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TOPÔNIMOS E GENTÍLICOS COMO COGNOMES E VICE-VERSA

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No artigo de Rachel de Queiroz, em O Cruzeiro, sobre Os Sobrenomes, há estas observações: “Muitos usam o nome de um país como apelido: França, Portugal, Holanda, Brasil. Mas não tem Inglaterra, Noruega etc. Por quê? Embora alguns dos seus gentílicos apareçam: lembro Inglês de Sousa, Freire Alemão, Ferreira Francês”. E, adiante: “Das províncias brasileiras só dão sobrenome Amazonas, Bahia, Maranhão. Não conheço Sergipe, Pará. Mato Grosso etc. Por que será?”

Na verdade, quem consulte a lista telefônica do Rio de Janeiro nela encontrará 393 assinantes com o nome de França e mais 8 com o nome de France, havendo entre eles algumas combinações curiosas, como Ubirajara França, Jurandir França, Jurema França, Iracema A. França e Abd-el-Azis França. Na de São Paulo, há 220 e na de Brasília 25 França. Um França, durante o Império, foi notabilitado: o conselheiro e ministro de Estado Clemente Ferreira França, que recebeu os títulos de Visconde, em 1825, e de Marquês de Nazaré, em 1826.

Mas além dos França, há também os Franco, que sobem a 40 na lista telefônica do Rio e què são, também, franceses. O Império nobilitou 4 Francos: Bernardo de Sousa Franco, que foi ministro da Fazenda e conselheiro de Estado, com o título de Visconde dè Sousa Franco, em 1872; o senador Luís Antônio Pereira Franco, com o título de Barão de Pereira Franco, em 1888; o famoso médico Pedro Afonso Franco, com o título de Barão de Pedro Afonso, em 1889; e, finalmente, Quintiliano Rodrigues da Rocha Franco, com o título de Barão de Santa Luzia, em 1846. Além dos França e dos Francos, há na lista telefônica 13 François. Estes vão de Adélia Correia François a Yvette François.

Os Portugal sobem a 75 e os Holanda a 48. Estes, em grande maioria, senão na totalidade, certamente serão descendentes de holandeses que se radicaram no Brasil, depois da paz que se seguiu à restauração da independência de Portugal. Muitos deles se sentiram constrangidos em nosso meio, por diferentes motivos. Muito brancos, um tanto avermelhados, com os olhos muito azuis ou muito verdes, eram hostilizados pela população mestiça, que lhes dava o nome pejorativo de “galinhas d’água”. Eram incômodas para eles as constantes alusões às lutas contra os invasores batavos, em que se tinha começado a temperar a nacionalidade brasileira. Além disso, os nomes holandeses eram por demais arrevezados ou difíceis de pronunciar. Para citar apenas alguns: D. V. Koin, Hans Pietersz Smit, Huybert Dop, Hans Paap, Thomas Pouwelsz, Wolf Reurseits, Philip Schacht, Barent Wiegler, Boudewijn de Jager, Pieter Rotter- dam, Lubbert van Coverden e Willem Sloot, nomes todos estes constantes de uma ata de rendição do Forte Maurício, no Rio São Francisco.

Para obviar essas dificuldades, os holandeses de nomes mais complicados que se deixaram ficar no Brasil passaram a substituí-los por uma designação genérica, bastante simples: o apelido “de Holanda”, em seguida ao prenome, em geral traduzido. Apareceram, através da aliança com brasileiros, as famílias Holanda Cavalcanti, Buarque de Holanda etc. Certos nomes holandeses foram aglutinados num só nome. Por exemplo: o de Caspar van der Ley acabou se convertendo em Wanderley, embora a autêntica pronúncia holandesa devesse ser Fan-der-Lai. Os Wanderley são hoje 140 na lista telefônica do Rio de Janeiro, mas grande parte está espalhada pela área nordestina.

