivo, a face feudal de uma instituição submersa no mercantilismo europeu. Falta, para caracterizar o modelo, a reciprocidade toscamente contratual de direitos: os dependentes, sobretudo arrendatários, estavam à mercê do senhor de engenho. No começo do século XIX, Tollenare já percebia o ímpeto dos engenhos sobre as terras, transformados os lavradores em meros instrumentos: "como não fazem contratos, logo que tornam um terreno produtivo o senhor de engenho tem o direito de expulsá-los sem indenização".118 A face interna do engenho, longe de ser feudal, tem, não obstante, caráter de exploração proprietária, com rendas auferidas ou apropriadas pela unidade industrial. Essa face, admitido o sistema escravagista e a terra como propriedade plena, terá iguais formas com os criadores de gado e os plantadores de tabaco e algodão, voltados estes, ao contrário dos lavradores de cana, diretamente ao mercado. Penetrava-os, ao contrário do engenho nos momentos de prosperidade, maior diversidade de produção, diversidade condicionada pelo valor oscilante de suas culturas, sem a absorvente procura que feriu o açúcar em certa época.

No ermo — a pouca distância do litoral — e no sul, bem como nas fases depressivas do açúcar, o fazendeiro prepondera sobre o industrial da cana. O ouro e os diamantes não passam de fugaz interregno, atividades mais de concessionários régios do que de empresários independentes. O açúcar — sempre o açúcar — e o gado fornecem os meios de vida a essa classe de proprietários, sem as glórias antigas. A unidade agrícola fecha-se sobre si própria, autarquicamente, dirigida pelos pobretões orgulhosos que serviram ao desdém de Saint-Hilaire e Schwege. De fora só vinham o sal, o ferro, o chumbo e a pólvora, com um ou outro adorno de luxo. Somente o café no oeste paulista, já adiantado o século XIX, infundiu outra índole ao latifúndio, voltado sobre os salários e a moeda, num momento em que "o domínio agrícola deixa de ser uma baronia e transforma-se quase em um centro de exploração industrial".119 O mercado capaz de pagar valores altos leva à conseqüência de sempre: decadência das indústrias caseiras e dos gêneros de subsistência. O preço do café pagará tudo e induzirá à monocultura, com a mesma carestia denunciada nos Diálogos das grandezas do Brasil, dois séculos antes.

A estrutura de classes recebe sua expressão desse mundo econômico. A economia mercantil, movida da Europa, traça o contorno das praias e dos sertões americanos. A exportação, infundindo o valor a todas as coisas, determina o posto do senhor de engenho e do proprietário na pirâmide social. Essa circunstância, que encobre todas as outras, se adensa graças a outra realidade. O escravo — que exige crédito —, base de toda a produção, concentra nos seus traficantes, na rede de seus traficantes, a outra mola da expansão econômica. Nesse sentido, e não no sentido retórico e original, a palavra de Joaquim Nabuco expressa uma verdade: o escravo confundiu as classes, impedindo a estratificação.120 O opulento senhor de escravos se converterá, senão ele, seu filho, senão este, seu neto, no pobre orgulhoso: as terras passarão ao fornecedor de escravos a crédito, ao exportador, ao comissário, que lhe adiantam os meios para sustentar o "luxo sem cabedais": "poucos são os netos de agricultores que se conservam à frente das propriedades que seus pais herdaram; o adágio 'pai rico, filho nobre, neto pobre' expressa a longa experiência popular dos hábitos da escravidão".121

Entre os dois setores das classes positivamente privilegiadas — a classe lucrativa e a classe proprietária —, havia um largo espaço, mais ou menos dependente, segundo o momento econômico, não redutível a colônia a um tipo único e imóvel de sociedade. O Regimento de Tomé de Sousa (1548) mandou distribuir as terras, dentro do sistema sesmarial das Ordenações, para quem as quisesse "povoar e aproveitar", obrigados os senhores de engenho a moer as canas dos plantadores.122 O plano de colonização previa, com a concessão franca da terra, concessão vinculada a prazo e à condição do aproveitamento, a propriedade ampla dos meios de produção. O lavrador independente se situaria ao lado do senhor de engenho, reservadas a este, desde logo, incumbências públicas de defesa. O regime do escravo, que reclama, desde logo, um investimento caro, impede o imigrante pobre de gozar da prometida autonomia, assegurada com as obrigações impostas ao engenho de moer as canas. A dependência do lavrador ganha, desde logo, nítido contorno, suavizada apenas quando dispõe de capitais para adquirir escravos, escravos índios ou africanos. No fim do primeiro século, Brandônio já mostrava a diferenciação social, dentro da lavoura, sempre fundada no escravo — quer no plantio da cana, quer na cultura de subsistência. Havia os senhores de engenho, que são ricos, os lavradores que têm partidas de cana e outros, cujas forças não abrangem a tanto e se ocupam em lavrar "mantimentos legumes".123 Mais alguns anos correm e a agricultura, cada vez mais enredada no açúcar, distribui a riqueza, num plano mais discordante dos propósitos que inspiraram o documento de 1548. Antonil distingue, entre os lavradores donos das terras, os lavradores de cana cativa e os lavradores independentes, que poderiam levar sua produção ao engenho que escolhessem. Mas outra categoria toma vulto: a dos lavradores sem terras, que arrendam a terra dos engenhos, com contratos de largos prazos que, com o tempo, se reduzem ao arbítrio do proprietário. O viajante do começo do século XVIII não deixou de assinalar a analogia entre os lavradores que se empregam nas terras do engenho e os donos das terras cultivadas, sem deixar de advertir aos senhores contra o pecado da "má vizinhança" feita aos plantadores que moem em outros engenhos.124 Um século mais tarde, na paisagem do açúcar sem prosperidade, perde o relevo o lavrador independente, e os arrendatários, com seus contratos a tempo largo ao tempo de Antonil, tornam-se precários e instáveis prepostos dos proprietários.

O engenho guarda a maior parcela de terra para o cultivo próprio e a menor porção é confiada ao lavrador dependente. "Os ajustes com que arrendam estas fazendas"— escreve Vilhena — "são, de que o lavrador será obrigado a plantá-las de cana, que não poderá moer mais do que no engenho do proprietário, que pelas moer lhe pertence a metade do açúcar, que produzirão, além do que lhe há de dar mais daquela metade com que ficou um pão de açúcar por cada quinze; e isto pela renda da terra, e a estas chamam obrigadas; ficando o senhor de engenho com a regalia de despedir o lavrador logo que queira para si aquelas terras, ou as queira dar a outro, pagando-lhe porém as benfeitorias, sempre em prejuízo do lavrador; e se este é o que quer despedir-se, o ordinário é perder as benfeitorias, ou receber por elas muito pouco."125 O senhor de engenho, ao devorar terras e submeter homens, entrega-se à tirânica exploração de seus parceiros, utilizando seu poder para avassalar os relutantes. Um viajante francês, ao percorrer o litoral pernambucano, viu, além dos escravos, dos quais não queria falar porque "não passam de gado", os lavradores entregues aos donos da terra e dos engenhos sem nada que os proteja, a lei ou a força armada. A paisagem se cobria de senhores de engenho, lavradores ("espécie de rendeiros") e moradores, categoria, a última, fruto do declínio da empresa açucareira. A ostentação do senhor se opõe a vida incerta do lavrador, que pode ser expulso, a qualquer tempo, sem indenização, composto seu capital de escravos e gado, abrigada a família em "miserável cabana". Os moradores — "em geral mestiços de mulatos, negros livres e índios"— são paupérrimos — eles formam a plebe dos campos, com sua cultura de mandioca para o magro sustento, retraídos ao trabalho assalariado que os degradaria à condição de escravos. Isolados nos ranchos, não conhecem a vida comunitária que aos seus avós integrava, numa constelação de valores perdida. Deles sairá o cliente do crime e o germe de jagunço. "Os senhores de engenho procuram as suas mulheres para seu gozo; dizem-nas muito galantes, mas destas seduções resultam vinganças e punhaladas. Os senhores de engenho que usam do direito de despedir os seus moradores, porque lhe pagam pouco e mal, e freqüentemente os roubam, tremem ao tomar esta perigosa medida em um país sem polícia."126

Nem só de cana vive o homem colonial. A agricultura do tabaco, algodão, anil, mandioca, enfeita a terra, sem deslocar o centro de gravidade econômica do açúcar. O gado não alimenta de prestígio aristocrático os proprietários que criam o rude e plebeu latifúndio dos sertões e planuras. Até o século XIX obtêm-se sesmarias em troca de serviços militares, no Rio Grande do Sul, réplica moderna do ciclo do couro nordestino, do "outro nordeste".127 A pobreza do pastoreio impediu o afluxo de escravos, com o trabalho dos peões pago numa sociedade informal com o patrão. A valorização periódica do gado terá, contudo, os mesmos efeitos de expansão imperialista da cana, expansão horizontal e de disciplina vertical sobre os dependentes.

A cana se opõe à ascensão econômica, ascensão mais fluida na zona do gado e das culturas de subsistência. O mundo rural fecha-se à mobilidade interna e vertical, assentado sobre o escravo, que custava crédito e recursos largos. O ingresso de proprietários — proprietários de escravos e terras — ocorre, em regra, de fora, sob a pressão do mercador enriquecido ou que substitui a insolvência pela posse do capital agrícola. Resta, não obstante, uma extensa gama de homens livres, além dos lavradores dependentes e da ociosa plebe rural. O engenho possui algumas ilhas de assalariados, na ordem de vinte e quatro por cento de suas despesas128, com o feitor-mor, o mestre do açúcar, o feitor menor, o purgador, o caixeiro, etc.

Com a dificuldade de acesso à terra e à propriedade do engenho, esses grupos ocupacionais fornecem a clientela dos oficiais das cidades, do comércio, todos inconformados, diante do escravo — padrão de subordinação social —, ao trabalho manual. A tendência dessa incipiente classe média será a de proletarizar-se, com o escravo e seus descendentes aprendendo os ofícios, ou a fugir do confinado ambiente agrário. O mundo colonial, não obstante o enrijecimento das camadas superiores, que o escravo — escravo mão-de-obra e escravo objeto de comércio e crédito — consolidará, mantém o potencial da fortuna fácil, da aventura possível, do enriquecimento rápido. O ouro deu consistência a esse sonho, vinculado ao mito edênico, com decepções amargas, duras desilusões e angustiadas expectativas não correspondidas. O reinol pobre, vítima e agente de esperanças teimosamente guardadas, será o imigrante tenaz do novo mundo, novo e inédito, aparentemente aberto às cobiças e ambições. No outro extremo, "mulatos ricos querem ser fidalgos, muito fofos e soberbos, e pouco amigos dos brancos e negros"129, sugerindo as duas vias de categorização social: a ascensão na classe, pela riqueza, e a ascensão no estamento (administração pública, milícias), pelo prestígio.

Os brancos europeus, pobres emigrados em busca da fortuna, passada a embriaguez das sesmarias, querem entrar no comércio. Estranha o marquês de Lavradio que os filhos do Minho, excelentes agricultores na sua terra, logo que aqui chegam não cuidam em nenhuma outra coisa que em se fazerem senhores do comércio que aqui há, não admitirem filho nenhum da terra a caixeiros, por onde possam algum dia serem negociantes".130 Uma vez enriquecidos se ensoberbecem, desprezando os naturais, que, em compensação, buscam nomes ilustres e nobres na sua ascendência longínqua ou fantasiosa, na "confusão entre nobres e abjetos plebeus".131 Os brancos pobres naturais do país percorrem outro caminho, caminho que passa às margens da fidalguia burocratizada c se desvia dos misteres dos negros: procuram ser soldados, escrivães ou escreventes, oficiais de tribunais de juízos, não poucos freqüentam as aulas regias.132 Para erguer sua fidalguia de empréstimo ostentam as falsas grandezas no atrevimento do trato com os inferiores: alferes ou coronel "julga-se o non plus ultra da nobreza", empregado do foro supõe-se o senhor da justiça.133

Nem o branco português, nem o branco natural do país podem apanhar a enxada ou tocar no arado. O trabalho braçal degrada e o equipara ao escravo — a esta infâmia é preferível a ociosidade, o parasitismo, o expediente da busca de proteção dos poderosos. O funcionalismo, já enorme em número, absorve essa leva de desprotegidos, com cargos civis e militares — "inúmeros inspetores sem objeto a inspecionar, um sem-fim de coronéis sem regimentos para comandar, juizes para dirigir cada ramo da administração, por menor que seja, serviços que podem ser feitos por duas ou três pessoas. Os vencimentos aumentaram, o povo está oprimido e o Estado não colhe benefício algum".134 A velha ordem administrativa portuguesa serve, na colônia, ao aproveitamento do branco pobre, do mulato rico, poupando um problema social, com a plebeização do branco alfabetizado, quase o letrado do tempo. Sobras do mercantilismo, com o recolhimento dos náufragos da visão de Brandônio, que apontava a riqueza no açúcar, na mercancia, no pau-brasil, no algodão, na lavoura de subsistência e no gado, floração rural onde "o principal nervo e substância da terra é a lavoura dos açúcares".135

Na base da pirâmide, o escravo negro, sem nenhuma oportunidade de elevação social. O negro, para se qualificar, não lhe bastaria a liberdade, senão a posse de outro escravo. Bem sentiu essa realidade, a um tempo sombria e cômica, Machado de Assis, ao notar — Memórias póstumas de Brás Cubas, cap. LXVIII — que o moleque Prudêncio, negro alforriado, em pleno Valongo, batia furiosamente num escravo seu: nas pancadas nascia o status de senhor. Atrás do quadro da escravidão não se esconde apenas a tirania, a dureza de costumes e o aviltamento do homem. "Os senhores poucos'— bradará Vieira — "os escravos muitos; os senhores rompendo galas, os escravos despidos e nus; os senhores nadando em ouro e prata, os escravos carregados de ferros; os senhores tratando-os como brutos, os escravos adorando-os e temendo-os como deuses; os senhores em pé apontando para o açoite, como estátuas da soberba e da tirania, os escravos prostrados com as mãos atadas atrás como imagens vilíssimas da servidão e espetáculos da extrema miséria."136 Há, no fundo da cena, o painel que desvenda a transmigração e a mercancia, a transmigração e a "mercancia diabólica". Na empresa convergem os dois pilares da economia portuguesa — o comércio e a agricultura —, com a sanção, o proveito e os interesses da camada politicamente dominante. Nos dois e meio ou quatro milhões137 de escravos que entraram no Brasil durante a colônia haverá um negócio global em torno de cem milhões de libras, mais a importância do tráfico interno, o que levará a um aumento de cinqüenta a cem por cento. O volume dos valores empregados será, desta sorte, equivalente aos do ouro, o segundo maior valor da colônia, abaixo do açúcar.137 Vinte por cento das importações empregam-se no escravo, num comercio sem paralelo pela sua lucratividade.138 Esta desdenhada circunstância explica muitos enigmas da história brasileira: a dependência à burguesia portuguesa, por sua vez enfeudada à européia, a centralização política decorrente de um homogêneo núcleo de interesses, a submissão do agricultor ao vendedor e financiador de escravos, a pouca mobilidade da empresa colonial, arraigada, ate à morte, aos seus investimentos de escassa lucratividade, agrilhoada às dívidas sempre renovadas e crescentes. Do centro da 'mercancia diabólica" se irradia, depois de conjugados o Estado e os negociantes, uma ordem social, que entra em todos os poros da colônia e infunde vento às metropolitanas combinações econômicas. O açúcar e o ouro explicam muito da vida colonial, mas nada explicam sem o escravo, considerada mercadoria mais valiosa. Num momento em que a renda interna se funda, na maior parte, na exportação, é esta manipulada, no exterior e nas ramificações internas, por outro c mais fundamental elemento vinculador aos centros europeus.

O tráfico de escravos tem uma longa história, ligada à expansão portuguesa nos oceanos. Escravos e ouro são os imediatos objetivos da empresa henriquina.139 A pombalina Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1755-78) se propunha, razão principal da sua existência, introduzir mão-de-obra africana no norte do Brasil.140 Um salto de três séculos mostra a Coroa interessada no tráfico, com a autorização e o estímulo e pelo monopólio de uma agência filha de suas entranhas, afora, no interregno, a participação pelos altos tributos — maior participação que tributo — no comércio dependente do controle oficial. Diferentes são os grupos que comandam o negócio: "no período henriquino, temos o infante em primeiro plano, evidentemente, beneficiário do quinto das presas, os armadores e mercadores algarvios e lisboetas, cavaleiros e escudeiros que vão nos saltos do Estreito e nas Canárias e nas viagens ao litoral saariano e guineense. Estrangeiros participam, já sabemos de um genovês que antes de 1452 trouxe negros, e Antoniotto Usodimare, em 1455, trata com escravos no rio Gâmbia [...]

Por meados do século XVI existiram em Lisboa, a acreditarmos em João Brandão, uns 60 a 70 mercadores de escravos. No lançamento de 1565 aparecem unicamente três, dos quais dois na Madalena: Damião Fernandes, avaliado em 200.000 réis, e Luis Mendes, em 150.000; o terceiro, de São Nicolau, é Pallos Dias, avaliado em 200.000 réis também. Mas nestes registros não figuram os maiores, porque se avençaram à parte. Insistamos em que o trato não está apenas nas mãos dos mercadores, mas também dos grandes personagens do Estado e sua hierarquia média. Eis, por exemplo, em 1560, a pedir ao rei de Espanha 300 licenças para o envio de escravos ao Peru, o desembargador do Paço Francisco Dias do Amaral, do conselho régio. Por outro lado, destaquemos mais uma vez os conflitos de interesses entre meios de negócios internacionais, metropolitanos e coloniais. [...] Com o ocaso do século XVI e com o século XVII a teia dos contratos torna-se mais cerrada e está nas mãos de um círculo de grandes capitalistas. Lá vemos o célebre João Batista Rovelasco, que até 1589 tem o contrato dos escravos de São Tomé (e de começo teve também o de Angola, até ser desanexado), por 4 contos e 400 mil réis, mais 12 escravos por ano".141 No comando dos cordéis, os capitalistas, portugueses e europeus, aliados ou por conta de secretários de Estado, desembargadores, capitães e até membros da Igreja, com as sobras pingando na bolsa murcha das categorias médias da burocracia. Do capitalismo comercial, do capitalismo politicamente orientado ergue-se o tipo social do "cavaleiro-mercador , o "mercador-cavaleiro", o "fidalgo negociante e o negociante enobrecido", ora em conflito, ora em entendimento com a velha nobreza da terra, velha nobreza pelas origens e nova pela aquisição de latifúndios. Oposição entre a classe lucrativa e a proprietária, disputando a primeira a sociedade e o patrocínio do estamento e a segunda as roupagens cansadas da aristocracia fundiária, próxima desta o clero, como demonstra o episódio da Inquisição. No curso de três séculos, mudaram os sistemas de fornecimento do escravo, sob a constância do controle oficial. O resgate, eufemismo da aquisição do negro, a arrecadação dos rendimentos passaram da administração direta, da concessão de licenças para a compra de determinado número de escravos até o arrendamento de áreas. Depois, como mencionado, as companhias entram em cena, firmadas no comércio exclusivo.

Na dinâmica colonial flutuam as camadas que o autor dos Diálogos das grandezas do Brasil, as Ordenações e o padre Antônio Vieira situaram na sociedade, em estado de repouso. Os três estados, na imagem do pregador que os reúne no sal, com os elementos fogo, ar e água, têm linhas ironicamente pouco vivas, distinguidas pela cor das contribuições fiscais — o que engaja as categorias na ordem do Estado. O clero representa o fogo, "elemento mais levantado que todos", goza de imunidade tributária; o ar cabe à nobreza, "não por ser a esfera da vaidade", com privilégios finamente criticados de injustos; ao povo sobra o símile de água, não por ser "elemento inquieto c revolto, que à variedade de qualquer tempo se muda", sobre o qual "caem de ordinário os tributos, não sei se por lei, se por infelicidade". Os fidalgos vivem das comendas e rendas da Coroa — suas águas saíram do mar e ao mar devem tornar.142 E a terra, o quarto elemento, esquecida pelo pregador, não será o escravo, indigno de menção? A nobreza, já nesta altura, se alimenta dos favores e das vantagens que fluem das mãos do rei, o qual por sua vez colhe tudo do povo. O soberano e o terceiro estado são as realidades únicas — as outras ornamentam, enfeitam sem produzir. A colônia se complica, ainda, das separações das cores, composta de brancos, pretos e pardos. Os pardos poderiam agregar-se aos pretos, "pela parte materna, segundo o texto geral", mas eles se acercam dos brancos, "porque entre duas partes iguais, o nome e preferência deve ser da mais nobre".143 O senhor e o escravo, entretanto, em tudo se separam: no nome, na cor e na fortuna: "o nome de escravos, a cor preta e na fortuna de cativos, mais negra que a mesma cor".144 Só no outro mundo, as diferenças calarão, mudado o sofrimento do escravo em merecimento de martírio: "todo esse inferno se converterá em paraíso, o ruído em harmonia celestial, e os homens, posto que pretos, em anjos".145 As cinco "condições de gente" dos Diálogos das grandezas se reduzem a quatro: a primeira, com a gente marítima (armador) e a comerciante; a segunda, dos oficiais mecânicos; os que servem por soldada, na terceira; e os que tratam de lavoura (senhor de engenho e agricultores) na quarta.146 Condições que são as mesmas das Ordenações Filipinas (L. V, cap. LXIII) e Manuelinas (V, tít. 72): os que vivem com senhor ou com amo; os que trabalham em mester — os oficiais mecânicos; os que negociam, por sua conta ou conta alheia — acrescentados os lavradores, sobrarão ainda as quatro categorias de Brandônio. Uma apreciação conjetural atribui, no reino, a percentagem de 26,9% da população aos lavradores e camponeses, contra 24,9% de fidalgos e mercadores e 27,7% de artífices e trabalhadores manuais, ocupando o clero a importante cifra de 11,9%.147 Este quadro demonstra a fraqueza da população agrícola, um terço da população, com quase dois terços dedicados aos tratos urbanos, detentores da maior parte das rendas da colônia. Bem verdade que, no Brasil, contados os escravos, a maioria dos habitantes estão na lavoura e nos engenhos. O fato de, na metrópole, senhora de mais de metade do produto da atividade econômica brasileira, ser outra a constelação social, indica que a nota tônica se situa nos cortesãos comerciantes, negociantes de fretes e de reexportação, constelação que imanta a vida da colônia, deslocada a perspectiva ao ultramar. O destino agrícola do Brasil não é, desta sorte, senão a inversão do ponto de vista que ilumina, fixa e comanda a paisagem.

Notas

1. Couto, Diogo do. O soldado prático, cit., p. 27.
2. Vieira, Padre Antônio. Sermões pregados no Brasil. Lisboa, Agência Geral das Colônias, 1940, v. 2, p. 275.
3. Critilo. Cartas chilenas. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1940, p. 201 (carta 5.°).
4. Godinho, Vitorino Magalhães. Ensaios, cit., p. 59.
5. Vieira, Padre Antônio. Op. cit., v. 2, p. 209, 210, 212 e 213.
6. Boxer, C. R. The Portuguese Seaborne Empire, cit., p. 318 e 319.
7. Aragão, J. Guilherme de. "O cargo público na sociedade colonial". A Manhã, 9 abr. 1950.
8. Vianna, Oliveira. Evolução do povo brasileiro. 2. ed. São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1933, p. 211.
9. Vilhena, Luis dos Santos. A Bahia no século XV1I1. Bahia, Itapuã, 1969, v.3, p. 617 e 618.
10.Critilo. Op. cit., p. 210 e 250.
11. Saraiva, António José. Inquisição e cristãos-novos. Porto, Ed. Inova, 1969, passim.
12. Arte de furtar, cit., p. 1 52 e 153.
13. Id., p. 148 c 149.
14. O assunto está teoricamente esboçado em Weber, Max. Wirtschaft und Gesellschaft, cit., p. 201 e segs. 15. Pensa de modo contrário Azevedo, J. Lúcio de. História dos cristãos novos portugueses. Lisboa, Clássica, 1921, p. 64. Com melhores argumentos, a tese do texto é
defendida por Saraiva, António José. Op. cit., passim.
16. Caetano, Marcelo. O Conselho Ultramarino. Rio de Janeiro, Sá Cavalcanti, 1969, p. 14.
17. As indicações do texto, em drástico resumo, foram colhidas no livro citado na nota 16.
18. Caetano, Marcelo. Op. cit., p. 45.
19. V. o texto em Guedes, João Alfredo Libânio. História administrativa do Brasil. DASP, 1962, v. 4, p. 173 e segs.
20. Fleiuss, Max, História administrativa do Brasil. 2. ed. São Paulo, Melhoramentos, [s.d.], p. 52.
21. Leal, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. Rio de Janeiro, Rev. Forense, 1948, p. 74.
22. Laxe, João Batista Cortines. Câmaras municipais. 4. ed. São Paulo. Ed. Obelisco, p. 31, n.°3.
23. Ord. Filip. L. I, tít. I.
24. Boxer, C. B. The Portuguese Seaborne Empire, cit., p. 280 e 281.
25. Lisboa, João Francisco. Obras. Lisboa, Tip. Matos, Moreira e Pinheiro, 1901, tomo II. p. 46.
26. Armitage, João. História do Brasil. Rio de Janeiro, Zélio Valverde, 1943, p.342.
27. Vilhena, Luis dos Santos. A Bahia no século XVIII. Bahia, Itapuã, 1969, v. I,p. 79 e 80.
28. Esta é também a opinião de Abreu, J. Capistrano de. Capítulos de história colonial, cit., p. 227, Em outro lugar: "Cada vez me convenço mais que João Francisco Lisboa falseou a história, dando-lhes uma importância que nunca possuíram as municipalidades. Só quando havia alvoroto, apareciam ligeiramente, em feição semelhante às que os castelhanos chamavam cabildo abierto; fora disto, nomear almotacéis, aferir medidas, mandar consertar pontes, estradas e calçadas consumia-lhes todo o tempo". (Correspondência de Capistrano de Abreu. Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1954, v. 2, p. 28.) Em igual sentido: Prado Júnior, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. 3. ed. São Paulo, Brasiliense, 1948, p. 316 e segs. Oliveira Vianna. Instituições políticas brasileiras. Rio de Janeiro, José Olympio, 1 949, v. 1, p. 165.
29. Vieira, Padre Antônio. Sermões pregados no Brasil. Lisboa, Agência Geral das Colônias. 1940, v. 3, p. 207 e 208.
30. Moreno, Diogo de Campos. Livro que dá razão do Estado do Brasil — 1612. Recife, Arquivo Público Estadual, 1955, p. 1 1 5.
31. Machado, Alcântara. Vida e morte do bandeirante. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1929, p. 105 e segs.
32. O cálculo é de Varnhagen, encampado por Garcia, Rodolfo. Op. cit., p. 198.
33. Prado Júnior, Caio. Formação do Brasil contemporâneo, cit., p. 318.
34. Azevedo, J. Lúcio de. Épocas de Portugal econômico, cit., p. 256.
35. Salvador, Frei Vicente do. Op. cit., p. 160. V. Mirales, D. José de. História militar do Brazil, [s.d.], p. 11.
36. Mirales, D. José de. Op. cit.. p. 14.
37. ld.,p. 14.
38. Barros, João de. Décadas, cit., v. 2, p. 81 e v. 3, p. 209 e segs.
39. Mirales, D. José de. Op. cit., p. 3 1 e 32.
40. Boxer, C. R. A idade do ouro, cit., p. 304.
41. Moreno, Diogo de Campos. Op. cit., p. 128, 143, 176 e 182.
42. Id., passim.
43. Fernando José de Portugal, Vice-Rei D. "Regimento de 1677" e "Observações". In: História administrativa do Brasil, cit., v. 4 e 5, respec. p. 1 73 e 337.
44. Cunha, Rui Vieira da. Estudo da nobreza brasileira. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1966, p. 15 e 42. 
45. Lapa, M. Rodrigues. As "Cartas chilenas". Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1958.
46. ld.,p. 178.
47. lbid., p. 304 e 305.
48. lbid., p. 362 e segs.
49. Koster, Henry. Viagens ao nordeste do Brasil. São Paulo, Ed. Nacional, I 942, p. 259 e 260.
50. Ferreira Filho, Arthur. História geral do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Globo, 1958, p. 54.
51. Vasconcelos, Cap. Genserico de. História militar do Brasil. Rio de Janeiro, Biblioteca Militar, 1941, p. 41.
52. Armitage, João. Op. cit., p. 327.
53. Vílhena, Luis dos Santos. Op. cit., 1, p. 244 e segs.
54. Koster, Henry. Viagem ao nordeste do Brasil. São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1942, p. 480.
55. Critilo. Cartas chilenas, cit., I, p. 250.
56. ld., p. 243.
57. Vilhena, Luis dos Santos. Op. cit., I, p. 259. Lavradio, op. cit., p. 231.
58. Critilo. Op. cit., p. 249.
59. Vilhena, Luis dos Santos. Op. cit., I, p. 244 e 245.
60. Assis, Machado de. Obra completa. Rio de Janeiro, Aguilar, I 959, II, p. 353: "Verba testamentária".
61. Luccock, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e portos meridionais do Brasil. 2. ed. São Paulo, Martins, [s.d.], p. 55 e 119.
62. Arte de furtar, cit., p. 28 e 29.
63. Vilhena, Luis dos Santos. Op. cit., I, p. 247 e 248.
64. Koster, Henry. Viagem ao nordeste do Brasil. São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1942, p. 388 e 389. Tollenare, L. F. de. Notas dominicais. Salvador, Progresso, 1956, p. 120.
65. Gonçalves, Roberto Mendes. Um diplomata austríaco na corte de São Cristóvão. Rio de Janeiro, Conselho Federal de Cultura, 1970, p. 85.
66. Lacombe, Américo Jacobina. "A Igreja no Brasil colonial". In: História geral da civilização brasileira — direção de Sérgio Buarque de Holanda. 2. ed. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1968, v. 2, p. 51. Este importante trabalho servirá, em muitos pontos, de roteiro ao que adiante se escreve acerca do assunto.
67. Id., p. 57.
68. Azevedo, J. Lúcio de. Épocas de Portugal económico, cit., p. 256 e 257. Moreno, Diogo de Campos. Livro que dá razão do Estado do Brasil — 1612, cit., p. 128, 136, 148 e 149, etc. Leite, Serafim, S.J. História da Companhia de Jesus no Brasil, cit., 5, p. 107 e segs.
69. Parry, J. H. The Spanish Seaborne Empire. 2. ed. Hutchinson of London, 1967, p. 326.
70. Freyre, Gilberto. Casa-grande e senzala, cit., v. 2, p. 708.
71.Azevedo, J. Lúcio de. Épocas de Portugal económico, cit., p. 257.
72. Cortesão, Jaime. Raposo Tavares e a formação territorial do Brasil, cit., 1, p. 1 78.
73. Leite, Serafim, S.J. História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa, Portugália, 1938, tomo II, p. 113.
74. —. Novas cartas jesuíticas. São Paulo. Cia. Ed. Nacional, 1940, p. 76, 77, 78 e 79.
75. Azevedo, J. Lúcio de. Épocas de Portugal económico, cit., p. 257. Id., História de Antônio Vieira. 2. ed. Lisboa, Clássica, 1931, tomo I, p. 214.
76. Leite, Serafim, S.J. Novas cartas jesuíticas, cit., p. 60 e 76.
77. Taunay, Afonso de E. História das bandeiras paulistas. 2. ed. São Paulo, Melhoramentos, [s.d.], tomo I, p. 123 e segs.
78. Azevedo, J. Lúcio de. História de Antônio Vieira, cit., tomo I, p. 220.
79. Vieira, Padre Antônio. Op. cit., v. 3, p. 30, 31 e 38.
80. Id., p. 147.
81. Azevedo, Fernando de. A cultura brasileira. 3. ed. São Paulo, Melhoramentos, 1958, tomo III, p. 24.
82. Vieira, Padre Antônio. Cartas. Coimbra, Imprensa da Universidade, 1925, tomo 1, p. 458.
83. Weber, Max. Wirtschaft und Cesellschaft, cit., v. 1, p. 223 e segs.; v. 2, p.679 e segs.
84.Lukács, Georg. Geschichte und Klassenbewusstsein. Neuwied und Berlin, Sammlung Luchterhand, 1970, p. 132 e segs. Esta tese, tida algum tempo pelos marxistas como herética, parece que se coaduna com o pensamento de Marx, que, no Manifesto Comunista, acentuou que na época da burguesia as oposições de classe se simplificaram, sem que faltem referências aos estamentos (Stände), expressão esta traduzida, sem maior exame, por classe: v. MEW, cit., v. 4. p. 463 e segs. Lukács alude, expressamente, ao sistema do capital comercial, calcado em Marx, que não domina o processo de produção. Para o esquema deste livro, a discussão marxista tem valor secundário, dados
os pressupostos de outra índole e origem que o fundamentam.
85.A classificação, com pequenas alterações, se deve a Weber, Max. Op. cit., p.223 e segs. V também: Pareto, Vilfredo. Traité de sociologie générale. Paris, Payot, 1919, v. 2, p. 1430 e segs.
86.Prado Júnior, Caio. Evolução política do Brasil. 6. ed. São Paulo, Brasiliense, 1969, p, 28. Freyre Gilberto. Casa-grande e senzala, cit., v. 1, p. 24 e passim. Azevedo, Fernando de. A cultura brasileira, cit., tomo I, p. 152 e segs. Vianna, Oliveira. Instituições políticas brasileiras. Rio de Janeiro, José
Olympio, 1949. v. 1, p. 146. Id., Populações meridionais do Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro, José Olympio, 1952, p. 95: família senhorial — agregados e escravos. A indicação é meramente exemplificam a.
87. Cardim, Fernão. Tratados da terra e gente do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro, Cia. Ed. Nacional, 1939, p. 290 e 296.
88. Andreoni, João Antônio (Antonil). Cultura e opulência do Brasil. São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1967, p. 139.
89. Diálogos das grandezas do Brasil. Salvador, Progresso, 1956, p. 17.
90. Barros, João de. Décadas, cit., v. I, p. 173 e 174. V. também: Cortesão, Jaime. A expedição de Pedro Alvares Cabral e o descobrimento do Brasil, cit., p. 103 e segs. Diffie, Bailey W. "Os privilégios legais dos estrangeiros em Portugal e no Brasil no século XVI". In: Conflito e continuidade na sociedade brasileira. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1970, p. 3 e segs.
91. Gandavo, Pero de Magalhães. Op. cit., p. 81.
92. Cardim, Padre Fernão. Tratados da terra e gente do Brasil. 2. ed. São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1939, p. 283.
93. Diálogos das grandezas do Brasil, cit., p. 315, I 66 e 168.
94. Andreoni, João Antônio (Antonil). Op. cit., p. 139, 141.
95. Id., p. 169.
96. Mauro, Fréderic. Le Portugal et l'Atlantique au XVII.e siècle. Paris, S.E.V.P.E.N., 1960, p. 218. Stein, Stanley, J. Grandeza e decadência do café. São Paulo, Brasiliense, 1961, p. 295.
97. Godinho, Vitorino Magalhães. Os descobrimentos e a economia mundial. Lisboa, Arcádia, [s.d.], p. 575.
98. Esta concepção do papel central do comerciante na economia da colônia toma corpo com os estudos de Virgínia Rau, Vitorino Magalhães Godinho, Bayley W. Diffie, nas obras citadas, concepção já lançada na l.ª edição deste livro.
99. Diálogos das grandezas do Brasil, cit., p. 28 e 61.
100.Id., p. 169.
101.Cartas do Padre Antônio Vieira, coordenadas e anotadas por J. Lúcio de Azevedo, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1928, p. 693.
102.Vilhena, Luis dos Santos. Op. cit., v. 1, p. 52.
103.Sousa, José Antônio Soares de. "Aspectos do comércio do Brasil e de Portugal no fim do século XVIII e começo do século XIX". In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico, v. 289, p. 3 e segs. Muitos dados, a seguir citados, pertencem a esse trabalho de real mérito.
104.Vilhena, Luís dos Santos. Op. cit., v. 1, p. 56.
105.Id., p. 56.
106.Lavradio, Marques de. Op. cit., p. 345.
107.Nabuco, Joaquim. O abolicionismo. São Paulo, Progresso, 1949, p. 229.
108.Abreu, Florêncio de. Ensaios e estudos históricos. Rio de Janeiro, Pongetti,1964, p. 134.
109.Freyre, Gilberto. Casa-grande e senzala, cit., p. 19, 21 e passim.
110.Id., ibid., esclarece bem o assunto às p. 188 e segs.
111.Coelho, Duarte. "Carta ao rei de 14 de abril de 1549". In: História da colonização portuguesa no Brasil, cit., v. 3, p. 320.
112.Diálogos das grandezas do Brasil, cit., p. 39, 61 e 150.
113.Vilhena, Luis dos Santos. Op. cit., v. I. p. 185.
114.Id., p. 186.
115.Mauro, Frédéric. Op. cit., p. 217.
116.Id., p. 219.
117.Vilhena, Luis dos Santos. Op. cit., II, p. 61.
118.Tollenare, L. F. Notas dominicais. Salvador, Progresso, 1956, p. 93.
119.Holanda, Sérgio Buarque de. In: Davatz, Thomas. Memórias de um colono no Brasil. São Paulo, Martins, 1941, p. 14.
120.Nabuco, Joaquim. O abolicionismo, cit., p. 151.
121.Id., p. 140.
122.In: História da colonização portuguesa no Brasil, cit., v. 3, p. 346.
123.Diálogos das grandezas do Brasil, cit., p. 39.
124.Antonil. Op. cit., p. 139 e 146.
125.Vilhena, Luis dos Santos. Op. cit., l, p. 181.
126.Tollenare, L. F. Op. cit., p. 85-96. V. Diegues Júnior, Manuel. População e açúcar no nordeste do Brasil. Rio de Janeiro. Comissão Nacional de Alimentação, 1954, p. 117 e segs.
127.Menezes. Djacir. O outro nordeste. 2. ed. Rio de Janeiro, Artenova, 1970, p. 33 e segs.
128.Mauro, Frédéric. Op. cit., p. 217. O número é meramente exemplificativo. V. Buescu, Mircea. História econômica do Brasil. Rio de Janeiro, APEC, 1970, p. 107.
129.Vilhena, Luis dos Santos. Op. cit., I. p. 53.
130.Op. cit., p. 343 e 344.
131.Vilhena, Luis dos Santos. Op. cit., l, p. 51.
132.Id., p. 138.
133.Ibid., p. 52 e 53.
134.Koster, Henry. Op. cit., p. 64.
135.Dialogas das grandezas do Brasil, cit., p. 149 e 150.
136.Vieira, Padre Antônio. Sermões pregados no Brasil, cit., v. 3, p. 48.
137.Os números são discutíveis: Simonsen, Roberto. História econômica do Brasil. 2. ed. São Paulo, Cia. Ed. Nacional, I 944, tomo I, p. 203 e segs. Buescu, Mircea. História econômica do Brasil. Rio de Janeiro, APEC, 1970. p.201 e segs. Goulart, Maurício. Escravidão africana no Brasil. São Paulo, Martins, 1949, p. 217.
138. Para as quantidades da exportação colonial: Simonsen, Roberto. Op. cit., tomo I. p. 220.
139. Godinho, Vitorino Magalhães. A economia dos descobrimentos henriquinos. Lisboa, Sá da Costa. 1962. p. 210.
140. Dias. Manuel Nunes. A Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão. Universidade Federal do Pará, 1970, v. 1, p. 459.
141. Godinho, Vitorino Magalhães. Os descobrimentos e a economia mundial, cit., p. 573, 575 e 576.
142. Vieira, Padre Antônio. Op. cit., v. 4. p. 74 e segs.
143. Id., p. 93.
144. Ibid., p. 96.
145. Ibid.. p. 38.
146. Dialogas das grandezas do Brasil, cit., p. 38 e 39.
147. Godinho, Vitorino Magalhães. A estrutura na antiga sociedade portuguesa. Lisboa. Arcádia, [s.d.], p. 85.

