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MATADOUROS PÚBLICOS NA EUROPA E AMÉRICAS

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Leopoldo Costa


Os matadouros públicos foram criados com o objetivo de oferecer à população carne com qualidade e controlar os abates dos animais destinados ao consumo. Depois, com o advento da indústria organizada a sua existência não tinha mais justificativa, porém, sobreviveu nas pequenas povoações do interior do Brasil que não têm como se abastecer de carne e evitar os abates nas próprias fazendas. Os principais matadouros públicos foram os seguintes:

PARIS

Em Paris, na Idade Média, o matadouro público municipal ficava no centro da cidade, na Île de France, a uma quadra da catedral de Nôtre Dame. Os animais a serem abatidos, em manadas e conduzidos por peões, passavam pelas ruas centrais da cidade, trazendo muitos transtornos. Devido às reclamações dos habitantes, mais tarde já no século XIII, o matadouro foi transferido para Grand Chatelêt.

Na época do Antigo Regime (Século XIV a século XVIII), Paris consumia por ano entre 50.000 e 60.000 cabeças de bovinos e de 100.000 a 140.000 cabeças de suínos e ovinos. O gado bovino era proveniente das províncias da Normandia e Limousin, e nas crises de abastecimento, vinham até da Suíça. Os suínos e ovinos eram provenientes das cercanias de Paris. A carne só poderia ser comercializada nos mercados de Eaux e Poissy, que eram fiscalizados pelo governo. Naqueles tempos, sem refrigeração artificial, era imperativo que os matadouros ficassem próximos dos açougues para poder comercializar a carne fresca em boas condições o mais rápido possível. Abatiam-se apenas os animais suficientes para o consumo do dia.

Nas vilas e aldeias do interior, os pequenos matadouros ficavam na mesma rua dos açougues.

Alguns mosteiros e conventos do interior da França dispunham de matadouros próprios, eram pequenos e serviam para abastecer os religiosos que viviam no convento e excesso era vendido na comunidade adjacente. Os conventos de Saint Germain de Prés e Saint Geneveve eram os que tinham os matadouros mais importantes.

Em 1810, Napoleão Bonaparte (1769-1821), para melhorar as condições dos habitantes de Paris, evitando os transtornos que estes matadouros urbanos estavam causando a população da cidade, decidiu mandar construir cinco matadouros fora do perímetro urbano. Foi definido que três deveriam ser na margem setentrional do rio Sena e dois na margem meridional, O projeto inicial era que a construção destes matadouros fosse financiada pelos açougueiros, porém, eles não aceitaram a proposta. O ministro do Interior decidiu então, que o Estado construísse os matadouros e para o seu uso seria cobrada uma taxa fixa por cada cabeça abatida pelos açougueiros. Foram necessários oito anos para a construção destes matadouros. Logo  que foram inaugurados, um decreto do Governo proibiu definitivamente a passagem de animais vivos pelas ruas centrais de París. Em 1867, foi construído o matadouro central de La Villette, que veio a substituir os cinco existentes em ambas às margens do rio Sena, que já estavam obsoletos.

LONDRES

Em Londres, o mercado de Smithfield, desde o final do século XII e até meados do século XIX, era o local de comercialização de animais vivos ou abatidos destinados ao abastecimento da cidade. Antes, os abates eram efetuados ao ar livre em locais pré-determinados pelas prefeituras que ficaram conhecidos como ‘shambres’. Por esta razão várias cidades britânicas têm hoje ruas com este nome. Estes abates no meio da rua, sem nenhuma higiene, trazia repulsa e constrangimento para muitas pessoas que não suportavam o cheiro do sangue e do estrume dos animais. Thomas Morus (1478-1535) critica na  sua obra ‘Utopia’ estes locais de abate.
O cronista inglês William Fitz Sthephen, que faleceu em 1190, escreveu em 1174, que Smithfield ‘era uma grande feira, onde comerciantes do campo compareciam para vender seus bois, carneiros, porcos e outros artigos agrícolas’.

Inicialmente em 1173, no local onde existe o Mercado, era realizada aos sábados uma feira de cavalos.