O mais ilustre dos Wanderley foi o baiano amulatado, João Maurício Wanderley, várias vezes ministro-de-estado e presidente de um dos últimos gabinetes conservadores da monarquia, além de senador do Império. Em 1860, ele foi agraciado com o título de Barão de Cotegipe. Outro descendente de holandeses, João Cavalcanti Maurício Wanderley, natural de Pernambuco, foi agraciado em 1873 com o título de Barão de Tracunhaém. Um dos poucos descendentes de Cotegipe que se destacaram foi o político e historiador Wanderley de Pinho, autor do notável livro Salões e Damas do Segundo Reinado.

De outros ramos, mas também de sangue holandês: Eustórgio Wanderley, jornalista e autor teatral de grande atuação, nascido em Pernambuco e falecido no Rio de Janeiro, que se dedicara principalmente a escrever peças para crianças; Ezequiel Wanderley, Palmira Wanderley e Manuel Segundo Wan- defley, autores de peças teatrais e de livros de poesias, todos do Riò Grande do Norte. E a autora teatral e contista Maria Wanderley Meneses, nascida em Pernambuco.

Em Sergipe, um descendente de holandeses, o patriarca José Deodoro Van-Allen, rompeu no século passado com as suas origens flamengas, para adotar, num impulso nacionalista, o nome de Guaraná. Daí surgiu uma família numerosa, que teve como expressão de destaque o jornalista e tabelião Délio Guaraná e o político, industrial e tabelião Luís Guaraná. Este foi dono de grandes usinas de açúcar em Campos e representou com brilho o Estado do Rio de Janeiro na Câmara dos Deputados, na República Velha. Hoje, existem pelo menos vinte pessoas com o nome de Guaraná na lista telefônica do Rio de Janeiro. São dos poucos descendentes de holandeses que escaparam de ser Wanderley ou de ser “de Holanda”.

Menos explicável é a presença de tantos Gregos na nossa lista telefônica. Há nela 14 Gregos, de Adelina Santorno Grego a R. Quintela Greco, além dos 24 Grecos, 4 Grecchi ou Grechi. e de 8 Greca. Sem falar em Agripino Grieco, que herdou o seu “helenismo” via Itália.

A observação de Rachel de Queiroz é correta a respeito das províncias que dão sobrenomes: Amazonas, Bahia, Maranhão. Na lista telefônica, há 16 assinantes com o nome de Amazonas, de Ana Amazonas a Ottacilius M. Amazonas. Há também 64 Bahia, de Abdicai A. Bahia a Zulmira P. Bahia. Mas há também 19 Bahianas, de Alberto Bahiana a Teresinha Cardoso Bahiana, e 22 Bahienses, de Artur M. Bahiense a Mauro Bahiense. Quanto aos Maranhão —  há 122, entre os quais o poeta Petrarca Maranhão, o mais constante e malogrado candidato a vagas da Academia Brasileira de Letras.

Entretanto, outras províncias, ou estados, também têm dado cognomes, através de derivações. O Pará deu o cognome de Paraense, existindo 5 assinantes com esse nome na lista telefônica, de Adamor Paraense a Oysis Paraense. Por longo tempo, o campeão nacional de tiro de pistola livre foi um oficial do Exército que se chamava Guilherme Paraense. O seu peito estava permanentemente constelado de medalhas. Além disso, a capital do Pará, Belém, contribuiu também para a lista dos nossos sobrenomes. Na lista telefônica do Rio de Janeiro há 36 Belém, de Adur M. Belém a Thales M. Belém, passando pelo pintor Orózio Belém. Hoje não há Cearense entre os assinantes cariocas da Companhia Telefônica, mas dois deixaram nome. O primeiro foi Amâncio Cearense, soldador e fundidor, que, a pedido do desembargador José Cândido de Pontes Visgueiro, soldou o caixão de chumbo em que esse magistrado e ex-deputado encerrara a infeliz Maria da Conceição, sua amante, que matara num acesso de ciúme. O filho de Amâncio Cearense, Catulo da Paixão Cearense, ficou famoso como compositor de modinhas e como poeta sertanejo. Na lista telefônica há 2 assinantes com o nome de Paraíba e 12 com o nome de Mineiro. Não há nenhum com o nome do Rio Grande do Norte, mas há com derivações que lembram esse estado: 4 Potengi, 4 Potiguara e 17 com o nome de Natal, além de um Poti. Na lista do Rio de Janeiro há 13 assinantes de telefones que têm o nome de Pernambuco, de A. Benford Pernambuco ao arquiteto Rui José Pernambuco.