De Raymundo Faoro em "Os Donos do Poder - Formação do Patronato Político Brasileiro", Editora Globo, São Paulo, 2001, excertos capitulo VI, pp. 198-267. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

STORIA DI MILANO - ANTICHITÁ SINO ALLA DEVASTAZIONE DI ATTILA

$
0
0


L'origine di una città antica si perde comunemente nella oscurità de' tempi favolosi, e ascende sino a que' rimoti secoli dai quali a noi non è trapassato monumento alcuno, e perciò debbono considerarsi come secoli isolati e inaccessibili alla nostra curiosità. Tale si è la fondazione della città di Milano, di cui Plinio, Giustino e Livio fanno menzione, con autorità però sempre dubbia; perché trattasi di un avvenimento accaduto più secoli prima che questi autori scrivessero, e presso di un popolo che probabilmente ignorava persino l'arte della scrittura con cui passare a' posteri la notizia de' fatti. Conviene però queste opinioni conoscerle, e brevemente esaminarle, per separare dalla massa delle tradizioni quella porzione che sia più credibile.

Gli scrittori latini concordemente fanno discendere gli abitatori dell'Insubria dai Galli, che, superate le Alpi, si collocarono in questa pianura; e perciò quella che oggidì chiamasi Lombardia, dai Romani ebbe il nome di Gallia Cisalpina. Questa generale opinion degli antichi viene confermata ancora al dì d'oggi dalla pronuncia del dialetto popolare. La stessa lingua italiana presso gli abitanti di qua dalle Alpi, da Genova a Brescia, e da Torino a Piacenza, viene pronunciata con vocali ed accenti affatto forestieri all'Italia, per modo che, chiunque sia avvezzo al parlare di Napoli, di Roma, della Toscana o d'altra parte d'Italia, giudicherà piuttosto Francesi, che Italiani i Lombardi che parlano il loro dialetto; il che rende verosimile l'origine più sopra accennata. Dico l'origine, perché se bastasse un lungo soggiorno a lasciare una così durevole diversità, noi dovremmo avere assai più parole ed accenti teutonici che non abbiamo, sebbene la lunga dominazione de' Longobardi e l'invasione loro sia accaduta in secoli a noi più vicini.

Tito Livio ci narra che Milano sia stata fondata da Belloveso, duce dei Galli, i quali colle armi scacciarono i Toscani, che prima avevano quivi collocate le loro sedi. "Galli... fusis acie Tuscis, haud procul Ticino flumine: quum, in quo consederant, agrum Insubrium appellari audissent, cognomine Insubribus, pago Heduorum, ibi omen sequentes loci, condidere urbem, Mediolanum appellarunt".1 Il saggio autore però dapprincipio dice ch'ei riferiva sulla rimota venuta de' Galli quanto gli era stato narrato: "De transitu in Italiam Gallorum haec accepimus;2 e poco sopra, parlando di questa venuta, dice: Eam gentem traditur... alpes transisse"3. Trattasi di un avvenimento che viene collocato nella 45 Olimpiade, vivendo Tarquinio Prisco, cioè seicento anni prima dell'èra volgare. Non abbiamo nel nostro paese monumento che ci assicuri essere vissuta alcuna nazione colta entro di esso prima d'Augusto. Negli scavi che sinora si sono fatti sotto Milano e la adiacente campagna non si è trovata statua alcuna, scultura, iscrizione o lavoro qualunque di metallo o di creta, che in qualsivoglia guisa ci dia indizio che prima dell'èra volgare gli abitanti dell'Insubria conoscessero le arti. Non abbiamo libro alcuno scritto in Italia, di cui l'autore non sia vissuto più secoli dopo l'epoca in cui si dice fondata la città nostra. Livio stesso non indica di aver conosciuto carte, iscrizioni, monete o altri documenti che siano giunti intatti alle sue mani, anzi nulla più dice, che haec accepimus, ovvero traditur; l'asserzione perciò di Livio tutt'al più ci farà credere che l'opinione de' Galli Cisalpini, mentr'ei scriveva, fosse che la città di Milano avesse per fondatore certo antico Belloveso, e che tale opinione dai rozzi ed agresti loro antenati, per molte generazioni, fosse discesa alla generazione allora vivente.

Si può dunque ragionevolmente dubitare se Belloveso sia stato il fondatore di Milano: si può anche ragionevolmente dubitare se Milano abbia avuto un fondatore, cioè un capitano, un principe il quale, avendo il disegno di creare una città, abbia collocato una popolazione nel sito ove sta Milano. La ragione di questa dubitazione nasce dall'osservare che le città quasi tutte, e nella Lombardia e nell'Italia, sono collocate alle rive d'un lago, alle sponde d'un fiume, al lido del mare; e i luoghi muniti e forti si sono piantati anche lontani dall'acqua, ma in siti elevati e di accesso difficile. Milano non ha alcuno di questi vantaggi. Chiunque avesse avuto pensiero di fabbricare una nuova città su di questa pianura, doveva essere invitato a disegnarla poche miglia lontano, alle sponde del Tesino, ovvero dell'Adda, oppure anche del Lambro: l'acqua è tanto necessaria agli usi comuni, e la navigazione è tanto opportuna per trasportare ogni genere, che si dovettero scavare artificialmente de' canali secent'anni sono, per rendere comuni anche a Milano questi comodi; il che si sarebbe certamente risparmiato qualora il sito fosse stato trascelto con determinazione di piantarvi una città. Milano mi sembra formata per una serie di circostanze senza un fondatore, e mi pare che, dalla condizione d'un povero villaggio, gradatamente ampliatasi, diventasse insensibilmente una città, senza che uomo alcuno

avesse concepita l'idea dapprincipio di farla tale. Alcune misere capanne di agricoltori probabilmente avranno composta la prima riduzione; la fecondità della terra, la moltiplicazione degli abitanti avranno dato luogo a formarvi un villaggio per domiciliare il contadino vicino al suo campo, e così la fertilità della terra avrà dato motivo di sempre più ampliare la popolazione, che nel corso de' secoli giunse poi a formarne una città; in quella guisa appunto che vediamo qualche albero, fortuitamente trasportato dalla corrente di un fiume, arrestarsi laddove co' rami urti nel fondo, e servire indi a trattenere le ghiaie e le piante che successivamente il fiume trasporta, e così formarsi un'isola coll'andare degli anni, su di cui gli uomini vi piantano poi la loro dimora. Tale almeno sembra la più verosimile opinione, anzi che persuaderci che siasi formato un disegno di piantare una città lontana dall'acqua, costretta a scavare de' pozzi per bere, e a trasportare tutto per terra. La ragione medesima per cui dubitiamo della fondazione attribuita a Belloveso, ci rende sospetto il racconto di certo famoso capitano, che aveva nome Medo, a cui si attribuisce la prima pianta della città, accresciuta poi di molto da certo altro famoso capitano, per nome Olano, dalla unione de' quali nomi se ne pretende formato Mediolanum: sono opinioni senza alcuna prova, le quali sgorgano dai tempi oscuri, e perciò le accenno al solo fine di non lasciar ignorare quello che si è più volte ripetuto da chi ha scritto la storia del nostro paese.

La costruzione fisica della Lombardia sembra che possa darci de' sospetti verisimili sullo stato antico della medesima. Le Alpi contornano questa pianura dalla parte settentrionale, e gli Appennini dal ponente e dal mezzogiorno la chiudono. Si mutano i nomi, ma in realtà la costiera non interrotta di monti chiude la Lombardia da tre parti, lasciandole l'aria libera soltanto all'oriente, laddove scorre il Po e va a sfogarsi placidamente nell'Adriatico. Perciò i venti che, sopra gli altri, da noi prevalgono, sono que' di Levante. In questa pianura così fiancheggiata le altissime montagne che la cingono vi gettano fiumi e torrenti, i quali si uniscono al Po, ed esso ha la sua foce nell'Adriatico. La terra fecondissima su di cui abitiamo, per poco che gli uomini cessassero di preservarla coll'arte, verrebbe coperta dalle acque, e si formerebbe una palude. Il signor abate Frisi, nostro illustre cittadino, di cui non ricordo i titoli, perché valgon meno che le due parole Paolo Frisi, mi ha graziosamente comunicate le notizie che i due laghi Maggiore e di Como, sono prossimamente allo stesso livello, cioè centocinquanta braccia al disopra di Milano. Il lago di Lugano è braccia cento più alto di quei due laghi; così riesce braccia ducentocinquanta più alto della città di Milano, cioè settanta braccia ancora più alto sopra la sommità dell'aguglia del Duomo. Vi sono adunque de' vasti emporii di acque più alte e imminenti. La pianura è alquanto pendente verso del Po. La città di Milano, dalla parte più elevata alla più bassa, non avrà venti braccia di caduta, cioè dalle mura di porta Nuova a quelle di porta Ticinese, il che fa vedere l'assurdità della opinion volgare, che suppone la piazza del Duomo a livello della sommità della torre di Sant'Eustorgio. Le spese e le cure incessanti che esigono gli argini del Po, l'altezza a cui giungono le piene al disopra del livello de' campi, ci convincono che un mezzo secolo di negligenza sarebbe bastante a sommergere tutta la parte bassa di questa superficie. Abbiamo sul Bolognese gli esempi di terre e province coperte dalle acque del Reno sviato dal Po. Una dissertazione del maestro e lume della storia italica, signor Lodovico Antonio Muratori4, ci dimostra con quanta facilità diventino lago o palude i paesi più floridi della Lombardia, tosto che cessino gli uomini di riparare coll'arte l'azione non mai interrotta della natura, che sembra aver destinato questo suolo ai pesci, e sul quale artificiosamente vi si sono collocati e vi soggiornano gli uomini, quasi contro il di lei volere; simili in ciò agli Olandesi, i quali, come noi, hanno pascoli, burro e caci eccellenti, e al par di noi hanno ottimi lini, e meglio di noi li preparano. Ogni volta che sia mancata la vigilanza nel preservare il piano della Lombardia dalle innondazioni, ivi si è formata una palude. Sant'Ambrogio, nella lettera XXXIX a Faustino, parlando di Modena, Reggio, Brissello, Piacenza ed altre città dell'Emilia, le chiama tot semirutarum urbium cadavera5. Queste erano al tempo di Cicerone splendidissime colonie del popolo romano, ridotte nel quarto secolo, dopo le guerre di Magno Massimo e di Costantino, prive d'abitatori, e in conseguenza poi, nel secolo decimo, immerse nelle acque, siccome leggesi nella vita di san Geminiano6.

"Mutinensis urbis solum, nimia acquarum insolentia enormiter occupatum, rivis circumfluentibus, et stagnis ex paludibus excrescentibus, incolis quoque aufugentibus noscitur esse desertum. Unde usque hodie multimoda lapidum monstratur congeries, saxa quoque ingentia, praecelsis quondam aedificiis aptissima, acquarum crebra, ut diximus, inundatione submersa."7 Se dunque è vero che la costruzione fisica della Lombardia la conduca allo stato di una palude, da cui, per opera degli uomini, venga ridotta allo stato di coltura e di abitazione; se è vero che, dovunque cessi la attenzione degli uomini per la difesa, ivi le acque ripigliano il loro sito coprendo la terra; sarà anche assai verosimile il dire che ne' tempi antichissimi questa pianura fosse un vasto lago o un aggregato di paludi; che i Galli, collocatisi sulle colline, gradatamente abbiano cercato di aprire lo scolo alle acque stagnanti, e così riporsi ad abitare sopra di una terra più feconda. Questa opinione corrisponde all'antica tradizione, che il luogo eminente di Castel Seprio, distrutto poi l'anno 1287, come vedremo, fosse una delle prime sedi degli Insubri; questo pure corrisponde a quanto scrissero Erodiano, Vitruvio e Strabone8, descrivendoci il piano della Insubria tutto coperto di paludi; e a questa opinione corrisponde l'antica memoria d'un lago Gerundio ne' contorni di Cassano, ove oggidì quella parte bassa è tutta abitata; e la memoria dell'isola di Fulcherio ne' contorni di Crema, di cui trattano le carte de' secoli bassi, sebbene al giorno d'oggi non sianvi in quel distretto paludi che formino isola alcuna.

I documenti più sicuri dell'antichità sono i fisici. La curiosità nostra vorrebbe sapere come e perché i Galli, uscendo dalla loro patria, sieno venuti, arrampicandosi sopra difficili montagne, a stabilirsi in questo clima, abitato forse da pochissimi pescatori; ma la confessione della nostra ignoranza è assai più nobile che non lo sarebbero i sogni d'una immaginazione romanzesca. La storia è piena di emigrazioni di popoli interi; la fuga da qualche disastro fisico, inondazione, terremoto, ecc.; la violenza d'una barbara nazione che sforza a sloggiare e cercarsi nuova sede; l'ambizione di conquiste; l'avidità di godere una vita più agiata; il fanatismo, queste sono le cagioni per le quali de' popoli interi cambiarono patria. Le colonie greche popolarono la Francia e l'Italia; le romane, la Ungheria ed altri regni; le spagnuole, le inglesi ecc., l'America. Al tempo delle crociate l'Europa tentò di invadere l'Asia, come in prima l'Arabia si stese sull'Africa e sull'Asia. Vediamo gli avanzi di tali invasioni anche al dì d'oggi. Gl'Inglesi parlano la lingua nata dal Sassone, mentre nel centro dell'isola si parla la lingua antica britanna, la quale nessuna connessione ha coll'altra, che essi chiamano lingua sassone. Nella Germania, in molte province, i contadini parlano l'illirico, mentre nelle città la lingua naturale è la tedesca. Anche nella Spagna l'antica lingua conservasi nelle montagne della Biscaglia, e niente somiglia alla castigliana, nata dall'invasione de' Romani, e poscia degli Arabi. Questi fatti ci mostrano che ogni parte della terra ha sofferte le vicende di essere invasa da straniere popolazioni, che vi si piantarono, siccome i Galli antichissimamente fecero, in questo paese; ma per qual motivo questo accadesse, non ce lo può dire la storia, che in Italia non riascende sino a que' tempi.

Della etimologia di Milano vi sono pure varie opinioni; oltre quella accennata dei due capitani Medo ed Olano, v'è chi la deriva dal Tedesco Mayland (così chiamasi Milano in Germania), e questa voce significa paese di maggio, paese di primavera; denominazione che veramente conviene poco ad una provincia in cui gli aranci non reggono scoperti, e in cui ne' sei mesi dell'anno che cominciano in novembre e terminano al fine d'aprile, l'altezza media del termometro è al disotto del temperato, e dove in quella metà dell'anno la terra è soggetta al gelo ed alle nevi. La più comune sentenza fa nascere la voce Mediolanum da un mostro che si vide nel luogo in cui è fabbricata, e questo mostro era un porco mezzo coperto di lana; Claudiano così credette, ove, cantando le nozze dell'imperatore Onorio celebrate in Milano, ci rappresentò Venere che, abbandonando Cipro, passa sul mare e si porta a Genova, d'onde, superati di volo i gioghi dell'Appennino, discende verso Milano.

"ad moenia Gallis
Condita, lanigerae suis ostentantia pellem".9

Della opinione medesima si mostrò Sidonio Apollinare, il quale, annoverando le città più illustri, così volle indicarci Milano.

"Et quae lanigero de sue nomen habet".10

Altri furono di parere che altre città della Gallia e d'Albione si chiamassero con tal nome, e che i Galli perciò chiamassero Milano la città da essi fabbricata: opinioni tutte arbitrarie, incerte e di una infruttuosa discussione; perché i nomi s'inventarono prima che s'inventasse la scrittura, e la storia non ha principio se non dopo ritrovata la scrittura.

Il più antico fatto da cui può cominciare la storia di Milano, ascende all'anno di Roma 533, cioè appunto duemille anni fa, scrivendo io nel 1779. I consoli Cnejo Cornelio Scipione e Marco Marcello conquistarono l'Insubria, e portarono sino a Milano la dominazione di Roma, l'anno 221 prima dell'èra volgare. Vorrei pure sapere a quale stato di coltura fossero giunti i nostri Insubri; quale fosse il loro governo civile; se conoscessero l'arte dello scrivere; se avessero monete; qual religione e qual linguaggio fossero naturali a quei popoli; se coltivassero i campi; qual forma presentasse la fisica in questo tratto di paese: ma di ciò poco o nulla ci è possibile il saperne. Plutarco ci attesta che allora Milano era una città molto popolata: "urbem Galliae maximam et frequentissimam, Mediolanum vocant". "Hanc Galli Cisalpini pro capite habent"11; ma Plutarco scrisse due secoli e più dopo Marcello e Scipione. Polibio ci assicura che Marco e Cornelio, consoli, guerreggiando contro de' Galli Insubri "Mediolanum, praecipuam Insubrum civitatem, petierunt; Cornelius, urbe, quae et frumento et omni genere commeatus refertissima erat, potitus, Gallos persequitur"12. È verisimile assai che Marco Marcello, dopo conquistata Milano, abbia eretta la famosa torre di marmi quadrati, la quale, coll'andare de' secoli, si chiamò poscia l'Arco Romano. Di sì fatti edifici i Romani ne innalzarono anche altrove, o in memoria delle conquiste fatte, ovvero per dominare la città vinta, e dalla sommità della torre potere all'occasione vedere e nuocere. È tanto celebre presso degli storici nostri quest'Arco Romano, che conviene per qualche poco ragionarne.

Molte volte mi accadrà nel decorso di quest'opera di nominare il signor conte Giorgio Giulini; egli da me viene ora ricordato, perché tutto quello che dirò dell'Arco Romano, da lui l'ho preso; e chi volesse vedere l'oggetto più distesamente, esamini il tomo sesto della di lui Storia, dalla pag. 108 alla pag. 126. Egli trovò che il Fiamma, il Puricelli, il Grazioli, il Sassi ci descrivono quest'Arco Romano nella più ampollosa e strana foggia: un arco lungo niente meno di due miglia; munito dai due lati di altissime mura; e nel mezzo di questo lunghissimo fabbricato si descrive una torre da cui si dominava nulla meno di tutta la Lombardia. L'edificio era sostenuto da spessissime colonne. La larghezza di questo Arco Romano era un getto di pietra, e si chiamava ora l'Arco Romano ed ora l'Arco Trionfale. Di questa mole immensa però non se ne mostra nessun vestigio: si disputa per fino sul luogo ove fosse collocato; e un architetto potrebbe fare un immenso portico eseguendo una tal descrizione, ma nulla farebbe che somigliasse a un arco, meno poi a un arco trionfale. In questo stato il nostro conte Giulini ritrovò la storia. Egli provò che l'Arco Romano altro non era se non una massiccia torre, vasta e quadrata, piantata sopra quattro solidissimi pilastri, e sostenuta da quattro archi; opera tutta di pietre grandi e quadrate, che molto si innalzava, e conteneva stanze vaste e capaci di accogliere un presidio; che questa torre era collocata sulla via Romana, di contro al luogo ove oggi vedesi il monastero di San Lazaro13. Di simili torri se ne vedono altre memorie nella storia di Roma, e Lucio Floro14 scrive che Cnejo Domizio Enobarbo, e Quinto Fabio Massimo, nel luogo dove avevano vinto gli Allobrogi, fecero innalzare una simile torre di sasso, sopra di cui vi posero un trofeo delle armi dei vinti. "Utriusque victorie quod quantumque gaudium fuerit, vel hinc existimari potest quod et Domitius Ænobarbus et Fabius Maximus, ipsis quibus dimicaverant in locis, saxeas erexere turres, et desuper exornata armis hostilibus trophaea fixere"15. La nostra torre diventò celebre dappoi per le esagerazioni de' poco giudiziosi nostri storici, non meno che per gli avvenimenti accaduti durante la guerra che Federico I mosse ai Milanesi, intorno al qual tempo rimase distrutto quest'antico e forte edificio. La opinione del giudizioso nostro Giulini resta dimostrata sempre più dal Chronicon Vincentii canonici Pragensis,16 che per la prima volta fu pubblicato nel 1764, nella compilazione del padre Glasio Dobner, che ha per titolo; "Monumenta Historica Bohemiae nusquam antehac edita. Pragae"17. Il canonico era testimonio di veduta e così la descrive: turris fortissima, maxima, de fortissimo opere marmoreo, quae arcus romanus dicebatur18. Questo testimonio non poteva essere noto al conte Giulini, perché non ancora pubblicato mentr'egli scriveva.

Poco è quello che sappiamo della città di Milano durante la repubblica di Roma; e poco è pure quello che ne sappiamo durante i primi tre secoli dell'èra volgare. I Romani, stesa che ebbero sulla Insubria la loro dominazione, piantaronvi delle nuove città; tali furono Piacenza, Cremona e Lodi; le due prime furono colonie, e con esse si resero padroni della navigazione del Po. Diedero moto alle acque stagnanti, e fra essi Emilio Scauro si distinse; poi mentre Roma era lacerata dalle fazioni, il senato, al tempo di Silla, accordò la cittadinanza romana a tutti gli abitanti dell'Insubria, e dilatò i confini d'Italia, che prima terminavano al Rubicone vicino a Rimini, portandoli fino all'Alpi; e così divenimmo Italiani per adozione. Il dominio adunque di Roma non distrusse le città dei vinti, ma ve ne edificò di nuove; rese il clima più atto ad essere abitato, liberandolo dalle paludi; dallo stato di barbarie c'innalzò a quello di una società civile; e perfine, da sudditi che ci aveva resi la forza, la beneficenza romana ci fece liberi; e membri d'una illustre Repubblica, fummo capaci delle magistrature di Roma. Pompeo, Crasso, Cesare furono in Milano. Cenando quest'ultimo in Milano da Valerio Leone, osservò che gli eleganti Romani erano offesi in vista d'una mensa rustica e senza atticismo, e già cominciavano a deridere l'albergatore, il quale ne provava confusione; ma Cesare giocondamente prese a mangiare quelle rozze vivande, e seriamente rivolto a' Romani fece loro la questione, se fosse più rozzo e barbaro chi ospitalmente presentava i cibi alla foggia del suo paese, ovvero chi insultava l'albergatore19. Marco Bruto resse questa provincia, e quell'anima virtuosa, forte e sublime, eccitò tale ammirazione presso i nostri antenati, che gl'innalzarono nel fòro una statua di bronzo; di che ci fanno fede Svetonio e Plutarco. Quando Augusto, reso padrone della terra, passò a Milano, si trattenne ad osservare questo monumento, non senza inquietudine dei Milanesi, ai quali non piaceva d'essere creduti nemici di lui, per l'ammirazione che mostravano verso l'uccisore di Cesare e il nemico della tirannia; Augusto prese anzi motivo di farci un encomio, perché rendevano omaggio alla virtù indipendentemente dalle vicende capricciose della fortuna20. Così i Romani colti e potenti trattarono gl'Insubri agresti e deboli. I Romani giammai non insultarono ai vinti, né mai schernirono i meno forti. Arditi nei pericoli, fieri contro la resistenza, pare che stendessero la dominazione su i popoli per liberarli dalla tirannia, per condurgli alla coltura e allo stato civile. Non credettero mai utile né giusto il disprezzo anche verso un popolo barbaro. La grandezza di Roma abbracciava tutto il genere umano, e i popoli si dirozzavano per imitazione di esempi ch'erano loro cari. Il czar Pietro prese la strada opposta dell'assoluto comando: egli ha fatto maravigliare l'Europa; il tempo schiarirà sempre più il problema politico, se a incivilire un popolo più giovi l'energia e la rapidità del comando, ovvero la industriosa sapienza de' mezzi trascelti; e se la vegetazione riesca più ferma e durevole usando bene del clima nativo, e riparando accortamente le sole ingiurie di quello, o veramente con artificiale ed estraneo calore costringendo la natura.

Fra gl'imperatori de' primi secoli, Giulio Capitolino scrive che Publio Elvio Pertinace fosse nato nell'Insubria. Elio Sparziano e varii altri ci assicurano che Giuliano Didio, che fu proclamato imperatore l'anno 193, fosse milanese. Nel terzo secolo i popoli del Settentrione cominciarono a discendere dalle Alpi e tentare d'invadere questa parte d'Italia. Gli Alamanni, i Marcomanni comparvero e furon scacciati; e da ciò ne venne la necessità che gli imperatori portassero la loro ordinaria sede più vicina alle Alpi per vegliare più di presso alla sicurezza d'Italia. L'Italia è circondata dal mare, e il solo canto per cui è annessa all'Europa è per le Alpi, catena raddoppiata di monti altissimi, per i quali pochi sono i luoghi ove aprirsi un passo; e tanto ardua e pericolosa cosa fu sempre il tentare di penetrarvi con un esercito, che s'inventarono de' favolosi aiuti per ispiegare il passaggio che vi fece Annibale, quantunque gli abitatori dell'Alpi non fossero suoi nemici. Questa costiera è un antemurale che nessuna estera nazione mai avrebbe ardito nemmeno di affrontare, se opportunamente gl'Italiani avessero saputo impadronirsi de' paesi, e custodire le alture che dominano sulle vie: e porre gli invasori nella condizione di comprare con una battaglia vinta il potere di avanzare pochi passi e disporsi a nuovo cimento, e ciò con una lunga alternativa, che avrebbe annientato ogni esercito prima che uscisse da quell'enorme labirinto di voragini e di gioghi. Sbarchi di estere genti per mare non potevano allora temersi; perché non v'era alcuna nazione che avesse un corredo marittimo capace di tentarlo; l'Italia, per godere dei vantaggi d'un'isola, non ha che a rendersi forte ne' sbocchi delle Alpi; e così fecero gl'imperatori verso la fine del terzo secolo, a ciò anche doppiamente spinti dal pericoloso soggiorno di Roma, ove le fazioni, annoiandosi della dominazione di un Augusto, prevenivano il naturale corso degli avvenimenti, e trucidavanlo per collocare un successore sul trono del mondo. Ne' contorni di Milano qualche tempo soggiornò Galieno. Aureolo fu battuto ed ucciso verso Milano, e in memoria abbiamo un villaggio che dai latini chiamossi Pons Aureoli, ora Pontirolo.

