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OS PRIMEIROS POVOADORES DO LITORAL PAULISTA E DO PLANALTO PIRATININGANO.

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Fundação de São Paulo


JOÃO RAMALHO E SANTO ANDRÉ DA BORDA DO CAMPO. OS JESUÍTAS. A FUNDAÇÃO DETERMINADA POR MANUEL DA NÓBREGA. A MISSA DE 25 DE JANEIRO DE 1554. A EXTINÇÃO DE SANTO ANDRÉ. A REAÇÃO INDÍGENA. O ASSALTO DE 1562 E OS DIVERSOS SOBRESSALTOS DO SÉCULO XVI PROVOCADOS PELA AMEAÇA AUTÓCTONE

Parece impossível determinar-se quem haja sido o primeiro europeu fixado na costa paulista e no lagamar santista. De quantos, cujos nomes sobreviveram, imortal relevo a um coube pelos méritos excepcionais de civilizador e povoador: João Ramalho, que, talvez por volta de 1515, haja pisado em terra brasileira, não se sabe como nem por quê.

Outros brancos, assaz numerosos para o tempo, umas poucas dezenas talvez, quase todos portugueses, congregaram-se nas cercanias de São Vicente e mantiveram contato com D. Manuel I e D. João III, o que determinaria a expedição de Martim Afonso de Sousa e a conseqüente fundação oficial, da primeira povoação estável do Brasil, a de 22 de janeiro de 1532.

Desde anos morador de Serra Acima, na região de Piratininga, foi João Ramalho o grande agente do êxito da colonização que surgia.

Em 1536 encetou Brás Cubas as primeiras edificações de Santos. Dos emigrados com Martim Afonso diversos galgaram a Serra de Paranapiacaba atraídos pelo clima e as vantagens rurais estabelecendo-se nos campos de Piratininga a exemplo e em torno de Ramalho.

Em 1549, instalou-se o Governo-Geral do Brasil. Em companhia do primeiro Governador chegaram Manuel da Nóbrega e os jesuítas missionários de quem era o chefe. Pouco depois para São Vicente partiu o Padre Leonardo Nunes, que em 1550 ali fundou o novo Colégio da Companhia, encetando com extraordinário vigor a obra catequística entre os numerosos gentios de Serra Acima.

Decidiu Nóbrega realizar uma fundação bem no interior das terras e assim criou a missão de Maniçoba, na região de Itu.

Em 1553, resolveu Tomé de Sousa conceder foral de vila a um arraial de João Ramalho na região piratiningana, ordenando que se elevasse em torno de uma ermida consagrada a Santo André. Efetivou-se tal ato sendo Ramalho nomeado capitão-mor e alcaide-mor do campo, do seu novo azemel.

Informado das condições que regiam o altiplano, Manuel da Nóbrega, que viera a São Vicente, entendeu que a missão de Maniçoba se achava muito afastada do mar, ordenando-lhe a transferência para perto do núcleo ramalhense.

Já em agosto de 1553 fixara tal resolução, escolhendo o local onde queria se erguesse o primeiro colégio da sua Companhia, fundado no interior das terras brasileiras.

Foi nesse local que o Padre Manuel de Paiva, superior da nova missão, celebrou a 25 de janeiro de 1554, a famosa missa evocadora da conversão do Apóstolo das Gentes, ato inicial da existência do pequenino arraial de São Paulo do Campo de Piratininga, vila em 1560 e cidade em 1711.

A esta cerimônia inesquecível realizada no local chamado o Pátio do Colégio, assistiu um noviço de vinte anos, a quem caberia o epíteto glorioso de Taumaturgo do Brasil e as honras dos altares: o venerável José de Anchieta.

Encetou São Paulo a vida protegida pelo amparo do morubixaba guaianás de Inhapuambuçu, homem do maior prestígio, Tibiriçá, o “guerreiro dos olhos encovados” já afeiçoado aos brancos pelas relações de sua filha, Isabel, com João Ramalho, de quem houvera vários filhos, contando já considerável descendência.

Aos invasores brancos e sobretudo aos jesuítas dedicava grande afeto outro tuxaua, Caiubi, cacique da taba de Jeribatiba.

Mais esquivo do que estes grandes chefes talvez se mostrasse Pequerobi, maioral de Ururaí, cuja filha, Antônia, era a mulher de Antônio Rodrigues, povoador de muito menor projeção do que seu grande companheiro de colonização.

