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SÍNTESE DA HISTÓRIA DA RADIODIFUSÃO NO BRASIL

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A primeira transmissão oficial radiofônica no Brasil ocorreu durante a festa do centenário da Independência brasileira, em 1922

INTRODUÇÃO DA TECNOLOGIA E PRIMEIRO SISTEMA NACIONAL: 1919 a 1945

Uma síntese da história da radiodifusão brasileira deve relacionar o desenvolvimento dos meios eletrônicos de comunicação e a evolução econômica, política e cultural da sociedade. Esse relacionamento dos meios com o contexto social exige uma rápida revisão da história do Brasil desde a virada do século. Como traço mais geral da evolução da sociedade brasileira no século XX apontamos a dependência externa que é síntese de uma inter-relação histórica de causas e efeitos. É a dependência externa, simultaneamente, resultado e razão de uma correlação interna de forças sociais.

Podemos apontar a dependência como a feição exterior, fenomênica, da luta de classes no Brasil. Destaca-se a dependência externa como traço marcante da sociedade brasileira neste século, como expressão das contradições internas e externas de nossa formação econômico-social.

O principal motivo que leva a balizar a história da radiodifusão com a evolução da dependência externa é a decisiva determinação que as relações internacionais exercem na configuração da comunicação de massa no Brasil. A pressão das potências internacionais gerou no Brasil uma tendência "modernizadora" das relações capitalistas, com a imposição de um perfil empresarial, tecnológico e político para as empresas de comunicação. Por isso, a dependência externa reflete-se de modo particularmente agudo na organização dos meios de comunicação de massa. E manifesta-se com cristalina evidência na utilização econômica e política das modernas tecnologias de comunicação.

Nessa linha de observação, constatamos três grandes fases da radiodifusão brasileira. Na primeira, introduz-se no país a tecnologia; na segunda, cria-se o primeiro grande sistema nacional de comunicação, promovido e controlado pelo Estado; na terceira, internacionalizando-se a economia, internacionalizam-se também os meios de comunicação de massa que se expandem violentamente, afirmando progressivamente a hegemonia da atuação privada-comercial.

Interiorização da tecnologia: 1919 a 1930

O desenvolvimento dos meios de comunicação no Brasil, no inicio do século, seguiu a tendência predominante nas relações internacionais. Na medida em que a produção dos países industrializados excedia a demanda interna, os equipamentos iam sendo colocados à disposição do mercado mundial, especialmente dos países compelidos pela divisão internacional do trabalho a exportar produtos primários e importar produtos industrializados. A introdução da tecnologia de radiodifusão no Brasil, pela simples importação, corresponde a um momento de expansão do capitalismo monopolista no plano internacional. E corresponde, no plano interno, a um período de ascensão de uma burguesia industrial e comercial que disputava a hegemonia política com as oligarquias rurais ligadas à produção agrária-exportadora.

No ano de 1919, aqui tomado como o ano do surgimento da radiodifusão brasileira, assinala-se a criação da Rádio Clube de Pernambuco, uma entidade de caráter associativo e cultural, como outras tantas sociedades rádio-emissoras que desde então foram implantadas em diversas unidades da federação. Até 1930, existiam funcionando pelo menos dezenove emissoras 1. Nos primórdios de seu desenvolvimento, predominou na radiodifusão brasileira seu caráter cultural, mantendo-se relativamente desvinculada do sistema produtivo, ao contrário do verificado nos Estados Unidos, onde as indústrias eletrônicas iniciaram operando as emissoras para estimular a venda de receptores. Nos Estados Unidos, a radiodifusão desde logo foi manipulada pela indústria e pelo comércio em geral, como instrumento de intervenção no mercado 2

Nas primeiras décadas do século, para vencer as dificuldades causadas pelo fechamento do mercado internacional provocado pela Primeira Guerra, ocorreu no Brasil um brando processo de industrialização que, embora restrito à indústria alimentícia e outros setores industriais pouco dinâmicos, foi decisivo para a superação do modo colonial de produção e também para a ascensão política das burguesias industrial e comercial e dos produtores rurais que incorporavam as relações capitalistas 3.

