O interesse do europeu pelas terras do nordeste brasileiro encontra-se expresso na documentação da primeira década do século XVI.
Sabe-se no entanto que as terras do Siarã Grande não provocaram interesse nem mesmo ao invasor.
Os homens brancos encontrados entre os nativos, pelos primeiros exploradores, aqui chegavam como piratas aventureiros, sem nenhuma iniciativa colonizadora.
As tentativas de conquista portuguesa, a partir de 1603, e o domínio holandês não objetivaram os efeitos desejados. Até mesmo depois de efetuado o domínio português, continuou o Ceará o seu acanhado desenvolvimento em volta do pequeno forte, sem nenhuma mudança estrutural na sua economia.
Só com o pastoreio dá-se a quebra do exclusivismo econômico do açúcar e se efetiva a exploração do interior e o desenvolvimento das chamadas Capitanias do Norte.
A ocupação primária do sertão cearense se deu, com o gado trazido das capitanias vizinhas, principalmente Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, por colonizadores que, requerendo as primeiras sesmarias interioranas, vieram ocupar, de início nos vales dos rios Jaguaribe e Acaraú; os pontos essenciais de colonização.
As fazendas aumentavam e a produção bovina tomava vulto. Dada à escassa população de baixo poder aquisitivo, a produção de carne excedia às necessidades do mercado local. Assim sendo, não era justificável para a acanhada economia do Ceará que centenas de reses fossem mortas apenas para aproveitamento do couro, produto de destaque da Colônia. Além do mais, havia necessidade de carne, tanto nos engenhos da zona da mata como nas demais concentrações populacionais.
O problema de início foi solucionado com a comercialização do gado em pé nas feiras pernambucanas, de início Olinda, depois Igaraçú e Goiana, assim como, na região do Recôncavo Baiano. Deve ser salientado que, mesmo para Pernambuco, o negócio não era compensador, uma vez que o gado emagrecia diante de tantos dias de longas caminhadas, debilitando-se ao ponto de não ter condições físicas para o abate.
Os prejuízos se faziam mais comuns com os rebanhos das áreas próximas ao litoral, faltando a essas reses condições de competir no mercado com o gado das capitanias mais próximas das feiras e de melhores estruturas físicas.
A impossibilidade de concorrer comercialmente com os rebanhos oriundos dos sertões da Capitania e de suas vizinhas faz com que os fazendeiros da área litorânea, já a partir da primeira metade do século XVIII passem a exportar seu gado abatido transformado em carne-seca salgada e em couro. Surgiram, assim, no Ceará, as fábricas de beneficiar carne, as chamadas Oficinas, Charqueadas ou Feitorias, instaladas nos estuários dos rios Jaguaribe, Acaraú e Coreaú; estendendo-se depois ao Parnaíba, no Piauí, e ao Açu e Mossoró, no Rio Grande do Norte.
As condições geofísicas do litoral pastoril do Ceará favoreceram o surgimento daquela indústria, “que além de matéria-prima abundante, possuía outros fatores locais asseguradores do êxito: ventos constantes e baixa umidade relativa do ar, favoráveis à secagem e duração do produto; existência de sal, cuja importância se não precisa destacar; barras acessíveis à cabotagem da época’’.
As povoaçôes de Aracati, Granja, Camocim e Acaraú possuíam as condições exigidas. Ali, em toscas oficinas, passou a ser fabricado um tipo de carne-seca, prensada, moderadamente salgada e desidratada ao sol e ao vento, por tempo necessário a sua conservação. Isso com o aperfeiçoamento da técnica empregada pelo índio, transferida ao vaqueiro, no preparo da carne-seca, ainda hoje comum nas regiões sertanejas nordestinas - a chamada carne-de-sol.
As reses transformadas em dois tipos de carne - postas e tassalho - chegavam aos mercados consumidores (não mais com seus próprios pés) por via marítima, levadas em sumacas; embarcações estas com capacidade de carregamento, “aproximadamente a produção de duas mil reses, ou seja, no mínimo 80.000 quilos de carne-seca, imputado a cada uma o peso médio de 200 quilos...” As instalações das Oficinas nas embocaduras dos rios, permitindo um embarque direto do produto das fábricas aos mercados, favoreceu o desenvolvimento das feitorias e o progresso da Capitania.
