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MADAME DE POMPADOUR, A MULHER DE PORCELANA

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Madame de Pompadour é o paradigma das favoritas de Versalhes, porém foi muito mais do que uma das muitas e frívolas amantes de Luís XV. Era uma mulher culta, bondosa e inteligente que não só amou sinceramente o monarca mas também soube aproveitar e apreciar as vantagens que sua condição de maîtresse-en-titre lhe dava para agir como mecenas, proteger a criação da Encyclopédie49 de Diderot e d’Alembert, as pesquisas de Helvetius50 ou do naturalista Buffon51 e favorecer as manufaturas reais como a fábrica de porcelana de Sèvres que, em sua homenagem batizou uma tonalidade de rosa como “rosa Pompadour”.

Jeanne-Antoinette Poisson nasceu em Paris, em 29 de dezembro de 1721. Era a segunda filha do casal formado por Jean Poisson e Madeleine de la Motte. O pai, financista endinheirado, tivera alguns problemas com a Fazenda Pública que o obrigaram a exilar-se de Paris. No entanto, Madeleine de la Motte, pertencente a uma família de mais prestígio que a do marido, continuou sua movimentada vida social nos círculos mais elitistas da capital e consolou-se da solidão com outro financista, Charles Le Normant de Tournehem. Talvez devido à situação irregular os filhos do casal, Abel e Jeanne-Antoinette, foram levados para longe de Paris e criados em internatos separados. A menina, especificamente, foi educada com as ursulinas de Poissy, onde as colegas, como se adivinhassem seu futuro, a apelidaram Reinette52.

Foi precisamente o amante da mãe, Charles Le Normant de Tournehem, quem achou que a menina merecia mais do que um internato. Era homem culto e bem relacionado, e não tardou em perceber na pequena Reinette uma série de qualidades intelectuais que era necessário desenvolver a fim de assegurar-lhe um bom futuro. Assim, fê-la regressar a casa aos quinze anos, proporcionou-lhe os melhores professores e arredondou uma cuidadosa formação que ao mesmo tempo a preparava para a gestão financeira, o conhecimento das ciências e o domínio das artes.

Uma vez completada sua educação, Le Normant a introduziu nos círculos mais refinados da Paris intelectual. Pouco depois, aos vinte anos, casou-a com seu sobrinho Charles Le Normant d’Etioles, filho do Tesoureiro Geral da Moeda53, homem pouco atraente embora culto e refinado, que imediatamente apaixonou-se perdidamente por Jeanne54. Orgulhoso da esposa, d'Etioles a apresentou nos melhores cenáculos intelectuais e nos círculos sociais mais estimados de Paris. Dessa forma, Jeanne, já como Madame d'Etioles, frequentou o salão literário de Madame Geoffrin55, ingressou no círculo financeiro do duque de Ivernois e se relacionou com personagens do porte de Montesquieu56 e Marivaux57. À recém-casada, por sua vez, não faltava iniciativa, e em seu castelo de Etioles organizava grandes festas, caçadas e banquetes em que participavam as figuras mais ilustres da sociedade parisiense da época. Nem por isso descuidava da vida da família. Em Etioles deu à luz seu primeiro filho, em 1741, um menino que morreu poucas semanas depois, e em 1744 sua filha Alexandrine, pela qual tinha verdadeira adoração.

Além de culta, Jeanne-Antoinette era mulher extremamente atraente. De traços delicados e pele de nácar, cumpria todos os requisitos da época para ser considerada uma beleza. O monteiro-mor58 de Versalhes, bom amigo de Monsieur e Madame d'Etioles, a descreveu em suas memórias como “de estatura superior à comum, esbelta, graciosa [...] rosto ovalado, regulado e suave, dentes bonitos e bem colocados, sorriso natural, cabelos louros com tendência ao castanho claro, longos cílios, pele macia, branca e rosada com um brilho de madrepérola e sobretudo olhos fascinantes de um encanto tão especial que não era possível determinar sua cor”. Se essa descrição chegou a Luís XV, não admira que um homem tão dedicado à companhia feminina quisesse conhecer essa jovem dama da qual Paris inteira falava.