O desenvolvimento do caráter capitalista da economia brasileira intensificou a integração da radiodifusão ao sistema produtivo. A partir de 1925, a publicidade comercial generalizou-se como meio de financiamento e as emissoras passaram a desenvolver suas potencialidades econômicas atuando como estimuladoras de mercado. As rádio-sociedades e rádio-clubes transformaram-se em empresas. E essa redefinição das bases econômicas de sustentação das emissoras provocou uma imediata reorientação da programação que popularizou-se na busca quantitativa de audiência4.

O mercado publicitário em expansão atraiu, já em 1928, a penetração das subsidiárias das grandes agências estrangeiras de publicidade com a instalação da N. V. Ayer and Son, representando os interesses da Ford. No início da década de 30 chegariam a J, W. Thompson e a McCan Erickson, sempre atendendo as contas de grandes empresas estrangeiras. Muito mais do que simples produtoras de anúncios publicitários, as agências estrangeiras atuaram com programadoras de uma "economia política" da radiodifusão e da imprensa. Captando e distribuindo criteriosamente as verbas publicitárias, as agências estimulavam um modelo político para a imprensa e a radiodifusão, e viabilizavam-no economicamente.

O primeiro sistema nacional de comunicações: 1930 a 1945

A nova retração do mercado internacional causada pela crise mundial do capitalismo de 1929 aguçou violentamente as contradições da sociedade brasileira. O novo golpe no modo de produção de base agrário-exportadora atingiu duramente as oligarquias rurais que sustentavam uma dependência estrutural da economia brasileira ante o capitalismo mundial. A reação das burguesias industrial e mercantil, aliadas a setores trabalhistas e de classe média, contra o domínio das oligarquias, pressionou a adaptação do sistema produtivo a uma base urbano-industrial, capaz de permitir o enfrentamento das crises continuamente importadas do exterior.

A revolução de 1930 impôs a ruptura do poder oligárquico e a emergência das classes comprometidas com um desenvolvimento capitalista menos atrelado aos centros hegemônicos do capitalismo mundial. Era um nacionalismo ambíguo e limitado, sendo acompanhado de uma aliança com os setores populares que é excludente no plano político. Houve uma ruptura do poder político das oligarquias, mas não se criaram antagonismos entre as classes dominantes. O novo pacto social, acima de tudo, preservava a estrutura de classes.

Desde 1930, e especialmente depois do golpe que levou à implantação do Estado Novo em 1937, o Governo Federal passou a servir como intermediário nas negociações sobre a política econômica. Foram criados órgãos e instituições que fortaleceram e dinamizaram as ações do Executivo e o Estado, ao exercer sua função planificadora, operava regulando as perdas e ganhos entre os diversos estratos e grupos de classe capitalista. O setor industrial passou a ser o centro da atividade planificadora e a regulamentação do trabalho, a política cambial e os investimentos em infraestrutura destinaram-se prioritariamente à sua expansão.

Apesar disso, o novo modo de acumulação mantinha e adaptava a base primitiva à base capitalista urbano-industrial. A acumulação não-capitalista verificada nos setores primário e terciário foi, inclusive, necessária à expansão da forma capitalista industrial de produção.

Coincide com essas profundas transformações econômicas e sociais a constituição de um sistema nacional de comunicação que expressa a conjunção de duas forças que atuavam sobre a radiodifusão - e também sobre a imprensa -nesse período. Por um lado, há um aprofundamento do caráter comercial das emissoras, que corresponde a uma maior assimilação da radiodifusão pelo sistema produtivo. Por outro lado, há a pressão do Estado, especialmente através do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que estabelecia as normas de censura e distribuía as verbas da publicidade oficial, conformando um papel político para a radiodifusão, orientado para o fortalecimento do "poder central"6. Além da intervenção cotidiana do DIP, foi criada a "Hora do Brasil", um programa diário de divulgação dos atos oficiais, que é mantido até hoje, com retransmissão obrigatória e simultânea por todas as emissoras de rádio no território nacional.

