As regiões Chianti e Alto Douro (Porto) reivindicam o título de primeira região demarcada para a produção de vinhos com denominação de origem. Entretanto, fatos históricos ligados a essas regiões e mudanças nos estilos dos vinhos revelam-se mais interessantes que as datas em si.
As colinas de Chianti foram mencionadas pela primeira vez na segunda metade dos anos 1200, e referiam-se às elevações próximas a Castellina, Radda e Gaiole, entre Florença e Siena. A partir dos anos 1300 Florença tornou-se uma das cidades mais prósperas e poderosas da Europa, e teve comércio de vinhos muito ativo por vários séculos. Provinham de diversas regiões da Itália e do Mediterrâneo, e boa parte era exportada. Predominavam vinhos brancos, com alto teor de açúcar para resistir a viagens e deterioração. O vinho Chianti propriamente dito foi mencionado pela primeira vez em 1398, e era vinho branco.
Em 1716 quatro regiões vizinhas produtoras de vinhos foram delimitadas: Chianti, Carmignano, Pomino e Valdarno. Chianti englobava as três cidades já citadas mais Panzano e Greve, ao norte. Até hoje este é 0 núcleo principal da região do Chianti Clássico. Pouco se sabe sobre a composição do Chianti dos primórdios; estima-se que Canaiolo era a variedade mais importante por volta de 1770, mas Sangiovese e outras variedades tintas e brancas podiam fazer parte da mescla. Mais de um século se passou até que se sugerisse a Sangiovese como seu componente principal. A fama do vinho provocou grande expansão da região produtora de Chianti, que atualmente tem oito sub-regiões. Chianti Clássico, mesmo expandida em 1932, manteve-se como a mais relevante. Os melhores Chianti figuram atualmente entre os grandes vinhos do mundo.
Portugal beneficiou-se da guerra de 1678 entre França e Inglaterra, tornando-se grande fornecedor de vinhos aos ingleses - mesmo sendo boa parte constituída por vinhos franceses desviados para Portugal. Em 1703 os tratados comerciais (e políticos) de Methuen garantiram privilégios alfandegários aos portugueses. Nesta época a cidade do Porto já tinha uma comunidade importante de comerciantes ingleses de vinhos, que gradativamente foram substituindo os vinhos leves do Minho, exportados para a Inglaterra desde o século XII, pelos mais escuros, alcoólicos e adstringentes do Douro, aos quais ainda era adicionada uma fração de aguardente para preservação durante o transporte. Entretanto, 0 vinho do Porto, doce e alcoóljço como 0 conhecemos hoje, foi ‘descoberto’ em 1678 em uma abadia de Lamego, onde se adicionava aguardente ao mosto em fermentação, e não após esta. Sua popularidade cresceu, assim como a implantação de vinhedos no Douro e as exportações.
O sucesso resultou em grandes escândalos, com venda de vinhos de baixa qualidade, de procedências diversas, aos quais se acrescentavam suco de frutas e açúcar para simular Porto. Os preços oscilavam fortemente, e a reputação do vinho do Porto degradou-se continuamente entre 1730 e 1755. Os preços desabaram. Os comerciantes ingleses e os produtores culpavam- -se mutuamente. Pressionado, em 1756 o primeiro-ministro Sebastião José de Carvalho e Melo (Marquês de Pombal) estabeleceu a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (hoje Real Companhia Velha
Incluíam-se entre seus objetivos: promover a demarcação da região autorizada a produzir vinhos do Porto, fazer a qualificação dos produtos (de primeira/se- gunda/terceira), controlar a autenticidade dos vinhos, aplicar a taxação, arrecadar impostos, remunerar com justiça os lavradores, equilibrar oferta e demanda evitando grandes variações de preços. Detinha o monopólio do comércio e da distribuição, dos embarques para Brasil (que recebia muitos vinhos adulterados), e limitou a preponderância dos ingleses no comércio do vinho. Seu serviço mais notável foi a chamada "Demarcação Pombalina da Região do Douro", realizada entre 1758 e 1761.
Concluindo, Chianti foi a primeira região demarcada, mas o Alto Douro foi pioneira ao incorporar à demarcação requisitos de qualidade para o vinho com denominação de origem. Foram os primeiros passos para uma longa e conflituosa evolução até as denominações de origem atuais.
Texto de Rodrigo A. Fonseca publicado na revista "Encontro", Diários Associados/Estado de Minas,Belo Horzonte MG, Ano XIX,nº 235, pg 82. digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.