Marc'Aurelio Valerio Massimiano Erculeo è stato fra gl'imperatori quello al quale più deve la città di Milano; perché fu probabilmente il primo che collocò la sua sede in Milano, e fu quello che cinse di mura la città. Ce lo attesta Aurelio Vittore. "Novis, cultisque moenibus Romana culmina, et caeterae urbes ornatae, maxime Carthago, Mediolanum, Nicomedia"21. Il giro di queste mura però non era più di due miglia, e viene assai accuratamente descritta la loro posizione nel libro: Le vicende di Milano durante la guerra con Federico I, imperatore, pubblicato con eleganza dalla stamperia dell'imperial monastero di Sant'Ambrogio Maggiore, l'anno 1778, ove trovasi la carta di Milano delineata, come verosimilmente lo era nel secolo XII, e col muro di Massimiano, che allora sussisteva. Io non ripeterò quanto ciascuno ivi può minutamente conoscere, e dirò soltanto che probabilmente allora non v'erano che nove porte della città. La Romana era poco lontana da San Vittorello; la Erculea22 era fra il monastero della Maddalena e quello di Sant'Agostino; la Ticinese era al Carrobio; la Vercellina era vicina a San Giacomo dei Pellegrini, e perciò la chiesa poco lontana ha il nome di Santa Maria alla Porta; la Giovia era vicina al monastero di San Vincenzino; la Comasina era poco discosta da San Marcellino; la porta Nuova stava collocata più interna prima della chiesa de' Minimi; la porta Argentea, ora Renza, era prima di giugnere alla colonna, così detta, del Leone; la porta Tosa era al fine della via di San Zenone. Dalla situazione delle porte facile sarà a chiunque il comprendere a un di presso dove si trovassero le mura fabbricate da Massimiano. Le chiaviche e il condotto delle acque coperto che spurga la città, sono l'acquedotto antico, il quale fiancheggiava esternamente le mura di quei tempi; e dove sono le colonne colle croci, ivi si aprivano le porte. Di queste mura molte descrizioni se ne sono fatte. Il Fiamma, al suo solito, asserisce che la larghezza di queste mura fosse di ben ventiquattro piedi di un uomo grande, e il giro di esse fosse più di quindici miglia, l'altezza di settantaquattro piedi, e finalmente, che vi fossero trecento e più torri sparse in questo circuito. Molti hanno dipoi ripetute simili fole, degne di stare accanto all'Arco Romano di due miglia. Gli scrittori di questi ultimi tempi si sono limitati a credere cento torri, dodici piedi di grossezza al muro, due miglia di estensione: ed anche di meno ne credo io; perché troppo sarebbe vicina una torre all'altra se ogni venti passi geometrici ve ne fosse una, e quella sola torre delle mura che ancora ci rimane nel monastero Maggiore, non ha dodici piedi di grossezza nel muro, né è difesa da sassi quadrati, come nemmeno lo sono le antiche mura di Roma istessa, tutte di mattoni, quali anche vedonsi al dì d'oggi. Del Circo e del Teatro grandi cose, e probabilmente esagerate, ci raccontano i nostri storici. Né può negarsi che vi fossero tali fabbriche, poiché, oltre la testimonianza degli scrittori, abbiamo anche oggidì due luoghi della città chiamati, l'uno al Circolo, l'altro al Teatro; ed è ben naturale che una città in cui molto risedevano gli Augusti, avesse tai luoghi destinati agli spettacoli. Molto però conviene diminuire per accostarci alla verità. Nessun vestigio ci rimane di tai pretesi grandiosi edifici; e come vediamo intatte le altissime colonne di Ercole a San Lorenzo, non ci mancherebbe qualche avanzo di Circo, e massimamente di Teatro, se fosse stato eguale almeno a quello di Verona, che vedesi intero nella gradinata; opera che non si distrugge facilmente: e lo stesso dico pure del Palazzo Imperiale, il di cui nome conservasi tuttora dalla chiesa di San Giorgio, senza che nessun pezzo di antica architettura ce ne assicuri la decantata magnificenza. Lo scopo che mi sono proposto non è la descrizione di Milano, né l'esame minuto degli argomenti di critica. Altri ne hanno scritto, e forse di troppo ne abbiamo; la mia opinione si è che probabilmente il Circo, il Teatro, il Palazzo vennero costrutti nel decorso del quarto secolo, e furono opere inferiori al grido che ebbero dappoi, singolarmente ne' notissimi versi di Ausonio, che il nostro Tristano Calco, uomo fedele e veridico, trasse da un antico manoscritto della Biblioteca Ducale di Pavia, e che dicono:

"Et Mediolani mira omnia: copia rerum;
Innumerae, cultaeque domus; facunda Virorum
Ingenia; antiqui mores; tum duplice muro
Amplificata loci species; populique voluptas
Circus, et inclusi moles cuneata theatri:
Templa, palatinaeque arces, opulensque Moneta,
Et regio Herculei celebris sub honore lavacri,
Cunctaque marmoreis ornata peristyla signis,
Moeniaque in valli formam circumdata limbo;
Omniaque magnis, operum veluta emula, formis
Excellunt: nec juncta premit vicinia Romae".23

Convien bensì dire che nel quarto secolo Milano fosse una magnifica città per la popolazione, l'abbondanza, la coltura, la fortezza ed il lusso; ma qualche espressione è da poeta. A un uomo che avea ammirato Roma, non potevano sembrare mira omnia24 le cose di Milano. Noi non vediamo avanzo alcuno di que' tanti peristili di marmo che ornavano la città. Se vi fossero state fabbriche innumerevoli e colte, da' rottami della antica città, negli scavi che facciamo, dovremmo pure rinvenire o belle statue antiche, o busti, o bassi rilievi, o pezzi di superba architettura, avanzi dei tempii, de' palaggi, delle rocche emule della grandezza di Roma. Ma poco o nulla ci somministra la terra: e da essa ne' contorni di Roma, in quei di Napoli, nella Sicilia, nella Grecia si scavano ogni giorno de' preziosi avanzi della magnificenza e della coltura antica. Gli amatori delle belle arti già hanno osservato come presso de' Romani, dopo essere giunte alla somma perfezione nel secolo che ebbe il nome di Augusto, declinarono poscia ed invecchiarono da sé, prima che i barbari entrassero a rovinarle. L'Arco di Severo, che vedesi in Roma, ci prova che nel terzo secolo l'architettura era già diventata rozza e inelegante. Le medaglie, da Caracalla e Macrino in poi, s'andarono sempre più degradando e diventando barbare. Al tempo poi di Costantino, al principio del quarto secolo, abbiamo un documento della totale decadenza della scoltura nell'Arco di Costantino, in cui si dovettero in Roma istessa, a costo di tradire la verosimiglianza, inserire i bassi rilievi tolti dall'Arco di Trajano; perché in Roma non v'era più un artista capace di farvene; e veggonsi i Daci e la figura di Traiano incassati per ornare un monumento de' trionfi di Costantino; e que' pochi ornati che si dovettero allora aggiungere per riempire il vano sotto il grande arco, sono lavori infelicissimi, peggiori di alcuni simili travagli gotici. Ciò posto, la grandezza di Milano s'innalzò appunto nel tempo in cui tutte le idee grandiose e nobili delle belle arti già svaporavano; e perciò credo che, trattane la mole erculea, gli altri celebrati edifici fossero minori della fama. Sarebbe fuori di proposito se io qui tornassi a ripetere alcune mie idee, credo vere, e che ho pubblicate anni sono in un discorso sull'indole del piacere e del dolore, ove sviluppai il principio motore dell'uomo, che, a mio parere, è il solo dolore; ma siami permesso di accennare che, frammezzo agli orrori delle guerre civili di Mario e Silla, fra le atroci proscrizioni del triumvirato s'innalzarono i più valorosi oratori, i più sublimi poeti, gli scrittori, architetti, scultori, pittori più illustri; e che, sotto un seguito di regni di cinque benèfici e grandi augusti, Nerva, Trajano, Adriano, Antonino e Marc'Aurelio, regni preziosi alla virtù, alla umanità ed al merito, le belle arti protette e pacifiche si esercitarono, perché onorate; ma non s'innestarono ne' giovani che nacquero in quei tempi felicissimi, onde, nella seguente generazione, scomparvero. Nel bell'Elogio del cavaliere Isacco Newton, che il nostro cittadino signor abate Paolo Frisi ha stampato, mostrasi come, fra le atroci rivoluzioni, al tempo del regicidio, sotto la tirannia di Cromwell e di Fairfax, mentre l'Inghilterra era grondante del proprio sangue, si svilupparono gl'ingegni sublimi che hanno resa gloriosa quell'isola: e così dal seno de' dolori vengono a schiudersi que' principii di attività, e l'animo viene a ricevere quell'energia e quell'impeto che lo scagliano al disopra degli ostacoli, e lo costringono a seguire ostinatamente una serie di idee per sottrarsi ai mali della comune esistenza; laddove nel placido asilo d'una dolce protezione s'abbandona a godere del momento presente. Con ciò viene a rendersi ragione d'un avvenimento costantemente accaduto e nel secolo d'Alessandro e in quello d'Augusto e nei successivi tempi; cioè, essersi riscossi gl'ingegni e comparsi sul teatro del mondo gli uomini grandi ne' tempi ne' quali il genere umano era più vilipeso e tormentato; essersi innalzate le scienze, perfezionate le arti in mezzo alle calamità; e tutto essere svanito e depravato colla felicità dei tempi. Raffaello, Michelagnolo, Tiziano, Correggio dipingevano i loro lavori immortali prima che fosse instituita l'accademia di San Luca; e nacquero e si resero eccellenti sotto piccoli tiranni che reggevano i loro Stati colla morale pubblicata dal Segretario Fiorentino. I loro talenti gli innalzarono a godere poi della sicurezza e degli onori; ma la fatica, per diventar sommi artisti, l'affrontarono spintivi dai mali. Pietro Cornelio e Racine sublimarono il teatro francese al maggior grado di gloria senza aiuto, e vivendo fra i torbidi. Dacché venne eretta l'Accademia Francese in Roma non si è innalzato alcuno al grado dei Le Sueur, Le Brun, Poussin, nati, vissuti e resi grandi fra le turbolenze.

Virginio aveva quarant'anni quando seguì la battaglia d'Azio; Orazio era più giovine di lui di cinque anni; Cicerone ebbe troncato il capo nella proscrizione; in somma nessun uomo ha mai potuto diventare grande in nulla, se non attraverso gli ostacoli, i quali avviliscono le anime deboli, e le robuste attizzano, irritano e spingono al di sopra del livello comune, qualora vi sia speranza di superarli; su di che bastantemente ho spiegata la mia opinione in quel discorso. Milano adunque salì a grande fortuna ne' tempi ne' quali l'architettura, insieme con tutte le belle arti, era già invecchiata e giacente, e perciò anche ragion vuole che credansi esagerate le magnificenze che gli scrittori nazionali ci hanno vantate. Un solo monumento ci rimane dell'antico, e sono le sedici superbe colonne di ordine corintio scannellate; pezzo di così nobile e grandiosa architettura, che sarebbe pregevole ancora in Roma, collocato presso al Tempio della Pace o alle colonne di Giove Statore. Le proporzioni sono del buon secolo, né io potrei crederle mai innalzate al principio del quarto secolo, come finora si è scritto, attribuendole a Massimiano Erculeo. Il chiarissimo nostro P. Pini, benemerito della Metallurgia per l'opera De Venarum Metallicarum Excoctione25, e benemerito per le cognizioni sue nella storia naturale e nell'architettura, crede che il marmo di quelle preziose colonne sia tratto dall'antica cava di Oligiasca, terra del lago di Como, posta fra Bellano e Piona. Si è opinato che questo fosse il fianco di un tempio, ovvero d'un pubblico bagno dedicato ad Ercole. Egli è difficile il provarlo, ed è difficile parimenti il confutarlo con ragioni positive. La sola cosa che è vera, si è che questo maestoso avanzo è il solo che ci sia rimasto; che sembra essere del secolo d'Augusto, o poco dopo, e che meriterebbe d'essere nuovamente riparato dalla rovina che minaccia, per trapassarlo a' posteri, come i nostri antenati fecero con noi, riparandolo nel secolo XVI.

Nel quarto secolo molto dimorarono i cesari in Milano; Massimiano Erculeo in Milano dimise la porpora l'anno 305. Nello stesso giorno, 1° di maggio, fu in Milano dichiarato cesare Flavio Valerio Severo. Costantino, Costanzo, Costante varie leggi scrissero in Milano, registrate nel Codice Teodosiano; e Costantino, nell'anno 313 in Milano, sottoscrisse la famosa legge di tolleranza, in vigore di cui venne legittimato l'esercizio della religione cristiana, sulla qual legge scrisse al preside di Bittinia, di averla pubblicata "ut daremus, et cristianis, et omnibus liberam potestatem sequendi religionem, quam quisque voluisset"26. In Milano, l'anno 355, Giuliano fu dichiarato cesare; e Costanzo radunò un concilio in Milano, a cui intervennero più di trecento vescovi. Valentiniano e Valente promulgarono in Milano altre leggi. Teodosio soggiornava in Milano, ove anche morì l'anno 395, il 17 di gennaio. Onorio in Milano celebrò le sue nozze. Dall'anno 373 fino al 401 appena sette anni si osservano senza leggi promulgate in Milano; e dal Codice Teodosiano medesimo si raccoglie che in quella compilazione vi sono trecentoundici leggi pubblicate in Milano dall'anno 313 al 412; né certamente in tale collezione si saranno trascritte, se non quelle che si credettero destinate a formare la stabile legislazione di tutto l'impero. Questo fatto solo ci prova come nel quarto secolo, e al principio del quinto, essendo diventata Milano la residenza ordinaria degli Augusti, dovette per conseguenza essere una cospicua città, ricca, popolata e tanto colta quanto lo permetteva la condizione dei tempi.

Sanno gli eruditi che Costantino, temendo la troppo estesa potenza del prefetto del pretorio, potenza funesta a molti imperatori, diede una nuova forma al governo dell'Impero; abolì il prefetto del pretorio e divise le province, affidandone il governo a distinti ufficiali. L'Italia allora in due parti venne divisa. La capitale della parte meridionale fu Roma, e della settentrionale fu Milano. In Roma vi pose il vicario di Roma, in Milano il vicario d'Italia. Il governo del vicario di Roma si stendeva sopra dieci province, cioè la Campagna, l'Etruria, l'Umbria, il Piceno suburbicario, la Sicilia, la Puglia e Calabria, la Lucania e Bruzi, il Sannio, la Sardegna, la Corsica e la Valeria. Il vicario di Milano sette province governava, cioè la Liguria, la Emilia, la Flaminia e Piceno annonario, la Venezia, a cui fu poi aggiunta l'Istria, le Alpi Cozie, e l'una e l'altra Rezia. Il sistema adunque costituì nel quarto secolo, e nel quinto ancora, la città di Milano la prima città d'Italia sicuramente dopo Roma; e di questa antica grandezza ne rimangono ancora alcune vestigia nella cospicua dignità della sede vescovile di Milano27, giacché le giurisdizioni ecclesiastiche si modellarono sulla forma del governo civile de' primi tempi, e i metropolitani furono i vescovi delle città capitali, ed ebbero per suffraganei i vescovi delle città che nel governo politico da quelle dipendevano28. Il che posto, conosciamo quanto cospicua città sia stata Milano nel quarto e nel quinto secolo, osservando che il di lei vescovo metropolitano aveva i vescovi di ventuna città da lui dipendenti, e furono Vercelli, Brescia, Novara, Bergamo, Lodi, Cremona, Tortona, Ventimiglia, Asti, Savona, Torino, Albenga, Aosta, Pavia, Acqui, Piacenza, Genova, Como, Coira, Ivrea ed Alba, e questi erano suoi suffraganei anche nei secoli posteriori. I confini delle diocesi, le preminenze delle sedi vescovili, sono per lo più un indizio sicuro degli antichi confini delle pertinenze d'ogni città e dell'antico stato di ciascheduna; perché le cose sacre, anco presso le nazioni barbare e feroci, vennero rispettate e lasciate, per lo più, intatte frammezzo alle rivoluzioni civili.

La dignità del vescovo di Milano, che giustamente può in questi tempi de' quali tratto, chiamarsi metropolitano bensì, ma non già arcivescovo, titolo posteriormente introdotto, e che significa onorificenza più che giurisdizione; la dignità, dico, del metropolitano ricevette sommo risalto da sant'Ambrogio, uomo per la dottrina, per la pietà, per la fermezza e per ogni sorta di virtù celebratissimo, e collocato fra gli esimii dottori della Chiesa. Celebre è il coraggio nobile e virtuoso col quale escluse dai sacri misteri l'Augusto Teodosio. Nella Macedonia i popoli della città di Salonicco, allora Thessalonica, tumultuarono contro alcuni imperiali ministri; Teodosio, spinto da una feroce inconsideratezza, slanciò la licenza militare sulla infelicissima città, ove vennero barbaramente scannati più di settemila abitatori, donne, vecchi, fanciulli, innocenti o rei, senza distinzione; e le pubbliche strade e le case vennero coperte di cadaveri, vittime di quest'atroce crudeltà. Questi orrori vengono dalla storia registrati nell'anno 390. Teodosio, in Milano, si preparava a comparire nella chiesa. Il santo vescovo, da saggio, fece che giugnesse a notizia di quell'augusto, che non l'avrebbe ammesso a partecipare de' sacri misteri, se prima non avesse espiato il suo delitto con pubblico pentimento. Voleva lasciare il pregio della spontaneità alla riparazione; ma il monarca, avvezzo a vedere tutto piegarsi ai suoi voleri, pensò che la sola maestà di sua presenza dovesse annientare ogni riguardo; s'incamminò per entrare nella chiesa, ove, con passo grave, affacciossegli il santo vescovo, fermamente slanciandogli queste parole: Uomo grondante ancora di sangue innocente, ardisci tu con tal fronte portare la profanazione nel santuario, e collocare il delitto impunito nel tempio del Dio della giustizia, della mansuetudine e della pace? La voce del rimorso fece rimbombare nel cuore di quell'augusto la riprensione sacerdotale. Obbedì al sacro ministro a vista di tutto il popolo, e partissene. Riparò la gran colpa con pubblica espiazione, o colla migliore di tutte, cioè colle opere virtuose e col premunirsi da simili eccessi, comandando che qualunque ordine severo gli accadesse in avvenire di proferire, i ministri dovessero per trenta giorni sospenderne la esecuzione. Io non loderò questa legge. L'uomo destinato a comandare agli uomini suoi fratelli, non deve loro manifestare il timore ch'egli ha d'essere ingiusto e violento. Questo è un colpo alla opinione, su di cui si appoggia il governo; s'ei non era padrone di sè stesso, da uomo virtuoso doveva giudicarsi incapace di reggere gli altri e dimettere la porpora. Dirò bensì che ogni volta che i ministri della religione hanno alzata la loro voce coraggiosa contro i pubblici delitti, l'umanità intera ha tributato ad essi l'ammirazione; e forse questo fatto solo sarebbe stato bastante ad ottenerla al santo vescovo. L'ebbe in fatti a tal segno che da lui prese la chiesa milanese il nome, il rito e la dignità. La liturgia ambrosiana, che anche oggidì si conserva, sebbene abbia sofferte molte variazioni co' secoli, essa però si è preservata attraverso i replicati sforzi che si tentarono per abolirla. Io non deciderò quale sia la migliore costituzion ecclesiastica, se la repubblicana, ovvero la monarchica; né mi propongo di trattare di cose sacre. So che col cambiare dei secoli le circostanze si cambiano; che una forma di civile governo, ottima in una combinazione di cose, può diventare pessima cambiandosi quella; che la Chiesa, essendo una società combinata per il bene spirituale degli uomini, prudentemente cambierà la costituzione propria, qualora per quello ottenere i civili cambiamenti lo consiglino; e così, senza ch'io intenda di preferire l'antico sistema all'attuale, unicamente come storico osserverò che l'autorità del metropolitano era assai vasta e quasi indipendente da Roma in quei tempi; e che tale si conservò fino al duodecimo secolo, per lo spazio di circa ottocento anni. Il metropolitano di Milano veniva eletto per lo più dai primari ecclesiastici, che si chiamarono cardinali della santa chiesa milanese: così i vescovi suffraganei erano eletti dal clero delle loro città. Non dipendeva il vescovo suffraganeo che dal metropolitano, dal quale era ordinato vescovo; ed il metropolitano era ordinato e consacrato vescovo dai suffraganei. Le controversie, o si decidevano dal metropolitano, ovvero, se erano maggiori, da un concilio provinciale, il quale giudicava sulla canonicità delle elezioni controverse, e su quant'altro occorreva al ceto ecclesiastico. Il successore di san Pietro, il capo visibile della Chiesa, era da tutti venerato, e Roma è sempre stata la norma del dogma e il deposito della credenza; ma quantunqe per circostanze particolari san Gregorio Magno, sommo pontefice, godesse di una superiore influenza inusitata, ei stesso dichiarò di non mai intromettersi nella elezione del metropolita, ma unicamente ne ordinava la consacrazione, eletto ch'egli era canonicamente. Nella ventesimanona epistola del libro terzo, "diretta ad presbyteros et clerum mediolanensem"29, quel sommo pontefice scrisse: "Verumtamen quia antiquae meae deliberationis intentio est ad suscipienda pastoralis curae onera pro nullius unquam misceri persona, orationibus prosequor electionem vestram"30. Nei tempi successivi non si mantenne nemmeno la dipendenza di aspettare l'ordine del papa per la consacrazione. Il papa san Gregorio, scrivendo al metropolitano di Milano Lorenzo, per certe entrate che il metropolitano possedeva nella Sicilia dipendente da Roma, nomina la chiesa milanese santa. "Quod autem perhibetis ab exactione patrimonii Siciliae provinciae, iuris sanctae, cui Deo auctore praesidetis, Ecclesiae... Proinde necesse est ut sanctitas vestra de hac re personam instituat, cum qua Romana Ecclesia aliquid debeat solide definire"31; e Giovanni VIII, nell'anno 878, scrisse un breve: "Reverendissimo et sanctissimo confratri Ansperto venerabili archiepiscopo Mediolanensi"32. Ciò sia detto per conoscere quanto fosse decorata la città di Milano, fatta sede del prefetto d'Italia, soggiorno di molti imperatori durante il quarto secolo, e parte del quinto, per lo spazio di un secolo e mezzo, quanto ne trascorse dal sistema fissato da Costantino alla devastazione di Attila, foriera del totale eccidio che ne fecero i Goti; cosicché nessun'altra città dell'Occidente fu a lei paragonabile per lo splendore, se ne eccettuiamo la sola Roma.

Nella mia raccolta di monete patrie alcune ne conservo di Magno Massimo, di Teodosio, di Arcadio e d'Onorio, le quali dagli eruditi si giudicano della zecca di Milano. Se ne conoscono di Valente, di Valentiniano II, di Vittore, di Eugenio e del tiranno Costantino, le quali si possono sostenere della zecca di Milano. Quelle d'argento hanno le lettere M. D. P. S., che s'interpretano Mediolani pecunia signata; quelle d'oro hanno semplicemente M. D., Mediolanum; così vien letto. Hanno questi augusti regnato dal 364 al 407, ne' tempi appunto ne' quali Milano significava tanto. Anche Ausonio ricorda ne' riferiti versi: opulensque moneta; non vedo che vi sia improbabilità alcuna nel darvi una tale interpretazione. Le monete che si trovano negli scavi del nostro paese, sono per lo più del terzo, quarto e quinto secolo.

Ho cercato inutilmente di saperne di più di quei tempi. Gli storici nostri accuratamente si occupano a verificare la cronologia de' vescovi, descrivono i supplizi sofferti da molti martiri, l'acquisto di molte sante reliquie, fondazioni, etimologie di chiese, portenti accaduti e degni di una pia credenza; ma nulla ci ha lasciato l'antichità, onde avere una idea dello stato della popolazione, della civile costituzione, del governo e del genio de' Milanesi; se marziale, ovvero pacifico; se attivo, ovvero indolente; se colto e sensibile al bello, ovvero rozzo ed agreste durante quel secolo e mezzo che trascorse fra l'Impero di Costantino, e la devastazione d'Attila, accaduta nel 452. Così diciamo d'essere nella ignoranza totale sullo stato della agricoltura del Milanese, sulla negoziazione in que' secoli, sopra i costumi sì religiosi che civili del popolo, e in una parola sulla storia antica; nulla di più sapendosene fuori che essere stata e nel quarto, e in parte del quinto secolo, cospicua la città di Milano, e la prima in Occidente dopo di Roma.

Riferimenti

1 I Galli... sbaragliati i Toschi non lungi dal Ticino, avendo udito che il paese in cui si erano fermati, si chiamava degli Insubri, nome pure di una borgata degli Edui, cogliendo l'augurio del luogo, fabbricarono una città e la chiamarono Mediolano. Livio, lib. V, cap. XIX.
2 Sul passaggio de' Galli in Italia questo ci venne riportato.
3 Quella nazione dicesi aver passate le Alpi.
4 Ant. It. Med. Æv., diss. XXI.
5 Tanti cadaveri di città semi-distrutte.
6 Rer. Italic. Script., tom. II, p. 691.
7 Il suolo della città modenese, occupato enormemente dall'eccessivo straripamento dell'acque, dai ruscelli che scorrono all'intorno e dagli stagni che straboccano dalle paludi, si vede ancora essere deserto per la fuga degli abitanti. Laonde anche oggidì si mostra una congerie di pietre d'ogni maniera, e veggonsi sassi di grande volume, attissimi un tempo alla costruzione di eccelsi edifizi, ora, come dicemmo, sommersi dalla frequente inondazione delle acque.
8 Vitr., lib. I, cap. 4. - Strab., lib. 5.
9 Alle mura dai Galli edificate, Che pelle ostentan di lanuta troia.
10 Che da lanuta troia il nome tragge.
11 Una città grandissima delle Gallie e popolatissima, nominano Milano. Questa i Galli Cisalpini tengono per loro capitale. Plutarc., Vit. Marcelli.
12 Recaronsi a Milano, città principale degl'Insubri; Cornelio, impadronito essendosi della città, che oltremodo piena era di frumento e di ogni genere di vettovaglie, insiegue i Galli. Polib. Histor., lib. 2.
13 Questo monastero più non esiste.
14 Lib. 3, cap. 2.
15 Quale e quanto grande fosse la gioia conceputa per l'una e per l'altra vittoria, può da questo raccogliersi, che e Domizio Enobarbo e Fabio Massimo nei luoghi stessi nei quali pugnato avevano, eressero torri di pietra, e sopra vi piantarono trofei ornati delle armi nemiche.
16 Cronica di Vincenzo Canonico di Praga.
17 Monumenti storici della Boemia, non mai in addietro pubblicati. Praga.
18 Torre fortissima e grandissima di solidissima costruzione marmorea, che nominavasi Arco Romano. Tom. I, p. 18.
19 Isaaci Casauboni Animad. in Svet., lib. I, p. 32, num. 17, ed. Paris, 1610; et Plutarc. in Vit. Caesar: "invitatus Mediolani ad coenam, hospite Valerio Leone, qui asparagum apposuerat, atque olei loco infuderat unguentum, ipse simpliciter comedit, et indignantes increpavit amicos. Satis enim, inquit, abstinere iis a quibus abhorrebatis: nunc eam rusticitatem qui deprehendit, ipse est rusticus. (In Milano, ospite essendo di Valerio Leone, e avendogli costui messi innanzi a cena degli asparagi, sopra i quali sparso eravi unguento in vece di olio, egli ne mangiò senza farne caso veruno, e sgridò gli amici suoi che se ne mostravano disgustati: «imperocché bastava, disse, che ve ne foste astenuti, se non vi piacevano; ma ben rustico è chi biasima una tale rusticità»").
20 "Statua ejus aenea fuit Mediolani (scilicet statua Bruti) in Gallia Cisalpina posita. Hanc, quae imaginem ejus bene repraesentabat, et erat artificiose facta, ut post vidit, Caesar praeteriit: mox subsistens, compluribus audientibus vocavit magistratus, civitatem eorum ferens sibi compertum esse foedus pacis rupisse, quod hostem suum apud se haberet. Ac primum sane negaverant, et quemnam significaret ambigentes, intuebantur se mutuo. Ut vero conversus Caesar ad statuam, contracta fronte, nonne, inquit, hic stat hostis noster? multo illi magis perculsi obmutuere. At Caesar arridens laudavit Gallos, quod amicis essent etiam in adversis rebus stabiles, praecepitque ne statua loco moveretur. Plutarc. in Vit. Bruti, in fine!. (Eravi una di lui statua [di Bruto] di bronzo eretta in Milano, città della Gallia Cisalpina; e in progresso di tempo veduta avendo Cesare una tale statua, che ben somigliava a quel personaggio, e leggiadramente lavorata era, passò oltre, indi fermatosi, mandò chiamando i magistrati, e lor disse, alla presenza di molti che udironlo, ch'egli trovato aveva essersi rotte dalla città loro le convenzioni di pace, tenendo essa dentro di sé un suo nemico. Da principio adunque, com'era ben convenevole, negaron essi la cosa; e non sapendo di cui egl'intendesse, si guardavan l'un l'altro. Rivoltatosi però Cesare verso la statua e facendo ceffo: «E che! disse, non è qui posto costui che è mio nemico?» E coloro vie maggiormente sbigottiti, si tacquero. Ma egli allor sorridendo lodolli, siccome quelli che tuttavia costanti e fedeli erano ai loro amici, quantunque caduti in avverse fortune; e comandò che lasciata fosse la statua in quel luogo medesimo).
21 I superbi edifici di Roma ed altre città, ed in particolare Cartagine, Milano e Nicomedia, adorne di nuove ed eleganti mura.
22 Così crede che si chiamasse quella di Sant'Eufemia il signor conte Giulini.
23 «Milano ancor di maraviglia degno
Tutto presenta: Universal dovizia;
Ben ornate le case, innumerevoli;
Pronti e facondi son gli umani ingegni,
Antichi e venerabili i costumi;
Con doppio ordin di muro anco ingrandito
Vedi il recinto, e popolar diletto
Formano il circo, e co' suoi gradi in giro
D'ampio teatro la racchiusa mole;
Sorgono templi e palatine rocche
E opulenta officina di monete,
E delle terme la region, cui fama
Crebbe ed onore per l'Erculeo nome,
E di scolpiti marmi intorno adorni
I peristili tutti, e in vasto cerchio
Quasi un campo a formar stese le mura;
Tutto è sublime, ed emular le forme
Delle grand'opre sembra, e non temere,
Vicina ancora, il paragon di Roma»"
24 Maravigliose tutte.
25 Della fusione dei metalli.
26 Affinché dessimo ai cristiani ed a tutti libero potere di seguire quella religione che ciascuno volesse. Lactantius, de
Moribus persecutorum, cap. 48.
27 Muratori, Anecdota, t. I, p. 223. Impress. Mediol. 1697.
28 Bingam., Orig. Eccles., lib. IX, cap. I, § 5 e 6. - Dupin, de Antiq. Eccles. disciplin., diss. I, § 6. - Giannone, Storia del regno di Napoli, lib. II, cap. VIII.
29 Ai sacerdoti ed al clero milanese.
30 Siccome tuttavia il fine a cui tende l'antica mia deliberazione è che alcuna persona mescolarsi non debba nello
assumere l'incarico della cura pastorale, colle orazioni io secondo la vostra elezione. S. Gregorii papae I cognomento
Magni opera omnia. Venetiis, 1744, tom. 2, col. 644 G.
31 Perciocché poi ponete mente alla esazione del patrimonio della provincia di Sicilia, di diritto della Chiesa santa, alla
quale, per divina autorità, presiedete... per ciò è d'uopo che la santità vostra istituisca una persona a trattare questo
negozio, colla quale la chiesa romana possa solidamente conchiudere qualche cosa. Lib. I, Epist. 82. S. Greg., Operum,
tom. 2, col. 565.
32 Al reverendissimo e santissimo confratello Ansperto, arcivescovo milanese.

Di Pietro Verri, estratto "Storia di Milano", 2009, pp.6-25.  Adattato e illustrato per essere pubblicato da Leopoldo Costa

THE POWER OF LAZINESS

$
0
0


Laziness gets a bad rap. We're constantly being told we should do more, work harder, maximise productivity. But there's another side to the story. Being lazy, it turns out, can be good for both our physical and our mental health. In fact, it may even be at the heart of what makes us human - and it's certainly a successful strategy for the sloth.

Rather than tracked and killed over a long hunt. We are masters of offloading work to machines. If this is laziness, then laziness is a hallmark of our species. More than tools, language or culture, we are marked by the complex accessories that we build to do our work for us, both physical and mental. There are many tool.using animals. from chimps to cockatoos. A whole host of animals communicate using vocalisations that we could describe as language. A few animals build cultures by handing information down the generations. But only humans build systems to relieve them of those tasks. Artificial intelligence is simply the next stage in a long history of automation that's taken us from horses to steam to silicon and beyond.

LAZY BY NATURE 

We humans can be quite judgmental about our lazy peers, hut laziness is among the most valuable adaptations for successful life. And it's not just a human trait. In the animal kingdom, laziness is a necessity. Any animal - indeed, any organism -has to maintain a balance of energy in and energy out. If an animal profligately wastes energy by, say, moving around or working hard, and does not compensate for this with plenty of eating. then that animal will not survive for long. Laziness tells an animal how to manage this: if you do not absolutely need to do something, don't. This lazy impulse is just one of many impulses that propel an animal's life - so it does not always win out, and animals do frequently prance and play and preen - hut the drive to conserve precious energy is always there.

Whenever we yoke an ox to a plough. or set an algorithm investing, we are, in a sense, achieving new heights in this common drive to laziness. More than just waiting to plough until we need to and then only ploughing what we need, we've arranged things so that we do not have to do the ploughing (at least not the hard part of it), but still get to do the eating. Our chimpanzee relatives are some of the smartest non-humans on the planet, but they don't come close to that kind of clever facilitation of doing nothing. In general, clever animals seem to be able to spend more of their time on laziness, and chimpanzees are no exception -they nap, socialise and play in a way that a mouse, constantly in desperate straits to stay alive, could only dream of. Despite this, though, chimpanzees still have hard work to do. Being large animals, they need to consume a lot of food and vitamins, and may spend almost 30 per cent of their time foraging- more than half their waking hours. They may be able to use stick-tools to catch nutritious termites to save some time, but we humans, with fast food and ready meals, spend almost none of our time sourcing food. Nor do many of us work in food production. Back in 1400, almost 60 per cent of the British work force was involved in agriculture. Today, our laziness­ enabling technology has that number down to around 1 per cent. Our ingenuity allows us to be lazier than tho chimps.

But there's true laziness, and then there's efficiency. Every animal benefits from efficiency. Efficient strategies mean you can either get more energy in or reduce energy out in a shorter lime or with less effort. In other words, efficiency is ultimately in service of laziness. The same drive to laziness that animates (or rather, dis-animates) all animals motivates our own labour-saving technology. A truly lazy ape would have embraced, at a species-wide level, the opportunity for laziness that our technology allows. We, however, rebel against its we always have.