Já em 1931, poucos meses após a eclosão do movimento revolucionário, foi formulado um modelo institucional para a radiodifusão brasileira cujas bases, no fundamental, permanecem até nossos dias7. Neste modelo, os serviços de radiodifusão são executados por entidades públicas e privadas, mediante a concessão do Executivo outorgada em caráter precário. Esse regime jurídico especial dava ao Estado o pleno poder de arbitrar sobre as concessões, com critérios aparentemente técnicos, mas que no fundamental são políticos.

O rádio, nesse período, ainda que restrito aos grandes centros urbanos, pelo custo relativamente alto dos receptores e pela dependência da eletricidade, foi o grande instrumento de promoção dos novos valores culturais correspondentes às transformações econômicas e sociais que estavam em marcha. O controle da radiodifusão pelo Estado assegurou a sua relativa imunidade ante a influência estrangeira e pressionou a difusão dos "valores culturais" e da "ideologia nacionalista" ligados à sociedade capitalista urbano-industrial em expansão. A radiodifusão consolidou-se, assim, como um instrumento político particularmente eficaz de mediação entre as classes capitalistas dominantes, as classes médias e as massas trabalhadoras. A organização econômica da radiodifusão (sob o controle do capital privado ou diretamente pelo Estado) e sua institucionalização política (através de um sistema jurídico especial que a mantém atrelada ao Estado, além de meios informais de pressão) asseguraram às classes dominantes a orientação da sua atuação. Marginalizados desse controle político e econômico da radiodifusão, por sua vez, as classes populares nunca chegaram ater o controle de seu conteúdo.

O projeto de "capitalismo nacional", entretanto, não resistiu à pressão imperialista e da burguesia associada ao capitalismo internacional. O fortalecimento das bases populares e a ameaça de permanência de Getúlio com o poder legitimado pelo voto, depois de quinze anos de governo autoritário, tiveram como resposta o Golpe Militar de 1945, alguns meses antes das eleições para a Presidência. A deposição de Vargas, com a justificativa de derrocar o Estado Novo e seus vícios, atendia à necessidade de instalação de um governo mais afinado com as potências imperialistas, especialmente com os Estados Unidos.

Iniciou-se então um processo de agudização da dependência externa da qual o Brasil não se livrou até os dias atuais.

A contra-ofensiva imperialista: 1945 a 1950

Imediatamente após a deposição de Vargas, liberalizou-se a economia e estabeleceu-se estreitos limites no plano político. A Constituinte de 1946 foi pressionada por grupos econômicos e o entreguismo ficou patente com a ascensão política da União Democrática Nacional (UDN). Entre 1945 e 1946 foram gastas superfluamente as divisas acumuladas durante a II Guerra. A política salarial foi conduzida exclusivamente de acordo com os critérios do desenvolvimento das empresas privadas e, entre 1946 e 1950, O salário-mínimo não foi reajustado uma só vez. A importação da Guerra Fria, por outro lado, foi acompanhada da perseguição aos partidos de oposição e da repressão política generalizada9.

Desde o início da II Guerra, os EUA passaram a realizar "operações culturais" que, como "frentes ideológicas", garantiram as justificativas de sua hegemonia sobre o mundo capitalista. Ao assistencialismo dirigido aos países subdesenvolvidos foi acoplada a difusão de todo o aparato tecnológico de imprensa, cinema, indústria fonográfica e das agências de publicidade. As empresas estrangeiras, notadamente as norte-americanas, passaram a dominar a economia e o mercado publicitário, consistindo praticamente no único sistema de financiamento das empresas jornalísticas, editoras e emissoras de rádio e assim, "porque as mantinham e lhes permitiam realizar lucros, logo, as condicionavam" 10.