Também por ser um local público e de fácil acesso, foi onde realizavam execuções de condenados à morte, como as famosas personagens de William Wallace (1270-1305), herói escocês, enforcado e esquartejado em 1305 e Wat Tyler, o líder da ‘Revolta dos Camponeses’, morto em 1381. Durante a crise religiosa do século XVI, foi onde levaram á fogueira, vários mártires protestantes e católicos.

No final da Idade Média já era o maior mercado agropastoril de toda a Inglaterra e continuou assim por longos anos. Em 1790, foram vendidos e abatidos em Smithfield, 104.000 bovinos e 750.000 ovinos, além de suínos e outros animais. A passagem destes animais pelas ruas centrais de Londres causava muitos problemas. Eram mais de 3.000 animais por dia. Continuou aumentando o movimento do mercado, à medida que a cidade crescia e precisava de mais carne.

Entre 1841 e 1846 temos as seguintes estatísticas de movimento do mercado. Nesta época, Londres tinha cerca de 4.000 açougues:

AnosBovinos Ovinos
1841194.2981.435.000
1842210.7231.655.370
1843207.1951.817.360
1844216.8481.604.850
1845222.8221.539.660
1846210.7571.518.510

Fonte: Peter Cunningham (1850)

Em 1855, com a inauguração do mercado metropolitano de Islington, o Parlamento, para evitar os problemas causados à cidade, exigiu a transferência para o novo mercado de todas as atividades de comércio e abate de animais anteriormente realizados em Smithfiel.
Em 1860, foi decidida a construção de um novo edifício para o mercado de Smithfield, que seria destinado à comercialização apenas de carne abatida. O projeto foi executado por Sir Horace Jones (1819-1887). As obras começaram em 1866 e terminaram em 1868. Os principais setores de comercialização foram construídos numa plataforma sobre as linhas da estrada de ferro, para facilitar a chegada dos animais abatidos dos matadouros.

ALEMANHA

Numerosos matadouros públicos existiam nas maiores cidades da Alémanha desde a Idade Média. Eles eram conhecidos como ‘Kuttelhofe’ e ficavam geralmente localizados próximos aos rios, de onde provinha a água para as operações de abate e onde eram também descartados todos os dejetos. Apesar de oficiais, estes estabelecimentos eram controlados pela associação (guilda) dos açougueiros.

Em 1899, foi construído um moderno matadouro em Neusalz, próximo ao rio Oder, que veio a servir de modelo para muitos outros, como o de Nuremberg.

ESPANHA

Na Idade Média, Madrid possuía muitos mercados públicos de carne, sendo o mais antigo o da praça de Arrabal, situado entre as ruas Segóvia e cava de San Miguel. Ele foi desativado em 1469 e suas atividades transferidas para a um novo prédio na praça de Sant Ginés e em 1502 transferido pelos reis Católicos para outro local.

No começo do século XVI, Madrid já contava com um matadouro público destinado apenas ao abate de gado bovino. Era situado na rua Toledo, contíguo à porta do mesmo nome, bem no centro da cidade. Juan de Aranda em 1599 já registrava a existência do matadouro.

No século XVII outro matadouro foi construído em Rastro, destinado ao abate de ovinos. Alvarez Baena em 1786 descreveu o edifício, que mais tarde foi adaptado apenas para o abate de suínos.

O matadouro público de Córdoba foi construído em 1491.

O matadouro de Sevilha, segundo a descrição de Morgado datada de 1587, estava situado fora dos muros da cidade, junto a Porta da Carne, num galpão de 300 pés de largura, sustentado por 14 arcos romanos e com espaçosos currais. Tinha bom suprimento de água para o serviço de limpeza.

Em Málaga, foi construído, logo após a sua conquista dos Mouros em 1487, um matadouro público junto a Porta del Mar, que em 1498 foi transferido para fora dos muros da cidade, devido as reclamações dos moradores sobre o mau cheiro e a poluição.

Em Valladolid funcionava o matadouro em Medina del Campo.