Quanto aos Brasil, somam ao todo 194. Estes surgiram durante o surto de nacionalismo do Primeiro Reinado em vários pontos do Brasil. E surgiram também os Brasilienses, Brasileiros, Brasílios etc. Num pequeno estudo crítico e biográfico sobre uma das mais curiosas figuras das letras femininas do Brasil no século dezenove, Oliveira Lima deixou interessante observação a respeito de alguns nomes extravagantes. Sobre a escritora Nísia Floresta Brasileira Augusta, disse: “O único defeito a apontar-lhe é o seu nome disparatado, pois que seu pai se chamava Dionísio Gonçalves Pinto, e bastante esdrúxulo na sua mistura de arcádico e patriótico”. Adiante, acrescentava Oliveira Lima: “Nísia Floresta Brasileira Augusta tem um sabor pronunciado a pseudônimo, mas nom de plume que fosse, a escritora modestamente o ocultava, ou pelo menos o dissimulava no geral de seus escritos — alguns anônimos, outros publicados com iniciais, outros com um quarto de nome, outros ainda com a designação de une brésilienne auteur de plusieurs ouvrages littéraires et moraux”.1

Tal nome era, na verdade, uma segunda escolha, pois o seu verdadeiro nome, o de batismo, fora Dionísia Pinto Lisboa, simples e banal, sem nada de extravagante. Seu irmão escapou também ao destino de ser um simples Joaquim Gonçalves Pinto, Bacharel em direito pela Academia de Olinda, ele acrescentou ao nome o apelido de “Brasil”. Comenta Oliveira Lima: “Ainda devemos dar graças a Deus por não ter ido além, porque esse foi o tempo do nacionalismo dos nomes de família — dos Cansação de Sinimbú, dos Oiticica, dos Sucupira, dos Gê Acaiaba de Montezuma”. E muitos mais poderia ter acrescentado Oliveira Lima, pois em tal fase da vida brasileira subiam a várias dezenas as denominações botânicas e os nomes indígenas incorporados ao nosso repertório onomástico.

Os Brasil, hoje numerosíssimos, não provêm apenas do irmão de Nísia Floresta, Joaquim Pinto Brasil. Com igual impulso cívico, várias outras famílias incorporaram o nome da pátria a seus nomes. Assim é que surgiu na Província do Ceará o nome da família Sousa Brasil, cujo patriarca foi o jornalista e político Padre Tomás Pompeu de Sousa Brasil, um daqueles sacerdotes desembaraçados, que constituíam lares estáveis e felizes, sem se preocuparem com o problema do celibato clerical. Não se casavam, mas viviam de consciência tranquila como se casados fossem. E mais casados do que os verdadeiros casados.

No Rio Grande do Sul, pelo mesmo sistema de adição, surgiu a família Assis Brasil, que teve como iniciador Francisco de Assis Brasil, pai de Joaquim Francisco de Assis Brasil, cuja vida pública se estendeu desde a propaganda republicana à constituição da Aliança Liberal, em 1929/30, e que representou o Brasil como chefe de missões diplomáticas em Buenos Aires, Lisboa e Washington. De outra família Sousa Brasil é que surgiu, no Rio Grande do Sul, o poeta Zefirino Brasil, autor de numerosos livros de versos, além de um romance, um drama, uma comédia em verso e muitas crônicas. Nascido em 1870, era filho de João Antônio de Sousa Brasil.