Instead of satisfying ourselves with lives of supine relaxation, we are constantly looking for ways to be more efficient. With agriculture, we made keeping ourselves fed more efficient. We could have become lazy-producing enough to eat in less time, and committing the spue hours to relaxation. Instead, we produce extra food, feed our livestock and eat them instead. A lazy ape would have stopped with basic vegetable farming, but we put extra-effort in because we like the taste of meat. We domesticated horses to allow some other beast to do some of our walking for us. A lazy ape would have stopped there, but we found we liked speed, and so have built every manner of vehicle to make transit faster and more comfortable. We built computers to handle our memory and calculations for us, but unsatisfied with that we are now trying to build artificial intelligence to make decisions without even asking us. A lazy move, to be sure, but a truly lazy ape would never have made it that far. Once they had enough to survive, they would've stopped.

So more than the lazy ape, instead I think we're the building ape· We create laziness-enabling machines to free up more time and more resources to build something bigger. We scaffold technology upon technology and idea upon idea in pursuit of goals of which a lazy ape would never dream. Like every animal, we needed laziness to keep ourselves alive in times of scarcity or to discourage any activity where costs might outweigh the benefits. But we have come out the other side of laziness. Most humans who read this won't have known real, threatening scarcity like the majority of animals face. We have the technology to be the laziest animal on Earth, and yet we are not lazy. We want to make things more better, bigger, different and more complex. Even once all of our needs are met, we stand up, get back to work, and build.

DON'T WORRY, BE LAZY

It's tempting to kick back and relax over the warm summer days. Happily, there's scientific proof that this is exactly the right thing to do.

SLOW DOWN AND IMPROVE YOUR HEALTH 

Taking time out from the daily grind can benefit both body and mind.

In a now-famous study carried out in 1999, psychologist Dr Robert Levine analysed the pace of life in cities in 31 countries, measuring things such as the speed at which people walk and the time it takes post office staff to hand out stamps. He found that the fastest pace of life was in Western Europe and Japan, and the fastest-living countries also had the highest rates of coronary heart disease. When British psychologist Prof Richard Wiseman repeated the experiment in 2006 by simply measuring walking speed, he found tho pace of life had increased by 10 per cent.

The bigger the city, the faster our pace of life, and we're living faster than ever before. Dr Stephanie Brown, a psychologist who's written a book on the topic, describes our hunger for fast-paced living as an addiction. "People can't stop wanting to go faster," says Brown. "You begin to need more and more time on the computer. People talk about sleeping with their phones. You start to log on first thing in the morning. You cannot not do it. Your behaviours start looking like that first drink in the morning. You need it."But there are signs of recognition of the problem ... Society is hitting a tipping point." says Brown. "I hope its going to become embarrassing to have your phone out while you're eating dinner."'

Brown suggests taking baby steps to overcome our addiction to living fast- perhaps first reducing the amount of time we spend checking email on our phones each day by five minutes, then introducing other slaps. She says our gadgets are likely to have in-built limits as culture changes. Apple has already announced that iOS 12 lets users monitor how much time they're spending on their devices and apps.

As well as our overall pace of life, there's good reason to slow down a few other things, such as how quickly we eat. A study of nearly 60,000 Japanese people showed that those who ate slowly, or at "normal speed" were less likely to become overweight than those who gobbled. It's thought that it takes 15 to 20 minutes for our body's feedback mechanisms to tell us we're full, so eating more slowly gives more of an opportunity for this to kick in.

ACHIEVE MORE BY WORKING LESS 

Breaks and naps are no obstacle to a good day's work.

The logic sounds simple: if you work more hours you'll get more done. But studies consistently show that our brains area bit like muscles in that the more we use them. the more they get tired, so short, sharp stints of work with plenty of breaks is the way to go.

According to a study by software company Draugiem Group, the two magic numbers when it comes to the work-rest balance are 52 and 17- that's 52-minute working sprints with 17-minute breaks. It reached this conclusion by analysing data from productivity app DeskTime. Workers who achieved the most were the ones who tended lo work in this pattern.

So what should you do during your well-earned breaks? Well, look at cute photos of kittens and puppies, of course. A study by researchers at Hiroshima University in Japan found that after students viewed images of kittens and puppies- as opposed to the adult versions of the animals -they were far more focused and performed better at a number-search game, as well as a game similar to Operation I hat required dexterity.

This may be because the cute critters triggered the participants' inbuilt caregiving instinct, making them more attentive and vigilant.

As well as taking more breaks, even getting some daytime shut-eye can help. Researchers at the University of Pennsylvania found that people who napped for an hour at lunchtime performed better in recall tests and tests that involved solving maths problems than those who didn't nap, as naps give the brain a chance to recharge. Lengthy spells in the land of nod can oven help keep the weight off. In a study of more than 1,500 middle-aged adults. Simona Boat the University of Turin found thal the adults who became obese in her six-year study period slept on average 6.3 hours a night compared with 7.2 hours for those who stayed at a healthy weight.

By Anthone Martinho and Andy Ridgway in "BBC Focus Magazine", UK, Summer 2018, n.29, excerpts pp. 38-44. Digitized, adapted and illustrated to be posted by Leopoldo Costa.

O GRITO DO IPIRANGA

$
0
0


O destino cruzou o caminho de D. Pedro em situação de desconforto e nenhuma elegância. Ao se aproximar do riacho do Ipiranga, às 16h30 de 7 de setembro de 1822, o príncipe regente, futuro imperador do Brasil e rei de Portugal, estava com dor de barriga. A causa dos distúrbios intestinais é desconhecida.

Acredita-se que tenha sido algum alimento malconservado ingerido no dia anterior em Santos, no litoral paulista, ou a água contaminada das bicas e chafarizes que abasteciam as tropas de mula na serra do Mar. Testemunha dos acontecimentos, o coronel Manuel Marcondes de Oliveira Melo, subcomandante da guarda de honra e futuro barão de Pindamonhangaba, usou em suas memórias um eufemismo para descrever a situação do príncipe. Segundo ele, a intervalos regulares D. Pedro se via obrigado a apear do animal que o transportava para “prover-se” no denso matagal que cobria as margens da estrada.1

A montaria usada por D. Pedro nem de longe lembrava o fogoso alazão que, meio século mais tarde, o pintor Pedro Américo colocaria no quadro “Independência ou Morte”, também chamado de “O Grito do Ipiranga”, a mais conhecida cena do acontecimento. O coronel Marcondes se refere ao animal como uma “baia gateada”. Outra testemunha, o padre mineiro Belchior Pinheiro de Oliveira, cita uma “bela besta baia”.2

Em outras palavras, uma mula sem nenhum charme, porém forte e confiável. Era esta a forma correta e segura de subir a serra do Mar naquela época de caminhos íngremes, enlameados e esburacados.

Foi, portanto, como um simples tropeiro, coberto pela lama e a poeira do caminho, às voltas com as dificuldades naturais do corpo e de seu tempo, que D. Pedro proclamou a Independência do Brasil. A cena real é bucólica e prosaica, mais brasileira e menos épica do que a retratada no quadro de Pedro Américo. E, ainda assim, importantíssima. Ela marca o início da história do Brasil como nação independente.

O dia 7 de setembro amanheceu claro e luminoso nos arredores de São Paulo.3 O litoral paulista, porém, estava frio, úmido e tomado pelo nevoeiro. Faltava ainda uma hora para o nascer do sol quando D.Pedro saiu de Santos, cidadezinha de 4.781 habitantes, onde passara o dia anterior inspecionando as seis fortalezas que guarneciam as entradas pelo mar e visitando a família do ministro José Bonifácio de Andrada e Silva. Sua comitiva era relativamente modesta para a importância da jornada que iria empreender. Além da guarda de honra, organizada nos dias anteriores de forma improvisada nas cidades do vale do Paraíba, enquanto viajava do Rio de Janeiro para São Paulo, acompanhavam D. Pedro o coronel Marcondes, o padre Belchior, o secretário itinerante Luís Saldanha da Gama, futuro marquês de Taubaté, o ajudante Francisco Gomes da Silva e os criados particulares João Carlota e João Carvalho.

Eram todos muito jovens, a começar pelo próprio D. Pedro, que completaria 24 anos um mês depois, no dia 12 de outubro. Padre Belchior, com a mesma idade, nascido em Diamantina, era vigário da cidade mineira de Pitangui, maçom e sobrinho de José Bonifácio. Virou testemunha do Grito do Ipiranga por acaso.

Eleito deputado por Minas Gerais para as cortes constituintes portuguesas, convocadas no ano anterior, deveria estar em Lisboa participando dos debates. A delegação mineira, porém, foi a única a permanecer no Brasil em virtude das divergências internas e da incerteza a respeito do que se passava em Portugal. Saldanha da Gama, de 21 anos, era, além de secretário itinerante, camareiro e estribeiromor do príncipe. Tinha o privilégio de ajudá-lo a se vestir e a montar a cavalo. Com 29 anos, Francisco Gomes da Silva, também chamado de “O Chalaça” — palavra que significa zombeteiro, gozador ou piadista —, acumulava as funções de “amigo, secretário, recadista e alcoviteiro” de D. Pedro, segundo o historiador Octávio Tarquínio de Sousa.4

Ou seja, era um faz-tudo, encarregado de arranjar mulheres para o príncipe, proteger seus negócios e segredos pessoais e defendê-lo em qualquer circunstância, por mais difícil e escusa que fosse. Marcondes, o mais velho de todos, tinha 42 anos.

Nas primeiras duas horas, ainda sob a luz difusa do amanhecer, a comitiva percorreu de barco os canais e rios de água escura dos manguezais entre Santos e o porto fluvial de Cubatão, vilarejo com menos de duzentos habitantes ao pé da serra do Mar. Nesse local, D. Pedro encontrou os animais selados e o restante da guarda que o acompanharia até São Paulo. A subida da serra, porém, teve de ser retardada.

Prostrado pelos problemas intestinais, o príncipe refugiou-se na modesta estalagem situada à beira do porto. Maria do Couto, responsável pelo estabelecimento, preparou-lhe um chá de folha de goiabeira, remédio ancestral usado no Brasil contra diarreia.5

A ação do chá apenas aliviou temporariamente as dores do príncipe, mas deu-lhe ânimo para prosseguir a viagem. No meio da manhã a comitiva começou a lenta subida pela Calçada do Lorena. Era uma das mais sinuosas e pitorescas estradas do Brasil. Batizada com o nome do capitão-general Bernardo José de Lorena, que a mandara construir em 1790 seguindo uma antiga trilha dos padres jesuítas, suportava o incessante tráfego das tropas de mulas que desciam ou subiam a serra com mercadorias do porto de Santos.

Tinha oito quilômetros de extensão, três metros de largura e mais de 180 curvas em zigue-zague debruçadas sobre o precipício. A subida era tão íngreme e perigosa que os viajantes levavam pelo menos duas horas para chegar ao topo da serra. Ao passar por ali 17 anos mais tarde, o missionário metodista americano Daniel Kidder anotou:

Ouvia-se primeiro a voz áspera dos tropeiros, tocando seus animais, a ecoar tão acima de nossas cabeças que parecia sair das nuvens. Depois, ouvia-se o clac-clac das patas ferradas dos animais nas pedras e avistavam-se as mulas no esforço de se segurarem na ladeira, parecendo arrastadas pelos pesados fardos que carregavam. Era preciso afastar-se para um lado da estrada e deixar passar os diversos lotes das tropas. Logo o tropel das mulas ia desaparecendo e também as vozes dos tropeiros e dos camaradas perdiam-se abaixo na floresta. 6

O francês Hércules Florence, que também percorreria a Calçada do Lorena em 1825, três anos depois da Independência, registrou que Cubatão era um entreposto comercial muito frequentado, embora não passasse de “uma povoação com vinte ou trinta casas”. Nos oito dias em que permaneceria no local viu chegar diariamente três ou quatro tropas. Eram, segundo ele, comboios bem-organizados, compostos por quarenta a oitenta mulas e divididos em lotes menores de oito animais, que ficavam sob a responsabilidade de um tropeiro. “Desciam de São Paulo carregadas de açúcar bruto, aguardente e toucinho, e retornavam com sal, vinhos portugueses, vidros e ferragens”, relatou Florence. Achou a subida da serra péssima devido à pavimentação ruim, feita de grandes lajes que se deslocavam facilmente sob o peso das tropas e tornavam a jornada muito cansativa. “Galgamos a metade do caminho a pé, a fim de poupar os nossos animais”, relatou.

“A cada passo, as bestas paravam ofegantes de cansaço.”7

Do alto da serra levavam-se mais seis horas para atravessar o trecho do planalto em direção à capital paulista, incluindo parada de uma hora para almoço e descanso.8 Por isso, só ao cair da tarde daquele Sete de Setembro a comitiva chegou à colina do Ipiranga. Por ordem do príncipe, que mais uma vez se vira compelido a interromper sua jornada devido às cólicas intestinais, a guarda de honra se adiantara e o esperava em uma venda situada seiscentos metros mais à frente, junto ao riacho que ficaria famoso antes do anoitecer.9

Em tupi-guarani, Ipiranga significa “rio vermelho”. Naquela época, apesar da tonalidade escura e barrenta de suas águas (daí a denominação), era um arroio selvagem e sem poluição, cujo leito serpenteava por entre roças e pastagens salpicadas por cupinzeiros de chácaras e sítios que se estendiam por um local ermo, de população rarefeita. Das margens do Ipiranga até a cidade de São Paulo havia apenas oito casas, onde moravam 42 pessoas.10 Hoje, é um canal de esgotos encaixotado sob o asfalto e o concreto de uma das maiores metrópoles do planeta. Das 24 nascentes originais, situadas dentro do Parque Estadual das Fontes do Ipiranga, quatro desapareceram pela redução do lençol freático na região. Alguns quilômetros adiante, após receber uma quantidade monumental de lixo, descargas domésticas e industriais, deságua no rio Tamanduateí.

Ali, o índice de poluição é de 62 miligramas por litro de água. A taxa de oxigênio, próxima de zero nos meses sem chuvas, faz dele um riacho morto, incapaz de abrigar peixes ou qualquer outra forma de vida.11

Em 1822, D. Pedro ainda estava no alto da colina quando chegou a galope, vindo de São Paulo, o alferes Francisco de Castro Canto e Melo. Ajudante de ordens, amigo de D. Pedro e irmão de Domitila de Castro Canto e Melo, a futura marquesa de Santos, o alferes era parte da comitiva que havia saído do Rio de Janeiro com o príncipe três semanas antes em direção a São Paulo. Também tinha descido a serra do Mar no dia 5 de setembro, mas em Cubatão fora despachado de volta por D. Pedro, com ordens para avisá-lo de qualquer novidade vinda do Rio de Janeiro — sinal de que, por intuição ou informação, D. Pedro estava consciente de que algum acontecimento muito grave o aguardava naqueles dias. E foi exatamente isso que ocorreu ali na colina do Ipiranga.

Ao se encontrar com a comitiva real, Canto e Melo trazia notícias inquietantes, mas sequer teve tempo de transmiti-las a D. Pedro. Logo atrás dele chegaram dois mensageiros da corte do Rio de Janeiro.

Exaustos e esbaforidos, Paulo Bregaro, oficial do Supremo Tribunal Militar, e o major Antônio Ramos Cordeiro tinham percorrido a cavalo cerca de quinhentos quilômetros em cinco dias, praticamente sem dormir. Eram portadores de mensagens urgentes enviadas por José Bonifácio e a princesa Leopoldina, mulher de D. Pedro e encarregada de presidir as reuniões do ministério na ausência do marido. Antes de partir do Rio de Janeiro, Bregaro havia recebido de Bonifácio instruções categóricas a respeito da urgência da viagem: “Se não arrebentar uma dúzia de cavalos no caminho, nunca mais será correio. Veja o que faz!”12

Os meses anteriores tinham sido de grande tensão e confronto entre portugueses e brasileiros. Havia ressentimentos e desconfianças acumulados dos dois lados do Atlântico. Em Portugal, conspirava-se para que o Brasil voltasse à condição de colônia, situação que perdurara durante mais de três séculos até a chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808, fugindo das tropas do imperador francês Napoleão Bonaparte. O rei D. João VI retornara a Portugal em abril de 1821, depois de nomear o filho D. Pedro príncipe regente do Brasil. Para trás, ficava um país transformado. Entre as muitas mudanças ocorridas nesses 13 anos, o Brasil tinha sido promovido, em 1815, a Reino Unido com Portugal e Algarve. Por isso, em 1822

todo o esforço dos brasileiros estava concentrado em assegurar a autonomia e os benefícios já conquistados com D. João. Também por essa razão as notícias recebidas por D. Pedro naquele Sete de Setembro eram tão ruins.

No dia 28 de agosto o navio Três Corações atracara no porto do Rio de Janeiro trazendo as últimas novidades de Portugal. Eram papéis explosivos. Incluíam os decretos em que as cortes constituintes portuguesas na prática destituíam D. Pedro do papel de príncipe regente e o reduziam à condição de mero delegado das autoridades de Lisboa. Suas decisões tomadas até então estavam anuladas. A partir daquele momento, seus ministros seriam no-meados em Portugal e sua autoridade não mais se estenderia a todo o Brasil. Ficaria limitada ao Rio de Janeiro e regiões vizinhas. As demais províncias passariam a se reportar diretamente a Lisboa. As cortes também determinavam a abertura de processo contra todos os brasileiros que houvessem contrariado as ordens do governo português. O alvo principal era o ministro José Bonifácio, defensor da Independência e grande aliado de D. Pedro.

Convocadas à revelia de D. João VI, as cortes vinham tomando decisões contrárias aos interesses do Brasil desde o ano anterior. No final de 1821, tinham ordenado a volta de D. Pedro a Portugal, de onde passaria a viajar incógnito pela Europa com o objetivo de se educar. O príncipe decidira ficar no Rio de Janeiro, mas desde então o seu poder vinha sendo reduzido. Tribunais e repartições em funcionamento no Brasil durante a permanência da corte haviam sido extintos ou transferidos para a antiga metrópole. As províncias receberam instruções para eleger cada uma sua própria junta de governo, que se reportaria diretamente a Lisboa e não ao príncipe no Rio de Janeiro. Em outra tentativa de isolar D. Pedro, as cortes tinham nomeado governadores das armas, ou seja, interventores militares, encarregados de manter a ordem em cada província e que só obedeciam à metrópole. A radicalização se expressava no tom dos discursos em Lisboa. O deputado português Borges Carneiro havia chamado D. Pedro de “desgraçado e miserável rapaz” ou simplesmente de “o rapazinho”.

A correspondência entregue pelos dois mensageiros a D. Pedro na colina do Ipiranga refletia esse momento máximo de confronto entre Brasil e Portugal. Uma carta da princesa Leopoldina recomendava ao marido prudência e que ouvisse com atenção os conselhos de José Bonifácio. A mensagem do ministro dizia que informações vindas de Lisboa davam conta do embarque de 7.100 soldados que, somados aos seiscentos que já tinham chegado à Bahia, tentariam atacar o Rio de Janeiro e esmagar os partidários da Independência.

Diante disso, Bonifácio afirmava que só haveria dois caminhos para D. Pedro. O primeiro seria partir imediatamente para Portugal e lá ficar prisioneiro das cortes, condição na qual já se encontrava seu pai, D.João. O segundo era ficar e proclamar a Independência do Brasil, “fazendo-se seu imperador ou rei”.

“Senhor, o dado está lançado e de Portugal não temos a esperar senão escravidão e horrores”, escrevia Bonifácio. “Venha Vossa Alteza Real o quanto antes, e decida-se, porque irresolução e medidas de água morna (...) para nada servem, e um momento perdido é uma desgraça.”13 Uma terceira carta, do cônsul britânico no Rio de Janeiro, Henry Chamberlain, mostrava como a Inglaterra analisava a situação política em Portugal. Segundo ele, já se falava em Lisboa em afastar D. Pedro da condição de príncipe herdeiro como punição pelos seus repetidos atos de rebeldia contra as cortes constituintes. A carta de Leopoldina, a mais enfática de todas, terminava com uma frase que não deixava dúvida sobre a decisão a ser tomada: “Senhor, o pomo está maduro, colhe-o já!”14

Quatro anos mais tarde, em depoimento por escrito, padre Belchior registrou o que havia testemunhado a seguir: D. Pedro, tremendo de raiva, arrancou de minhas mãos os papéis e, amarrotando-os, pisou-os e deixou-os na relva. Eu os apanhei e guardei. Depois, virou-se para mim e disse:

— E agora, padre Belchior?

Eu respondi prontamente:

— Se Vossa Alteza não se faz rei do Brasil será prisioneiro das cortes e, talvez, deserdado por elas.

Não há outro caminho senão a independência e a separação.

D. Pedro caminhou alguns passos, silenciosamente, acompanhado por mim, Cordeiro, Bregaro, Carlota e outros, em direção aos animais que se achavam à beira do caminho. De repente, estacou já no meio da estrada, dizendo-me:

— Padre Belchior, eles o querem, eles terão a sua conta. As cortes me perseguem, chamam-me com desprezo de rapazinho e de brasileiro. Pois verão agora quanto vale o rapazinho. De hoje em diante estão quebradas as nossas relações. Nada mais quero com o governo português e proclamo o Brasil, para sempre, separado de Portugal.

Respondemos imediatamente, com entusiasmo:

— Viva a Liberdade! Viva o Brasil separado! Viva D. Pedro!

O príncipe virou-se para seu ajudante de ordens e falou:

— Diga à minha guarda que eu acabo de fazer a independência do Brasil. Estamos separados de Portugal.

O tenente Canto e Melo cavalgou em direção a uma venda, onde se achavam quase todos os dragões da guarda.

Pela descrição do padre Belchior não houve sobre a colina do Ipiranga o brado “Independência ou Morte”, celebrizado um século e meio mais tarde pelo ator Tarcísio Meira, no papel de D. Pedro em filme de 1972.

O famoso grito aparece num outro relato, do alferes Canto e Melo, registrado bem mais tarde, quando o acontecimento já havia entrado para o panteão dos momentos épicos nacionais. A versão do alferes, de tom obviamente militar, mostra um príncipe resoluto e determinado. Por ela, D. Pedro teria lido a correspondência e, “após um momento de reflexão”, teria explodido, sem pestanejar:

— É tempo! Independência ou morte! Estamos separados de Portugal!

A terceira testemunha, o coronel Marcondes, infelizmente não estava no alto da colina do Ipiranga em condições de esclarecer as contradições entre os depoimentos do padre Belchior e do alferes Canto e Melo. Marcondes, como se viu acima, recebera ordens de D. Pedro para se adiantar com a guarda de honra e naquele momento descansava com seus soldados numa venda próxima do riacho, local hoje conhecido como

“Casa do Grito”. Por precaução, no entanto, havia destacado um vigia para avisá-lo da eventual aproximação do príncipe. Foi desse ponto de observação que Marcondes primeiro viu Bregaro e Ramos Cordeiro, os dois mensageiros da corte, cruzarem a galope rumo à colina. Passados alguns instantes, notou que a sentinela vinha no sentido contrário, em direção à guarda de honra. Avisava da chegada de D. Pedro, também a galope.

O depoimento do coronel:

Poucos minutos poderiam ter-se passado depois da retirada dos referidos viajantes (Bregaro e Cordeiro), eis que percebemos que o guarda, que estava de vigia, vinha apressadamente em direção ao ponto em que nos achávamos.

Compreendi o que aquilo queria dizer e, imediatamente, mandei formar a guarda para receber D.

Pedro, que devia entrar na cidade entre duas alas. Mas tão apressado vinha o príncipe, que chegou antes que alguns soldados tivessem tempo de alcançar as selas. Havia de ser quatro horas da tarde, mais ou menos.

Vinha o príncipe na frente. Vendo-o voltar-se para o nosso lado, saímos ao seu encontro. Diante da guarda, que descrevia um semicírculo, estacou o seu animal e, de espada desembainhada, bradou:

— Amigos! Estão, para sempre, quebrados os laços que nos ligavam ao governo português! E quanto aos topes daquela nação, convido-os a fazer assim!

E arrancando do chapéu que ali trazia a fita azul e branca, a arrojou no chão, sendo nisto acompanhado por toda a guarda que, tirando dos braços o mesmo distintivo, lhe deu igual destino.

— E viva o Brasil livre e independente — gritou D. Pedro.

Ao que, desembainhando também nossas espadas, respondemos:

— Viva o Brasil livre e independente! Viva D. Pedro, seu defensor perpétuo!

E bradou ainda o príncipe:

— Será nossa divisa de ora em diante: Independência ou Morte!

Por nossa parte, e com o mais vivo entusiasmo, repetimos:

— Independência ou Morte!

A proclamação de D. Pedro descrita pelo coronel Marcondes é chamada por alguns historiadores de “Segundo Brado do Ipiranga”. Aconteceu alguns minutos depois do primeiro, já na meia encosta da colina, a cerca de quatrocentos metros do riacho. É interessante observar as sutilezas entre os dois gritos do Ipiranga.

O primeiro ocorreu de forma mais simples, na presença de um grupo restrito e revela traços de indecisão na atitude de D. Pedro. O segundo, solene e convicto, perante a guarda de honra, é o que ficou registrado na memória nacional. O relato do padre a respeito desse segundo grito confirma a versão de Marcondes, embora com palavras diferentes. Por ele, diante da guarda, o príncipe repetiu, agora em tom mais enfático, a declaração que fizera momentos antes:

— Amigos, as cortes portuguesas querem mesmo escravizar-nos e perseguem-nos. De hoje em diante nossas relações estão quebradas. Nenhum laço nos une mais.

E, arrancando do chapéu o laço azul e branco, decretado pelas cortes como símbolo da nação portuguesa, atirou-o ao chão dizendo:

— Laço fora, soldados! Viva a Independência e a liberdade do Brasil.

Respondemos com um viva ao Brasil independente e a D. Pedro.

O príncipe desembainhou a espada, no que foi acompanhado pelos militares. Os acompanhantes civis tiraram os chapéus. E D. Pedro disse:

— Pelo meu sangue, pela minha honra, pelo meu Deus, juro fazer a liberdade do Brasil.

— Juramos — respondemos todos.

D. Pedro embainhou novamente a espada, no que foi imitado pela guarda, pôs-se à frente da comitiva e voltou-se ficando em pé nos estribos:

— Brasileiros, a nossa divisa de hoje em diante será Independência ou Morte; e as nossas cores, verde e amarelo, em substituição às das cortes.15

Acompanhado pela guarda de honra, desde aquele momento rebatizada com o pomposo nome de “Dragões da Independência”, D. Pedro chicoteou a sua “baia gateada” para vencer os últimos cinco quilômetros do total de setenta que percorreria naquele dia. Faltava uma hora para o pôr do sol quando entrou em São Paulo saudado pelos sinos das igrejas e pelos escassos moradores que se aglomeravam nas ruas de terra batida. Exausto, empoeirado e ainda debilitado pelos problemas intestinais, recolheu-se ao Palácio dos Governadores, o mesmo que o havia hospedado dias antes ao chegar do Rio de Janeiro.

As notícias dos extraordinários acontecimentos daquela tarde às margens do Ipiranga se espalharam rapidamente. Na frente do acanhado teatrinho do Pátio do Colégio um grupo de partidários da independência ligado à Igreja e à maçonaria reuniu-se para decidir o que fazer. Era preciso homenagear o príncipe, mas ninguém sabia exatamente como proceder. Obviamente, não havia tempo de preparar um te-déum ou uma recepção de gala, como a circunstância pedia. Era necessário improvisar. Por isso, decidiu-se aproveitar a encenação da peça O convidado de pedra, marcada para aquela noite. D. Pedro gostava de teatro e sua presença no camarote principal já estava confirmada.16 “Disseram que era preciso declarar-se um monarca e formar uma monarquia brasileira”, relatou quarenta anos mais tarde o padre Ildefonso Xavier Ferreira, integrante do grupo. “Ninguém merecia mais do que o ínclito príncipe de Portugal, que nos acabava de dar a independência.” O próprio Ildefonso foi encarregado de fazer a aclamação.

D. Pedro entrou no teatro às 21h30 e, como previsto, dirigiu-se ao camarote principal sem saber da homenagem que lhe prestariam em seguida. Antes que o espetáculo começasse, padre Ildefonso levantou-se do camarote número 11, onde se reunia o grupo de maçons, e se dirigiu à plateia. Ali, colocou-se de pé na terceira bancada, bem em frente ao lugar ocupado pelo príncipe, respirou fundo e se preparou para cumprir seu papel. Na hora de fazer a aclamação, porém, ficou inseguro e relutou por alguns segundos. “Temia que o príncipe não aceitasse”, contou depois. “Então, eu seria preso como revolucionário.” Por fim criou coragem e soltou o vozeirão:

— Viva o primeiro rei brasileiro!

Para seu alívio, D. Pedro inclinou-se em sinal de aprovação e agradecimento. Era a senha para que todo o teatro viesse abaixo e repetisse o brado do padre Ildefonso:

— Viva o primeiro rei brasileiro! — explodiu a multidão.

Animado com a repercussão, padre Ildefonso repetiu o grito por três vezes. “Virou o herói da noite diante daquele que havia sido o herói do dia”, na inspirada definição de Octávio Tarquínio de Sousa.17

Notas

1 Octávio Tarquínio de Sousa, A vida de D. Pedro I, vol. 2, p. 36.

2 Octávio Tarquínio de Sousa, A vida de D. Pedro I, vol. 2, p. 39.

3 A descrição do dia 7 de setembro de 1822 tem como fontes principais Afonso A. de Freitas, Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP), vol. 22, p. 3 e seguintes; Octávio Tarquínio de Sousa, A vida de D. Pedro I, vol. 2, p. 25-42; e Eduardo Canabrava Barreiros, O itinerário da Independência, p. 119-57.

4 Octávio Tarquínio de Sousa, A vida de D. Pedro I, vol. 2, p. 26.

5 Não há documentos ou fontes testemunhais da escala de D. Pedro em Cubatão. Maria do Couto e seu milagroso chá de folha de goiabeira são parte da história oral da cidade.

6 Daniel Kidder, Sketches of Residence and Travels in Brazil, vol. 1, p. 212 e 213.

7 Caderno especial do jornal A Tribuna de Santos comemorativo do Sesquicentenário da Independência, edição de 7 de setembro de 1972.

8 As distâncias e tempo necessários para percorrer cada trecho dos setenta quilômetros entre o litoral e a cidade de São Paulo em 1822 são do caderno especial do Sesquicentenário da Independência de A Tribuna de Santos.

9 Os detalhes sobre a topografia e as distâncias até o riacho Ipiranga são de Eduardo Canabrava Barreiros, O itinerário da Independência, p. 148 e 149.

10 A referência aos cupinzeiros é de Daniel Kidder, Sketches of Residence and Travels in Brazil, p. 214. O número de casas e moradores, de Afonso A. de Freitas, Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP), vol. 22, p. 3 e seguintes.

11 Os números são da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB).

12 Therezinha de Castro, José Bonifácio e a unidade nacional, p. 102.

13 Tobias Monteiro, A elaboração da Independência, vol. 2, p. 520.

14 Tobias Monteiro afirma que seriam três as cartas de Leopoldina. As duas primeiras foram reveladas pelo próprio Monteiro, em A elaboração da Independência, vol. 2, p. 529 e 530. A terceira, mais famosa (a que faria referência ao “pomo maduro”), é conhecida apenas por referência feita a ela por Luís Saldanha da Gama, membro da comitiva do príncipe no Ipiranga. O documento original, no entanto, nunca foi encontrado.

15 Para os diferentes depoimentos sobre o que ocorreu na colina do Ipiranga ver Octávio Tarquínio de Sousa, A vida de D. Pedro I, vol. 2, p. 36 e seguintes, Fatos e personagens em torno de um regime, p. 67, e Alberto Sousa, Os Andradas. Segundo Tarquínio, o relato do padre Belchior, embora bastante detalhado, deve ser visto com cautela. Político em Minas Gerais, o padre tentaria reescrever a história para valorizar o próprio papel nela desempenhado.

16 No grupo estavam os padres Manuel Joaquim do Amaral Gurgel, hoje nome de uma rua na Boca do Lixo paulistana, José Antonio dos Reis, Vicente Pires da Mota e mais três amigos, José Inocêncio Alves Alvim, José Antonio Pimenta Bueno e Antonio Mariano de Azevedo Marques, professor de matemática e fundador, no ano seguinte, da imprensa paulista ao lançar o jornal manuscrito O Paulista. Afonso A. de Freitas inclui no grupo João Olinto de Carvalho e Silva, homem rico, cavaleiro da Ordem de Cristo, solteiro, de 36 anos, omitido por Tarquínio, Melo Morais e outros historiadores.

17 Dois anos mais tarde, com a queda de José Bonifácio e a revanche de seus inimigos em São Paulo, padre Ildefonso refugiou-se em Curitiba, onde permaneceu escondido até que a confusão passasse, segundo Afonso A. de Freitas, na revista do IHGSP já citada.

Texto de Laurentino Gomes em "1822", Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 2010. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa. 

O TESÃO DE NOSSA ESPERANÇA

$
0
0


Em 1985 foi realizado em Curitiba um Congresso sobre Ecologia e Constituinte. Convidado a participar, preparei um texto que foi ouvido por muito poucas pessoas, raros jovens e que não causou o menor interesse. Apenas ouvi longas e ensebadas críticas ao que se considerou o utopismo ingênuo dos anarquistas. Além disso , os organizadores do Congresso me avisaram, ao fim dos trabalhos, que, por seu caráter marginal, meu trabalho não seria incluído na publicação a ser feita com as demais contribuições.

O conteúdo da palestra e a maior parte de seu texto foram extraídos do livro Por uma sociedade ecológica, do pensador anarquista norte-americano Murray Bookchin. Para mim essa obra é a que melhor exprime a ideologia e o projeto do anarquismo contemporâneo mais radical e mais tesudo, do qual me sinto parte e participante. Daí a ausência de aspas separando seu texto dos meus comentários, porque não existem aspas entre os nossos pensamentos e entre as nossas formas de luta e de paixão libertários. Entretanto, para os que se preocupam com a propriedade intelectual, aqui fica registrado o crédito e a cumplicidade do discípulo ao seu mestre.