OUTROS PAÍSES DA EUROPA

Na Bélgica, os abatedouros públicos existiam em todas as vilas e cidades, independentes do tamanho de cada uma.

Na Suíça era obrigada a existência de matadouros em todas as comunidades com mais de 2.000 habitantes.

Na Dinamarca, o primeiro abatedouro (de porcos) foi estabelecido na cidade de Horsens em 1887.

ESTADOS UNIDOS

Em Nova York antes do ano de 1676, o gado era abatido no centro da cidade, próximo a Wall Street no Brooklin. Depois, da sua desativação, outro matadouro publico foi construído na costa do East River, que foi demolido em 1696. No ano seguinte, Ebenezer Willson, obteve o direito de construir e explorar dois matadouros por um período de 35 anos, um ficava bem próximos na região de Peekslip, também na costa do East River. Mais tarde ele vendeu os direitos de exploração dos matadouros para a viúva Cortlandt e Johannes Beeckman. Com o crescimento populacional da região o matadouro ficou cercado de residências e passou a perturbar a vida dos moradores, com o mau cheiro, o barulho e a passagem dos animais pelas ruas. Em 1720 foi desativado. John Kelly, no mesmo ano, construiu outro matadouro entre as ruas Roosevelt e Water, que foi arrendado a ele por um período de 21 anos.

Em 1749, para melhorar o controle sanitário, o conselho municipal de Nova York proibiu o abate de animais fora da circunscrição do município. Alguns açougueiros solicitaram permissão para a construção de um novo matadouro em Flesh Water, mas não conseguiram a autorização. Um ano depois, Alderman Bayard recebeu a permissão para instalar um matadouro que ficava localizado entre as ruas Mulberry e Bayard.  Este matadouro foi desativado em 1771. Outro matadouro foi construído na esquina das ruas Broome e Delancey.

Durante o período da luta pela Independência, os açougueiros conseguiram permissão para instalar um matadouro na rua Elizabeth, próximo do matadouro de Bayard.

Durante a primeira metade do século XIX a criação de gado expandiu muito nos Estados Unidos e foram construídos muitos matadouros particulares para abater os animais que seriam enviados para o consumo. Já se empregava a refrigeração indústrial na maioria deles, usando a técnica de compressores de amônia, desenvolvida por Mort e Nicolle.

Diferentemente de outros países, não havia preconceito algum no consumo de carne desossada resfriada. Em 1840 a cidade de Cincinnati em Ohio, tinha se tornado o centro de processamento de carne dos Estados Unidos. A maioria das fábricas ficava à margem do rio Ohio, que era usado para transportar de barco os produtos acabados e para receber os detritos indústriais.

Depois, de 1865, quando a ‘Union Stockyards’, fundada por Timothy Blackstone (1829-1900) construiu o complexo de currais e abatedouros em Chicago, esta cidade veio a tomar o lugar de Cincinnati. Foi em Chicago em 1932 que teve início o abate indústrial, que antes era feito artesanalmente por centenas de magarefes cada um executando a tarefa de desmontar um animal inteiro. A idéia foi introduzir nos matadouros o princípio de racionalização do trabalho desenvolvido por Henry Ford (1863-1947), nas suas fábricas de automóveis. Não haveria linha de montagem, mas sim, uma linha de desmontagem. Os magarefes treinados eram posicionados em plataformas e as carcaças chegavam a eles por um trilho suspenso. Cada um tinha a tarefa de executar em todas as carcaças uma mesma operação, passando-a para o próximo fazer a sua, até a carcaça estar toda desmontada.

MÉXICO

Na cidade do México os abates eram efetuados nas ruas ou nos fundos dos açougues. No início do século XIX, com a construção do matadouro municipal de San Lucas o abastecimento de carne passou a ser monopólio da prefeitura, até que durante o governo de Porfírio Diaz (1830-1915) este monopólio foi suspenso.

Os comerciantes de carne se organizaram formando cartéis informais que controlavam o acesso ao matadouro municipal.