Os documentos analisados não indicam o nome do idealízador da técnica, Renato Braga diz apenas que “um anônimo teve a idéia genial de industrializar a carne desses rebanhos costeiros”. Também não é conhecido o ano de instalação das primeiras salgadeiras na Capitania do Siarã Grande.
Testemunhos escritos, referentes à construção da Igreja Matriz de Aracati, revelam que “no ano de 1714, devastadas as carnaubeiras e marizeiros, construíram os charqueadores, vindos de Pernambuco e da Bahia, uma capela de taipa com frente de tijolo e coberta de palha, sob a invocação de Nossa Senhora do Rosário”.
Os documentos são claros, quanto ao fabrico dos charques no Aracati. Já na segunda década do século XVIII, Sebastião da Rocha Pita, em sua História da América Portuguesa, ao tratar da criação da Ouvidoria do Ceará, em 1723, afirma: “Vinte léguas para o Rio Grande, tem pelo sertão uma formosa povoação com o nome do rio Jaguaribe, que por ela passa, o qual seis léguas para o mar faz uma barra suficiente a embarcações pequenas, que vão carregar carnes de que abunda com excesso aquele país”.
Confirma-se, assim, a comercialização da carne-seca da região jaguaribana para outros centros. Tendo razão Raimundo Girâo ao afirmar que o funcionamento das Oficinas ou Charqueadas do Ceará “datam de época anterior a 1740 e surgiram primeiramente no pequeno arraial de São José do Porto dos Barcos, depois elevada à categoria de vila com o nome de Santa Cruz do Aracati, hoje cidade do Aracati.”
As boiadas que antes se deslocavam para as feiras pernambucanas e baianas começavam a rumar em direção à foz de suas próprias ribeiras. Este movimento revolucionou a feição econômíca, sociaí e política da Capitania. O litoral e o sertão interpenetraram- se comercialmente e os laços administrativos entre as duas zonas tornaram-se mais significativos. Os mais longínquos núcleos sertanejos nutriam-se com as utilidades de outros centros, remetendo em troca os produtos da terra. Com as charqueadas ganhava a Capitania subalterna de Pernambuco maior importância no contexto regional, enquadrando-se no sentido de economia colonialista da época, isto é, não com a carne, mas com o couro destinado à exportação.
O desenvolvimento da chamada carne-do-Cearã possibilitou, ainda, o surgimento de núcleos urbanos e, com eles, o início de um mercado interno, praticamente inexistente até então.
A comercialização da carne e do couro tomou tamanha dimensão, a ponto de ser proposta ao governador Luís Diogo, por comerciantes pernambucanos, em 1757, a criação de uma Companhia de Carne-Seca e Couros do Sertão, quando se pretendia incrementar a produção dos dois produtos e distribuí-los em Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, justificando, aqueles homens de negócio, que dos portos do sertão podiam ser comercializados “vinte e oito a trinta mil cabeças que huns annos por outros se transportarão para o porto deste Recife”.
O não atendimento àqueles negociantes, entre eles o tenente-coronel José Vaz Salgado, próspero ch arquea dor em Aracati, não alterou o interesse do comércio cios produtos pastoris para os principais portos da Colônia, chegando a ser calculada, em 1744, a renda anual de ''carne e courame de dezoyto the vinte mil boys...” trazendo em retorno artigos importados. Iniciava-se assim, um processo de circulação de bens que tinham como assentamento as povoações de Aracati, Acaraú, Granja, Sobral, transformadas, depois, em vilas progressistas.
Aracati, como porto de mar acessível, relativamente próximo do Recife e de Salvador, tornou-se, mesmo antes de ser elevada a Vila, o pulmão da economia colonial da Capitania, cuja riqueza era, em maior parte, por ela transitada.
Atraído pelo seu desenvolvimento, logo convergiu para o Aracati um número considerável de forasteiros; população esta oriunda não só da própria Capitania, como também das Capitanias vizinhas, entre eles colonos portugueses e de outras nacionalidades, que ali passaram a desenvolver as suas atividades; Mando lugar a que o comércio, não só de charque, como de couro salgado de boi, vaqueta, couros de cabra e pelicas brancas, se desenvolvesse de modo assombroso, transformando em pouco tempo a face do humilde arraial que tornou-se um dos mais procurados e populosos daquelas eras da então Capitania’.
O progresso comercial e populacional do Aracati provocou, como era natural, agitações e insegurança a seus habitantes, a ponto de se fazer necessária a estada de um juiz ordinário e um tabelião, no povoado, nos períodos de maior afluência dos barcos “que todos os annos vão ahy fazer carnes” a fim de serem evitadas desordens.