O aparato que fora montado para apoiar a propaganda ideológica da frente anti-Eixo da II Guerra Mundial foi reorientado no sentido leste-oeste, alimentando a "guerra-fria" e voltado contra os setores populares em cada país.

Nesse contexto, principalmente a partir da II Guerra, a imprensa e a radiodifusão passaram a permear diretamente os valores culturais do imperialismo. Inverteu-se assim a condição "nacionalista" do sistema de comunicação de massa no Brasil. Na medida em que essas tecnologias aprofundavam sua integração ao sistema produtivo e na medida em que a política econômica escapava do controle das classes empenhadas na construção de um capitalismo nacional, passavam ao controle da burguesia associada ao capital estrangeiro. Fortalecendo-se como estrutura de poder, os meios de comunicação de massa prosseguiam favorecendo a adequação da ideologia dominante às relações de produção capitalista em evolução, agora, porém, subordinados mais diretamente às imposições das forças imperialistas e da burguesia associada.

Retomada populista: 1951 a 1954

A volta de Getúlio pela via eleitoral, em 1950, encontrou um processo, irreversivelmente desencadeado no plano internacional, de avanço das torças imperialistas que intensificaram sua interferência política, econômica e cultural nos países periféricos. A reorientação do intervencionismo estatal, novamente voltado para um projeto de expansão da economia com a participação de capital e tecnologia estrangeira, mas sob controle nacional, renovou as tensões com o imperialismo. Desenvolveu-se no Governo e especialmente no Exército - uma campanha de repressão contra os que pugnavam por posições nacionalistas. O Estado era corroído por dentro pelos aliados da internacionalização da economia. 11

Enfraquecido em sua oposição à aliança conservadora, o projeto de desenvolvimento capitalista autônomo, representado por Getúlio Vargas, era obrigado a "pagar um preço" mais alto em troca do apoio das classes populares. A presença ascendente dos setores populares, em especial do operariado urbano organizado nos sindicatos, determinava o surgimento de novas contradições que, progressivamente, deterioravam a posição "nacionalista".

É nesse período que a Central Intelligence Agency (CIA), norte-americana, começa a operar no país. E os grandes jornais, financiados pelas agências de publicidade estrangeira e pelas grandes empresas multinacionais, moveram violentas campanhas contra o governo, conseguindo, entre outra concessões, a demissão do ministro do Trabalho, João Goulart. Os Estados Unidos desestabiizaram a economia com uma série de medidas, entre as quais o bloqueio às exportações de café. O jornal "Última Hora", apoiado por Vargas, foi massacrado por receber financiamento de ôrgãos públicos, o que era comum mesmo entre os jornais que promoviam a arrasadora campanha de perseguição.

Ficou comprovado que "O Estado de São Paulo", o "O Globo" e o "Correio da Manhã' foram remunerados pela publicidade estrangeira para moverem campanhas contra a nacionalização do petróleo, conforme investigou em 1957 uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara Federal 12

O apoio da maioria das empresas jornalísticas e de radiodifusão (inclusive a televisão, que surge em 1950) à aliança conservadora foi fundamental na definição desse período histórico. As campanhas políticas movidas pelos meios de comunicação de massa, com denúncias verdadeiras de casos de corrupção ou mesmo calúnias, comprometiam a percepção que o proletariado, as classes médias e a burguesia nacionalista tinham do processo histórico em marcha. Impotentes para conceber uma estratégia de ação, os setores nacionalistas foram surpreendidos pela armadilha montada pelas forças imperialistas e seus aliados brasileiros. A utilização estratégica dos meios de comunicação, posta em prática neste período, vinculou indissoluvelmente os grandes grupos que operam nos diversos ramos da indústria cultural no Brasil aos grupos estrangeiros. Mas a utilização política dos meios de comunicação de massa, experimentada na queda de Getúlio, foi só o preâmbulo do papel ideológico que lhes seria atribuído nas décadas seguintes.