Os açougueiros de carne suína chamados ‘tocineros’, também se organizaram a seu modo, centralizando os abates de porcos em alguns locais pré-determinados, até que um matadouro municipal para suínos fosse inaugurado em 1886, facilitando a cartelização informal.
Com os constantes problemas de higiene, sanidade dos animais, sonegação de impostos e escassez de produtos, o Estado voltou a intervir no setor. Foi construído um novo matadouro municipal em Peravillo em 1897.

No terremoto de 1899, grande parte do estabelecimento foi destruída e teve que ser reconstruído. O governo concedeu a Alberto Terrazas o direito de exploração do matadouro em troca do financiamento das obras de reconstrução. Foram gastos 2,5 milhões de dólares e o matadouro reinaugurado em 1905.

Em 1901 o comerciante de Chicago John deKay conseguiu do governo federal mexicano a licença para comercializar carne desossada resfriada na capital federal. Foi criada uma empresa de capital norte americano e britânico (‘Mexican National Packing Company’) que construiu uma unidade para a desossa de carne resfriada em Uruapán, estado de Michoacán em 1908, de onde propunha abastecer os açougues da capital. A carne com osso provinha dos Estados Unidos.  A empresa tinha como sócio o vice presidente mexicano Ramón Corral, que com os seus bons relacionamentos políticos conseguiu do ministério das Finanças a isenção de impostos de importação para a fábrica durante cinco anos. Quando o primeiro carregamento de carne com osso procedente dos Estados Unidos chegou ao porto, foi apreendido e destruído pela alfândega pelo não pagamento das taxas de importação. Iníciou-se uma crise. DeKay foi pressionado pelo governo a comprar de Alberto Terrazas a sua concessão de exploração do matadouro de Peravillo por 2,5 milhões de dólares, o mesmo valor que ele tinha investido na reconstrução do mesmo. Usando propaganda agressiva e sorteios de prêmios, como máquinas de costura (uma novidade na época), a empresa de DeKay conseguiu superar a resistência dos mexicanos ao consumo de carne frigorificada.
Foram abertas diversas lojas em pontos estratégicos e as vendas cresceram, chegando a dominar 85% do mercado. Foi construído um armazém frigorífico em Rancho del Chopo para ajudar na logística. Com a deposição de Porfirio Diaz em 1911 pela Revolução, uma série de problemas políticos e financeiros prejudicou a empresa que veio a falir em 1912. Quando DeKay faleceu em 1938 a fábrica em Michoacán estava em ruínas e o matadouro de Peralvillo sobreviveu até 1955, quando foi fechado e substituído por um moderno matadouro em Rastro Ferreri.

BUENOS AIRES

O primeiro matadouro oficial de Buenos Aires foi construído em 1607. Funcionava na Praça Lavalle, sendo depois, transferido para Recoleta e finalmente para Belgrano. Um funcionário do Cabildo era responsável pelo controle de qualidade e tabelar os preços das carnes.

Em 1830, começou a funcionar o matadouro de Convalescencia, assim chamado porque foi construído onde havia existido um hospital de recuperação de enfermos. Funcionou no local até 1872 quando foi transferido para o Parque de los Patrícios. Em 1884, devido a uma grande enchente e a reclamação frequente dos vizinhos pelo mau cheiro, foi decidido a desativação do matadouro.

Em 1889 foi lançada a pedra fundamental do ‘Mercado Nacional de Fazenda e Matadouro Municipal’ que seria construído ao sul de Liniers. Só em 1900 é que foi concluído e o local ficou conhecido como Nueva Chicago. Junto ao matadouro numa área de 32 hectares, nos moldes do ‘Union Stockyards’ de Chicago foram construídos 3.000 currais para receber  e expor o gado a ser vendido, sendo o principal responsável pelo fornecimento de bovinos em pé para a maioria dos frigoríficos em torno de Buenos Aires. Mesmo depois, do fechamento do matadouro continuou funcionando os currais e hoje é uma empresa privada.

MONTEVIDÉU

Em Montevidéu, no Uruguai, o matadouro municipal foi instalado em La Tablada em 1876. Em 1889 o matadouro foi reformado e continuou funcionando até 1931 quando foi transferido para La Madrid e Pedernera.


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