Existe, ainda, a família Vital Brasil, cujo chefe foi o grande cientista que dedicou sua vida aos estudos sobre o ofidismo, a fim de evitar mortes pelo veneno de cobra. Numa expressiva afirmação de nacionalismo, seu pai, modesto serventuário da Justiça de Minas Gerais, quando o filho nasceu, tratou de batizá-lo com o nome de Vital Brasil Mineiro da Campanha, com total omissão dos nomes de família. Era como quem dizia: Vital, nascido no Brasil, Província de Minas Gerais, Cidade de Campanha. Ao formar-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, no início de 1892, o jovem médico descartou-se dos dois últimos nomes e foi colaborar com o Dr. Emílio Ribas na implantação do famoso estabelecimento científico que é o Instituto Butantã, de São Paulo, de que foi o diretor por vários lustros. Daí só saiu para fundar, em Niterói, o Instituto Vital Brasil. Na mesma família, segundo Afrânio Peixoto, havia os nomes de D. Iracema Ema do Vale do Sapucaí e Dr. Oscar Americano Caldas, que “marcam as respectivas procedências logo à apresentação”.

0 cognome Brasil se tornou tão difundido que, no início de 1922, entre os militares que subscreveram a famosa Moção Frutuoso Viana, no Clube Militar, contra a candidatura de Artur Bernardes à Presidência da República, havia dois jovens oficiais assim chamados: o 1.° Tenente Carlos Brasil (assinatura n. 238) e Pedro Brasil (n. 467), este sem declaração do posto. Na lista telefônica do Rio podem ser encontrados nada menos de 194 assinantes com o cognome de Brasil e na de São Paulo 40, além de vários com os nomes de Assis Brasil e Sousa Brasil. Na de Brasília, há 12 com o cognome de Brasil. São também muitos os prenomes. Alguns denunciam as origens de seus portadores, de sangue árabe, japonês e italiano: Brasil Coury, Brasil Kenjikai, Brasil Bandecchi. Este último é um escritor paulista, que se descartou de seu primeiro prenome, Pedro, dando preferência ao segundo. Alguns curiosamente italianizam seu prenome para Brasile. O jornalista e escritor catarinense Brasil Gorresen fez o contrário: abrasileirou o cognome escandinavo, convertendo-se em Brasil Gérson.2

Em São Paulo, um dos chefes da propaganda republicana se chamou Américo Brasiliense de Almeida Melo. Antes, fora deputado geral pelo Partido Liberal e presidente da Paraíba. Hoje, há 9 Brasilienses na lista telefônica de São Paulo e 5 na do Rio, um destes com o prenome redundante de Brasílio... Outro propagandista republicano de São Paulo foi Américo Brasílio de Campos, nomeado logo depois da proclamação de República cônsul em Nápoles, onde morreu nove anos depois. No cenário paulista, destacam-se também Brasílio dos Santos e Brasílio Machado, pai do acadêmico Alcântara Machado e avô do modernista Antônio de Alcântara Machado. São numerosos hoje os Brasílios e, ainda mais, os Brasileiros. Destes, há 11 na lista telefônica do Rio, 4 na de São Paulo e 4 na de Brasília. Singularmente, na do Rio há apenas um Carioca: Floriano do Vale Carioca. Mas deve haver outros, não-assinantes de telefones, pois já em 1831 um deles, Firmiano Brasileiro Carioca, aparecia em Alagoas subscrevendo uma enérgica representação à Regência. Era um capitão de ordenanças reformado, como se pode ver no "Esboço á História de Alagoas", de Moreno Brandão (página 99).

Mas o contrário também acontece: os nomes de pessoas por sua vez se transformam em topônimos. No Brasil, por exemplo, está havendo certo abuso, ou barateamento de denominações tão consagradoras, por vezes atribuídas a figuras inteiramente secundárias. Muitas, porém, não podem ser objeto de discussão. No Estado do Amazonas, há um município com uma dessas denominações indiscutíveis: tem o nome de Benjamin Constant, em homenagem ao companheiro de Deodoro na jornada da proclamação da República. No Estado do Acre, há municípios com os nomes de Rio Branco, Feijó e Sena Madureira. Mas no Pará há um município com o nome de João Coelho, nome que nada me diz. No Piauí, há o de Marechal Floriano. No Ceará, os de Campos Sales, Senador Pompeu, Capistrano (sem de Abreu), Farias Brito e Iracema (homenagem a Alencar, que sem isso ficaria ausente).