Segue, na íntegra, a palestra de Curitiba que, a meu ver, permanece inédita. Com ela fecho também o livro, propondo, com Murray Bookchin, o anarquismo ecológico como o único tesão e a verdadeira solução para a nossa esperança.

Em quase todos os períodos que se seguiram ao Renascimento, o pensamento revolucionário foi sempre fortemente influenciado por algum ramo da ciência, freqüentemente junto com uma escola filosófica. A astronomia, em tempos de Copérnico e Galileu, ajudou a modificar as idéias do mundo medieval, infiltradas pela superstição, abrindo caminho para uma concepção impregnada do racionalismo crítico, abertamente naturalista e humanista em seu enfoque.

No período histórico que culminou com a Revolução Francesa, este movimento de idéias foi reforçado pelos progressos da mecânica e das matemáticas. A era vitoriana foi atingida em suas bases pelas teorias evolucionistas na biologia e na antropologia, pelas contribuições de Marx à economia política e pela psicologia de Freud.

Em nosso tempo assistimos à assimilação dessas ciências, antes liberadoras, pela ordem social estabelecida. Começamos, inclusive, por ver na própria ciência um instrumento de controle sobre os processos mentais e o ser físico do homem. Por isso, penso como Abraam Maslow, quando ele diz que “muitas pessoas sensíveis, especialmente artistas, têm a impressão de que a ciência suja e deprime, separa as coisas em lugar de integrá-las; isto é, mata em lugar de criar”. Mais importante que isso, me parece que a ciência vem perdendo sua perspectiva crítica. Decididamente funcionais ou instrumentais, os ramos da ciência que alguma vez romperam as correntes que aprisionam o homem são utilizadas, agora, para perpetuá-las e reforçá-las. A própria filosofia inclinou-se ante o instrumentalismo, convertida em pouco mais que um corpo de fórmulas lógicas; tem mais afinidades com um computador que com um revolucionário.

Há uma ciência, sem dúvida, que poderia chegar a restaurar o potencial liberador das ciências e filosofias tradicionais. Foi-lhe dado o nome bastante genérico de “ecologia”, termo atribuído a Haeckel, faz um século, para indicar “a investigação das relações totais do animal com seu meio ambiente orgânico e inorgânico”. Mas se a concebermos em um sentido amplo, a ecologia se refere ao equilíbrio da natureza. E, na medida em que a natureza inclui o homem, esta ciência trata basicamente da harmonização do homem com a natureza.

As explosivas implicações de um enfoque ecológico não se devem somente a que a ecologia esteja dotada intrinsecamente de uma condição crítica — e numa escala crítica que lhe invejariam os sistemas mais radicais da economia política — mas também por tratar-se de uma ciência integradora e reconstrutora. Este aspecto integrador e reconstrutor da ecologia, levado às suas últimas implicações, conduz diretamente ao território anarquista do pensamento social. Pois, em última análise, resulta impossível alcançar uma harmonia entre o homem e a natureza sem criar uma comunidade humana que viva em equilíbrio perdurável com seu meio ambiente natural.

Em Psicologia podem-se usar estas mesmas palavras para chegar a idêntica conclusão. Rompidos com o pensamento e metodologia oficiais da Psicanálise e da Psiquiatria institucional, embarcando na contracultura revolucionária do pensamento e vida de Wilhelm Reich, bem como na antipsiquiatria de David Cooper, Ronald Lang e Franco Bassaglia, chegamos a estruturar nosso próprio pensamento, organizado para a ação num processo terapêutico, a Somaterapia, cujos parâmetros fundamentais são a ecologia e o anarquismo.

Lamentavelmente, vivendo em sistemas políticos antinaturais, o homem parece um parasita tão intensamente destrutivo, que ameaça matar seu hóspede — o mundo natural — e finalmente a si mesmo. Mas qual seria a causa dessa capacidade destrutiva do homem? O que é que produz nele esse tipo de parasitismo que não só conduz a vastos desequilíbrios naturais, mas ameaça também a existência da própria humanidade? O que nós, psicólogos de formação política libertária, sabemos, é que os desequilíbrios produzidos pelo homem no mundo natural têm origem nos desequilíbrios do mundo social. E, indo mais fundo, podemos constatar que a noção de que o homem deve dominar a natureza emerge diretamente da dominação do homem pelo homem. A família patriarcal representou a semente da dominação nas relações nucleares da humanidade; a clássica fratura do mundo antigo entre espírito e realidade, ou melhor, entre a mente e o trabalho, foi o que a nutriu. Mas somente quando as relações próprias das comunidades orgânicas, feudais ou camponesas se dissolveram nas relações de mercado, o planeta todo foi reduzido à categoria de recurso explorável.

Esta tendência de séculos se manifesta com máxima intensidade no capitalismo moderno. Devido à sua própria natureza competitiva, a sociedade burguesa não só faz os homens se enfrentarem entre si, faz também a massa humana enfrentar o mundo natural. Assim como os homens se transformam em mercadorias, o mesmo sucede com todos e cada um dos aspectos do reino natural que devem ser manufaturados, comercializados desenfreadamente.

Daí deriva a chamada sociedade de consumo. As necessidades são elaboradas pelos meios de comunicação de massa, para criar uma demanda pública de mercadorias perfeitamente inúteis, cada uma das quais foi criada cuidadosamente para se deteriorar ao cabo de um período de tempo previsto. O saque do espírito humano pelo mercado é comparável e paralelo ao saque da Terra pelo capital.

Apesar das preocupações que se tem hoje sobre o crescimento da população, as chaves estratégicas da crise ecológica não devem ser buscadas no crescimento demográfico da Índia e sim no crescimento de produção dos Estados Unidos, um país que produz mais da metade dos bens do mundo. Com a nona parte de sua capacidade industrial dedicada à produção bélica, os Estados Unidos estão literalmente pisoteando a Terra e destruindo ligações ecológicas que são vitais para a sobrevivência da humanidade.

Em síntese, analisando a forma pela qual a humanidade caminha para a autodestruição, os ecologistas observam que se está praticando o que eles chamam de reversão da evolução orgânica natural. Isto como resultado de insalváveis contradições entre a cidade e o campo, o Estado e a comunidade, a indústria e a agricultura, a manufatura de massas e o artesanato, o centralismo e o regionalismo, a escala burocrática e a escala humana.

Até há pouco tempo, as tentativas de resolver as contradições geradas pela urbanização, a centralização, o crescimento burocrático e a estratificação foram consideradas uma resistência vã, quimérica e revolucionária. Via-se o anarquista como um infeliz visionário, um marginalizado social nostálgico do campesinato ou da comuna medieval. Seus anseios por uma sociedade descentralizada e uma comunidade humanística, em harmonia com a natureza e as necessidades reais dos indivíduos — o indivíduo espontâneo, sem sujeição à autoridade — eram recebidos como reações de um romântico, de um artesão sem classe, de um intelectual desgarrado. Seu protesto contra a centralização e a estatização convencia pouco, porque se apoiava basicamente em considerações éticas: noções utópicas, ostensivamente “não realistas” sobre o que o homem poderia sere não sobre o que era. Como resposta, os inimigos do pensamento anarquista — liberais, direitistas e esquerdistas autoritários — proclamavam-se porta-vozes da realidade histórica, posto que suas noções estatizantes e centralistas tinham as raízes no mundo prático e objetivo.

Todas essas críticas ao pensamento anarquista não podem mais ser feitas hoje, pois os Estados autoritários e burocráticos que se seguiram à revolução industrial, por mais libertadoras e progressistas que sejam as funções que cumpriram no passado, converteram-se agora em Estados regressivos e opressores. Não são regressivos apenas porque corroem o espírito humano e esvaziam a comunidade de sua coesão, solidariedade e modos ético-culturais.

Nunca insistiremos demais para o fato de que os conceitos anarquistas de comunidade equilibrada, democracia cara-a-cara, tecnologia humanística e sociedade descentralizada — estes ricos conceitos libertários — não são apenas desejáveis, como são necessários. Não apenas pertencem às grandes visões do futuro humano: constituem-se agora nos pré-requisitos básicos da sobrevivência do homem. O processo da evolução tirou-os da dimensão ética, subjetiva, instalando-os no plano objetivo e prático. O que alguma vez se considerou coisa de visionário, agora resulta em coisa eminentemente prática. E o que antes se tinha por prático e objetivo, tornou-se eminentemente pouco prático e irrelevante em função do desenvolvimento humano em direção a uma existência mais plena e livre. Se assumirmos as exigências de comunidade, democracia direta, tecnologia humanística libertadora e descentralização, certamente encontraremos muita gente, como nós, acreditando na viabilidade da sociedade anarquista. Iluminado por essas idéias, passei a acreditar na presença, já entre nós, dos protomutantes, o homem novo e vindo do futuro, e escrevi o romanceCoiotepara saudá-los.

Uma recusa ao atual estado de coisas é o que inspira, a meu ver, o explosivo crescimento de um anarquismo entre a juventude de hoje. O amor dos jovens pela natureza é uma reação contra as características essencialmente sintéticas de nosso meio urbano e seus vis produtos. Sua informalidade em vestir-se e em seus costumes descontraídos são uma reação contra o formalismo, a estandardização da vida moderna. Sua predisposição para a ação direta é uma resposta à burocratização e centralização da sociedade. Sua tendência à marginalização, à recusa do trabalho e da competitividade, reflete uma indignação crescente contra a insensata rotina industrial instaurada pela manufatura de massa nas fábricas, escritórios e universidades. Seu intenso individualismo constitui, na sua maneira elementar de ser, uma descentralização de fato, da vida social: uma retirada pessoal da sociedade de massa.

Antes de prosseguir, desejaria fazer uma distinção clara e objetiva do que significa ecologia para nós, sobretudo destacandoa definitiva e radicalmente do que se chama ambientalismo, coisa que interessa, de modo cínico, aos causadores diretos da degradação da vida humana. Diante de uma sociedade que não só contamina o planeta numa escala sem precedentes, além de minar seus próprios fundamentos bioquímicos mais essenciais, creio que os ambientalistas não colocaram o problema estratégico da instauração de um equilíbrio novo e duradouro com a natureza. Podemos nos contentar com obstaculizar às vezes uma central nuclear ou a poluição industrial de um rio? Perdemos de vista o fato essencial de que a degradação do meio ambiente responde a causas infinitamente mais profundas que os erros e os maus propósitos dos industriais e do Estado; perdemos de vista que os intermináveis discursos sobre a ameaça apocalíptica que nos é imposta pela contaminação e expansão industrial, ou o crescimento demográfico, não fazem mais que dissimular um aspecto muito mais fundamental da crise da condição humana, aspecto que não se limita à tecnologia ou aos valores morais, mas que é profundamente social? Mais do que destacar novamente a amplitude da crise do meio ambiente ou lançar-me à fácil denúncia do quanto é rentável a contaminação, ou responsabilizar, inclusive a um abstrato “nós” pela excessiva natalidade, ou a determinada indústria pela grande quantidade de produtos que lança de determinado tipo, queria colocar a questão de saber se a crise do meio ambiente não está ligada à mesma estrutura original da atual sociedade, se as transformações que implica a criação de um novo equilíbrio entre o mundo natural e o mundo social não exige uma reestruturação fundamental e mesmo revolucionária da sociedade segundo princípios ecológicos.

A ecologia, a meu ver, propõe uma noção mais ampla da natureza do que supõe o ambientalismo, bem como da relação da humanidade com o mundo natural; considera o equilíbrio da biosfera e sua integridade como um fim em si. Se vale a pena cultivar a diversidade da natureza, isso não se deve unicamente ao fato de que quanto mais diversificados estejam os elementos constitutivos de um ecossistema, mais estável será esse ecossistema; vale a pena, além disso, buscar a diversidade por ela mesma, porque representa a realidade natural da espontaneidade e da liberdade do mundo vivo.

Estas concepções, reunidas dentro de uma totalidade que poderíamos expressar mediante a unidade na diversidade, a espontaneidade e a complementaridade, não apenas constituem as conclusões a que chega a ecologia, essa ciência artística ou essa arte científica, mas expressam também de forma sintética a percepção do nosso lento emergir do mundo arcaico e do nosso ingresso em um novo contexto social. A idéia de que o destino do homem consiste em dominar a natureza deriva do domínio do homem sobre o homem — e também, de maneira mais primária, do domínio do homem sobre a mulher e do ancião sobre o jovem.

Essa mentalidade autoritária e hierárquica não tem raízes e é quase inexistente nas sociedades não hierarquizadas. Trabalhos antropológicos de Dorothy Lee, por exemplo, com índios da Califórnia, são muito interessantes a esse respeito.

Para concluir, acreditamos que só se vai restabelecer a harmonia em nossa relação com o mundo natural se reinar a harmonia na sociedade. A ecologia natural nos parecerá carente de sentido se não sairmos do marco estreito e árido dessa disciplina científica para fundar uma ecologia social que seja pertinente em relação à nossa época.

A sociedade do produzir por produzir nos coloca diante de uma alternativa de rigor extremo. O capitalismo moderno, muito mais que qualquer outra sociedade do passado, conseguiu fazer com que o desenvolvimento das forças técnicas alcançasse o seu mais alto nível, um nível em que finalmente poderíamos eliminar o trabalho enquanto condição essencial da existência da grande maioria dos homens e a insegurança enquanto característica dominante da vida social. Nos achamos hoje às portas de uma sociedade que pode ignorar a escassez e fazer da igualdade entre os desiguais não mais a lei de um pequeno grupo unido por relações de parentesco, mas também a condição universal tanto da humanidade em seu conjunto quanto do indivíduo — cujos laços sociais se baseiam na livre associação e livre secessão —, e em afinidades pessoais e não mais nas obrigações de sangue. A personalidade autoritária, a família patriarcal, a propriedade privada, a razão repressiva, a cidade territorial e o Estado teriam já realizado sua obra histórica de implacável mobilização da humanidade, de desenvolvimento das forças produtivas e de transformação do mundo. Na atualidade, estas instituições e estes modos de consciência são totalmente irracionais; estes “males necessários”, segundo Bakunin, tornaram-se males absolutos. A crise ecológica de nossa época demonstra que os meios de produção desenvolvidos pela sociedade hierárquica, e em particular pelo capitalismo, se tornaram demasiado poderosos para servir de meio de dominação.

Temos, pois, de criar uma sociedade ecológica — não somente porque é algo desejável, mas porque tornou-se tragicamente necessário. Temos de começar a viver se queremos sobreviver. Uma sociedade com essa índole implica numa mudança radical de todas as tendências que caracterizaram o desenvolvimento histórico da tecnologia capitalista e da sociedade burguesa: a especialização extrema das máquinas e do trabalho, a concentração de homens e recursos em aglomerações e empresas industriais gigantescas, o estatismo e a burocratização da existência, o divórcio entre campo e cidade, a transformação da natureza e dos seres humanos em objetos.

Uma mudança tão total exige, a meu ver, que comecemos descentralizando nossas cidades e fundando comunidades completamente novas, que se adaptem estreitamente e, de certo modo, esteticamente, ao ecossistema escolhido. Assinalamos que descentralização não significa que a população se esparrame arbitrariamente pelo campo, tanto à base de famílias isoladas quanto de comunidades contra-culturais — apesar do papel vital que estas possam desempenhar. Ao contrário, temos de recuperar a tradição urbana dos antigos gregos, aquela da cidade que possa ser compreendida e dirigida por seus habitantes, e criar uma nova polis,ajustada às dimensões humanas.

Creio que essa comunidade anularia a ruptura entre o campo e a cidade, até entre mente e corpo, pois operaria a fusão do trabalho manual e do trabalho intelectual, da indústria e da agricultura, graças à rotação ou à diversificação das tarefas.

É de se esperar que estas ecocomunidades e sua tecnologia adaptada às dimensões do homem abram uma nova era de relações de indivíduo a indivíduo e de democracia direta, e permitam um tempo livre graças ao qual, à maneira dos gregos, a população seja capaz de dirigir os assuntos da sociedade prescindindo da mediação de burocratas e profissionais da política. Assim ficariam anuladas e superadas as separações operadas pela hierarquia no corpo social há tanto tempo. Assim se reconciliariam e se readmitiriam, numa síntese humanista e ecológica, os sexos, as classes de idade, a cidade e o campo, o governo e a coletividade, o corpo e a mente, atualmente cindidos e opostos. Surgiria assim um ecossistema baseado na unidade dentro da diversidade, na espontaneidade, em relações não hierarquizadas, em trabalho criativo, em autogestão. Nosso esforço tenderia a realizar primeiro em nossas próprias cabeças a reintrodução da mente no mundo natural; logicamente não através de um retorno aos mitos da era arcaica, mas mediante um movimento que faça da consciência humana o lugar apto para que o mundo natural chegue a ser consciente de si mesmo, criador de si mesmo, e a viver informado por uma racionalidade não repressiva que só pretendesse alimentar a diversidade e a complexidade da vida.

Mas a transformação que precisa ocorrer deve ser tão radical e tão completa que faça explodir inclusive as noções de revolução e de liberdade que herdamos. Não podemos nos contentar com novas técnicas que permitam conservar e enriquecer o meio ambiente natural; devemos nos encarregar da terra de maneira comunitária, como coletividade humana, e romper as travas da propriedade privada, que falsearam nossa visão de vida e da natureza desde que abandonamos a sociedade tribal. Devemos eliminar não apenas a hierarquia burguesa, mas a hierarquia como tal; não apenas a família patriarcal, mas todosos modos de dominação sexual e paterna; não apenas a classe burguesa e seu sistema de apropriação, mas também as classes sociais e todas as formas de propriedade. A humanidade há de tomar possessão de si mesma, tanto a nível individual quanto coletivo, de modo a que qualquer ser humano disponha verdadeiramente de sua sorte cotidiana. A revolução que aspiramos deverá subverter não apenas as relações econômicas, mas também a consciência, a vida cotidiana, os desejos eróticos e o sentido da vida.

Gostaria de me apropriar de algumas passagens do manifesto do Ecology Action East, dos Estados Unidos, para manifestar também aqui solidariedade à revolução da vida cotidiana (como já realizei em meu livro com Fausto Brito,Utopia e paixão).

Proponho a luta pela libertação das mulheres, das crianças, dos homossexuais de ambos os sexos, dos negros, dos colonizados e dos trabalhadores de toda condição, porque essas lutas se inscrevem na luta global que se vai intensificando contra as tradições e as instituições imemoriais da dominação, pois são essas tradições e essas instituições que estruturam as atitudes destruidoras com relação ao mundo natural. Proponho as comunidades libertárias e os combates pela liberdade onde quer que surjam; me manifesto solidário com qualquer esforço que favoreça o desenvolvimento espontâneo e autônomo dos jovens; condeno qualquer tentativa de reprimir a sexualidade humana e a erotização da vida. Me associo a todas as buscas para criar um modo de vida e de trabalho estético e alegre; me associo a todas as reivindicações pelo direito de gozar cotidianamente as belezas da natureza, o de manter com os outros uma relação de prazer imediato e sensual.

Acrescento ainda ao manifesto a luta pelo direito consciente e responsável das pessoas na busca do aumento da sua percepção, da sua alegria e do seu prazer através de substâncias cientificamente provadas como inocentes à saúde e que não criem dependência psicológica. Refiro-me a substâncias naturais, como a maconha por exemplo, menos tóxica que o tabaco e o álcool (liberados legalmente), bem menos tóxica que as substâncias químicas que poluem o ar, a terra, a água e os nossos alimentos, e que somos obrigados a ingerir à nossa revelia, portanto sem liberdade e sem responsabilidade pessoal.

Essa a minha utopia, uma utopia que adotei face ao fracasso tanto do capitalismo quanto do socialismo autoritário na descoberta de soluções para a manutenção da vida humana; não encontrei outra saída que não seja a de lutar revolucionariamente pela “Utopia, já”, ou seja, descobrir de que maneira convencer os homens da não existência de outra saída que não seja a busca imediata da ecossociedade anarquista, da consciência libertária. E, para isso, a Psicologia contemporânea teria um papel importante. Com essa finalidade nasceu a Somaterapia, que desenvolvi baseado em princípios ecológicos e anarquistas, a serviço do tesão revolucionário dos protomutantes de nosso tempo.

Texto de Roberto Freire em "Sem Tesão Não Há Solução", Trigrama Editora, São Paulo, 1990, excertos Terceira Parte, cap.12. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa. 


MINESTRE

$
0
0



Una volta si diceva che la minestra era la biada dell'uomo; oggi i medici consigliano di mangiarne poca per non dilatare troppo lo stomaco e per lasciare la prevalenza al nutrimento carneo, il quale rinforza la fibra, mentre i farinacei, di cui le minestre ordinariamente si compongono, risolvendosi in tessuto adiposo, la rilassano. A questa teoria non contraddico: ma se mi fosse permessa un'osservazione, direi: Poca minestra a chi non trovandosi nella pienezza delle sue forze, né in perfetta salute, ha bisogno di un trattamento speciale; poca minestra a coloro che avendo tendenza alla pinguedine ne vogliono rattener lo sviluppo; poca minestra, e leggiera, ne’ pranzi di parata se i commensali devono far onore alle varie pietanze che le vengono appresso; ma all'infuori di questi casi una buona e generosa minestra per chi ha uno scarso desinare sarà sempre la benvenuta, e però fatele festa. Penetrato da questa ragione mi farò un dovere d'indicare tutte quelle minestre che via via l'esperienza mi verrà suggerendo.

MINESTRE IN BRODO

CAPPELLETTI ALL’USO DI ROMAGNA

Sono così chiamati per la loro forma a cappello. Ecco il modo più semplice di farli onde riescano meno gravi allo stomaco.
Ricotta, oppure metà ricotta e metà cacio raviggiolo, grammi 180.
Mezzo petto di cappone cotto nel burro, condito con sale e pepe, e tritato fine fine colla lunetta.
Parmigiano grattato, grammi 30.
Uova, uno intero e un rosso.
Odore di noce moscata, poche spezie, scorza di limone a chi piace.
Un pizzico di sale.

Assaggiate il composto per poterlo al caso correggere, perché gl'ingredienti non corrispondono sempre a un modo. Mancando il petto di cappone, supplite con grammi 100 di magro di maiale nella lombata, cotto e condizionato nella stessa maniera.

Se la ricotta o il raviggiolo fossero troppo morbidi, lasciate addietro la chiara d'uovo oppure aggiungete un altro rosso se il composto riescisse troppo sodo. Per chiuderlo fate una sfoglia piuttosto tenera di farina spenta con sole uova servendovi anche di qualche chiara rimasta, e tagliatela con un disco rotondo della grandezza come quello segnato. Ponete il composto in mezzo ai dischi e piegateli in due formando così una mezza luna; poi prendete le due estremità della medesima, riunitele insieme ed avrete il cappelletto compito.

Se la sfoglia vi si risecca fra mano, bagnate, con un dito intinto nell'acqua, gli orli dei dischi. Questa minestra per rendersi più grata al gusto richiede il brodo di cappone; di quel rimminchionito animale che per sua bontà si offre nella solennità di Natale in olocausto agli uomini. Cuocete dunque i cappelletti nel suo brodo come si usa in Romagna, ove trovereste nel citato giorno degli eroi che si vantano di averne mangiati cento; ma c'è il caso però di crepare, come avvenne ad un mio conoscente. A un mangiatore discreto bastano due dozzine.

A proposito di questa minestra vi narrerò un fatterello, se vogliamo di poca importanza, ma che può dare argomento a riflettere.

Avete dunque a sapere che di lambiccarsi il cervello su' libri i signori di Romagna non ne vogliono saper buccicata, forse perché fino dall'infanzia i figli si avvezzano a vedere i genitori a tutt'altro intenti che a sfogliar libri e fors’anche perché, essendo paese ove si può far vita gaudente con poco, non si crede necessaria tanta istruzione; quindi il novanta per cento, a dir poco, dei giovanetti, quando hanno fatto le ginnasiali, si buttano sull'imbraca, e avete un bel tirare per la cavezza ché non si muovono. Fino a questo punto arrivarono col figlio Carlino, marito e moglie, in un villaggio della bassa Romagna; ma il padre che la pretendeva a progressista, benché potesse lasciare il figliuolo a sufficienza provvisto avrebbe pur desiderato di farne un avvocato e, chi sa, fors'anche un deputato, perché da quello a questo è breve il passo. Dopo molti discorsi, consigli e contrasti in famiglia fu deciso il gran distacco per mandar Carlino a proseguire gli studi in una grande città, e siccome Ferrara era la più vicina per questo fu preferita. Il padre ve lo condusse, ma col cuore gonfio di duolo avendolo dovuto strappare dal seno della tenera mamma che lo bagnava di pianto. Non era anco scorsa intera la settimana quando i genitori si erano messi a tavola sopra una minestra di cappelletti, e dopo un lungo silenzio e qualche sospiro la buona madre proruppe:

- Oh se ci fosse stato il nostro Carlino cui i cappelletti piacevano tanto! - Erano appena proferite queste parole che si sente picchiare all'uscio di strada, e dopo un momento, ecco Carlino slanciarsi tutto festevole in mezzo alla sala.

- Oh! cavallo di ritorno, esclama il babbo, cos'è stato? - È stato, risponde Carlino, che il marcire sui libri non è affare per me e che mi farò tagliare a pezzi piuttosto che ritornare in quella galera. - La buona mamma gongolante di gioia corse ad abbracciare il figliuolo e rivolta al marito: - Lascialo fare, disse, meglio un asino vivo che un dottore morto; avrà abbastanza di che occuparsi co' suoi interessi. - Infatti, d'allora in poi gl'interessi di Carlino furono un fucile e un cane da caccia, un focoso cavallo attaccato a un bel baroccino e continui assalti alle giovani contadine.

TORTELLINI ALL’ITALIANA (AGNELLOTTI)

Braciuole di maiale nella lombata, circa grammi 300.
Un cervello di agnello o mezzo di bestia più grossa.
Midollo di bue, grammi 50.
Parmigiano grattato, grammi 50.
Rossi d'uovo n. 3 e, al bisogno, aggiungete una chiara.
Odore di noce moscata.

Disossate e digrassate le braciuole di maiale, e poi tiratele a cottura in una cazzaruola con burro, sale e una presina di pepe. In mancanza del maiale può servire il magro del petto di tacchino nella proporzione di grammi 200, cotto nella stessa maniera. Pestate o tritate finissima la carne con la lunetta; poi unite alla medesima il cervello lessato e spellato, il midollo crudo e tutti gli altri ingredienti, mescolandoli bene insieme. Quindi i tortellini si chiudono in una sfoglia come i cappelletti e si ripiegano nella stessa guisa, se non che questi si fanno assai più piccoli. Ecco, per norma, il loro disco.

TORTELLINI ALLA BOLOGNESE

Quando sentite parlare della cucina bolognese fate una riverenza, ché se la merita. È un modo di cucinare un po’ grave, se vogliamo, perché il clima così richiede; ma succulento, di buon gusto e salubre, tanto è vero che colà le longevità di ottanta e novant’anni sono più comuni che altrove. I seguenti tortellini, benché più semplici e meno dispendiosi degli antecedenti, non sono per bontà inferiori, e ve ne convincerete alla prova.

Prosciutto grasso e magro, grammi 30.
Mortadella di Bologna, grammi 20.
Midollo di bue, grammi 60.
Parmigiano grattato, grammi 60.
Uova, n. 1.
Odore di noce moscata.
Sale e pepe, niente.

Tritate ben fini colla lunetta il prosciutto e la mortadella, tritate egualmente il midollo senza disfarlo al fuoco, aggiungetelo agli altri ingredienti ed intridete il tutto coll'uovo mescolando bene. Si chiudono nella sfoglia d'uovo come gli altri, tagliandola col piccolo stampo del n. 8. Non patiscono conservandoli per giorni ed anche per qualche settimana e se desiderate che conservino un bel color giallo metteteli, appena fatti, ad asciugare nella caldana. Con questa dose ne farete poco meno di 300, e ci vorrà una sfoglia di tre uova.

Bologna è un gran castellazzo dove si fanno continue magnazze, diceva un tale che a quando a quando colà si recava a banchettare cogli amici. Nell'iperbole di questa sentenza c'è un fondo di vero, del quale, un filantropo che vagheggiasse di legare il suo nome a un'opera di beneficenza nuova in Italia, potrebbe giovarsi. Parlo di un Istituto culinario, ossia scuola di cucina a cui Bologna si presterebbe più di qualunque altra città pei suo grande consumo, per l'eccellenza dei cibi e pel modo di cucinarli. Nessuno apparentemente vuol dare importanza al mangiare, e la ragione è facile a comprendersi: ma poi, messa da parte l'ipocrisia, tutti si lagnano di un desinare cattivo o di una indigestione per cibi mal preparati. La nutrizione essendo il primo bisogno della vita, è cosa ragionevole l'occuparsene per soddisfarlo meno peggio che sia possibile.

Uno scrittore straniero dice: “La salute, la morale, le gioie della famiglia si collegano colla cucina, quindi sarebbe ottima cosa che ogni donna, popolana o signora, conoscesse un'arte che è feconda di benessere, di salute, di ricchezza e di pace alla famiglia”; e il nostro Lorenzo Stecchetti (Olindo Guerrini) in una conferenza tenuta all'Esposizione di Torino il 21 giugno 1884 diceva: “È necessario che cessi il pregiudizio che accusa di volgarità la cucina, poiché non è volgare quel che serve ad una voluttà intelligente ed elegante. Un produttore di vini che manipola l'uva e qualche volta il campeggio per cavarne una bevanda grata, è accarezzato, invidiato e fatto commendatore. Un cuoco che manipola anch'esso la materia prima per ottenerne un cibo piacevole, nonché onorato e stimato, non è nemmeno ammesso in anticamera. Bacco è figlio di Giove, Como (il Dio delle mense) di ignoti genitori. Eppure il savio dice: Dimmi quel che tu mangi e ti dirò chi sei. Eppure i popoli stessi hanno una indole loro, forte o vile, grande o miserabile, in gran parte dagli alimenti che usano. Non c'è dunque giustizia distributiva. Bisogna riabilitare la cucina”.

Dico dunque che il mio Istituto dovrebbe servire per allevare delle giovani cuoche le quali, naturalmente più economiche degli uomini e di minore dispendio, troverebbero facile impiego e possederebbero un'arte, che portata nelle case borghesi, sarebbe un farmaco alle tante arrabbiature che spesso avvengono nelle famiglie a cagione di un pessimo desinare; e perché ciò non accada sento che una giudiziosa signora, di una città toscana, ha fatto ingrandire la sua troppo piccola cucina per aver più agio a divertirsi col mio libro alla mano.

Ho lasciato cader questa idea così in embrione ed informe; la raccatti altri, la svolga e ne faccia suo pro qualora creda l'opera meritoria. Io sono d'avviso che una simile istituzione ben diretta, accettante le ordinazioni dei privati e vendendo le pietanze già cucinate, si potrebbe impiantare, condurre e far prosperare con un capitale e con una spesa relativamente piccoli.

Se vorrete i tortellini anche più gentili aggiungete alla presente ricetta un mezzo petto di cappone cotto nel burro, un rosso d'uovo e la buona misura di tutto il resto.

TORTELLINI DI CARNE DI PICCIONE

Questi tortellini merita il conto ve li descriva, perché riescono eccellenti nella loro semplicità.

Prendete un piccione giovane e, dato che sia bell'e pelato del peso di mezzo chilogrammo all'incirca, corredatelo con
Parmigiano grattato, grammi 80.
Prosciutto grasso e magro, grammi 70.
Odore di noce moscata.

Vuotate il piccione dalle interiora, ché il fegatino e il ventriglio non servono in questo caso, e lessatelo. Per lessarlo gettatelo nell'acqua quando bolle e salatela; mezz’ora di bollitura è sufficiente, perché dev'essere poco cotto. Tolto dal fuoco disossatelo, poi tanto questa carne che il prosciutto tritateli finissimi prima col coltello indi colla lunetta, e per ultimo, aggiuntovi il parmigiano e la noce moscata, lavorate il composto con la lama del coltello per ridurlo tutto omogeneo.

Per chiuderli servitevi del disco n. 8, e con tre uova di sfoglia ne otterrete 260 circa. Potete servirli in brodo, per minestra, oppure asciutti conditi con cacio e burro, o meglio con sugo e rigaglie.

PANATA

Questa minestra, con cui si solennizza in Romagna la Pasqua d'uovo, è colà chiamata tridura, parola della quale si è perduto in Toscana il significato, ma che era in uso al principio del secolo XIV, come apparisce da un'antica pergamena in cui si accenna a una funzione di riconoscimento di patronato, che consisteva nell'inviare ogni anno alla casa de' frati di Settimo posta in Cafaggiolo (Firenze) un catino nuovo di legno pieno di tridura e sopra al medesimo alcune verghe di legno per sostenere dieci libbre di carne di porco guarnita d'alloro. Tutto s'invecchia e si trasforma nel mondo, anche le lingue e le parole; non però gli elementi di cui le cose si compongono, i quali, per questa minestra sono:

Pane del giorno avanti, grattato, non pestato, gr. 130.
Uova, n. 4.
Cacio parmigiano, grammi 50.
Odore di noce moscata.
Sale, un pizzico.

Prendete una cazzaruola larga e formate in essa un composto non tanto sodo con gl'ingredienti suddetti, aggiungendo del pangrattato se occorre. Stemperatelo con brodo caldo, ma non bollente, e lasciatene addietro alquanto per aggiungerlo dopo.