Infatigáveis encetaram os jesuítas intensa obra de desbravamento e catequese, o que lhes trouxe conflitos com os vizinhos, a começar por João Ramalho, dominados como viviam eles pela mentalidade escravista avassaladora de todos os colonos da América. Ergueu-se o pequenino e tosco Colégio inacino e, em torno desta cellula mater da magnífica metrópole hodierna, agruparam-se as choças de alguns brancos e suas progênies mamalucas.

Mas os índios xenófobos circunvizinhos, não viam com bons olhos o crescimento do vilarejo. Um próprio irmão de Tibiriçá, o cacique Araraí, mostrava-se sumamente infenso à permanência dos brancos em seu território.

Em março de 1560, chegando o terceiro Governador-Geral a São Vicente, expuseram-lhe os jesuítas a precariedade da posse do planalto. Assim, em junho ordenou que todos os civilizados se transferissem para junto do arraial jesuítico extinguindo-se vila de Santo André da Borda do Campo, acertadíssima medida.

Encetou-se em 1560 a vida municipal de São Paulo do Campo de Piratininga sob as mais graves apreensões. A 20 de maio de 1561 pedia a Câmara da nova vila ao Governo-Geral, e com toda a instância, armas e reforço de povoadores à vista das contínuas e fortíssimas agressões dos índios à sua aldeia mal amparada pelas mais singelas e expugnáveis muralhas.

Em abril de 1562 agravou-se imenso a situação, sendo João Ramalho eleito pela Câmara e povo, capitão da gente de guerra que devia enfrentar os índios agressores.

Afinal, a 10 de julho de 1562, após cinco dias do maior sobressalto pela angustiosa espera, investiam os autóctones numa coligação de tribos guaranis, carijós e outros tupis, a que se deu o nome de Confederação dos Tamoios. Comandavam aos assaltantes Araraí e seu sobrinho Jaguanharo.

Terrível o embate, repelido graças à bravura dos assaltados, a quem comandavam João Ramalho e Tibiriçá e certamente à superioridade embora ainda não muito considerável, na época, das armas de fogo de tiro muito lento e pequeno raio de alcance.

Contra si tinham os sitiados a grande inferioridade do número de combatentes. Rechaçados os sitiantes com grandes perdas, reiteraram o ataque a 11 de julho com redobrado vigor. Viram-se, porém, completamente derrotados e tomados de pânico debandaram, perseguidos pelos vencedores; brancos e índios, fiéis aos seus abarés, que com a maior serenidade tanto haviam cooperado na defesa da praça.

Foi então que Nóbrega e Anchieta se ofereceram como parlamentares junto aos tamoios, permanecendo na praia de Iperoig, como reféns durante meses, até que se estabelecesse a paz entre brancos e gentios.

Tibiriçá que com inabalável firmeza recusara trair a causa dos seus caros missionários, viria a morrer naquele mesmo ano, no dia de Natal, muito chorado pelos jesuítas que o sepultaram no solo do seu igrejó.

Apesar do desafogo do triunfo, a situação de segurança de São Paulo foi, até quase os últimos anos do século XVI, muito delicada. Em 1564 ocorreu novo e grande alarma, ante as correrias de índios hostis pelas vizinhanças da vila, cujo chefe militar continuava a ser João Ramalho. Neste ano o formidável povoador afastou-se, da vila paulistana. Faleceu depois de 1580, octogenário avançado ao que parece.

As grandes vitórias de 1565, em Santos e São Vicente, e as de 1565–1567 obtidas por Mem e Estácio de Sá na Guanabara, trouxeram grande alívio aos paulistanos.

Em 1585 a expedição do Capitão-Mor Jerônimo Leitão destroçaria numerosas tribos do vale do Tietê. Mas em 1590 agravou-se novamente, e sobremaneira, a situação.

Várias tribos acamparam em Barueri com grande número de barcos e em certa ocasião fizeram uma incursão até Pinheiros onde queimaram a ermida local. Mas não se atreveram a avançar sobre a vila a que comandava Afonso Sardinha. Não se conhecem pormenores das ocorrências então havidas. Parece que o estado de alarma longamente durou. Em outubro de 1593 narrava Sardinha em Câmara que o gentio parecia fugir para o Rio Grande (Paraná). Depois desta época houve novos e violentos rebates de guerra, que perduraram assaz longamente como em 1594, ano em que, segundo
Pedro Taques, esteve a vila cercada.

Texto de Affonso de E. Taunay em "História da Cidade de São Paulo" Edições do Senado Federal, v. 23, Brasilia, 2004, excertos pp. 23-28. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.


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