No Rio Grande do Norte, há vários, entre os quais os de Almiro Afonso e Augusto Severo. Na Paraíba, há os de João Pessoa, Antenor Navarro e Princesa Isabel, entre outros. Em Pernambuco, os de João Alfredo e Joaquim Nabuco, homenageando duas grandes figuras da abolição. Em Alagoas, há os de Marechal Deodoro, Marechal Hermes, Delmiro de Gouvêia e outros. Em Sergipe, os de Simão Dias e Tobias Barreto. Na Bahia, os de Nilo Peçanha, Euclides da Cunha, Miguel Calmon, Castro Alves, Rui Barbosa e Teodoro Sampaio, além de outras figuras menos expressivas. No Espírito Santo, os de Anchieta, Afonso Cláudio, Domingos Martins (em honra do patriota republicano enforcado em Recife por ter chefiado a rebelião de 1817) e outros.

No Estado do Rio de Janeiro, há Petrópolis (em honra de Pedro II), Teresópolis (em honra de D. Teresa Cristina), Duque de Caxias (em honra do soldado que os sustentou no trono contra várias revoluções), Silva Jardim (em honra do propagandista do regime que os destronou e baniu), Miguel Pereira (que proclamou ser o Brasil um vasto hospital) e Casimiro de Abreu.

Em São Paulo, existem municípios com os nomes de José Bonifácio (o patriarca da Independência), Oswaldo Cruz (o saneador do Rio de Janeiro), Bilac (poeta parnasiano e propagandista do civismo), Pedro de Toledo (interventor por ocasião da revolução de 1932), Monteiro Lobato (grande escritor e vanguardeiro da exploração do nosso petróleo), Júlio de Mesquita (diretor de "O Estado de São Paulo"), além de muitos outros, como os Presidente Prudente, Presidente Epitácio, Presidente Bernardes e Presidente Alves, isto é, Rodrigues Alves, ora optando pelos cognomes, ora pelos prenomes etc. Muitos outros nomes figuram em municípios paulistas, alguns dos quais são inteiramente obscuros fora de São Paulo, e, talvez, até mesmo dentro desse Estado.

No Paraná, há os municípios de Almirante Tamandaré, Assis Chateaubriand (o jornalista e senador da República que era Bandeira de Melo), Joaquim Távora (oficial revolucionário que morreu em combate), Prudentópolis (em homenagem a Prudente de Morais), Lupionópolis (em homenagem a Moisés Lupion, governador do Paraná, acusado depois de ter devastado as finanças paranaenses), Siqueira Campos, Salgado Filho, Vences lau Brás e vários outros, inclusive um recente Presidente Castelo Branco.

Em Santa Catarina, além de Florianópolis (nome dado à sua antiga capital Desterro, depois da derrota das forças rebeldes que a ocuparam por ocasião da revolta de 1893), existem os de Joinville (em homenagem ao Príncipe de Joinville, marido da Princesa D. Francisca, irmã de D. Pedro II), Blumenau (em honra do Dr. Hermann Otto Blumenau, um dos imigrantes alemães que aí se fixaram), Anita Garibaldi, Anitápolis (duplicação da homenagem à companheira de Giuseppe Garibaldi), Dionísio Cerqueira (general, veterano da guerra com o Paraguai, que foi ministro das Relações Exteriores), Lauro Müller (general, parlamentar e ministro de estado), Presidente Getúlio, Presidente Nereu — em honra a Nereu Ramos — e outros.