Cuocetelo con brace all'ingiro, poco o punto fuoco sotto e con un mestolo, mentre entra in bollore, cercate di radunarlo nel mezzo scostandolo dalle pareti del vaso senza scomporlo. Quando lo vedrete assodato, versatelo nella zuppiera e servitelo.

Questa dose può bastare per sei persone.

Se la panata è venuta bene la vedrete tutta in grappoli col suo brodo chiaro all'intorno. Piacendovi mista con erbe o con piselli cuocerete queste cose a parte, e le mescolerete nel composto prima di scioglierlo col brodo.

MINESTRA DI PANGRATTATO

I pezzetti di pane avanzato, divenuti secchi, in Toscana si chiamano seccherelli; pestati e stacciati, servono in cucina da pangrattato e si possono anche adoperare per una minestra. Versate questo pangrattato nel brodo, quando bolle, nella stessa proporzione di un semolino. A seconda della quantità, disfate due o più uova nella zuppiera, uniteci una cucchiaiata colma di parmigiano per ogni uovo e versateci la minestra bollente a poco per volta.

TAGLIERINI DI SEMOLINO

Non sono molto dissimili da quelli fatti di farina, ma reggono di più alla cottura, essendo la sodezza un pregio di questa minestra. Oltre a ciò lasciano il brodo chiaro e pare che lo stomaco rimanga più leggiero.

Occorre semolino di grana fine; ed ha bisogno di essere intriso colle uova qualche ora prima di tirare la sfoglia. Se quando siete per tirarla, vi riuscisse troppo morbida, aggiungete qualche pizzico di semolino asciutto per ridurre l'impasto alla durezza necessaria, onde non si attacchi al matterello. Non occorre né sale, né altri ingredienti.

GNOCCHI

È una minestra da farsene onore; ma se non volete consumare appositamente per lei un petto di pollastra o di cappone, aspettate che vi capiti d'occasione.

Cuocete nell'acqua, o meglio a vapore, grammi 200 di patate grosse e farinacee e passatele per istaccio, A queste unite il petto di pollo lesso tritato finissimo colla lunetta, grammi 40 di parmigiano grattato, due rossi d'uovo, sale quanto basta e odore di noce moscata. Mescolate e versate il composto sulla spianatoia sopra a grammi 30 o 40 (che tanti devono
bastare) di farina per legarlo, e poterlo tirare a bastoncini grossi quanto il dito mignolo. Tagliate questi a tocchetti e gettateli nel brodo bollente ove una cottura di cinque o sei minuti sarà sufficiente.
Questa dose potrà bastare per sette od otto persone.
Se il petto di pollo è grosso, due soli rossi non saranno sufficienti.

MINESTRA DI SEMOLINO COMPOSTA (I)

Cuocete semolino di grana fine nel latte e gettatene tanto che riesca ben sodo. Quando lo ritirate dal fuoco conditelo con sale, parmigiano grattato, un pezzetto di burro e odore di noce moscata e lasciatelo diacciare. Allora stemperate il composto con uova fino a ridurlo come una liquida crema. Prendete una forma liscia di latta, ungetene bene il fondo col burro, aderitegli un foglio ugualmente unto e versate il detto composto nella medesima per assodarlo a bagnomaria con fuoco sopra. Cotto e diaccio che sia, una lama di coltello passata all'intorno e la carta del fondo vi daranno aiuto a sformarlo. Tagliatelo a mattoncini o a mostaccioli della grossezza di uno scudo e della larghezza di un centimetro o due e gettateli nel brodo facendoli bollire qualche minuto.

Basta un bicchiere di latte e due uova a fare una minestra per quattro o cinque persone. Con un bicchiere e due dita di latte e tre uova ho fatto una minestra che è bastata per otto persone.

MINESTRA DI SEMOLINO COMPOSTA (II)

La minestra di semolino fatta nella seguente maniera mi piace più dell'antecedente, ma è questione di gusto.
Per ogni uovo:
Semolino, grammi 30.
Parmigiano grattato, grammi 20.
Burro, grammi 20.
Sale, una presa.
Odore di noce moscata.

Il burro scioglietelo al fuoco e, tolto via dal fuoco, versateci sopra il semolino e il parmigiano, sciogliendo bene il composto colle uova. Poi versatelo in una cazzaruola con un foglio imburrato sotto per assodarlo fra due fuochi, badando che non rosoli. Sformato e diaccio che sia, tagliatelo a piccoli dadi o in altro modo, facendolo bollire nel brodo per dieci minuti.
Tre uova basteranno per cinque persone.

MINESTRA DI KRAPFEN

Meno lo zucchero è la stessa composizione del n. 182. Ecco le dosi di una minestra per sette od otto persone.

Farina d'Ungheria, grammi 100.
Burro, grammi 20.
Lievito di birra, quanto una noce.
Uova, n. 1
Sale, una presa.

Tirato il pastone a stiacciata della grossezza alquanto meno di mezzo dito, tagliatelo con un cannello di latta del diametro segnato per farne come tante pasticche che porrete a lievitare. Le vedrete crescere in forma di pallottole e allora friggetele nell'olio, se lo avete eccellente, altrimenti nel lardo o nel burro. Quando siete per mandare in tavola collocatele nella zuppiera e versate sulle medesime il brodo bollente.

MINESTRA DEL PARADISO

È una minestra sostanziosa e delicata; ma il Paradiso, fosse pur quello di Maometto, non ci ha nulla che fare.

Montate sode quattro chiare d'uovo, incorporateci dentro i rossi, poi versateci quattro cucchiaiate non tanto colme di pangrattato fine di pane duro, altrettanto di parmigiano grattato e l'odore della noce moscata.

Mescolate adagino onde il composto resti soffice e gettatelo nel brodo bollente a cucchiaini. Fatelo bollire per sette od otto minuti e servitelo.
Questa dose potrà bastare per sei persone.

MINESTRA DI CARNE PASSATA

Vitella di latte magra, grammi 150.
Prosciutto grasso, grammi 25.
Parmigiano grattato, grammi 25.
Pappa fatta con midolla di pane, acqua e un pezzetto di burro due cucchiaiate.
Uova n. 1
Odore di noce moscata
Sale quanto basta.

Tritate prima la carne e il prosciutto con un coltello a colpo, dopo colla lunetta, poi pestateli nel mortaio e passateli per istaccio. Fatene quindi tutto un impasto coll'uovo e gli altri ingredienti: quando bolle il brodo gettatelo a cucchiaini o passatelo da una siringa per dargli forma graziosa, e dopo una bollitura sufficiente a cuocerlo, servite la minestra.

Questa quantità basta per quattro o cinque persone, ma potete farla servire anche per dodici mescolandola in una zuppa. Prendete allora pane finissimo del giorno avanti, tagliatelo a piccoli dadi e rosolatelo in padella alla svelta con molto unto. Quando siete per mandare in tavola ponete il detto pane nella zuppiera e versate sul medesimo la sopra descritta minestra di carne passata.

MINESTRA DI PASSATELLI

Eccovi due ricette che, ad eccezione della quantità, poco differiscono l'una dall'altra.

Prima:
Pangrattato, grammi 100.
Midollo di bue, grammi 20.
Parmigiano grattato, grammi 40.
Uova, n. 2.
Odore di noce moscata o di scorza di limone, oppure dell'una e dell'altra insieme.
Questa dose può bastare per quattro persone.

Seconda:
Pangrattato, grammi 170.
Midollo di bue, grammi 30.
Parmigiano grattato, grammi 70.
Uova n. 3 e un rosso.
Odore come sopra.

Può bastare per sette od otto persone.

Il midollo serve per renderli più teneri, e non è necessario scioglierlo al fuoco; basta stiacciarlo e disfarlo colla lama di un coltello. Impastate ogni cosa insieme per formare un pane piuttosto sodo; ma lasciate addietro alquanto pangrattato per aggiungerlo dopo, se occorre.

Si chiamano passatelli perché prendono la forma loro speciale passando a forza dai buchi di un ferro fatto appositamente, poche essendo le famiglie in Romagna che non l'abbiano, per la ragione che questa minestra vi è tenuta in buon conto come, in generale, a cagione del clima, sono colà apprezzate tutte le minestre intrise colle uova delle quali si fa uso quasi quotidiano. Si possono passare anche dalla siringa.

MINESTRA DI PASSATELLI DI CARNE

Filetto di manzo, grammi 150.
Pangrattato, grammi 50.
Parmigiano grattato, grammi 30.
Midollo di bue, grammi 15.
Burro, grammi 15.
Rossi d'uovo, n. 2.
Sale, quanto basta.
Odore di noce moscata.

Il filetto pestatelo nel mortaio e passatelo dallo staccio.

Il midollo e il burro stiacciateli insieme con la lama di un coltello e uniteli alla carne. Aggiungere il resto per fare un pastone che riescirà sodo da poterci premere sopra il ferro come ai passatelli del numero precedente.

Fateli bollire nel brodo per dieci minuti e serviteli per sei persone.

Anche un petto di pollo o un pezzo di petto di tacchino lessati o crudi, possono servire a quest'uso invece del filetto.

MINESTRA A BASE DI RICOTTA

Prendete il composto dei cappelletti n. 7, ma invece di chiuderlo nella sfoglia gettatelo a cucchiaini nel brodo quando bolle, e appena assodato versatelo nella zuppiera e servitelo.

MINESTRA DI NOCCIUOLE DI SEMOLINO

Latte, decilitri 3.
Semolino, grammi 100.
Parmigiano grattato, grammi 20.
Uova, uno intero e un torlo.
Burro, quanto una noce.
Sale, quanto basta.
Farina, idem.
Odore di noce moscata.

Mettete il latte al fuoco col burro e quando bolle versate il semolino a poco a poco. Salatelo; quando è cotto e caldo ancora, ma non bollente, scocciategli dentro le uova, aggiungete il parmigiano e l’odore e mescolate. Lasciatelo diacciar bene e poi versatelo sulla spianatoia sopra a uno strato di farina. Avvoltolatelo leggermente sulla medesima tirandone un bastoncino che taglierete a pezzetti uguali per fame tante pallottole della grandezza di una nocciuola. Gettatele nel brodo quando bolle e, poco dopo, versatele nella zuppiera e mandatele in tavola. A vostra norma, vedrete che assorbiranno da 25 a 30 grammi soltanto di farina; ma poi dipenderà il più e il meno dai come riesce il composto.
Questa dose potrà bastare per cinque o sei persone.

MINESTRA DI BOMBOLINE DI FARINA

Sono le bombe composte meno la mortadella; per eseguirle guardate quindi quella ricetta, la cui quantità può bastare per otto o dieci persone, tanto rigonfiano per uso di minestra, anche se le terrete piccole quanto una nocciuola. Per gettarle in padella prendete su il composto col mestolo, e colla punta di un coltello da tavola, intinto nell'unto a bollore, distaccatelo a pezzettini rotondeggianti. Friggetele nel lardo vergine o nel burro, ponetele nella zuppiera, versateci sopra il brodo bollente e mandatele subito in tavola.

Per avvantaggiarvi, se avete un pranzo, potete fare il composto il giorno innanzi e friggere le bomboline la mattina dipoi; ma d'inverno non patiscono anche se stanno fritte per qualche giorno.

MINESTRA DI MATTONCINI DI RICOTTA

Ricotta, grammi 200.
Parmigiano grattato, grammi 30.
Uova, n. 2.
Sale, quanto basta.
Odori di scorza di limone e di noce moscata,

Disfate la ricotta passandola per istaccio, aggiungere il resto e le uova uno alla volta. Mescolate bene e versate il composto in uno stampo liscio per cuocerlo a bagnomaria. Sformatelo diaccio, levategli la carta colla quale avrete coperto il fondo dello stampo e tagliatelo a dadini della dimensione di un centimetro circa. Collocateli poi nella zuppiera, versate sui medesimi il brodo bollente e mandateli in tavola.
Questa dose basterà per cinque o sei persone.

MINESTRA DI MILLE FANTI

Mezzo uovo per persona è più che sufficiente per questa minestra, quando si è in parecchi.

Prendete un pentolo e in fondo al medesimo ponete tanti cucchiaini colmi di farina quante sono le uova; aggiungete parmigiano grattato, odore di noce moscata, una presa di sale e per ultimo le uova. Frullate ogni cosa insieme ben bene e versate il composto nel brodo quando bolle, facendolo passare da un colino di latta a buchi larghi, rimestando in pari tempo il brodo. Lasciate bollire alquanto e servite.

MINESTRA DI LATTE COMPOSTA

Farina, grammi 60.
Burro, grammi 40.
Parmigiano, grammi 30.
Latte, decilitri 4.
Uova, n. 4.
Sale, quanto basta.
Odore di noce moscata, se piace.

Mettete il burro al fuoco e appena squagliato versate la farina; mescolate, e quando comincia a prendere colore versate il latte a poco per volta. Fate bollire alquanto, poi ritirate il composto dal fuoco e conditelo aggiungendo le uova per ultimo quando sarà diaccio. cuocetelo a bagnomaria come la minestra di semolino n. 15 e regolatevi come per la medesima.
Questa dose potrà servire per otto o dieci persone.

MINESTRA DI PANE ANGELICO

Midolla di pane fine, grammi 150.
Prosciutto grasso e magro, grammi 50.
Midollo di bue, grammi 40.
Parmigiano, grammi 40.
Farina, quanto basta.
Uova, n. 2, meno una chiara.
Odore di noce moscata.

La midolla di pane bagnatela col brodo bollente tanto che s'inzuppi appena appena e spremetela forte entro a un canovaccio. Il prosciutto tritatelo finissimo; il midollo di bue stiacciatelo colla lama piatta di un coltello, e con essa rimestatelo tanto da ridurlo come un unguento. Mescolate queste tre cose insieme col parmigiano ed aggiungete le uova.

Distendete un velo di farina sulla spianatoia, versategli sopra il composto, copritelo con altra farina e fategliene prender tanta (qualcosa meno di 100 grammi possono bastare) per formare delle pallottole, piuttosto morbide, e grosse come le nocciuole. Gettatele nel brodo bollente e dopo 10 minuti di cottura servitele.

MINESTRA DI BOMBOLINE DI PATATE

Patate, grammi 500.
Burro, grammi 40.
Parmigiano grattato, grammi 40.
Rossi d'uovo, n. 3.
Odore di noce moscata.

Cuocete le patate nell'acqua o, meglio, a vapore, sbucciatele, passatele calde dallo staccio e salatele. Aggiungete gl’ingredienti suddetti e lavoratele alquanto. Distendete un velo di farina sulla spianatoia e sopra la medesima versate il composto per poterlo tirare a bastoncini senza che la farina penetri nell'interno, e con questi formate delle palline grosse come le nocciuole. Friggetele nell'olio o nel lardo ove sguazzino e mettetele nella zuppiera versandovi il brodo bollente.
Questa dose potrà bastare per otto o dieci persone.

MINESTRA DI BOMBOLINE DI RISO

Riso, grammi 100.
Burro, grammi 20.
Parmigiano grattato, grammi 20.
Un rosso d'uovo.
Odore di noce moscata.
Sale, quanto basta.

Cuocete molto e ben sodo il riso nel latte (mezzo litro potrà bastare); prima di levarlo dal fuoco aggiungete il burro e il sale e quando non è più a bollore metteteci il rimanente; pel resto regolatevi come alla ricetta antecedente. Queste bomboline riescono al gusto migliori di quelle di patate.
Questa dose basterà per sei persone.

MINESTRA DI DUE COLORI

Questa è una minestra delicata e leggiera che può piacere in Toscana specialmente alle signore; ma non sarebbe da presentarsi a un pranzo in Romagna ove il morbidume sotto ai denti non è punto del gusto di quel paese delle tagliatelle per eccellenza; meno poi lo sarebbe quella moccicaglia di minestra di tapioca, la quale, salvo pochissime eccezioni, al solo vederla promuoverebbe colà il mal di stomaco.

Farina, grammi 180.
Burro, grammi 60.
Parmigiano, grammi 40.
Latte, decilitri 4.
Uova, due intere e due rossi.
Sale, quanto basta.
Odore di noce moscata.
Un pugno di spinaci.

Lessate gli spinaci, strizzateli bene dall'acqua e passateli dallo staccio. Mettete il burro al fuoco e quando è sciolto gettateci la farina mescolando bene; poi versateci il latte caldo a poco per volta, salatela e mentre cuoce lavoratela col mestolo per farne una pasta omogenea.

Levatela e quando sarà tiepida stemperatela colle uova aggiungendo il parmigiano e la noce moscata. Poi questo composto dividetelo in due parti uguali, in una delle quali mescolerete i detti spinaci in quantità sufficiente a farle prendere il color verde e non di più.

Ponete il composto nella siringa con lo stampino a buchi rotondi e spingetelo nel brodo bollente come i passatelli; ma questa operazione occorre farla in due volte, prima col composto giallo e dopo col verde.
Questa dose sarà sufficiente per otto o dieci persone.

ZUPPA RIPIENA

Prendete mezzo petto di cappone o di un pollo grosso, una fettina di prosciutto grasso e magro, un pezzetto di midollo; fatene un battuto, conditelo con parmigiano grattato, dategli l'odore della noce moscata e legatelo con un uovo. Il sale, essendovi il prosciutto, non occorre.

Prendete un filoncino di pane raffermo, affettatelo in tondo alla grossezza di mezzo dito, levate alle fette la corteccia e sulla metà del numero delle medesime spalmate il composto suddetto; ad ognuna di queste fette spalmate, sovrapponete una fetta senza battuto e pigiatele insieme onde si attacchino. Poi queste fette così appaiate, tagliatele a piccoli dadi, e friggeteli nel lardo vergine o nell'olio o nel burro, conforme al gusto del paese o vostro.

Quando è ora di servir la zuppa in tavola, ponete i dadi fritti nella zuppiera e versateci sopra il brodo bollente.

ZUPPA DI OVOLI

Al tempo dei funghi potete servire questa minestra in un pranzo anche signorile che non vi farà sfigurare
.
Gli ovoli sono que' funghi di colore arancione descritti al n. 396. Prendetene grammi 600, che quando saranno nettati e spellati rimarranno grammi 500 circa. Lavateli interi e tagliateli a fette piccole e sottili o a pezzetti.

Fate un battuto con 50 grammi di lardone e un pizzico di prezzemolo e mettetelo al fuoco con 50 grammi di burro e tre cucchiaiate d'olio. Quando avrà soffritto versate i funghi e salateli alquanto per dar loro mezza cottura, poi versateli nel brodo con tutto il soffritto per farli bollire altri dieci minuti. Prima di levarli, disfate nella zuppiera un uovo intero e un rosso con un pugno di parmigiano grattato e versateci sopra la minestra poca per volta rimestando, indi uniteci dadini di pane arrostito; ma avvertite che la zuppa resti molto brodosa.
Questa dose potrà bastare per sei o sette persone.
Se ne fate la metà, può bastare soltanto l'uovo intero.

ZUPPA DI ZUCCA GIALLA

Zucca gialla, sbucciata e tagliata a fette sottili, un chilogrammo. Mettetela a cuocere con due ramaiuoli di brodo e poi passatela dallo staccio.

Fate al fuoco un intriso con grammi 60 di burro e due cucchiaiate rase di farina, e quando avrà preso il colore biondo fermatelo col brodo; aggiungete la zucca passata e il resto del brodo che basti per sei persone. Poi versatelo bollente sopra a dadini di pane fritto e mandate la zuppa in tavola con parmigiano grattato a parte.

Se farete questa zuppa a dovere e con brodo buono, potrà comparire su qualunque tavola ed avrà anche il merito di essere rinfrescante.

ZUPPA DI PURÈ DI PISELLI, DI GRASSO

Trattandosi qui di piselli da passare non occorre sieno de' più teneri. Grammi 400 di piselli sgranati possono bastare per sei persone che pranzino alla moda, cioè con poca minestra. Cuoceteli nel brodo con un mazzetto, che poi getterete via, composto di prezzemolo, sedano, carota e qualche foglia di basilico. Quando i piselli saranno cotti gettate fra i medesimi, per inzupparle, due fette di pane fritto nel burro e passate per istaccio ogni cosa. Diluite questo composto col brodo occorrente, aggiungete un po’ di sugo di carne se ne avete e bagnate la zuppa, la quale dovrà essere di pane sopraffine raffermo, tagliato a dadini e fritto nel burro.

ZUPPA SANTÉ

Questa zuppa si fa con diverse qualità di ortaggio qualunque. Dato che vi serviate, per esempio, di carote, acetosa, sedano e cavolo bianco, tagliate questo a mo’ di taglierini e fategli far l'acqua sopra al fuoco, strizzandolo bene. Le carote e il sedano tagliateli a filetti lunghi tre centimetri circa, e insieme col cavolo e con l'acetosa nettata dai gambi, poneteli al fuoco con poco sale, una presa di pepe e un pezzetto di burro. Quando l'erbaggio avrà tirato l'unto, finite di cuocerlo col brodo. Frattanto preparate il pane, il quale è bene sia di qualità fine e raffermo di un giorno almeno; tagliatelo a piccoli dadi e friggetelo nel burro o anche nell'olio vergine o nel lardo; ma perché assorba poco unto tenete quest'ultimo abbondante e gettateci il pane quando è bene a bollore altrimenti arrostitelo soltanto a fette grosse mezzo dito e tagliatelo dopo a dadi. Ponete il pane nella zuppiera, versategli sopra il brodo a bollore insieme coll'erbaggio, e mandate la zuppa subito in tavola.
Usando i ferri del mestiere si possono dare agli ortaggi forme graziose ed eleganti.

ZUPPA DI ACETOSA

Acetosa, grammi 200.
Un cesto (cespo) di lattuga.

Dopo aver tenuto in molle questi erbaggi, sgrondateli ben bene, tagliateli a striscioline e metteteli al fuoco. Quando saranno cotti, date loro sapore con una presa di sale e grammi 30 di burro. Mettete nella zuppiera due rossi d'uovo con un po' di brodo tiepido, unitevi i detti erbaggi e quindi, a poco per volta e mescolando, aggiungetevi tutto il brodo bollente necessario per la zuppa; gettate poi il pane tagliato a dadini e fritto, e mandate in tavola con parmigiano a parte. Così preparata, questa minestra potrà servire per cinque persone.

ZUPPA SUL SUGO DI CARNE

Certi cuochi, per darsi aria, strapazzano il frasario dei nostri poco benevoli vicini con nomi che rimbombano e che non dicono nulla, quindi, secondo loro, questa che sto descrivendo, avrei dovuto chiamarla zuppa mitonnée. Se per dar nel gusto a costoro e a quei tanti che si mostrano servili alle usanze straniere, avessi infarcito il mio libro di tali esotiche e scorbutiche voci, chi sa di qual prestigio maggiore avrebbe goduto! Ma io, per la dignità di noi stessi, sforzandomi a tutto potere di usare la nostra bella ed armoniosa lingua paesana, mi è piaciuto di chiamarla col suo nome semplice e naturale.

La buona riuscita di questa zuppa dipende dal saper tirare un buon sugo, la qual cosa non è da tutti.

Per quattro persone crederei sufficienti grammi 500 circa di carne di manzo da sugo, con qualche collo di pollo, e ritagli di cucina se ve ne sono. Oltre al sugo, questa zuppa richiede ortaggi in buona misura e, a seconda della stagione, un misto di sedano, carota, cavolo verzotto, acetosa, zucchini, piselli, ecc., non che una patata: questa e gli zucchini tagliati a tocchetti, tutti gli altri a filetti. Lessateli tutti e soffriggeteli poscia nel burro bagnandoli col detto sugo. Le fette del pane tenetele grosse mezzo dito, arrostitele e tagliatele a dadi. Prendete un tegame o, meglio, un vaso consimile, ben decente perché dev'essere portato in tavola, e in questo bagnate la zuppa nella seguente maniera: un suolo di pane, uno di erbaggi e sopra una spolverizzata di parmigiano, e così di seguito. Per ultimo versateci sopra il sugo e, senza toccarla, copritela con un piatto e un tovagliuolo e tenetela per mezz'ora in caldo presso al fuoco avanti di servirla.

Vi avverto che questa zuppa deve rimanere quasi asciutta, laonde è bene tener addietro un po' di sugo per aggiungerlo quando la mandate in tavola, nel caso riuscisse troppo asciutta.

ZUPPA REGINA

Dal nome si dovrebbe giudicare per la migliore di tutte le zuppe. Certamente si può collocare fra le più signorili, ma c’è esagerazione nel titolo.

Si fa colle carni bianche del pollo arrosto nettate dalla pelle e dai tendini. Tritatele bene colla lunetta, poi pestatele in un mortaio con cinque o sei mandorle dolci sbucciate, e con una midolla di pane inzuppata nel brodo o nel latte, in proporzione di un quinto o di un sesto della quantità della carne. Quando il composto sarà pestato ben bene, passatelo dallo staccio, ponetelo nella zuppiera e scioglietelo con un ramaiuolo di brodo caldo.

Tagliate il pane a dadini, friggetelo nel burro e gettate anche questo nella zuppiera. Dopo versateci il brodo bollente, mescolate e mandate la zuppa in tavola col parmigiano a parte.

Questa minestra può venire opportuna quando, dopo un pranzo, rimangono avanzi di pollo arrosto, o lessi, benché sia migliore quando è fatta di tutto arrosto.

Le mandorle servono per dar maggiormente al brodo l'aspetto latteo, ma il liquido non deve riuscir troppo denso. Alcuni aggiungono qualche rosso d'uovo sodo stemperato nel brodo.

ZUPPA ALLA SPAGNUOLA

Prendete un petto di pollastra o di cappone, tagliatelo a pezzetti e mettetelo a cuocere nel burro a fuoco lento; conditelo con sale e pepe. Se non basta il burro bagnatelo col brodo. Levate il petto asciutto e nell'intinto che resta gettate una midolla di pane, grande quanto un pugno, e con brodo fate un poco di pappa soda. Questa col petto cotto versateli nel mortaio e, aggiuntivi due rossi d'uovo e poco odore di noce moscata, pestate ogni cosa ben fine e il composto lasciatelo in luogo fresco onde assodi. Al momento di adoperarlo, che può essere anche il giorno appresso, fate cadere sulla spianatola un velo di farina e sopra alla medesima tritate col composto un bastoncino grosso un dito o meno e con un coltello infarinato tagliatelo in tanti pezzetti, tutti uguali, che arrotonderete colle mani imbrattate di farina, per farne tante pallottole della grandezza di una nocciuola o meno. Gettatele nel brodo bollente e dopo cinque o sei minuti di bollitura versatele nella zuppiera dove avrete collocato avanti del pane a dadini soffritto nel burro o nel lardo vergine; oppure, che sarà anche meglio, se, per pane, vi servite della zuppa ripiena.
Potrete così ottenere una minestra signorile bastevole per dieci o dodici persone.

ZUPPA DI PANE D’UOVO

Questa minestra sa di poco, ma vedendola usata non di rado ne' pranzi di gusto straniero, ve la descrivo.
Uova, n. 3.
Farina, grammi 30.
Burro, quanto una noce.

Lavorate prima i tre rossi con la farina e il burro, aggiungete le tre chiare montate e cuocere il composto al forno o al forno da campagna entro a uno stampo liscio il cui fondo sia coperto di una carta unta.

Quando questo pane sarà cotto e diacciato, tagliatelo a dadi o a piccole mandorle, versategli il brodo bollente sopra e mandatelo in tavola con parmigiano a parte.
Dose per sei o sette persone.

RISI E LUGANIGHE

Le popolazioni del Veneto, non conoscono, si può dire altra minestra che il riso, e però lo cucinano bene e in tante svariate maniere. Una è il riso sul brodo colla salsiccia; ma colà le salsicce le lasciano intere; io preferisco di sminuzzarle nel brodo quando vi si mette a cuocere il riso, il quale non è bene lavare, ma soltanto nettare e strofinare in un canovaccio per levargli la polvere. A me piace di unire al riso colle salsicce, o rapa o cavolo cappuccio. Sia l'una che l'altro vanno prima imbiancati, ossia mezzo lessati; tagliate la rapa a dadi, il cavolo a fettuccine e metteteli a soffriggere nel burro. Poco avanti di levare il riso dal fuoco aggiungete un buon pizzico di parmigiano per legarlo meglio e dargli più grato sapore.

RISO ALLA CACCIATORA

Un negoziante di cavalli ed io, giovanotto allora, ci avviammo al lungo viaggio, per que' tempi, di una fiera a Rovigo. Alla sera del secondo giorno, un sabato, dopo molte ore di una lunga corsa con un cavallo, il quale sotto le abilissime mani del mio compagno, divorava la via, giungemmo stanchi ed affamati alla Polesella. Com'è naturale, le prime cure furono rivolte al valoroso nostro animale; poi entrati nello stanzone terreno che in molte di simili locande serve da cucina e da sala da pranzo: - Che c'è da mangiare? - domandò il mio amico all'ostessa. - Non ci ho nulla, - rispose; poi pensandoci un poco soggiunse: - Ho tirato il collo a diversi polli per domani e potrei fare i risi. - Fate i risi e fateli subito - si rispose - che l'appetito non manca. - L'ostessa si mise all'opera ed io lì fermo ed attento a vedere come faceva a improvvisar questi risi.

Spezzettò un pollo escludendone la testa e le zampe, poi lo mise in padella quando un soffritto di lardone, aglio e prezzemolo aveva preso colore. Vi aggiunse di poi un pezzo di burro, lo condí con sale e pepe, e allorché il pollo fu rosolato, lo versò in una pentola d'acqua a bollore, poi vi gettò il riso, e prima di levarlo dal fuoco gli diede sapore con un buon pugno di parmigiano. Bisognava vedere che immenso piatto di riso c'imbandí dinanzi; ma ne trovammo il fondo, poiché esso doveva servire da minestra, da principii e da companatico.

Ora, per ricamo ai risi dell'ostessa di Polesella, è bene il dire che invece del lardone, se non è squisito e di quello roseo, può servire la carnesecca tritata fine, che il sugo di pomodoro, o la conserva, non ci sta male e perché il riso leghi bene col pollo, non deve essere troppo cotto, né brodoso.

QUAGLIE COL RISO

Fate un battuto con prosciutto e un quarto di una cipolla comune: mettetelo al fuoco con burro, e quando la cipolla avrà preso colore, collocateci le quaglie pulite, sventrate ed intere. Conditele con sale e pepe e, rosolate che sieno, tiratele a mezza cottura col brodo, indi versate il riso per cuocerlo con quel tanto di brodo che occorre, insieme colle quaglie. Conditelo quando è cotto, col parmigiano e servitelo, brodoso od asciutto, come più piace, frammisto alle quaglie.

Quattro quaglie e grammi 400 di riso potranno bastare per quattro persone.

MALFATTINI

In que' paesi dove si fa uso quasi giornaliero di paste d'uova fatte in casa, non vi è servuccia che non ne sia maestra; e molto più di questa che è semplicissima. Non è quindi per loro che la noto, ma per gli abitanti di quelle province ove non si conoscono, si può dire, altre minestre in brodo che di zuppa, riso e paste comprate.

I malfattini più semplici sono di farina. Intridetela colle uova e lavoratela colle mani sulla spianatoia per formarne un pane ben sodo: tagliatelo a fette grosse mezzo dito e lasciatele esposte all'aria perché si rasciughino. Tritatele colla lunetta fino a ridurle in minuzzoli minuti quanto la metà di un chicco di riso, facendoli passare da un vagliettino onde ottenerli eguali, oppure grattateli dal pane intero; ma non imitate coloro che li lasciano grossi come il becco dei passerotti se non volete che vi riescano di difficile digestione; anzi, per questo motivo, invece di farina si possono fare di pangrattato semplice, oppure aggraziato con un pizzico di parmigiano e l'odore di spezie. In tutte le maniere, al tempo dei piselli potete, piacendovi, unirli con quelli della ricetta, oppure colla bietola tritata minuta o cogli uni e coll'altra insieme. A proposito di quest'ortaggio ho notato che, in Firenze, dove si fa grande uso di erbe aromatiche nella cucina, non si conosce l'aneto, che mescolato alla bietola, come si fa in altri paesi, le dà molta grazia. Anzi l'aneto, pel suo grato odore, tentai diverse volte d'introdurlo a Firenze, ma non vi riuscii forse perché la bietola si vende a mazzetti mentre in Romagna si porta sciolta al mercato e già frammista all'aneto.

CUSCUSSÙ

Il Cuscussù è un piatto di origine araba che i discendenti di Mosè e di Giacobbe hanno, nelle loro peregrinazioni, portato in giro pei mondo, ma chi sa quante e quali modificazioni avrà subite dal tempo e dal lungo cammino percorso. Ora è usato in Italia per minestra dagli israeliti, due de' quali ebbero la gentilezza di farmelo assaggiare e di farmi vedere come si manipola. Io poi l'ho rifatto nella mia cucina per prova, quindi della sua legittimità garantisco; ma non garantisco di farvelo ben capire:

Che non è impresa da pigliar a gabbo
Descriver bene questo grande intruglio,
Né da lingua che chiami mamma e babbo.

La dose seguente potrà bastare per sei o sette persone:

Spicchio di petto di vitella, grammi 750.
Vitella magra, senz'osso, grammi 150.
Semolino di grana grossa, grammi 300.
Un fegatino di pollo.
Un uovo sodo.
Un rosso d'uovo.

Erbaggi di qualità diverse come cipolla, cavolo verzotto, sedano, carota, spinaci, bietola od altro.

Mettete il semolino in un vaso di terra piano e molto largo, oppure in una teglia di rame stagnata, conditelo con un pizzico di sale e una presa di pepe e, versandogli sopra a gocciolini per volta due dita (di bicchiere) scarse di acqua, macinatelo colla palma della mano per farlo divenir gonfio, grandioso e sciolto. Finita l'acqua versategli sopra, a poco per volta, una cucchiaiata d'olio e seguitate a manipolarlo nella stessa maniera, durando fra la prima e la seconda operazione più di mezz'ora. Condizionato il semolino in tal modo, mettetelo in una scodella da minestra e copritelo con un pannolino, il sopravanzo del quale, passandolo al disotto, legherete stretto con uno spago.