O ouvídor-geral Manuel josé de Freitas, ao sugerir a criação da Vila. afirmava: “Acho que será acertado haver aly hua Vila, que virá a ser a corte deste Siarã em breves annos por ficar nas margens do Rio Jaguaribe navegável as mesmas somacas (...) de facto ao seu porto todos os annos vinte e sinco e mais, que a troco de fazendas que trazem levam a carne e a courame clezoyto the vinte mil boys...’’
A instalação da Vila, em 10 de fevereiro de 1748, acarretou, a princípio, um decréscimo no seu desenvolvimento comercial, isto porque os armadores não queriam se submeter às posturas criadas pelas autoridades constituídas da Vila.
Os tributos colocados em 1741, pela Câmara de Aquirãs, aos proprietários e mestres de barcos que entrassem no porto do Aracati, censurados no ano seguinte a ponto de serem devolvidos os tais tributos; tornaram-se depois obrigatórios pela própria edilidade, provocando a diminuição da freqüência dos barcos, que passaram de 25 para 6 ou 7 em 1751.
Aracati, que antes da edificação da Vila fabricava anualmente charque de “vinte a vinte e cinco mil bois”, logo recupera o seu papel de entreposto comercial de Pernambuco com a bacia jaguaribana e outras regiões da Capitania; no que muito bem expressa o depoimento do vereador Esteves d’Almeida: “Além deste ramo de comércio da fábrica das carnes haviam outros muitos com que se fazia grandioso negócio (...) cujos gêneros orçavam em cada anno de 25 a 30.000 couros salgados, 50 a 60.000 meios de sola e vaquetas, 30 a 35.000 couros de cabra, 2 a 3.000 pelicas (...) Abatendo todos os annos para cima de cincoenta mil reses.”
O comércio da carne e do couro, atraindo para ali os abastados senhores de locais diversos, fez crescer a especulação daquele ramo de negócio, aumentando dia a dia as transações com' as demais praças do país; passando Aracati a prover de fazenda e objetos de luxo o resto da Capitania; chegando a importar “mais de seiscentos mil cruzados e as exportações caminhavam perto do dobro.”.
As Charqueadas representavam um papel preponderante no desenvolvimento da Vila e os seus donos, em atividade por volta de 1750, eram realmente pessoas de destaque na esfera econômica, política e social da Colônia.
Dentre elas, pode-se destacar o já citado José Vaz Salgado, elemento representativo em Pernambuco, a ponto de assinar as propostas datadas de maio de 1757, quando os comerciantes daquela Capitania pediam a criação de companhias exploradoras de comércio não só de carnes-secas e couros do sertão, como também da Companhia da Costa da África, para comércio de escravo.
José Vaz Salgado figurava entre aqueles charqueadores mencionados por Antônio Bezerra, como donos de Oficinas nos portos dos barcos ao ser erigida a Vila; cita “João de Abreu Cardoso, José Rodrigues Pinto, Luiz Pereira Viana...). O capitão José Pimenta de Aguiar e outros cearenses mantinham também o mesmo comércio.”
Tudo nos leva a acreditar que não fosse elevado o número de fábricas de beneficiamento de carne no Aracati. No Auto da Audiência Geral de 12 de fevereiro de 1781, são mencionadas apenas cinco Oficinas em funcionamento, pertencentes ao capitão José Ribeiro Freire, capitão João Coelho Bastos, Tomé de Melo Cabral, Manuel Francisco da Cunha e a do tenente-coronel Manuel Rodrigues da Silva.
Nos Livros de Registro de Escritura de foros, pertencentes ao Senado da Vila de Aracati - Anos de 1756-1779 e 1775-1812, não só deixam de figurar alguns dos nomes citados no trabalho de Antônio Bezerra, como aparecem ali outros proprietários de Oficinas, no caso o capitão-mor João Pinto Martins e seu irmão, o sargento- mor Bernardo Pinto Martins, o primeiro, “comerciante desta Villa (...) tanto com fazenda como com o fabrico de carnes seccas”, situando-se sua “oficina, currais e estaleiros (...) ao pé da Rua de Santo Antônio axamos ocupar quarenta braças em quadra...”