Com esse objetivo ela foi convidada em 24 de fevereiro de 1745 a um baile à fantasia em Versalhes, durante o qual apresentou-se ao soberano. Após o baile o rei tinha de assistir a outra celebração de carnaval popular e pediu à então Madame d'Etioles que o acompanhasse. Quando se despediram já havia outro encontro combinado, ao qual se seguiram muitos mais. Os rumores não tardaram em chegar à corte, embora não fossem confirmados senão em setembro do mesmo ano quando, recém-nomeada Marquesa de Pompadour e de Ménars, Jeanne-Antoinette pediu a separação do esposo, instalou-se em Versalhes e foi reconhecida oficialmente como maîtresse-en-titre. Tinha 23 anos e acabara de entrar para a história.

Instalou-se em um apartamento de pequenos aposentos no segundo pavimento, situado na ala direita do palácio de Versalhes, exatamente acima do quarto do rei e de onde podia contemplar o bosque de Marly e as colinas que margeiam o Sena. Sua relação com Luís XV durou dezenove anos e embora os encontros íntimos cessassem no inverno de 1752, Madame de Pompadour continuou sendo confidente, amiga fiel e a melhor conselheira do rei.

Jeanne conhecia muito bem a personalidade de Luís XV. Órfão desde os dois anos, rei desde os três, havia crescido entre preceptores e regentes, sempre rodeado por intrigas políticas e interesses da corte, o que o levara a desenvolver temperamento reservado, melancólico e pessimista que se caracterizava por mudanças bruscas de humor. Jeanne-Antoinette soube compensar suas carências afetivas. Agiu como boa burguesa cercando-o de certo calor doméstico enquanto fomentava seus interesses culturais e lhe oferecia perfeita alternativa à etiqueta de Versalhes e à repetitiva vida social da corte.

Madame de Pompadour lançou a moda de representações teatrais, recitais líricos e tertúlias literárias ou científicas e soube cercar o rei com um grupo de pessoas fiéis que o faziam sentir-se à vontade e até mesmo protegido. Organizava jantares sem o cerimonial próprio de Versalhes, nos quais o rei compartilhava a mesa com o restante dos comensais, participava de longas conversas depois das refeições e jogava cartas até a meia-noite. Era um ambiente ao mesmo tempo burguês e intelectual no qual Luís XV conseguia sentir-se feliz.

O certo é que Jeanne-Antoinette se apaixonara profundamente pelo monarca e tudo lhe parecia pouco para fazê-lo feliz. Por sua vez, Luís XV encontrou ao lado dela, além da paixão, a calma, o equilíbrio e a comodidade que nenhuma de suas favoritas anteriores havia sabido dar-lhe. Até a rainha agradecia-lhe o seu comportamento. Suas antecessoras haviam apartado o casal real; Madame de Pompadour, ao contrário, o estimulava a estimar Maria Leczinska e a tratá-la, no mínimo, com o respeito devido à mãe de seus filhos. Além disso, por sua condição de duquesa – título que nunca quis ostentar – tinha direito a sentar-se em frente à soberana, mas Jeanne-Antoinette jamais utilizou esse privilégio. Sabia qual era o seu lugar e qual era o da rainha.

Evidentemente, interveio na política. Era muito inteligente e Luís XV não podia prescindir de seu conselho, do qual precisava. Assim, Madame de Pompadour protegeu decididamente a carreira política do duque de Choiseul59 e aconselhou lealmente o rei nas alianças relativas à Guerra dos Sete Anos60. Sua área de influência, além disso, estendeu-se ao mundo das artes, do qual foi uma grande incentivadora. Colocou seu irmão Abel, convertido em marquês de Marigny, à frente da chamada Superintendência das Artes, enquanto ela se encarregava de promover diversos artistas, fazendo-lhes constantes encomendas que o restante dos cortesãos imediatamente imitavam, convencidos de que assim estavam à la page. Dessa forma favoreceu pintores como François Boucher (1703-1770), que a retratou em diversas ocasiões e para quem ela conseguiu nomeações como reitor da Academia Francesa de Pintura e Escultura, diretor da real Fábrica de Tapetes Gobelin e primeiro pintor do rei (1765).