No Rio Grande do Sul, há municípios com os nomes de Bento Gonçalves, Júlio de Castilho, General Canabarro, Barão de Cotegipe, Osório, Garibaldi, Flores da Cunha, Getúlio Vargas, General Câmara, Pinheiro Machado, Dona Francisca (a irmã de Pedro II, que recebeu no dote terras a colonizar e era conhecida, na França, como Dona Chicá) e vários outros, inclusive um germanizado Frederic Westphalen.

Em Minas Gerais, basta citar três: Teófilo Ottoni, Santos Dumont e Governador Valadares.

Em Goiás, há os de Pedro Afonso, Leopoldo de Bulhões e Pires do Rio.

Entre, os nomes que se transformaram em topônimos estão, no Rio de Janeiro, os de Botafogo, que deriva da família Botafogo que aí teve propriedades e que ostenta, entre seus membros, um militar ilustre, o Marechal Botafogo; o de Leblon, contração do nome de um Le Blond que aí comprou terrenos e teve uma Chácara (o Registro de Estrangeiros consigna a chegada ao Rio, em 1839, de João Fernando Le Blond, fabricante de pentes, vindo de Hamburgo); o de Borel, nome de um morro do bairro da Tijuca, oriundo provavelmente do suiço Henrique Alexandre Borel, chegado em 1837, ou de outro membro dá mesma família. Na capital da Bahia, há uma mãe-de- santo muito popular, celebrada até em canções de sucesso, a Menininha do Gantuá, ou de Gantois, bairro de Salvador cujo nome vem de um comerciante francês, Edouard Gantois, que chegou ao Brasil em 1831 e se estabeleceu naquela cidade. Ou sua chácara, ou sua loja, ficaram sendo designadas como “do Gantois”, nome que persiste até hoje. Em Florianópolis, há um Morro do Come-Sete, deturpação do cognome de seu antigo proprietário, o estrangeiro William Comzeth.

Andam em cerca de 200 a 300 os nomes de pessoas que se transformaram em topônimos em nosso País. Temos, além disso, o Território de Rondônia, em homenagem a Rondon.

É claro que assim procedemos por imitação. É velho o hábito de ligar os nomes de pessoas a acidentes geográficos ou a cidades. Alexandria, no Egito, tem esse nome por ter sido fundada por Alexandre Magno, durante a dominação grega. A atual Istambul por muitos séculos se chamou Constantinopla em honra do Imperador Constantino, do Império Romano. Na União Soviética, a cidade que tinha o nome de São Petersburgo, em honra de Pedro o Grande, chama-se hoje Leningrado, em homenagem ao revolucionário e estadista Lênine, havendo outra, ex-Simbirsk, que passou a chamar-se Ulianovsk, em homenagem ao mesmo Lênine que ali nasceu como Vladimir Ilich Ulianov, Lênine sendo seu nome de guerra. Outra, que se chamou antes da Revolução Ekaterinoslav, em homenagem à tzarina Ekaterina, em russo Catarina, depois recebeu o nome de Stalingrado, em homenagem ao revolucionário e estadista Stálin, cujo repúdio, após o vigésimo Congresso do PC da URSS, fez com que fosse transformado o nome da heróica Stalingrado, que virou Volgogrado, e de outras cidades chamadas Stalino, Stalinabad, etc.3

Assim como nomes de rios têm sido aproveitados como nomes ou prenomes no registro civil — Sena, Tejo (como no caso do escritor gaúcho Limeira Tejo), Nilo (José de Alencar deu esse nome, no feminino, Nila, à heroína de seu conto "Lembra-te de mim"), Danúbio, etc. — a orografia apresenta apresenta curiosas contribuições, como nos casos dos Drs. Himalaia Vergolino e do Dr. Herculano dos Andes Vergolino. Outros fazem os nomes dos filhos derivarem do local do nascimento, como o do recentemente desaparecido A. Floresta de Miranda, que fazia, no Rio, intensa campanha contra os ruídos urbanos. Nascido em Antuérpia, ou Anvers, onde o pai servia ao Brasil, recebera o nome de Anverino, que escondia com muito pudor. Mas, aos amigos mais íntimos, confessava:
"Ainda bem que nasci em Anvers... Se fosse um Bruxelas, eu poderia ser Bruxelino. Pior ainda se fosse em Budapeste. Com que cara eu iria dizer que me chamava Budapestino?"