Abertura da economia: 1954 a 1960

Com Juscelino Kubitschek na Presidência, instaurou-se uma nova ideologia de desenvolvimento no país. Em Juscelino e em Vargas o desenvolvimento está ligado à idéia de industrialização. O que difere um do outro é a presença do conceito de "autonomia econômica" que é primordial em Getúlio e que parece ser secundário ou distinto em Juscelino. A associação com o capital estrangeiro foi importante, principalmente, pela modernização do sistema produtivo, com a diversificação da produção e a sua "atualização" tecnológica. Liberalizou-se a entrada de capital estrangeiro e seus vultosos investimentos pressionaram a implantação de infraestrutura em larga escala 13.

A acentuada internacionalização da economia também refletiu-se na organização econômica dos meios de comunicação de massa. As agências de publicidade estrangeiras passaram a controlar o mercado publicitário gerado pela volumosa inversão de capital praticada pelas empresas - igualmente estrangeiras - instaladas no Brasil.

Os meios de comunicação de massa, especialmente algumas empresas, desenvolveram-se e sofisticaram-se tecnologicamente com a concentração do capital. Financiadas direta e indiretamente pelo capital estrangeiro, essas empresas passaram a atuar como estrutura de poder que mediava os interesses do imperialismo e da burguesia associada.

Nesse período, a televisão começou a adquirir crescente importância na captação de verbas publicitárias. Na segunda metade da década de 50, evidenciava-se uma tendência de queda nos investimentos publicitários no rádio e aumento das inversões aplicadas na televisão. O rádio, em 1950, captava em torno de 24% dos investimentos publicitários, caindo para 14% em 1960. A televisão, surgida em 1950, já participava, em 1960, com 9% de verba publicitária . Isto, apesar do pequeno número de receptores de televisão registrado em 1960(cerca de um milhão) em relação ao número de receptores de rádio (cerca de seis milhões). Em 1956 realizaram-se as primeiras experiências de operação em rede, entre o canal 13 do Rio de Janeiro e o canal 7 de São Paulo através de um link de microondas 15. Em 1957 chegaria ao Brasil o vídeo-tape que revolucionaria o modo de produzir televisão, embora não tenha sido amplamente difundido a partir do início da década de 60.

Crise da democracia representativa: 1961 a 1964

A estratégia de desenvolvimento baseada no capital e na tecnologia estrangeira, empreendida no governo Kubitschek, aguçou as contradições internas, acirrando a luta de classes e a resistência anti-imperialista. A renúncia de Jânio Quadros e as dificuldades para a posse do vice-presidente João Goulart, só assegurada por intensa mobilização popular, mostraram a gravidade das tensões existentes. Em todo este período há a ameaça de enfrentamento dos setores nacional-populistas e a burguesia associada ao capital estrangeiro, que comandava o séquito das classes médias angustiadas com a crise social e amedrontadas com os fantasmas ressuscitados da Guerra-Fria.

A crise social, elaborando a crise econômica, provocou uma queda violenta nas inversões de capital nos principais setores da economia, pois ampliavam-se as barreiras políticas e institucionais16. As classes trabalhadoras avançavam, reivindicando so1uç~es que foram enfeixadas nas Reformas de Base e que nunca chegariam a ser implementadas.

Mais uma vez ficou demonstrado que o projeto nacionalista dependia crescentemente dos setores populares e menos do capital nacional, o que praticamente inviabilizava qualquer projeto de conciliação: entre o avanço das classes popularese o projeto pró-imperialista da burguesia associada, a burguesia "nacionalista" só podia ficar ao lado das forças que sustentariam o capitalismo no Brasil 17.