Mettete al fuoco lo spicchio di petto con tre litri d'acqua per fare il brodo e dopo schiumata la pentola copritene la bocca colla scodella, già preparata, in modo che il brodo resti a qualche distanza; ma badate che le bocche dei due vasi combacino insieme e non lascino uscir fumo. Lasciato così il semolino per un'ora e un quarto onde abbia il tempo di cuocere a vapore, aprite l'involto a mezza cottura per mescolarlo e poi rimetterlo com’era prima.

Tritate col coltello i 150 grammi di carne magra, unite alla medesima un pezzo di midolla di pane sminuzzata, conditela con sale e pepe, fatene tante polpettine grosse poco più di una nocciuola e friggetele nell'olio.

Tritate alquanto gli erbaggi e mettete per prima la cipolla a soffriggere nell'olio e quando questa avrà preso colore gettate giù gli altri, conditeli con sale e pepe, rimestate spesso e lasciate che ritirino l'acqua che fanno. Ridotti quasi all'asciutto, bagnateli con sugo di carne, oppure con brodo e sugo di pomodoro o conserva, per tirarli a cottura insieme col fegatino di pollo tagliato a pezzetti e colle polpettine.

Levate il semolino dall'involto, mettetelo al fuoco in una cazzaruola e senza farlo bollire scioglietegli dentro il rosso d'uovo, versate nel medesimo una parte del detto intingolo, mescolate e versatelo in un vassoio, ma quasi asciutto onde presenti la colma, la quale fiorirete coll'uovo sodo tagliato a piccoli spicchi. Il resto dell'intingolo mescolatelo nel brodo della pentola e questo brodo mandatelo in tavola diviso in tante tazze quanti sono i commensali, accompagnate, s'intende, dal vassoio del semolino; così ognuno tira giù nel suo piatto una porzione di semolino e gli beve dietro il brodo a cuccchiaiate.

Lo spicchio di petto si serve dopo per lesso.
Fatta questa lunga descrizione, sembrami verrà spontaneo nel lettore il desiderio di due domande:

l° Perché tutto quell’olio e sempre olio per condimento?
2° Il merito intrinseco di questo piatto merita poi l'impazzamento che esso richiede?

La risposta alla prima domanda, trattandosi di una vivanda israelita, la dà il Deuteronomio, cap. XIV, ver. 21: Tu non cuocerai il capretto nel latte di sua madre; i meno scrupolosi però aggiungono un pizzico di parmigiano alle polpettine per renderle più saporite. Alla seconda posso rispondere io e dire che a parer mio, non è piatto da fargli grandi feste; ma può piacere anche a chi non ha il palato avvezzo a tali vivande, massime se manipolato con attenzione.

MINESTRONE

Il minestrone mi richiama alla memoria un anno di pubbliche angoscie e un caso mio singolare.

Mi trovavo a Livorno al tempo delle bagnature l'anno di grazia 1855, e il colera che serpeggiava qua e là in qualche provincia d'Italia, teneva ognuno in timore di un'invasione generale che poi non si fece aspettare a lungo. Un sabato sera entro in una trattoria e dimando: - Che c'è di minestra? - Il minestrone, - mi fu risposto. - Ben venga il minestrone, - diss'io. Pranzai e, fatta una passeggiata, me ne andai a dormire. Avevo preso alloggio in Piazza del Voltone in una palazzina tutta bianca e nuovissima tenuta da un certo Domenici; ma la notte cominciai a sentirmi una rivoluzione in corpo da fare spavento; laonde passeggiate continue a quel gabinetto che più propriamente in Italia si dovrebbe chiamar luogo scomodo e non luogo comodo. - Maledetto minestrone, non mi buscheri più! - andavo spesso esclamando pieno di mal animo contro di lui che era forse del tutto innocente e senza colpa veruna.

Fatto giorno e sentendomi estenuato, presi la corsa del primo treno e scappai a Firenze ove mi sentii subito riavere. Il lunedì giunge la triste notizia che il colera è scoppiato a Livorno e per primo n'è stato colpito a morte il Domenici. - Altro che minestrone! - Dopo tre prove, perfezionandolo sempre, ecco come lo avrei composto a gusto mio: padronissimi di modificarlo a modo vostro a seconda del gusto d'ogni paese e degli ortaggi che vi si trovano.

Mettete il solito lesso e per primo cuocete a parte nel brodo un pugnello di fagiuoli sgranati ossia freschi: se sono secchi date loro mezza cottura nell'acqua. Trinciate a striscie sottili cavolo verzotto, spinaci e poca bietola, teneteli in molle nell'acqua fresca, poi metteteli in una cazzaruola all'asciutto e fatta che abbiano l'acqua sul fuoco, scolateli bene strizzandoli col mestolo. Se trattasi di una minestra per quattro o cinque persone, preparate un battuto con grammi 40 di prosciutto grasso, uno spicchio d'aglio, un pizzico di prezzemolo, fatelo soffriggere, poi versatelo nella detta cazzaruola insieme con sedano, carota, una patata, uno zucchino e pochissima cipolla, il tutto tagliato a sottili e corti filetti. Aggiungete i fagiuoli, e, se credete, qualche cotenna di maiale come alcuni usano, un poco di sugo di pomodoro, o conserva, condite con pepe e sale e fate cuocere il tutto con brodo. Per ultimo versate riso in quantità sufficiente onde il minestrone riesca quasi asciutto e prima di levarlo gettate nel medesimo un buon pizzico di parmigiano.
Vi avverto però che questa non è minestra per gli stomachi deboli.

PASSATELLI DI SEMOLINO

Semolino di grana fine, grammi 150.
Parmigiano grattato, grammi 30.
Latte, decilitri 6.
Uova, due intere e due rossi.
Sale, odore di noce moscata e scorza di limone.

Cuocete il semolino nel latte, e se vedete che non riesca ben sodo, aggiungetene un altro pizzico. Salatelo quando è cotto ed aspettate che abbia perduto il calore per gettarvi le uova e il resto.

Ponete il composto nella siringa con uno stampino a buchi rotondi piuttosto larghi, e spingetelo nel brodo bollente, tenendo la siringa perpendicolare e fatelo bollire finché i passatelli siensi assodati.
Questa dose potrà bastare per sei o sette persone.

RISO CON ZUCCHINI

Prendete zucchini piccoli del peso del riso che avrete a cuocere e tagliateli a tocchetti grossi quanto le nocciuole. Metteteli a soffriggere nel burro, conditeli con sale e pepe, e rosolati appena gettateli così durettini nel riso quando sarà arrivato a mezza cottura, onde finiscano di cuocere insieme.

Il riso è bene che resti poco brodoso e gli zucchini non si devono disfare. Invece di brodo potete servirvi di acqua e farlo asciutto: ma allora dategli grazia colla salsa di pomodoro n. 125, versatela anch'essa nel riso a mezza cottura, e con parmigiano.

ZUPPA CON LE CIPOLLE ALLA FRANCESE

Questa zuppa si può fare col brodo o col latte, e le seguenti dosi sono sufficienti per cinque persone.

Pane bianco, grammi 250.
Gruiera grattato, grammi 80.
Burro, grammi 50.
Parmigiano grattato, grammi 40.
Uova frullate, n. 3.
Cipolle bianche grosse, n. 2.
Brodo o latte, circa litri 1 e mezzo.

Tagliate a fette sottilissime le cipolle e mettetele al fuoco col burro suddetto; quando cominciano a prender colore tiratele a molta cottura col brodo, o col latte se la fate con questo, per poterle passare bene dal setaccio, poi mescolate il passato nel restante liquido per bagnare la zuppa. Il pane tagliato a fette o a dadini, arrostitelo e, collocatolo a strati nella zuppiera, conditelo via via colle uova, il gruiera e il parmigiano. Per ultimo versate bollente il brodo od il latte e mandatela in tavola.

Se la fate col latte sarà bene salare abbondantemente le uova. A motivo della cipolla, chi patisce di scioglimenti non farà male di astenersi da questa zuppa.

STRICHETTI ALLA BOLOGNESE

Intridete la farina con due uova, grammi 40 di parmigiano grattato fine e l'odore della noce moscata. Tiratene una sfoglia non tanto sottile e tagliatela con la rotella smerlata in tante striscie larghe un dito e mezzo. Poi, con la stessa rotella, tagliate queste striscie in isbieco e alla medesima distanza di un dito e mezzo per farne tanti pezzetti in forma di mandorla. Prendeteli uno alla volta e stringete colle dita le quattro punte, due al disopra e due al disotto per formarne come due anellini attaccati insieme. Cuoceteli nel brodo con poca cottura. La dose di due uova potrà bastare per cinque persone.

Se questa minestra vi piace, siatene grati ad una giovane simpatica bolognese, chiamata la Rondinella, che si compiacque di insegnarmela.

ZUPPA DI GAMBERI COL SUGO DI CARNE

Prendendo per norma una zuppa che dovesse servire a sole quattro persone, bastano grammi 150 di gamberi. Lavateli e metteteli al fuoco con due ramaiuoli di brodo; cotti che sieno, levateli asciutti e nel liquido che resta sciogliete grammi 30 di midolla di pane soffritta nel burro, per bagnarli quando li passerete dallo staccio, dopo averli pestati nel mortaio. Estrattane così tutta la polpa, unitela a sugo di carne come quello della ricetta n. 4 e se non lo avete in cucina potete farlo con soli centesimi 30 di carne adatta per quell'uso. Mescolate ora questo composto al resto del brodo per bagnare la zuppa, che può essere di pane semplicemente arrostito, o a dadini, fritto nel lardo o nell'olio.
Servitela con parmigiano grattato.

ZUPPA ALLA STEFANI

L'illustre poeta dott. Olindo Guerrini, essendo bibliotecario dell'Università di Bologna, ha modo di prendersi il gusto istruttivo, a quanto pare, di andare scavando le ossa dei Paladini dell'arte culinaria antica per trarne forse delle illazioni strabilianti a far ridere i cuochi moderni. Si è compiaciuto perciò di favorirmi la seguente ricetta tolta da un libriccino a stampa, intitolato: L’arte di ben cucinare, del signor Bartolomeo Stefani bolognese, cuoco del Serenissimo Duca di Mantova alla metà del 1600, epoca nella quale si faceva in cucina grande uso ed abuso di tutti gli odori e sapori, e lo zucchero e la cannella si mettevano nel brodo, nel lesso e nell'arrosto. Derogando per questa zuppa dai suoi precetti io mi limiterò, in quanto a odori, a un poco di prezzemolo e di basilico; e se l'antico cuoco bolognese, incontrandomi all’altro mondo, me ne facesse rimprovero, mi difenderò col dirgli che i gusti sono cangiati in meglio; ma che, come avviene in tutte le cose, si passa da un estremo all'altro e si comincia anche in questa ad esagerare fino al punto di volere escludere gli aromi e gli odori anche dove sarebbero più opportuni e necessari. E gli dirò altresì che delle signore alla mia tavola, per un poco di odore di noce moscata, facevano boccacce da spaventare. Ecco la

RICETTA DI DETTA ZUPPA PER SEI PERSONE

Cervello di vitella, o di agnello, o di altra bestia consimile, grammi 120.
Fegatini di pollo, n. 3.
Uova, n. 3.
Un pizzico di prezzemolo ed uno di basilico.
Il sugo di un quarto di limone.

Scottate il cervello per poterlo spellare e, tanto questo che i fegatini, soffriggeteli nel burro e tirateli a cottura col sugo di carne; sale e pepe per condimento.

Ponete le uova in un pentolo, uniteci il prezzemolo e il basilico tritati, l'agro di limone, un poco di sale e pepe e frullatele; poi col brodo diaccio, che deve servire per bagnare la zuppa, diluite il composto poco per volta. Versateci in ultimo il cervello e i fegatini tagliati a pezzetti, e mettetelo a condensare a fuoco leggero, muovendolo continuamente col mestolo, ma senza farlo bollire. Condensato che sia, versatelo nella zuppiera sopra il pane, che già avrete tagliato a dadi e soffritto nel burro o nell'olio, ma prima spargete sul pane stesso un pugno di parmigiano grattato.

Questa minestra riesce delicata e sostanziosa; ma io che coi morbidumi non me la dico punto, invece del cervello, in questo caso, supplirei con le animelle e in proposito vi dirò che in certe città, e m'intend'io, dove per ragione del clima non si può scherzare troppo coi cibi, a forza di mangiar leggero e preferibilmente cose morbide e liquide, si sono gli abitanti di esse snervato lo stomaco in modo che questo viscere non può più sopportare alcun nutrimento un po' grave.

ANOLINI ALLA PARMIGIANA

Una signora di Parma, che non ho il bene di conoscere, andata sposa a Milano, mi scrive: “Mi prendo la libertà d’inviarle la ricetta di una minestra che a Parma, mia amata città natale, è di rito nelle solennità famigliari; e non c'è casa, io credo, ove nei giorni di Natale e Pasqua non si facciano i tradizionali Anolini”. Mi dichiaro obbligato alla prefata signora perché avendo messo in prova la detta minestra è riuscita di tale mia soddisfazione da poter rendermi grato al pubblico e all'inclita guarnigione. Dosi per una minestra sufficiente a quattro o cinque persone:

Magro di manzo nella coscia, senz'osso, grammi 500
Lardone, circa grammi 20.
Burro, grammi 50.
Un quarto di una cipolla mezzana.

Il pezzo della carne steccatelo col lardone, legatelo e conditelo con sale, pepe e l'odore di spezie, poi mettetelo al fuoco in un vaso di terra o in una cazzaruola col burro e la cipolla tritata all'ingrosso per rosolarlo col detto burro. Fatto questo, versare due ramaiuoli di brodo nel vaso e chiudetelo con diversi fogli di carta tenuta ferma da una scodella contenente alquanto vino rosso; e perché poi vino e non acqua non lo sa spiegare neanche la detta signora. Ora fate bollire dolcemente la carne così preparata per otto o nove ore, onde ottenere quattro o cinque cucchiaiate di un sugo ristretto e saporito che passerete dal setaccio strizzando bene e che serberete per il giorno appresso. Allora formate il composto per riempire gli Anolini con:

Pangrattato di pane di un giorno, tostato leggermente, grammi 100.
Parmigiano grattato, grammi 50.
Odore di noce moscata
Un uovo e il sugo della carne.

Fate tutto un impasto omogeneo e tirando tre uova di sfoglia tenuta alquanto tenera riempite il disco smerlato del n. 162 che ripiegherete in due per ottenere la forma di una piccola mezza luna. Con questa dose ne otterrete un centinaio che saranno buoni in brodo o asciutti come i tortellini e riescono leggeri allo stomaco più di questi. La carne rimasta poi la mangerete sola o con un contorno d'erbaggi e figurerà come uno stracotto.

Di Pellegrino Artusi, estratto "La Scienza in Cucina e l'Arte di Mangiar Bene", a cura di Silvia Masaracchio, Collana Bacheca Ebook 2011, pp.79-131.  Adattato e illustrato per essere pubblicato da Leopoldo Costa

OS ESCÂNDALOS DE CARLOTA JOAQUINA -UMA TRAGÉDIA NUPCIAL

$
0
0


No ano de 1788, a rainha de Portugal, D. Maria Vitória, viúva de D. JoséI, foi a Madri, sua terra natal, em visita ao irmão - o rei Carlos III. Dessa visita resultou um tratado de paz, selado com dois contratos de casamento. A Espanha daria ao príncipe D. João, neto da rainha Vitória, a princesinha D. Carlota Joaquina. Portugal daria ao príncipe D. Gabriel, filho do rei Carlos III, a princesa D. Mariana Vitória, irmã de D. João e neta de D. José I. Era, como se vê, um negócio de família...e também de Estado.

Na época do ajuste, a princesa espanhola tinha 8 anos de idade e a portuguesa apenas 15. Os preparativos para o casamento duraram quase dois anos, pois essas cerimonias dependiam da execução do

“Tratado Político” assinado pela rainha Maria Vitória, de Portugal, e pelo rei Carlos III, da Espanha. Somente em 17 de março de 1785 é que o conde de Louriçal, ministro português em Madri, pediu oficialmente a mão da princesinha, já então com 10 anos, para o príncipe D. João. Ao mesmo tempo, o conde Fernan Nunes, embaixador espanhol em Lisboa, com toda a solenidade, pedia a mão da infanta portuguesa D. Mariana Vitória, então com 16 anos, para o príncipe D. Gabriel.

Efetuados os dois contratos nupciais, através de procurações dadas aos respectivos embaixadores em Lisboa e Madri, combinou-se que a apresentação das meninas aos respectivos noivos se faria na cidade portuguesa de Vila Viçosa, próxima à fronteira com a Espanha. Aí, em 8 de maio de 1775 Carlota Joaquina recebia em casamento o príncipe D.

João, enquanto Mariana Vitória se tornava esposa do príncipe Gabriel.

No dia seguinte realizaram-se a confirmação nupcial e a bênção apostólica, dada pelo cardeal patriarca aos dois casais de príncipes.

Carlota Joaquina casara-se , pois, com 10 anos de idade enquanto que o marido, o príncipe D. João, contava 17 completos.

Os festejos duraram quatro dias, achando-se presentes as duas famílias reais, a de Portugal e a de Espanha, bem como a fidalgaria e a burguesia rica de ambos os países.

De dia, realizavam-se festas, torneios, touradas; de noite, reuni-

ões musicais, que naquele tempo se chamavam serenins, bailes e re-presentações alegóricas e líricas.

Depois das festas. D. João e Carlota Joaquina, recém-casados, partiram para Lisboa. Mas o príncipe português ia mal-humorado, pois em Viçosa, ainda no dia da benção nupcial, explodira um escândalo, dando motivo a falatórios durante muito tempo.

Que escândalo teria sido esse? - Como teria estreado na vida de aventuras essa menina de 10 anos, que mais tarde seria rainha de Portugal e do Brasil, e esposa adúltera do sereníssimo e conformadíssimo rei D. João VI?

Seria mesmo escandalosa, aos 10 anos de idade, essa malsinada Carlota Joaquina? Dizem as crônicas antigas e a tradição histórica que sim.

Os artífices portugueses, ajudados por espanhóis e franceses, construíram junto ao pavilhão dos reis, o dos noivos, no qual, lado a lado, se apreciavam dois lindos aposentos nupciais.

Os estofados mais vistosos, as sedas mais belas, as rendas caríssimas, broquéis riquíssimos, tudo que poderia encantar a vista e agradar o corpo na maciez de um conforto principesco, aí, nesses dois apar-tamentos vizinhos, podia ser encontrado e apreciado. E nessa histórica noite de 9 de junho de 1785, acompanhadas das famílias reais, as duas princesinhas, a de Portugal e a de Espanha, ingressaram nos respectivos aposentos. Logo depois, os príncipes foram chamados pelas camareiras e, com o cerimonial do protocolo, penetraram nas alcovas nupciais.

E enquanto se fechavam as portas do pavilhão dos noivos, lá fora, no pavilhão das festas, continuava, numa linda canção de amor, o serenim das damas fidalgas e dos nobres cavaleiros das duas côrtes reunidas de Portugal e Espanha.

E a cantoria, mesmo de propositada intenção, ali perto dos aposentos nupciais, baixava em meia voz, e ia morrendo em surdina, como final de um serenim de amor, cantado no dedilhar de guitarras e bandolins.

Eis então que, lá do pavilhão nupcial, gritos de mulher aflita, seguidos de um urro retumbante de dor agoniada, se fizeram ouvir, espicaçando a curiosidade dos cavalheiros e damas da sala de festas. Aos gritos sucederam-se gemidos, e de repente, como um fantasma, um vulto de mulher, em roupas de seda de Veneza e rendas de Holanda, deixava o pavilhão dos noivos e rapidamente atingia o pavilhão dos reis de Espanha.

Quem seria? O que seria? Tais eram as interrogações que imediatamente brotaram de todas as bocas cortesãs. E ainda perduravam as interrogações de curiosidade quando surgiu no salão de festa, ofegante e pálida, trêmula e desconcertada, a senhora condessa de Badajoz, açafata da princesa Carlota Joaquina.

Ia, numa pressa nervosa, gaguejando a todo o instante:

- Onde está o cirurgião-mór? E na arquejante gagueira lá foi repetindo a pergunta até que surgiu a figura rubicunda e gordalhuda do cirurgião-mór.

- Que há, sra. Condessa?

- Depressa, Sr. cirurgião, depressa, que o nosso príncipe D. João está morrendo, esvaindo-se em sangue e a nossa princesa D. Carlota está hirta como defunta no quarto de sua Majestade el-rei de Espanha.

Lá se foi o cirurgião. E os cortesãos, aflitos e torturados pela curiosidade, esperaram pela explicação do caso de tamanho escarcéu.

Somente muito depois é que o escândalo correu de boca em boca, e a explicação contentou regiamente a curiosidade dos bisbilhoteiros da Côrte.

No dia seguinte, a condessa de Badajoz, muito reservadamente, contava o caso ao seu favorito Marquês de Marialva e este o transmitia ao amigo padre José Agostinho de Macedo, de cuja boca ferina e indis-creta Portugal inteiro recolheu a tragédia nupcial do príncipe D. João, E

no famoso convento de Odivelas, do qual era assíduo devoto, o padre narrava o episódio à sua favorita, soror Angelina, entre sorrisos maldosos e comentários picantes:

- Então, meu padre Agostinho, sua alteza o príncipe foi ferido na noite do casamento?

- Ora se foi... A condessa de Badajoz, açafata da princesa Carlota Joaquina, ouviu dela própria a história contada tim-tim por tim-tim...

- E o padre como o soube?

- Pelo Marialva, que o ouviu da açafata condessa de Badajoz. Foi assim: O príncipe D. João, recolhendo-se ao aposento nupcial, quis naturalmente prestar à esposa a mesma homenagem que o cunhado, no aposento vizinho, estava prestando à princesa D. Mariana. Porém, D. Mariana, com 16 anos e mais sabida que a outra, já se conformara previamente com as homenagens próprias de todo o noivado, ao passo que D. Carlota Joaquina, menina de 10 anos, ignorando o protocolo e rebelde às conveniências, não aceitou o jogo e, logo na primeira investida, aplicou uma violentada dentada na orelha do marido e, em seguida, aos gritos, meteu o castiçal de prata da cabeceira na testa de D. João, abrindo-lhe uma brecha. Vendo-o ensangüentado, fugiu para o pavilhão dos reis de Espanha, ainda em trajes de dormir e lá se estatelou num ataque de histeria...

- E agora, padre Zé Agostinho, e agora como vai ser?

- Já está tudo arranjado, soror Angelina. Gente de sangue azul não se aperta por tão pouco. Ficou assentado que sua alteza Carlota Joaquina terá quarto de solteira e recusará a visita do príncipe consorte até completar os 14 anos. É o que consta do ato adicional do casamento, assinado em 12 de maio, dois dias depois da trágica noite nupcial. Isso, naturalmente, só será válido enquanto a princesa o quiser...

- Como é, padre Agostinho?

- É assim mesmo, soror Angelina, porque a princesinha Carlota Joaquina poderá romper o protocolo antes dos 14 anos, tornando-se mulher na amplitude de suas prerrogativas e percalços. Será, apenas, uma questão da sua vontade, quando ela tiver...vontade.

UM CASTIGO DO DIABO

Carlota Joaquina estava fula de raiva. O príncipe D. João, calmo, bondoso, risonho, procurava acalmá-la. Era inútil, e inútil porque não se acalmam espanholas enfurecidas quando provocadas no seu amor próprio. E aquele folheto que circulara por todo Portugal e saíra mesmo fora do reino, chalaceando o incidente escandaloso da sua noite nupcial, golpeara fundo o seu amor próprio de mulher e de princesa.

- E você acha, João, que o que está aí não me ofende?

O príncipe D. João, olhando a capa do folheto incriminativo, respondeu sorrindo:

- Não vejo ofensa, Carlota.

Carlota Joaquina tremeu de raiva. Todo o mundo via alusões naquele livrinho, e só o príncipe não via. Ele só, mais ninguém.

- Então esse título não é escandaloso? Não se refere à nossa noite de núpcias em Vila Mimosa?

D. João levantou o folheto até o rosto e leu em voz alta:

- “O gato que cheirou e não comeu”.

- Aí está a ofensa.

- Pois não vejo nada. Isso é bobagem de algum malandro sem eira nem beira. Eu não sou gato, você não é gata, e aqui só há coisas de gato...

Carlota Joaquina não pôde mais e num ímpeto arrancou o livrinho das mãos do príncipe. Abriu-o ao acaso e espumando de raiva, gritou nas bochechas do marido:

- Pois leia isto.

D. João aproximou-se e leu os seguintes versos: Cante-se por toda a parte

"A mordida na orelha dada;

A gatinha mordeu o gato

Na noite duma embrulhada.

E o gato só cheirou,

Miou e miou de dor,

Com uma brecha na cabeça

E nas ventas um fedor.

Reis, príncipes e bispos

Cantai a história berrante

Do gato que só cheirou

E apanhou no mesmo instante".

- Você viu? Não há alusões? bramiu Carlota Joaquina.

Mas o príncipe D. João, achando graça nos versos, desandou uma gos-tosa gargalhada.

- Quá... quá... quá... quá...

A princesa então saiu dos aposentos do príncipe, onde se achava, depois de lhe dizer quase em soluços de furor:

- Pois o caso será resolvido por mim. Você vai ver, João.

E resolveu de fato. Mandou chamar à sua presença o mordomo do palácio, o famoso João Couto e disse-lhe:

- Preciso que você me arranje uma pessoa de confiança para um serviço reservado.

- Alteza, respondeu o mordomo, o meu filho Antoninho é de toda confiança.

- Pois que venha falar-me.

No dia seguinte apareceu no palácio o famoso Couto da Judiaria, rapagão forte, destemido e barulhento.

Carlota Joaquina mostrou o folheto e perguntou-lhe se sabia quem fôra o autor daquele pasquim.

- Ora, Alteza, isso é do padre José Agostinho.

- Do orador sacro?

- Esse mesmo, Alteza. Lisboa inteira sabe disso.

- Mas esse padre então é um devasso?

- Esse padre, Alteza, tem mais vícios do que cabelos na cabeça.

É devasso, arruaceiro, ladrão, anarquista, indecente...

- Mas é padre. Se não fosse, eu mandaria matá-lo. Como é padre, quero apenas castigá-lo.

- Com uma surra, Alteza?

- Não. A surra é uma vingança banal. Que castigo você se lem-braria de dar a um padre indecente?

- Se Vossa Alteza me permite a liberdade, eu falaria.

- Pois fale.

- Alteza, o rei D. Pedro I de Portugal, antepassado do príncipe vosso esposo, numa ocasião, quis castigar o bispo do Porto, que era um devasso. Mandou expô-lo nu, depois de chicoteá-lo, no largo da Sé, aos olhos da plebe.

- Mas isso não é o bastante. Eu quero mais. Ouça, Couto, pegue com o auxílio de alguns criados do Paço esse padre indecente, dê-lhe uma surra de chicote nas nádegas, aplique um clister de pimenta do reino, e solte-o nu no bairro das marafonas.

*

E assim foi castigado o padre José Agostinho de Macedo, famoso escritor e orador sacro de Portugal e ao mesmo tempo famigerado devasso e rival de Bocage em poesias obscenas.

O Antonio Couto, acompanhado de criados do Paço, cumpriu as instruções da princesa Carlota Joaquina. O padre José Agostinho, solto nu na via pública, pulando de dor em conseqüência do clister de pimenta, foi socorrido pela atriz Maria da Luz, cômica do Teatro da rua dos Condes, de quem se tornou amante depois disso.

*

Tempos depois, o acaso colocou o padre José Agostinho frente a frente com a princesa Carlota Joaquina. E o padre, todo meloso, disse à futura rainha:

- Alteza, já ouviu falar da agressão de que fui vítima?

- Ora, reverendo, a sua vida deve preocupar o sr. bispo... Aproveite que ele vem vindo e conte os seus problemas a ele. E virando-se para o prelado:

- O notável orador sacro padre José Agostinho perguntou-me se ouvi falar na agressão de que foi vítima. V. Excia . ouviu, sr. bispo?

E o bispo, depois de fungar, tomando uma pitada de rapé, respondeu, rindo:

- Corre pela cidade de Lisboa que o padre José foi vítima de um castigo do diabo.

- De um diabo de saias, resmungou com os seus botões o padre José Agostinho que sabia ter sido o Couto um mandatário de uma dama de elevada hierarquia...

Texto de Assis Cintra em "Os Escândalos de Carlota Joaquina", Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1934, compilação de Edilberto Pereira Leite, excertos pp.8-14. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

HITLER AT HOME

$
0
0


While the brutal realities of the Nazi regime were unfolding, its propagandists were busy fostering an image of Hitler as the peaceful homemaker. Despina Stratigakos investigates.

On 16 March 1941, with European cities ablaze and Jews being herded into ghettos, the New York Times Magazine featured an illustrated story on Adolf Hitler’s retreat in the Berchtesgaden Alps. Adopting a neutral tone, correspondent C Brooks Peters noted that historians of the future would do well to look at the importance of “the führer’s private and personal domain”, where discussions about the war front were interspersed with “strolls with his three sheep dogs along majestic mountain trails”.

For more than 70 years, we have ignored Peters’ call to take Hitler’s domestic spaces seriously. When we think of the stage sets of Hitler’s political power, we are more likely to envision the Nuremberg rally grounds than his living room. Yet it was through the architecture, design and media depictions of his homes that the Nazi regime fostered a myth of the private Hitler as peaceable homebody and good neighbour. In the years leading up to the Second World War, this image was used strategically and effectively, both within Germany and abroad, to distance the dictator from his violent and cruel policies. Even after the outbreak of war, the favourable impression of the off-duty führer playing with dogs and children did not immediately fade.

Hitler maintained three residences during the Third Reich: the Old Chancellery in Berlin; his Munich apartment; and Haus Wachenfeld (later the Berghof), his mountain home on the Obersalzberg. All three were thoroughly renovated in the mid-1930s and facilitated the creation of a new, sophisticated persona.



The Old Chancellery

Hitler’s home in Berlin, redesigned to trumpet his grand ambitions.

The Old Chancellery on Berlin’s Wilhelmstrasse had been the official residence of German chancellors since 1871. After being appointed chancellor in 1933, Hitler refused to move into the building because he was sensitive to what this “shabby” (in his eyes) palace would say about him. The chancellery was in the heart of the government district and Hitler felt that these buildings, including the chancellor’s residence, had a role to play in reclaiming Germany’s lost diplomatic prestige following the First World War.

He therefore hired the Munich-based architect Paul Ludwig Troost to renovate its public and private spaces. When Troost died in January 1934, the work was assumed by his widow, Gerdy, who began a new design firm, the Atelier Troost. She would henceforth become Hitler’s main interior decorator.

In the renovated public spaces of the Old Chancellery, the dominant object in the main reception hall, where Hitler entertained foreign diplomats and reporters, was a vast Persian-patterned carpet. Hitler liked to tell the story that this luxurious carpet originally had been ordered by the League of Nations for its new Geneva headquarters, but when it was completed the League was short of funds and could not pay, so he acquired it for his official residence. Hitler thus presented himself – no doubt with mocking reference to having withdrawn Germany from the League in October 1933 – as literally pulling the carpet out from under them.

Hitler claimed that he personally paid for the costly Old Chancellery renovations as a service to the nation. Gerdy Troost’s invoices, however, reveal that it was German taxpayers, struggling through the Great Depression, who largely footed the bill.

16 Prince Regent Square

Crammed with art, his Munich home projected respectability and taste.

The luxury apartment at 16 Prince Regent Square in the Bogenhausen district of Munich, occupied by Hitler in October 1929, also made a statement: it signalled the firebrand politician’s social respectability to the city’s better classes. The apartment spanned an entire floor of the imposing five-storey building designed in a Jugendstil style (youth style) by the Munich architect Franz Popp in 1907–08.

In January 1935, Hitler hired the Atelier Troost to renovate and redecorate his spacious Munich apartment at the extravagant cost of 120,000 Reichsmarks – more than 10 times the average income earned by a doctor in Germany that year. On 25 April 1935, when the apartment was nearing completion, the Daily Telegraph published an article about the renovations stating that the führer was overseeing the work and that “all the furnishings and decorations are being carried out according to Herr Hitler’s own designs”.

Since the source for the article was likely the Nazis’ own press office, the erroneous attribution of the creative work to Hitler seems deliberate. The article reported on the führer’s love for German art and his passion for music, telling readers that “the decorations in his flat follow the German heroic colour scheme of blue, gold and white, made famous in Wagner’s operas, and the furnishing is all of the same style”. Through the reinvention of his domestic spaces, Hitler was thus portrayed as an artist and composer in his own right. While the article implied his wealth, it also gave the impression of a man so devoted to art and culture that even the colour of his pillows spoke to his idealism.

On the morning of 30 September 1938, Neville Chamberlain met privately with Hitler in his Munich apartment. The previous day and night, Hitler, Chamberlain, Benito Mussolini and the French prime minister, Édouard Daladier, had debated and eventually signed the Munich Agreement, which had sealed Czechoslovakia’s dismemberment. Chamberlain went to see Hitler privately to ask him to sign a short joint declaration that the Munich Agreement and the Anglo-German Naval Agreement signed in 1935 symbolised the desire of the two nations never again to go to war with one other.

Heinrich Hoffmann, Hitler’s photographer, recorded the meeting of the two leaders. In an image released to the public, we see Chamberlain, Hitler and Paul Schmidt, Hitler’s translator, seated in the living room. Hitler, who occupies the centre of the photograph, is framed by markers of his cultivation: rows of fine books and German and Renaissance painting and sculpture.