Apesar da facilidade de dedução de que os proprietários das ditas Oficinas representavam a elite econômica e política da Colônia, nem por isso podemos garantir que elementos mais modestos também não tenham charqueado os seus gados; mesmo no anonimato, o que é o mais provável, uma vez que até 1757 não eram pagos foro à Câmara. Daí não haver documentos que comprovem quem eram aqueles outros, citados por Antônio Bezerra.
Tudo girava, portanto, em função daquelas Fábricas e da comercialização dos seus produtos. A própria estrutura urbana da Vila obedeceu ao interesse comercial das carnes-secas. O traçado das aias tinha como finalidade “comunicação do Pôrto dos Barcos e tráfico das Oficinas". Com as charqueadas, as rendas cresceríam e mais ainda, a Vila. Aracati exteriorizava sua opulência na arquitetura e no trato social, merecendo do governador Azevedo Montaury, em 1787, a opinião de que “das villas todas da Capitania só esta do Aracaty merece o nome, e até os mesmos habitantes delia, ou porque sejam a maior parte delles forasteiros, que vêm de outras partes fazerem o seu negócio, ou porque a Providência assim o permite, são os mais quietos e pacíficos d'esta Capitania.”
A riqueza e o contato com as gentes mais civilizadas fizeram dos aracatienses os homens mais notáveis da Capitania, não só no trajar, nas artes, nas letras e nas ciências, mas nos negócios. Ser natural de Aracati representava, na época, uma legítima carta de apresentação. Aracati merecia a classificação de mais progressista vila da Capitania; mesmo não se tornando realidade a profecia do ouvidor José de Farias de que “viria a ser a corte deste Siará”, pois oficialmente não chegou a ser o centro administrativo da Capitania, mas em 1787 era “digna de ser a Capital”.
No médio e baixo Acaraú, as feitorias desenvolveram-se logo depois daquelas do Jaguaribe, situando-sc nos locais de embarque do antigo povoado da Barra do Acaraú, núcleo inicial da cidade do mesmo nome, conhecido inicialmente por Oficina, em conseqüência do serviço de cabotagem naquela barra, estendendo-se às povoações de Granja, Camocim e Sobral.
São também desconhecidos os documentos originais, indicadores do início das charqueadas naquela região. Renato Braga, ao tratar da Igreja de Almofala, localidade situada à margem esquerda do rio Aracatimirim, comenta que, no município de Acaraú, segundo a tradição, a “capela (...) de taipa e coberta de palha (...) foi pouco depois substituída por uma igreja de alvenaria, pequena e elegante, certamente o mais belo templo do Ceará, do século 18. Grande parte dos materiais destinados à sua construção vieram da Bahia, lastrando as embarcações que vinham carregar carne-seca no porto de Oficina no Acaraú. Daí seguiam em carros de bois para o local da obra".
Nicodemos Araújo é mais decisivo ao opinar que a igreja "deve ter sido levantada na segunda metade do século XVIII, porque a indústria das Charqueadas, no Acaraú, teve início em 1745" Os donos das Oficinas à margem do Acaraú, ribeira rica de gado, abundância de sal e navegação fácil, logo adotaram o processo rudimentar das feitorias do jaguaribe, multiplicando suas fábricas, base do povoamento e progresso econômico da região norte da Capitania, de que Sobral, logo toma a liderança.
A importância da Ribeira do Acaraú e a liderança da Vila de Sobral estão bem documentadas na Idéia da População da Capitania de Pernambuco, e das suas Annexas, extensão de suas Costas, Rios e Povoações Notáveis, Agricultura, número dos Engenhos, Contractos e Rendimentos Reaes, argumento que estes tem tido & a & a desde o ano de 1774 em que tomou posse do Governo das mesmas Capitanias o Governador e Capitan General José Cezar de Menezes, transcrito em parte, pelo historiador Geraldo da Silva Nobre.”
Para o porto do Acaraú, vindo de Sobral, durante a safra, rumavam as boiadas, os carros de bois cheios de carnes, de couro e sola; dali transportados em sumacas, para os principais portos da Colônia, principalmente Pernambuco.
Os barcos que levavam os produtos pastoris voltavam trazendo as grandes novidades em pratarias, porcelanas, cristais, móveis de jacarandá e outros objetos raros, entre eles materiais de construção; o que muito contribuiu para o formoseamento da Vila de Sobral e sua classificação como “a segunda em grandeza”, feita por Manuel Bernardes de Vasconcelos. O requinte da Vila e de seus habitantes se fez notar por Antônio Bezerra, em viagem de estudo, já na segunda metade do século XIX, quando escreve: “A maior parte das casas e sobrados são vistosos c elegantes, sendo sua construção admiravelmente sólida”.