A estrutura de poder, configurada pela atuação de diversas empresas de comunicação manobradas pelo imperialismo ou por seus agentes nacionais, foi movimentado contara o Estado. O Executivo foi bombardeado por denúncias de corrupção, incompetência, irresponsabilidade e ilegalidade. Os meios de Comunicação controlados pela publicidade estrangeira, assumiram estas que esforçaram-se, por um lado, para desmobilizar os setores que reivindicavam as mudanças sociais e, por outro lado, para instigar toda a sociedade contra o poder legalmente constituído.

A economia brasileira foi novamente desestabilizada pelos EUA. Atuaram abertamente no pais entidades financiadas por empresas nacionais e estrangeiras, pela CIA e outros órgãos norte-americanos, em apoio à conspiração. O Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) - que ocupou um lugar central como instrumento de organização e intervenção da burguesia industrial e financeira associada ao capital estrangeiro - e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) foram duas das principais entidades que compraram o apoio de órgãos de comunicação, financiaram campanhas, corromperam parlamentares e criaram o apoio logístico (inclusive com armamentos) para o golpe que se gestava.

Foi nesse contexto que uma nova estratégia das forças imperialistas, em relação aos meios de comunicação, começou a delinear-se. Em 1961 surgiram os contratos elaborados inconstitucionalmente entre as organizações Globo e o grupo norte-americano Time-Life, que iriam transformar aquele grupo empresarial brasileiro na maior potência econômica na área da comunicação na América Latina. As dificuldades institucionais, entretanto, só permitiram que os contratos fossem plenamente executados após 1964. O modelo de desenvolvimento econômico adotado no período pós-64 levou a grandes investimentos públicos em infraestrutura de telecomunicações. Criou-se assim um setor de serviços públicos que modernizaria as telecomunicações no Brasil e constituiria demanda para a produção da indústria eletrônica transnacional que se instalou no país. Só após o golpe de março de 1964, porém, é que foram criadas as condições econômicas e institucionais para o desenvolvimento de um sistema nacional de telecomunicações e de radiodifusão compatível com as novas exigências do capitalismo internacional.

O sistema global: 1964 a 1987

Com a derrubada, em 1964, do governo constitucional, o desenvolvimento baseado no capital e na tecnologia estrangeira desenfreou-se. O Executivo usurpou as funções do Legislativo e até mesmo do Judiciário. A concentração de poderes facilitou as relações com os centros do capitalismo mundial criando-se as condições institucionais favoráveis à reprodução do capital em altas taxas, pressionada pelo aporte de capital estrangeiro desenvolveu-se infraestrutura de serviços públicos em larga escala. O Estado passou a atuar como um importante fator de estímulo à acumulação do capital privado.

O caráter do desenvolvimento dos meios de comunicação de massa no Brasil revela a importância das tecnologias de comunicação no processo de evolução das relações capitalistas mundiais. A comunicação de massa apresenta-se como um elemento vital na inversão da conquista pela agressão armada por uma estratégia de domínio pela "base filosófica" e pelo "colonialismo cultural". Verificam-se, neste processo, três diferentes estágios nas relações internacionais
18.

O primeiro era um "simples subproduto do contato entre diferentes grupos", e foi o que persistiu durante mais tempo na história da humanidade. O segundo é a imposição intencional de uma cultura dominante sobre uma cultura dominada. Era causa e também efeito de "guerras, comércio, organização de hegemonias e rivalidades entre impérios". Deste período, "das grandes explorações e da colonização", passou-se para o terceiro estágio, no qual existe um intenso intercâmbio e um fluxo bidirecional entre nações e povos, entre dominantes e dominados. Neste estágio, as complexas instituições resultantes de igualmente complexas relações sociais, são mobilizadas de maneira sistemática para interferir nas sociedades dominadas. Assim, hoje assistimos à atuação de um "complexo industrial eletrônico agressivo e poderoso trabalhando para expandir o sistema sócio-econômico, espacial e ideologicamente" 19.