Como boa filha de financista, soube multiplicar seus rendimentos. Construiu e restaurou castelos que em seguida vendia a grandes senhores ou a burgueses desejosos de ascender na escala social e comprou grande número de pavimentos e palácios em Paris61 que em seguida alugava, e uma fábrica de garrafas em Bellevue que lhe rendia 18 a 20 mil libras por ano, quantia muito respeitável para a época. O tino para os negócios a levou também a reorganizar a fábrica de porcelanas de Vincennes por conta do Estado, em seguida transferida para Sèvres, enquanto estimulava os criadores a encontrar novas fórmulas, novos modelos e novas cores. Acumulou também considerável fortuna em forma de móveis de madeiras nobres, quadros, porcelanas, gravuras, joias, clavicórdios e livros. É muito provável que os motivos dessa ânsia de acumular bens fossem o temor de ficar na miséria ao perder o favor do rei e também o seu gosto pelas coisas belas.

A aptidão para os negócios não foi obstáculo para ativar seu lado intelectual. A marquesa de Pompadour ajudou o projeto da Encyclopédie e protegeu os enciclopedistas nas inúmeras vezes em que tiveram problemas com a censura. Frequentou, portanto, os mais importantes talentos da época. O próprio Voltaire62, com quem manteve grande amizade, lhe dedicou estes versos:

"Assim portanto, vós reunis

As artes, os gostos,

O talento para agradar;

Pompadour, embelezais

A corte, o Parnaso e Citera."

Talvez fosse felicidade demais. Ela havia sido comparada com o sol, e assim como o astro-rei, Pompadour também teve seu ocaso. Em 1753 uma terrível tragédia obscureceu para sempre sua vida. Sua filha Alexandrine havia sido educada como autêntica princesa no convento da Assunção, onde estudavam as filhas da alta nobreza, e com apenas nove anos estava prometida ao duque de Picquigny, filho do duque de Chaulnes, Par de França63 e descendente de uma família da ilustre casa de Luynes. Tudo indicava, portanto, que a jovem desfrutaria de uma vida respeitável e feliz. No entanto, uma súbita e inesperada peritonite aguda roubou-lhe a vida e, consequentemente, a alegria de sua mãe.

Naquela altura, além disso, a tuberculose havia acometido Jeanne-Antoinette e não era aconselhável que o rei continuasse a frequentar sua alcova. Isso não lhe importou, e até estimulou os encontros amorosos do rei com outras mulheres, sempre mais jovens do que ela. Sabia que nenhuma ocuparia seu lugar. A paixão estava extinta mas a amizade se mantinha intacta. Diz-se que um dia, quando a rainha Maria Leczinska passeava por Versalhes, chegou a um pequeno bosque onde Madame Pompadour costumava passear em companhia do rei. Perguntou ao jardineiro:

– Como se chama este bosque?

Ao que o homem simples respondeu:

– Antes o chamavam Amor, mas hoje é somente Amizade.

Convencida de que seu fim se aproximava, Madame Pompadour se reconciliou com a Igreja e permanecia quase o dia inteiro recolhida a seus aposentos. Residir na corte transformou-se em autêntico tormento. Desejava apenas descansar e afastar-se dos luxos mundanos. Madame de La Ferté-Imbault64, que foi visitá-la em Versalhes no inverno de 1764, comentou sua decadência:

A vi bela e reservada, apesar de queixar-se de não dormir, de digerir mal e de perder o fôlego sempre que subia uma escada... Assegurou que dava ao rei uma grande demonstração de afeto ao viver perto dele, mas que seria mil vezes mais feliz se pudesse morar sozinha e tranquila em seu castelo de Ménars, porém o rei não saberia o que fazer se ela o deixasse [...] Pareceu-me arrebatada e enfurecida e nunca ouvi sermão mais belo para exibir as desgraças da ambição; a vi tão infeliz e tão angustiada por seu poder supremo que saí de sua casa convencida de que não lhe restava outro refúgio senão a morte.

Não se enganava. Com a saúde cada vez mais debilitada, apesar de contar somente quarenta e dois anos, aquela que um dia fora a dama mais sedutora da corte havia se transformado em uma mulher macilenta, com o rosto cheio de rugas, de cabelos brancos e perpetuamente refugiada no leito entre tosses e vômitos de sangue. Até mesmo sua decantada pele havia perdido o lendário brilho e adquirido um tétrico matiz acinzentado. Apesar disso, Luís XV não a esquecera e ia visitá-la várias vezes por dia.