Comparando entre outras cidades e vilas, justifica: “Os sons do piano por toda parte, os rumos e atividade nos estabelecimentos comerciais, certa correção nos trajes, um pouco mais que asseio no arranjo interno das habitações, agitação, vozeria (...) tudo anuncia que se chega a uma terra laboriosa e civilizada".
O crescimento da pecuária, aformoseando a Vila, viría fundamentar o título que tem hoje Sobral de Princesa da Região Norte.
As informações colhidas sobre Granja e Camocim, outras povoações indicadas como produtoras do charque, são muito restritas e controvertidas. Na exposição do governador Vasconcelos, já citada, encontra-se o informe de que “a Vila da Granja, que domina a foz do Rio Camossi, tem em si hum grande comércio de carne, e de algodão, que atrai pelo seu comodo muitas embarcações, e traficantes das Capitanias vizinhas”.
As declarações feitas em 1788, pelos proprietários e administradores de fazendas ou sítios, atendendo às exigências de autoridades coloniais, contidas nos Livros de Registros das Plantações e Criação de Gados da Câmara da Vila Distinta e Real de Sobral, reproduzidas em trabalho patrocinado pela Superintendência do Desenvolvimento do Estado do Ceará”'', examinadas por nós nos originais, oferecem dados importantíssimos sobre o comércio do gado na região norte da Capitania do Siarã Grande para Pernambuco e Bahia, inclusive pelos portos de Camocim e Itapajé. Tais declarações dão como conduzidos ao porto de Camocim (que aparece na maioria das vezes como estuário do rio Coreaú, passando a aldeia, depois povoado), 605 reses, enquanto que pelo porto de Itapajé transitaram um pouco mais, 761 cabeças, ao todo 1.366 bovinos; o que é muito pouco, para a época.
Mesmo que os números declarados estejam abaixo da realidade, o que seria possível por ser uma maneira dos proprietários de Oficinas e barcos fugirem do tributo cobrado pela “máquina administrativa” da Colônia, não é difícil concluir-se a modesta importância econômica da Vila de Granja. Basta para tanto se examinar os. ofícios dirigidos às autoridades competentes pelo Governador de Pernambuco, Thomaz José de Melo, informando o surto epidêmico que grassava a região, principalmente aquele datado de 25 de maio de 1792, quando justifica as providências tomadas, expondo a situação financeira daquela Vila, em comparação a Sobral, dizendo “q’o número dos mortos na“Freguesia do Sobral tinha sido de 473, e o da Vila da Granja de 250...20 Informa o capitào-mor Governador na sua Carta... que as Sobras da Vila da Granja, não passão de 19$390 reis a maes, e as da Vila do Sobral o chegão a 218$290: sob o q’ordenará a Sua Mage o q’for servido.”
Os Registros das Plantações e Criações de Gado permitem calcular o envio, pelos fazendeiros da ribeira do Acaraú, à barra desse rio, em 1788, do total de 3.740 cabeças de gado de corte, o que é uma quantidade diminuta em comparação com as 50.000 reses abatidas no Aracati.
A Capitania do Rio Grande do Norte, o principal fornecedor de bois de corte e de trabalho, à população e aos engenhos da Paraíba e Pernambuco, durante todo o período colonial, dispondo, como o Ceará, de condições favoráveis à exploração da carne-seca, logo aderiram ao “ciclo das charqueadas”; localizando suas Oficinas à margem esquerda do Açu e na foz do Mossoró, atraindo, para aquelas ribeiras, as boiadas sertanejas, a serem transformadas em carne e couro.
As Oficinas do Açu e Mossoró, apesar de menores, provocaram séria crise no abastecimento de carne verde às populações do Recife e da faixa canavieira, suprida pelos gados dos sertões norte - rio-grandenses, já sem a produção do Ceará.
Como era de se prever, resoluções são postas em prática, impedindo a exportação de carne nos portos do Açu e Mossoró sem, contudo, estender-se a proibição ao porto do Aracati.
À primeira resolução do Governador de Pernambuco neste sentido, seguiram-se outras, cada vez mais controladoras, o que muito bem documentam o que disse Renato Braga: “O estômago de Pernambuco sacrificou as Oficinas do Assu e Mossoró”.