Essa tendência acentuou-se na década de 70 com a expansão da atuação dos setores da indústria eletrônica norte-americana que foram beneficiadas com a acumulação intensiva gerada pelas inversões maciças do Estado na indústria bélica (especialmente durante a guerra do Vietnã) e aeroespacial. A produção da indústria eletrônica foi então voltada para a introdução de sofisticadas tecnologias de comunicação e informática nos países do terceiro mundo. Esse fluxo econômico e tecnológico, além dos interesses imediatos da indústria eletrônica, atua como apoio logístico para a instalação das transnacionais que operam em diversos setores da economia e que necessitam de instrumentos de estimulação de mercado.20

Dentro do processo de expansão e modernização do sistema produtivo no Brasil, foi instalado um gigantesco sistema nacional de comunicações, composto por uma avançada infraestrutura de serviços de telecomunicações e por dezenas de emissoras de televisão, centenas de emissoras de rádio e dezenas de milhões de receptores de rádio e televisão. A economia sofre um processo de concentração de capital e tecnologia que alijou pequenas e médias empresas, em todos os setores, e fez surgir imensos oligopólios. Paralelamente a política econômica promoveu a concentração da renda à custa da expropriação das massas trabalhadoras. A radiodifusão é, ao mesmo tempo, causa e efeito desse modelo de desenvolvimento.

O advento da Nova República, em 1985, embora tenha promovido uma ruptura "democratizante" no plano político, manteve inalterado o predomínio da burguesia no plano econômico. E também manteve intacto o sistema de comunicação de massa resultante de vinte anos de ditadura militar.

Notas

1. Anuário Estatístico do Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -IBGE, 1930e 1935.
2. DE FLEUR, Melvim L. Teorias de comunicação de massa. Rio de Janeiro, Zahar, p.86-98.
3. PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. 4.ed. São Paulo, Brasiliense, 1956.
4. SODRË, Nelson Werneck. Formação histórica do Brasil. 5.ed. São Paulo, Brasiliense, 1950.
    MURCE, Renato. Bastidores do rádio: fragmentos do rádio de ontem e de hoje. Rio de Janeiro, Imago, 1976.
    LOPES, Saint-Clair. Radio difusão hoje. Rio de Janeiro, Ternário, 1970.
5. IANNI, Octávio. Estado e planejamento econômico no Brasil: (1930-1970). 2.ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1977.
6. SODRI2, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro, Graal, 1977.
7. Decreto n0 20.047 de 27 de maio de 1931 e o seu Regulamento, o Decreto nº 21.111,de lº de março de 1932.
8. BANDEIRA, Moniz. Presença dos Estados Unidos no Brasil: (dois séculos de história). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1973.
9. IANNI, op. cit.
10. SODRË, Nelson Werneck, op. cit.
11. Id.,ib.
12. Id.,ib.
13. IANNI, Octávio op. cit.
14. JORDÃO, Maria de Fátima Pacheco. Concentração econômica da mídia. Diário Popular. São Paulo, 30 de abril de 1978. Caderno de Marketing, p.11.
15. VAMPRÉ, Octávio Augusto. Raízes e evolução do rádio e da televisão. Porto Alegre, Feplam/RS, 1979,p.222.
16. OLIVEIRA, Francisco de. A economia brasileira: crítica à razão dualista. São Paulo, Estudos Cebrap. Nº 3, 1975.
17. IANNI, Octávio. O colapso do populismo no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975.
18. SCHILLER, Herbert. O império norte-americano das comunicações. Petrópolis, Vozes, 1976, p.24-5.
19. Id.ib.,p.25.
20. MATTELART, Armand. As multinacionais da cultura. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1976.
-------Multinacionais e sistemas de comunicação. São Paulo, Ciências Humanas, 1979. 85

Texto de Daniel Heiz em "A História Secreta da Rede Globo", Tchê! Editora, Porto Alegre, 1987, excertos pp. 74-86. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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