During their conversation, Chamberlain had asked that, if Czechoslovakia resisted Germany’s annexation of parts of its territory, its women and children be spared aerial attacks, to which Hitler replied that he hated the idea of babies being killed by bombs. In the photograph, the carefully chosen objects around Hitler seemed to reinforce the reassurance that Chamberlain sought, suggesting that he was negotiating with a man who understood and shared Europe’s highest cultural values.



Haus Wachenfeld: The Berghof

Selling a fantasy of off-duty domesticity at his fortified mountain home.

Almost as soon as work was completed on his Munich apartment, Hitler undertook a massive expansion and renovation of Haus Wachenfeld on the Obersalzberg, the place most Germans identified as the home of their führer. The work began in late 1935 and was completed the following summer. What had once been a modest chalet was now transformed into the Berghof, a large and carefully guarded compound. The structural expansion was undertaken according to Hitler’s proposals by the Bavarian architect Alois Degano; the interiors were completed by the Atelier Troost, also working closely with Hitler.

Images of the Berghof and its happy owner, most of them taken by Hoffmann, were widely distributed and collected during the Third Reich. The mountain served as a medium to humanise Germany’s leader through his contact with animals and children. Hoffmann’s camera captured the off-duty führer handing out treats to deer and toddlers, in the seemingly perpetual sunshine of the Alps. In such officially produced propaganda, as well as in a host of popular merchandise depicting Hitler’s mountain chalet, Germans consumed fantasies about an ideal domestic life rooted in the natural landscape. These ‘homey’ images captured the promised land of abundance and happiness at the end of their years of suffering, the beauty interwoven with the regime’s brutal policies of war and extermination. For tens of thousands of Germans, the Obersalzberg also became a place of pilgrimage, where one might lay eyes or even hands on the nation’s ‘saviour’.

To the broader world, the renovated Berghof proclaimed Hitler’s maturation and confidence: in its stately and carefully appointed spaces, Germany’s leader greeted kings and princes, prime ministers and marshals, religious leaders, secretaries of state and ambassadors. It was where he negotiated with the powers of Europe that stood between him and his vision of a greater German Reich.

Like the renovation itself, the Great Room meant to convey the ‘new’ Hitler, not the ex-corporal who roused rebels in beer halls or the dictator who cut down his opponents in cold blood, but rather a powerful, cultivated and, above all, trustworthy statesman.

Hitler spent more than a third of his 12 years in power at his mountain home. Even a war did not seem reason enough to sacrifice its pleasures and, after 1939, the Berghof became a military headquarters from which he conducted battles and planned strategy. Hitler, it has been said, pioneered the work-from home movement, and the Great Room was at the centre of his intention to rule an empire from the comfort of his living room sofa.

Written by Despina Stratigakos in " BBC History Magazine - Collector's Edition Nazi Germany", 2018, UK, excerpts pp. 57-61. Digitized, adapted and illustrated to be posted by Leopoldo Costa.

SLEEP TIPS FROM HISTORY

$
0
0



They ate lettuce soup, placed cow dung at the end of their beds, and hung wolves’ teeth around their necks toward of the devil. Sasha Handley reveal show our ancestors from the early modern era and beyond combated the scourge of sleeplessness.

Stick to a routine

Early modern sleep gurus believed that consistency was the key to a long, virtuous life.

We’re all obsessed with sleep – or the lack of it. In our modern world of long working hours, high stress levels and soaring screen time, the quest to get the recommended eight hours a night has become something of a holy grail. So what did our forebears do? How did they combat the ogre of sleep deprivation? Top of their list of priorities was to put aside a set period dedicated to sleep – and to stick to it every night. In fact, they believed that keeping fixed sleeping hours was one of the keys to keeping body, mind and soul in good order. John Wesley, leader of the Methodist movement, echoed the views of his 17th-century ancestors when he advised his followers to “lay all things by til the morning… keep your hour or all is over”.

Such was the importance of regular sleep in the early modern psyche that – along with air, diet, excretion, exercise and passions of the mind – it was considered one of the six key ingredients in balancing the body’s four humours of phlegm, blood, black bile and yellow bile. This, it was believed, helped maintain long-term physical and mental health.

Regular sleeping hours were also regarded as an important barometer of an individual’s reputation and spiritual health. Those that kept erratic sleeping hours, or lay in bed for too long, invited a variety of insults. Fifteen-year-old Elizabeth Livingston, a maid in the privy chamber of Charles II’s queen, Catherine of Braganza, called herself “Soloman’s sluggard” when she confessed to “staying in bed until noon”. Elizabeth was clearly fearful that her “acustomed lasynesse” was damaging the health of both her body and her soul.

Eat right, sleep tight For our forebears, the secret to a good night’s sleep lay in the contents of your gut.

We’ve been alive to the sleep-disrupting qualities of caffeine for almost as long as it’s been drunk. As far back as the 17th century, the self-styled French pharmacist Philippe Sylvestre Dufour declared that tea and coffee should be avoided before bedtime, noting that they were only useful for those “that would study by night”.

But our early modern ancestors believed that food and drink could cure sleep deprivation, as well as cause it. They prized lettuce soup for its soporific qualities, and often supped a hot, milky drink known as posset – a common bedtime beverage that strengthened the stomach by placing a dairy ‘lid’ on it.

Early modern medic advice drew close link between healthy sleep and healthy digestion. In his 1534 book Castel of Helth, the lawyer and humanist scholar Sir Thomas Elyot declare that: “Digestion is made better, or more perfite by slepe, the body fatter, the mynde more quiete and clere, the humours temperate.”

Adopting the right sleep posture was thought to speed digestion. People were advised to sleep “well bolstered up”, with their heads raised to create a downward slope towards the stomach, so preventing the regurgitation of food.

They were also encouraged to alternate their position during the night. Resting first on the right side allowed food to descend easily into the stomach’s pit. Turning onto the cooler left side after a few hours released the stomach vapours that had accumulated on the right, and spread heat more evenly through the body.

Treasure your own bed

Never underestimate the power of a safe, soothing and, above all, familiar sleeping environment.

“Someone’s been sleeping in my bed!” As this famous line from Goldilocks and the Three Bears reveals, people have long cherished the security, familiarity and comfort that comes with sleeping in their own beds. And they don’t take too kindly to it when that space is violated. This is as true today as it was when Robert Southey’s celebrated fairy tale first became popular in the 1830s. And it was certainly the case in the early modern era.

Beds were cherished because they had important social, ritual and emotional functions, as well as being places of refreshment, comfort and security. Our early modern ancestors often slept in beds and beneath textiles that had been handed down through their families, or gifted to them upon marriage or the birth of a child.

Women made or decorated bedsheets, coverlets and quilts for loved ones – in doingso, imbuing bedding with great sentimental value. Little wonder that Yorkshire woman Alice Thornton fought tooth and nail against court appraisers in the 1660s to keep possession of the scarlet bed that her mother had given her. This was the bed in which Alice and her offspring had recovered from childhood illnesses, and in which Alice had mourned the death of her husband, William.

This 17th-century obsession with familiarity appears to be supported by science. Sleep researchers have long been aware of the ‘first night effect’ – the idea that people sleep badly in unfamiliar environments. Scientists now believe that this is due to one half of thebrain being on ‘night watch’, sleeping lightly in case the new environment is unsafe.

Keep your cool

One of the best ways to nod of at night is to lower the temperature.

Modern sleep experts believe that there’s an optimum room temperature for a good night’s slumber: 18.5ºC. Our early modern predecessors might not have been privy to such precise data but that didn’t stop them being keenly aware that excessive heat is no friend of sleep. So what did they do to keep their bedrooms fresh and cool? They opened doors and windows, to ensure a constant flow of air, and they sweetened that air with the scent of rose and marjoram. They also prized linen sheets for the cool and refreshing sensation they offered in bed.

Linen provided the added benefit of protecting sleepers from three small but potent foes of slumber: bedbugs, flies and fleas. These, wrote the 18th-century Irish-born writer Oliver Goldsmith, had an unrivalled capacity to “banish that sleep, which even sorrow and anxiety permitted to approach”.

If linen sheets failed, then householders could deploy several recipes for cleansing their bedsteads and fumigating mattresses. Hannah Glasse, author of the Servant’s Directory or House-Keeper’s Companion (1760), advised those who lived in marshy or fenny areas to hang pieces of cow dung at the foot of the bed to keep bugs at bay.

Talk to God

Bedtime prayers were regarded as the best safeguard against the evils that stalked the night.

It may have fallen out of fashion in our more secular age but, back in the 16th and 17th centuries, prayer was an integral part of most people’s bedtime routine. And there was a good reason why believers sought to speak to God before retiring to their beds: self-preservation.

To the early modern mind, the night was fraught with danger, a time when the body came perilously close to death. As the physician and clergyman Thomas Browne put it in his most famous work, Religio Medici (1643), sleep was “that death by which we may literally [be] said to dye daily… so like death, I dare not trust it without my prayers”.

Browne feared for his body and soul during sleep since it was at night that the devil’s threat peaked. As the Elizabethan playwright Thomas Nashe explained in The Terrors of the Night (1594): “The Night is the Divells Blacke booke, wherein hee recordeth all our transgressions.” The devil and his servants had the power to perform devastating acts during the night, from diabolical possession and terrifying nightmares to the infliction of bodily harm. He could even, it was widely believed, steal or deform men’s penises during the night, robbing them of their fertility and their masculinity.

Bedtime prayer may have been the best way to ward off these evils but it wasn’t the only one. People also surrounded their beds with amulets and charms that were invested with protective qualities. When it came to protecting children, they tended to employ more visceral objects, hanging wolves’ teeth around their necks, and suspending carving knives or scissors over their cradles.

Get creative in the kitchen

In the early modern era, homemade remedies were a key weapon in the war on sleep deprivation.

When sleep escapes us, many of us today seek solace in sleeping pills. That course of action wasn’t open to early modern insomniacs. But that doesn’t mean that their options were exhausted – they simply had to be a little more creative.

Homemade sleep remedies were an important part of the household’s medicinal stock and it was at home that most episodes of sleep loss were treatedwith tried-andtested recipes passed down and adapted across family generations. A recipe book signed by Elizabeth Jacobs in 1654 included four remedies for sleep loss. One was designed “To make a man sleepe”, and it mixed the key ingredient of poppy seeds with beer, white wine or fortified wine depending on the patient’s age.

Less potent remedies included distillations of chamomile flowers , rose petals, lavender, cucumber or lettuce that could be swallowed or applied externally to cool the head, neck or stomach. A recipe from c1710 recommended taking red rose leaves, milk and a slice of nutmeg, sewing them into a piece of cloth and applying the parcel “to each temple” before bed. Dried rose leaves were also stuffed inside pillows and mattresses, and sprinkled between the bedcovers to produce a “sweet and pleasant” scent.

Many of these sleepy ingredients were grown at home, so next time you struggle to sleep, you might consider whether your garden could offer some assistance.

By Sandra Handley in "BBC History Magazine", UK, May 2018, excerpts pp. 37-40. Digitized, adapted and illustrated to be posted by Leopoldo Costa.

TRIÂNGULO DAS BERMUDAS - AS SURPRESAS DA PRÉ-HISTÓRIA

$
0
0



Vários investigadores dos fenômenos do Triângulo das Bermudas sugeriram que seres inteligentes alienígenas talvez estejam interessados, ou até mesmo preocupados, com a possibilidade de nossos aperfeiçoamentos no campo da desintegração nuclear para fins de guerra estarem ameaçando a existência da civilização em nosso planeta, como talvez já tenha destruído outras civilizações deste ou de outros planetas.

A era do homem racional neste planeta, com um potencial de inteligência comparável ao dos dias de hoje, pode se entender por um período de 40.000 a 50.000 anos atrás ou até mesmo antes. Por isto, se dermos a uma civilização tal como a nossa um período de cerca de 10.000 anos para progredir a um ponto na ciência e na tecnologia que a torne capaz de se autodestruir, teremos ainda o tempo suficiente para a presença de uma ou mais culturas anteriores à nossa. Talvez qualquer civilização tecnicamente avançada pudesse eventualmente, por sorte ou desígnios próprios, desenvolver o poder intrínseco da desintegração nuclear (a nossa civilização levou bem menos de 10.000 anos para consegui-lo). A que ponto a civilização terá necessidade de decidir sobre os meios de controlá-lo e a seu desenvolvimento ou de arriscar a sua própria ruína? Se uma tal cultura existiu neste mundo, ela causou a sua própria destruição e desapareceu, mas sua memória talvez pudesse ter sido preservada através das lendas, ou sugerida por certos artefatos anacrônicos de idade incerta, ou relembrada por ruínas imensas e impossíveis de identificar ou explicar-se. E estes são os verdadeiros elementos que tendem a localizar o lugar de uma tal cultura sobre a área hoje coberta pelas águas do Triângulo das Bermudas.

Edgar Cayce, em seus artigos sobre a Atlântida, repetidamente fez o que parecem ser referências a fontes de energia nuclear, raios laser e maser, comparáveis aos nossos e geralmente empregados para os mesmos usos que nós gostamos (se for esta a palavra certa) de fazer hoje em dia. As descrições de seus usos e a observação quanto ao perigo de um emprego mal feito teriam sido considerados hoje praticamente normais e indignos de comentários editoriais, mas como Cayce podia saber de uma coisa destas há mais de trinta e cinco anos atrás?

Cayce descreveu estas fontes de energia em detalhes. Eram grandes geradores produzindo energia para a propulsão de embarcações aéreas e submarinas. Eram capazes de produzir iluminação, calefação e comunicações. Faziam funcionar formas de radiodifusão, televisão, e eram igualmente usadas em fotografias a longa distância. Supriam ainda a energia que servia para a modificação e o rejuvenescimento dos tecidos vivos, inclusive os do cérebro, e graças a isto, eram igualmente usados para controlar e disciplinar toda uma classe social.

No entanto, através de um emprego errado das forças naturais que eles haviam aperfeiçoado, e através de antagonismos civis e externos, os Atlantes eventualmente libertaram forças incontroláveis da Natureza que causaram a sua própria destruição, numa crença geralmente partilhada por Cayce e as lendas das mais antigas culturas e civilizações do mundo. Nas palavras de Cayce:

..."O Homem criou as forças destrutivas... que combinadas aos recursos naturais de gases, de forças oriundas da Natureza e em sua forma natural, deu origem à pior de todas as erupções já nascidas das profundezas da Terra que se esfriava lentamente e aquela porção (da Atlântida) que agora fica perto do que foi S chamado o Mar dos Sargaços foi a primeira a mergulhar no oceano..."

Em sua relação com a pré-história, Cayce parece especificamente prever o emprego de raios laser e maser, cuja existência reconhecida naquele momento (em 1942) ainda jazia muito à frente do futuro. Ele descreveu uma fonte de energia como um cristal gigantesco:

...No qual a luz aparecia como um meio de comunicação entre o infinito e o finito ou os meios pelos quais existiam as comunicações com aquelas forças externas. Posteriormente isto veio a significar que do local de onde a energia era irradiada, como de um centro de onde as atividades radiais guiavam as várias formas de transição e de mudanças através dos períodos de atividade dos Atlantes.

Era montado como um cristal, apesar de ter uma forma muito diferente daquelas (primeiro) usadas ali. Não confundam as duas... pois existem muitas de diferentes gerações. Era nestes períodos em que havia as forças propulsoras dos aeroplanos ou de outros meios de transporte, pois eles naquela época viajavam por ar, ou pelas águas, ou por baixo dágua, da mesma forma. No entanto a energia que os dirigia era proveniente de uma estação central de força... ou a pedra de Tuaoi que era... e o facho de luz no qual funcionava...

Em outra seção, ele referiu-se a um local em "Poseidia", ou, em outras palavras, na área das Bahamas e, portanto, agora abaixo do nível das águas, como a posição de:

..."o local de armazenagem das forças motivadoras da Natureza que se irradiavam do grande cristal que condensava as luzes, as formas, as atividades, que serviam para guiar não somente as embarcações no mar como também nos ares e também muitas daquelas agora conhecidas conveniências para o homem como a transmissão do corpo.

Uma "seção" de 1932 continha uma referência interessante ao transporte de materiais pesados e objetos:

..."pelo uso de... estes gases recentemente redescobertos e aqueles das formações elétricas e aéreas na ruptura das forças atômicas para produzirem a força de empuxo a meios de transporte ou de viagem, ou para levantarem grandes pesos, ou para mudar as próprias forças da Natureza."

O fato de povos supostamente primitivos da pré-história terem deixado enormes pedras ainda no lugar após vários milhares de anos, sobre muitas das quais as raças subseqüentes construíram novas edificações, há muito se tornou um mistério arqueológico, já que estas pedras são muito maiores e mais difíceis de serem transportadas que aquelas postas nos locais pelas culturas posteriores e que sua presença e meios de transporte usados são até hoje inexplicáveis. Entre os exemplos se incluem os blocos de pórfiro de 200 toneladas de ollantaytambo e ollantayparubo, no Peru, transportadas a grandes distâncias através das montanhas e ravinas e depois colocadas no topo de outras montanhas de 500 metros de altitude. Os enormes blocos de sacsayhuamán, no Peru, tão grandes e tão intrinsecamente colocados uns contra os outros que os incas atribuem a sua construção aos deuses; os blocos de 100 toneladas das fundações de Tiahuanaco, na Bolívia, sobre os quais se fizeram imensas edificações não se sabe de que maneira, apesar de se acharem a uma altitude de 4.000 metros acima do nível do mar. Outros exemplos incluem as grandes pedras de calendário ou do observatório de Stonehenge, na Inglaterra, os blocos maciços das muralhas submarinas de Bimini; as fundações ou o forte marítimo, ou as pedras postas em pé da pré-histórica Bretanha, uma das quais pesava mais de 340 toneladas e erguia-se a 22 metros de altura, e as grandes pedras das fundações do templo de Júpiter em Baalbek, na Síria, colocadas no lugar bem antes que o templo clássico fosse construído, uma das quais pesa 2.000 toneladas. Como quase todas estas construções são extremamente difíceis de serem explicadas foi sugerido que uma civilização superior tenha sido a responsável por sua construção. Essa teoria é sustentada pelo fato de que muitas destas ruínas inexplicáveis se assemelham umas às outras.

Cayce especificamente seleciona Bimini como uma das várias localizações onde informações a respeito das supostas fontes de energia da Atlântida podem ser encontradas: — "... No local onde afundou a Atlântida ou Poseidia, onde uma parte de seus templos pode vir a ser descoberta sob as camadas de lodo de muitas eras de água salgada, perto do lugar em que é conhecido por Bimini, ao largo das costas da Flórida."

Uma descrição detalhada de uma destas usinas de força (ou usinas nucleares?) foi feita em 1935. O filho de Cayce, Edgar Evans Cayce, um engenheiro e também um escritor ("Edgar Cayce sobre a Atlântida", Warner Library, 1968) observou ao comentar o paradoxo das considerações de Cayce sobre a pré-história tendo antedatado por várias décadas os nossos próprios aperfeiçoamentos científicos: "Um leigo hoje em dia dificilmente poderia descrever nossos últimos desenvolvimentos científicos com mais clareza." Os comentários de Cayce (gravados em 1933) falam de um edifício aonde uma "pedra de fogo" ou um complexo de cristal era guardado e do qual a energia era difundida:

"No centro do edifício que hoje se diria ter sido construído com pedras nãocondutoras — algo parecido com o asbestos, com... outros materiais não-condutores tais como os que são fabricados hoje em dia na Inglaterra sob um nome que é bem conhecido daqueles que lidam com estes tipos de materiais.

O edifício por cima da pedra era oval; ou um domo em que pudesse haver... uma porção que se abria para trás, para que a atividade das estrelas — a concentração de energias que emanam dos corpos que já estão em chamas por si mesmos... junto com os elementos que são e não são encontrados na atmosfera da Terra.

A concentração através de prismas ou vidros (como seriam chamados no presente) era feita de tal forma que agia sobre os instrumentos com os quais eram ligados e com as diversas maneiras de viajar através de métodos de indução que se pareceriam muito com o (mesmo) tipo de controle que nos dias presentes seria chamado de controle remoto através de vibrações por rádio ou direções; por uma espécie de força que emanava da pedra e que agia sobre as forças motivadoras nas embarcações.

O edifício foi construído de tal maneira que quando o domo era recuado para trás deveria haver um mínino ou nenhum obstáculo à aplicação direta da energia às várias embarcações que deveriam ser propulsionadas através do espaço — tanto dentro do raio de visão ou se fosse dirigido por baixo da água, ou por baixo de outros elementos, ou através de outros elementos.

A preparação desta pedra ficava exclusivamente nas mãos dos corpos que já estão em chamas por si mesmos... junto com os que dirigiam as influências das radiações que dela emanavam, sob a forma de raios que eram invisíveis para os olhos mas que atuavam sobre as próprias pedras assim como as forças motivadoras — se a aeronave fosse levantada pelos gases durante o período; ou se servisse para guiar os veículos que pudessem passar perto da Terra, ou embarcações na água ou sob as águas.

Estas, eram então impulsionadas pela concentração dos raios que partiam das pedras colocadas bem no meio da estação de energia ou da casa de força (como se chamaria hoje).

Cayce volta constantemente ao problema do mau emprego das tremendas forças aperfeiçoadas por esta super-civilização: — "... o aumento das forças do próprio sol até aos raios que causam a desintegração do átomo... trouxe a destruição a esta parte da Terra."

Se, e sempre se, um tal cataclismo ou uma série de cataclismos ocorreram, a grande fonte de energia teria sido precipitada para dentro do mar, junto com cidades populosas, muralhas, canais e outras construções da Atlântida. E interessante considerarmos que os próprios locais indicados por esta teoria são aqueles em que as muitas aberrações eletromagnéticas do Triângulo das Bermudas se verificaram, tais como a Língua do Oceano, Bimini, e outros lugares.

Enquanto dificilmente se poderia esperar que tais complexos de energia ainda estariam em funcionamento depois de milhares de anos, é de certa forma interessante comentarmos neste sentido o comportamento das misteriosas "águas brancas" notadas por vários observadores, desde Colombo até os astronautas. Estes verdadeiros canais de água branca parecem se originar no mesmo ponto ou nos mesmos pontos de emanação, sobem da mesma maneira, e depois derivam por uma milha ou mais. As linhas são bem definidas no começo e depois vão se tornando mais difusas, quase como se elas indicassem gases escapando sob pressão.

Os desvios das bússolas e os defeitos nos aparelhos elétricos podem ser causados por uma enorme concentração de metal por baixo dágua. Isto tem sido observado em várias partes do mundo onde conhecidos depósitos de minério de ferro causam a variação das bússolas. Massas de sub-superfície ou de substrato podem possivelmente afetar até mesmo a superfície dos mares. Em 1970, a NASA publicou um relatório sobre uma "cavidade" na superfície do oceano acima da Fossa de Porto Rico, e esta depressão da superfície das águas foi atribuída pelos cientistas a "uma estranha distribuição de massas abaixo do fundo do oceano", causando uma reflexão na força da gravidade. No caso do Triângulo das Bermudas, foi sugerido que estas fontes de energia em ruínas ainda conservaram algumas de suas forças e, acionadas em certas ocasiões, poderiam ser não somente os responsáveis pelos desvios magnéticos e eletrônicos mas também contribuir com impulsos elétricos para as tempestades magnéticas.

Esta teoria, uma das mais singulares que já foram propostas para explicar os incidentes dentro do Triângulo das Bermudas, é baseada nas "seções de Cayce e na crença que elas sejam verdadeiras. Entretanto, pode-se justificadamente perguntar: existe alguma razão para os curiosos darem crédito a qualquer um dos pronunciamentos gravados por Cayce ou simplesmente admirá-los como produto de uma imaginação prodigiosa? Enquanto for verdade que algumas das fontes de força que ele descreveu há trinta e cinco anos atrás ainda não haviam sido descobertas ou até mesmo imaginadas no "mundo real" (e algumas delas mesmo agora ainda não foram aperfeiçoadas), devemos lembrar que Cayce não era um físico. Nem tampouco um historiador. Ele era simplesmente um vidente esclarecido e com uma excelente reputação. No entanto, previsões que não têm nada a ver o curandeirismo que ele fazia no curso de suas seções, de certa maneira se" provaram inconfortavelmente verdadeiras, tais como a bomba atômica, o assassinato de presidentes dos Estados Unidos, conflitos raciais nos Estados Unidos e até mesmo deslizamentos de terras na Califórnia.

Além de tudo, as seções de Cayce eram propositadamente baseadas em visões ou lembranças da vida de seus pacientes durante suas encarnações anteriores, num fato que freqüentemente abalou a credibilidade por parte de pessoas que, pela religião, convicção científica ou pela própria lógica, não aceitam a teoria da reencarnação. Ficamos imaginando se não pode haver uma outra explicação para descrições tão detalhadas e cientificamente válidas de civilizações passadas e seus aperfeiçoamentos potencialmente perigosos.

Nos registros filosóficos e religiosos da antiga índia, que muitas vezes contêm conceitos estranhamente modernos sobre a matéria e o universo, encontramos referências ao que eles chamam de "consciência cósmica", significando a presença persistente de lembranças de tudo o que aconteceu antes. Hoje, a existência da telepatia, a influência e a insistência escondida das memórias, e o poder das emanações psíquicas, longe de serem subestimadas pelas modernas investigações científicas, vêm sendo seriamente estudadas, não somente na Terra, como também no espaço, tanto como um fenômeno, mas também como um meio de comunicação. Experiências têm sido feitas pelos líderes das corridas espaciais, os Estados Unidos e a União Soviética, que sugerem que a ficção científica talvez esteja sofrendo uma metamorfose para um fato futuro da ciência. É possível já esperarmos desenvolvimentos surpreendentemente novos nesta área na qual até os dias de hoje, alguns indivíduos privilegiados tiveram, quase sem ter consciência disto, a habilidade de captar os pensamentos de outros ou talvez suas memórias esquecidas de um passado. O passado, neste caso, pode-se referir às memórias herdadas em cromossomos de nossos ancestrais. Pois, assim como nós herdamos os atributos físicos e as tendências de nossos pais e avós, podemos herdar igualmente, num grau menor talvez, de nossos antepassados mais distantes, e estes cromossomos de memória podem bem fazer parte desta herança. Existe um espaço bastante amplo dentro do cérebro humano (do qual se estima que apenas dez por cento sejam usados) para a armazenagem de um banco da memória de heranças.

Isto viria a explicar a presença de memórias incompletas em uma pessoa, a impressão angustiante de já se ter visitado um local anteriormente, onde a gente sabe que nunca esteve em toda nossa existência, a certeza frustrante de ter vivido um grande período de tempo dentro de um simples sonho, o reconhecimento da parte de certas pessoas, algumas vezes, mas nem sempre sob hipnose, de detalhes de vidas passadas (e que diversas vezes foi verificado como historicamente certo, quando informações previamente desconhecidas acerca do período de tempo em questão foram descobertas), casos de fluência repentina e o esquecimento posterior por crianças de línguas faladas por seus antepassados mas que elas não poderiam possivelmente adquirir. Enquanto que a consideração destes fatores conhecidos são muitas vezes atribuídos à reencarnação das almas, uma crença partilhada por budistas, hinduístas ou neobramanistas, e a religião que talvez seja a mais velha de nossa história religiosa, a do antigo Egito, a sugestão da memória herdada oferece uma possível alternativa apesar de na realidade se aproximar da mesma coisa, apenas um tanto modificada se considerarmos que, ao invés da alma do indivíduo ter sido a mesma em uma outra época, são os nossos próprios ancestrais que se reencarnaram em nós, doando suas memórias acumuladas, junto com os outros atributos, exatamente como nas "gerações" de computadores que podem ser programados para instalarem seus arquivos de memória em novas máquinas sucessivas.

Entretanto, se Edgar Cayce efetivamente se comunicou com as almas ou também com as memórias reencarnadas de pessoas que ele usou, o efeito foi mais ou menos o mesmo e o interesse pela Atlântida gerado por suas "seções" deu ao assunto um novo ímpeto, que aumentou consideravelmente quando as descobertas inesperadas ocorridas no último decênio ofereceram um notável fortalecimento às teorias sobre a Atlântida.

Aqueles que se apegam à teoria de que existia uma civilização mundial altamente desenvolvida antes mesmo dos primeiros vestígios culturais no Egito e na Suméria, foram durante muito tempo considerados como cultistas, sensacionalistas, visionários ou simplesmente imbecis. Esta reação contra o que nós podemos chamar de "as instituições" dos estudos arqueológicos e pré-históricos é compreensível quando consideramos que a existência de uma grande civilização antes do terceiro milênio A.C. iria "bagunçar o coreto" e desarrumar os degraus progressivos da história desde os seus princípios no Egito e na Mesopotâmia, passando pelas culturas da Grécia e de Roma e culminando eventualmente em nossa "supercivilização" de hoje. Admissões transitórias são muitas vezes concedidas a outras culturas antigas pouco conhecidas como, por exemplo, as civilizações pré-históricas das Américas, índia e Ásia Central, e certas outras áreas que não afetam, de forma alguma, a nossa própria "linha direta" de civilização.

Apesar de existirem muitas lendas e registros de todas as antigas culturas a respeito de um extermínio repentino de uma grande civilização antes do dilúvio, que havia progredido tanto até o ponto de desafiar os céus, os deuses, ou Deus, estas lendas por mais estranhamente que se assemelhem entre si, podem simplesmente representar uma lição objetiva ou uma história interessante transmitida através do mundo inteiro nos antigos mercados ou nas trilhas das caravanas ou nas rotas marítimas durante milhares de anos e posteriormente preservadas dentro dos registros religiosos de quase todos os povos da Terra.

Lendas sobre uma inundação universal, uma torre que os homens tentaram construir para chegar aos céus, mas que os trabalhadores ficaram atrapalhados por uma confusão de línguas divinamente inspirada, assim como outras histórias que nos são familiares, já foram encontradas pelos espanhóis no seio das populações indígenas das Américas, na época das primeiras conquistas. Em todas as partes do mundo existem lendas conservadas pelas populações indígenas vivendo sob as sombras de enormes ruínas, cuja construção elas não poderiam projetar nem realizar, a não ser por técnicas de assentamento de pedras e de transporte de uma tecnologia extremamente avançada, referida por eles sempre como uma raça semelhante aos deuses que puseram aquelas pedras no lugar muitos milhares de anos antes que a sua própria história começasse. Existem até mesmo vestígios do que talvez tenha sido uma antiga linguagem comercial, possivelmente uma língua ancestral do grego com reflexos aramaicos, encontrada em regiões tão distantes do Oriente Médio que parecem ter sido levadas ali pelas ondas do oceano e dos mares. Temos assim palavras de grego arcaico no Havaí e outras línguas da Polinésia, na língua Maia do Iucatán, no Nahuatl, falado pelos Aztecas, e a perdida língua dos Guanches das ilhas Canárias, falado por uma misteriosa raça branca. (Os Guanches, descobertos e logo exterminados pelas expedições espanholas do século XV, tinham lembranças de uma ^ pátria muito maior e com uma cultura superior que afundara no oceano.) As antigas línguas americanas também possuíam palavras evidentes do Aramaico e de origem fenícia, assim como outras análogas àquelas que existem nas línguas polinésias e siníticas do outro lado do Pacífico, tudo isto indicando as longas viagens e os contatos culturais da extrema antigüidade. Inscrições em fenício, aramaico, minóico, grego e outras línguas que não chegaram a ser identificadas, têm sido encontradas com uma freqüência cada vez maior nas Américas do Norte e do Sul, nas selvas ou em áreas de "segundo crescimento". Porém lendas, mitos religiosos ou curiosidades lingüísticas não são o bastante para dar-se crédito às afirmações feitas por Cayce em suas seções, assim como não o são as tradições tribais, as lendas e até mesmo os registros escritos da antigüidade a respeito de conhecimentos científicos altamente desenvolvidos, e a existência, em épocas arcaicas, de muitos dos confortos modernos em viagens, comunicações e de destruição em escala cósmica.

E é precisamente nestas regiões, entretanto, que estranhas descobertas e reavaliações de materiais previamente descobertos têm sido feitas nos últimos anos. Elas contêm extraordinárias indicações de um conhecimento avançado e invenções sofisticadas que pertenceram a uma era muito anterior àquela que à história nos conta que teve início com as primeiras culturas no Oriente Médio. Ê interessante lembrar a respeito disto, que as lendas do Egito e da Suméria referem-se ambas a uma grande cultura anterior da qual eles tiraram a própria inspiração e o impulso. Em certas culturas, exatamente como no caso do Egito, Bolívia, Peru, América Central, México e índia, para citarmos apenas algumas delas, a civilização permaneceu estática ou até mesmo retrocedeu em vez de conservar o impulso original.

Qualquer sugestão séria sobre o fato de que culturas extremamente antigas da Terra já estavam familiarizadas com as "máquinas-mais-pesadas-que-o-ar" são normalmente acolhidas com zombarias. De qualquer forma, um número cada vez maior de objetos ou de referências escritas tem sido descoberto ou reexaminado nos anos mais recentes e eles indicam um conhecimento ou até mesmo uma certa familiaridade com aeronaves e viagens aéreas em uma época consideravelmente anterior àquela que nós consideramos o alvorecer de nossa história. E estes registros ou modelos não podem ser comparados às referências pitorescas da antiga mitologia, tal como Ícaro e suas asas de penas colocadas com cera, ou o carro de Apoio levando o Sol, e puxado por quatro corcéis flamejantes. Pelo contrário, são registros concretos que demonstraram um conhecimento de aerodinâmica e uma consciência dos fatores da decolagem, propulsão, freagem e aterrissagem.

Texto de Charles Berlitz (tradução de Carmen Ballot), em "O Triângulo das Bermudas", Nova Fronteira, Excertos pp. 106-112. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

Viewing all 3442 articles
Browse latest View live