Está fora de suspeita que a resolução tomada pelo Governador de Pernambuco trouxe prejuízo à economia rio-grandense, e as reclamações podem ser comprovadas pela carta resposta aos oficiais da Câmara da cidade de Natal de 11 de junho de 1788.“Recebí a Carta de V. Mees. de 31 do próximo passado em q’metornam a Representar a necessidade de Carne q’ahi sepadece, eme pedem providencias. A que Eu deixe de mandar fechar os Portos do Assu, e Mossoró, aos Barcos q’ali hiao fazer Carnes secas, comprèhende também o Povo de jurisdição dessa Comarca mas agora ampliando ainda mais aquela providencia (...) Com esta inteligência, devem V.Mces. executar arisca a minha Ordem de 15 do mez passado, aqual fico certo haverem recebido, registado, e passado dela o avizo Competente ao Juiz do Assu, e também V.Mces. odevem ficar deq. Eu passe amesma ordem as Câmaras de Porto Alegre e Estremos".
A Capitania do Ceará foi favorecida com o fechamento das Oficinas rio-grandenses e a liberação do tráfico daquelas situadas “da Vila do Aracati para o Norte”; mas em contrapartida, passou a receber maior fiscalização e controle de seus negócios, agora mais intensos, uma vez que praticamente sozinha ia suprir o mercado pernambucano. .
Já na portaria de 11 de maio de 1788, proibia-se a exportação direta ou indireta de carne-seca aos portos do Rio de Janeiro e Bahia, sem passar pelo porto do Recife a fim de saber se havia ou não falta do produto: “Ordeno que daqui em diante em todos os anos das oficinas que estão sitas no Aracaty, Camocy e Acoracu 12 barcos de carne seca ou salgada a que se dá o nome de carne do Ceará e nos diferentes meses... e Enquanto eu não mandar o contrario os quais 12 barcos de carne são para se venderem nesta praça e uns pelos outros farão boa a venda de 5-000 arrobas de carne que vem a ser o total de 60.000 arrobas e todas as mais arrobas que carreguem nos sobreditos portos com destino de vender para fora das capitanias do meu governo o não poderão fazer sem beneplácito meu sendo sempre obrigados a vir tomar fala nesta barra a fim de saber se está a terra com falta ou abundância daquele gênero.
Em maio de 1789, D. Thomaz José de Melo ratificava as resoluções tomadas anteriormente, reclamando que o carregamento de três ou quatro barcos era insuficiente para abastecer Recife de carnes salgadas, e tomava as providências cabíveis:
"ordenei q’ todos (barcos) miviessem dar entrada pa. q., segundo opediase anecessidade, hiria demorando aqueles q’ fossem precizos para a sustentação do Povo da Praça, Fábrica dos Engenhos, emoradores do mato, q’ de ordinário não uzão de outras Carnes, persuadindo-me a boa razão, q’ não devia deixar a fome em caza, atroco de ir fazer abundância dos defora...”
Queria com isso o Governador negar a liberação do tráfico das carnes, para Bahia, solicitada pelo seu colega, dirigente daquela Capitania.
O mercado baiano, apesar de incentivado pela não cobrança de subsídio, ao contrário do estabelecido em Pernambuco, não era muito competitivo, a ponto dos comerciantes de volta entrarem com o excedente, no porto do Recife.
A fiscalização passou a ser cada vez mais intensa e severa, evitando-se assim o contrabando dos produtos pastoris. Aracati, que além de maior produtor de carne, ficava próximo às Oficinas proibidas, recebia, como era natural, maior controle. O ofício do Governo, de 22 de setembro de 1788, orientava os representantes da Câmara daquela Vila sobre a maneira como devia ser praticada a fiscalização dos Barcos em demanda na cidade do Recife: “Aqui tem entrado dois Barcos vindos desse Porto com carne, trasendo asua guia competente; porém havendo alguma desconfiança de terem sabido mays e de navegarem para outros Portos; e querendo para o futuro obviar que eles opossam fazer semq’ Eu o Saiba, e dar imediatamente as providências necessárias, para serem apresentados e castigados os reos, aonde quer q’ aportarem; visto anecessidade q’ há aqui daquele indispensável alimento Ordeno... (...) q’me remeta logo huma relação dos Barcos (...) sahindo proximadamente (...) ajuntando por copia as guias q’ odião acada um deles (...) no fim de cada mês enviando a dita Relação (..,): devendo esta certo q’me serão responsáveis por qualquer omissão....”