No início de abril de 1764 ela redigiu seu testamento no qual pedia a Deus a graça de morrer em paz com sua consciência. Poucos dias depois confessou-se e recebeu a extrema-unção. Morreu às sete horas da tarde do dia 15 de abril de 1764. A etiqueta da corte não permitia a quem não fosse membro da família real morrer em Versalhes. Transferiu-se tão discretamente a sua mansão que Luís XV lamentou ter podido render apenas poucas homenagens à “amiga mais leal desde há vinte anos!” Dois dias depois foi enterrada. Naquele dia o céu de Versalhes quis vestir luto e cobriu-se de grandes nuvens negras. Quando o cortejo passou sob as janelas de seu gabinete de trabalho, o monarca exclamou: “A marquesa não terá bom tempo para sua última viagem”. Ela, que tanto amava a luz e a cor, saiu de Versalhes mergulhada na escuridão.

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49 L'Encyclopédie, ou Dictionnaire raisonné ds sciences, des arts et des métiers foi o maior sucesso intelectual do chamado Século das Luzes, ou período do Iluminismo. Foi publicado entre 1751 e 1772, sob a direção de Denis Diderot (1713-1784) e Jean Le Rond d'Alembert (1717-1783), que compilaram em uma vasta obra todos os conhecimentos da época do ponto de vista da razão e do método científico.

50 Claude Adrien Helvetius (1715-1771), filósofo francês autor, entre outras obras, de De l‘Esprit, (Sobre o espírito). Seu sobrenome pode ser adaptado ao castelhano como “Helvecio”.

51 George Louis Leclerc, conde de Buffon (1707-1788) naturalista, matemático, botânico e escritor francês, autor da Histoire naturelle.

52 “Rainhazinha”.

53 Cargo semelhante ao atual Ministro da Fazenda.

54 Quando, às vésperas da morte, Madame de Pompadour quis reconciliar-se com o marido, de quem havia se separado ao iniciar sua relação com Luís XV, este negou afirmando que era impossível esquecer “a ofensa que me infligiste. Tua presença somente avivará a lembrança”.

55 Marie-Thérèse Rodet Geoffrin (1699-1777) foi, junto com Julie de Lespinasse, a mais célebre salonnière de Paris. Seu salão era frequentado por intelectuais do porte de Diderot e d'Alembert e ela própria teve importante participação na redação da Encyclopédie.

56 Charles Louis de Secondat, Senhor de la Brède e Barão de Montesquieu (1689-1755) foi um dos mais importantes pensadores franceses do Iluminismo.

57 Pierre Carlet de Chamblain de Marivaux (1688-1763), romancista e dramaturgo francês.

58 O “monteiro-mor” era o chefe dos ajudantes de caça. (N. do T.)

59 Étienne-François de Choiseul, conde de Stainville e duque de Choiseul (1719-1785) foi Secretário de Estado de Luís XV.

60 Chama-se Guerra dos Sete Anos uma série de conflitos internacionais ocorridos entre 1756 e 1763 com o objetivo de estabelecer controle sobre a Silésia e pela supremacia colonial na América do Norte. De um lado se aliaram a Prússia, Hannover, Portugal e Grã-Bretanha contra a Saxônia, Áustria, França, Rússia, Suécia e Espanha.

61 Entre eles o Hôtel d'Evreux, conhecido hoje como Palácio Eliseu, residência do presidente da República Francesa.

62 François Marie Arouet, mais conhecido como Voltaire (1694-1778), escritor, pensador, historiador e jurista.

63 Os “Pares de França” eram um grupo de doze cavaleiros de elite que constituíam uma espécie de guarda de honra pessoal do rei. (N. do T.)

64 Mme. de La Ferté-Imbault (1715-1789) era filha da salonnière Madame Geoffrin.

Texto de Maria Pilar Queralt del Hierro (tradução de Sergio Duarte) em "Rainhas na Sombra - Amantes e Cortesãs que Mudaram a História", Versal Editores, Rio de Janeiro, 2015. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.



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