No nosso continente, o maior número de nomes de pessoas transformados em nomes geográficos ocorre nos Estados Unidos. Para começar, a capital tem o nome de Washington, em homenagem a George Washington. Além disso, há ainda o Estado de Washington, na costa do Pacífico, dividido em condados com os nomes de Lincoln, Jefferson, Douglas, Grant, Franklin, Adams, Pierce, Thurston, Mason, Clark etc.

Em nosso continente, há também países cujas denominações resultaram de nomes de pessoas: Colômbia, de Colombo, e Bolívia de Bolivar. Sem esquecer o nome do próprio continente, usurpado por Amerigo Vespucci, cujo nome nos chegou sob a forma latinizada de Américo Vespúcio.

O famoso piloto florentino não foi o responsável direto por essa denominação, que, aliás, em nada doeu a Cristóforo ou Cristóvão Colombo, pois que este, supondo ainda ter descoberto apenas as costas da Ásia, morrera em 1506, quando o novo mundo ainda não tinha sido batizado. E seu batismo errado resultou das confusões bem intencionadas do geógrafo e cartógrafo de origem germânica, Martins Waldseemüller, ao publicar, em 1507, a obra intitulada "Cosmographiae Introductio cum Quibusdam Geometriae ac Astronomiae principiis ad eam rem necessariis". Este cartógrafo, nascido em Radofzell, à margem do Lago de Constança, no ano de 1470, fez em tal obra, da qual só se conhece hoje um exemplar, pertencente à biblioteca pública de Nova Iorque, a sugestão de que fosse dado ao novo mundo o nome de América, ou terra de Américo — "América, sive Americi terram"— por supor equivocadamente que Vespucci tinha sido o primeiro a pisar neste continente. Comentando esse fato, o humorista norte-americano William Jacob Cuppy, ou Will Cuppy, autor dos livros "Como Tornar-se Um Ermitão" e "Como Distinguir Seus Amigos de Um Macaco", jocosamente escreveu: “Desde o dia em que foi cometido esse engano pelo professor Waldseemüller ninguém ainda teve tempo nem disposição para retificá-lo. Não é isso o que acontece com todas as coisas neste mundo?”

Notas

1. Refere-se a obras publicadas em francês, durante a longa permanência da autora na Europa.
2. Embora muitos querem ver neste abrasileiramento apenas a transposição de nome hebraico, várias vezes mencionado na Bíblia, de igual forma, Gerson.
3. Na URSS, a mania de dar nomes dos líderes do Partido a cidades obrigou-as a modificar as denominações após a queda dos mesmos, o que aconteceu por exemplo com as cidades Molotovsk e Molotovo. Mas sobrou Gorki, Sverdlovsk, Kaliningrado (após a anexação da Prússia Ocidental pela URSS este foi o nome dado a Königsberg, cidade de Kant) e Togliatti, centro automobilístico criado pela Fiat italiana. Ao mudar o nome de Königsberg para Kaliningrado, os russos mantiveram o K inicial, exatamente como fizeram os alemães que, após terem conquistado em 1939 e anexado à Alemanha a cidade polonesa de Lodz, mantiveram o L dando-lhe o nome de Litzmannstadt, em homenagem ao general Von Litzmann, que a conquistara efemeramente em 1917. Na mesma Prússia Oriental havia uma cidade chamada pelos Cavalheiros Teutônicos, que a construíram ainda na Idade Média, Marienburg — burgo de Maria. Esta foi anexada em 1945 pela Polônia, que também perpetuou a inicial M no nome polonês Malbork.

Texto de R. Magalhães Jr. em "Como Você se Chama?", Editora Documentário, Rio de Janeiro, 1974, excertos pp. 113-123. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.


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