O domínio fiscal da Capitania de Pernambuco no comércio da carne e do couro de suas subalternas fazia-se sentir também em âmbito local. Na Vila do Aracati, o controle do preço da carne aparece em carta enviada ao Ouvidor e Corregedor do Ceará, em fevereiro de 1789: “Tive aqui à notícia de que na Vila do Aracati pertencente a essa Câmara se tem vendido Carne-seca pelo exobitante de 1 280rs. cousa tão extraordinária prova bem aprepotencia e absoluto procedimento dos pressos das mesmas Carnes das Oficinas e fazendas (...) pelo que: ordeno a V.Mce. que passe logo as ordens necessárias para que a da. Carne seca se não venda em lugar algum da sua Comarca por mais de mil rs. a arroba...
A confirmação de que o fabrico da carne seca e sua comercialização foi negócio lucrativo, está bem evidente na documentação referente ao progresso das vilas charqueadoras, ao status social e econômico dos proprietários das feitorias, comerciantes ou mestre de barcos; assim como pelas obrigações tributárias impostas pelas Câmaras locais àqueles indivíduos envolvidos nas transações comerciais.
No Aracati, segundo os registros dos termos de aforamento, era cobrado de início o foro anual de 320 réis por braça de terras ocupadas pelas Oficinas, compreendendo os estaleiros e currais, acrescido ainda a taxa de dez mil réis por cada barco carregado no porto daquela Vila, pelos charqueadores.
Como os documentos consultados não mencionam Oficinas com superfície inferior a quarenta braças em quadro, havendo, porém, algumas maiores, o desembolso feito por ano atingia quantia elevada para a época.
Em relação aos portos de Acaraú e Camocim era paga a taxa de um vintém sobre cada boi recebido nos referidos portos; pagamento este feito aos donos das terras, cabendo à Câmara de Sobral apenas a quantia de 2$500 pela participação na cobrança do referido tributo.
Os documentos originais pesquisados ainda são insuficientes para indicar estatisticamente a receita anual do imposto cobrado no porto do Aracati, assim como o valor do contrato do vintém dos bois, Barra do Acaraú e porto de Itapajé. Além do mais, divergem os cálculos feitos pelas autoridades da época, quanto ao número de reses abatidas, transformadas em carne; o número de barcos trafegados nos portos e seus carregamentos, como se pode observar nas citações anteriores.
O conjunto arquitetônico de Aracati e Sobral é também a amostra de sua importância no período colonial. Entre as obras de maior destaque, encontram-se as Igrejas, as Casas das Câmaras e as residências dos senhores donos de Oficinas e comerciantes; exemplo típico dos prédios de dois pavimentos ou ainda, uma arquitetura pesada, feia aparência, mas realmente segura, pois suas muralhas são levantadas com cerca de dois metros de espessura, no caso a cadeia de Sobral.
A Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário do Aracati, apesar de apresentar influências daquelas de Pernambuco e da Bahia, de onde muitas vezes provinham os materiais de construção, mostram uma aparência singela, quase severa, principalmente nos interiores. Salientando, no entanto, que nesta arquitetura simples, motivada pela falta da pedra de obragem apropriada, na modesta alvenaria foi executada uma ornamentação própria, onde os artistas anônimos obtêm com linhas, nas combinações ingênuas das curvas e ornatos retilíneos, os efeitos decorativos da maior significação; surgindo daí, uma arte sertaneja, oficialmente desconhecida, que chama a atenção para sua originalidade tão peculiar que deve ser admirada como testemunho material da civilização do sertão.
Eventual e contraditoriamente administrado, o Ceará, com o pastoreio, ocupando a frente da cena, crescia economicamente.
Os problemas climáticos, apesar de não muito freqüentes até a primeira metade do século XVIII, existiram e foram superados.
As secas de 1777-1778, 1790-1793 são apresentadas, no relato histórico da Capitania, como causa única dos primeiros impasses desenvolvimentistas do criatório do Ceará, e pela falência das charqueadas.
A seca dos três setes, como se tornou conhecida, é salientada não só como responsável pela redução “a um oitavo o gado da Capitania e suas vizinhas"como também da transferência para o Rio Grande do Sul da fórmula de preparação da carne-do-ceará, emigrada com um dos seus especialistas. Fato aliás tratado com freqüência na historiografia gaúcha, dela participando E. F. de Souza Docca, que inclui o episódio como “grandes evoluções da economia rio-grandense (...) a fundação de Charqueadas a partir de 1780, por José Pinto Martins, Esta indústria generalizou-se, dando valor ao gado e um grande impulso a nossa economia...”
Não deve ser esquecido, porém, que naquele período o Ceará não apenas perdeu parte do rebanho e ganhou um competidor no comércio de carne-seca; um outro fato foi acrescido à economia cearense, a partir daí: foi incrementada a cultura do algodão; herança indígena, jamais desaparecendo do cenário colonial, porém relegada a um plano secundário, simples matéria- prima de rudimentar indústria caseira; atingindo agora a categoria de utilidade negociável.
As Oficinas do Piauí, que segundo Renato Braga, foram fundadas antes de 1750, de início no lugar também denominado Porto dos Barcos ou Feitoria, transferidas mais tarde para a margem direita do Parnaíba, tendo chegado a seu apogeu poucos anos depois de sua implantação, quando chegou a charquear “mais de 12,000 reses por ano” não foi capaz, porém, de soerguer as Charqueadas cearenses, não resistindo por muito tempo a crise que se abateu sobre as Oficinas.
O fechamento de suas feitorias foi apenas adiado para 1827, quando se extingue o último reduto do charque na região semi- árida do Nordeste. No Ceará houve algumas tentativas para reativar a indústria da carne-seca, porém sem nenhum sucesso.
Pode-se concluir dos estudos feitos que, até aproximadamente o primeiro quartel do século XVIII, o comércio da Capitania do Siarã Grande consistia na venda de gado de corte, a atender ao limitado consumo local e no aproveitamento artesanal do couro.
A tentativa de comercializar o rebanho, transportando-o vivo aos mercados distantes, não representou negócio lucrativo para os “criadores” cearenses, que se viram forçados a optar pela transformação do gado em carne-seca, nas charqueadas, oficinas, feitorias.
A instalação das charqueadas propiciou transformações econômicas, sociais e políticas de grande importância para a Capitania. As charqueadas marcaram o encontro do homem do litoral com seu irmão sertanejo; contribuíram “com o primeiro impulso monetário para desenvolver as fazendas de gado com as divisas de sua própria indústria” possibilitando o surgimento de núcleos urbanos e o início de um mercado interno; tornaram efetivo um comércio marítimo com os centros consumidores mais desenvolvidos da Colônia, abrindo com eles também as importações; além de tornarem mais afetivos os laços administrativos entre as duas zonas: sertão e litoral.
A produção e comercialização da carne-do-ceará introduziam um elemento novo na organização produtiva da Colônia e punham em destaque os núcleos produtores do charque, principalmente as vilas de Aracati e Sobral, a ponto de estas concorrerem com Fortaleza, o centro administrativo da Capitania, desde 1726.
Com o mercado assegurado e ainda sem concorrente, o comércio do Ceará, durante o século XVIII, girou quase exclusivamente em torno das Charqueadas e da comercialização da carne-seca; que tem sua extinção definitiva no último decênio do século.
Os dados historiográficos indicam como responsáveis pelo fim da “indústria” do charque as crises climáticas por que passou o Ceará nos anos 1777-1778 e 1790-1793. Na opinião de Thomaz Pompeu de Sousa Brasil, no término das primeiras secas, os prejuízos se avolumaram a ponto de "... fazendeiros (...) que recolhiam mil bezerros não ficarem com 20 nos annos seguintes.” Acrescentando ainda: “No anno de 1790 principiou (...) uma secca tão horrível e rigorosa, que durou quatro annos; (...) destruio e matou quasi todos os gados dos sertões, e por isso veio a desaparecer o comércio das carnes-seccas...”
Não é novidade para ninguém que, na região semi-árida do Nordeste, toda a análise dos problemas de ordem econômica, social e administrativa esbarra invariavelmente nos bons e maus tempos; isto é, nos anos de “invernos” ou nos de “secas”.
A verdade é que os efeitos daqueles dois períodos de estiagem prolongada foram calamitosos, e os prejuízos incalculáveis para a estrutura econômica da Capitania, com base no produto animal. Mesmo assim, não acreditamos que o fantasma das secas deva ser o responsável único pela extinção completa das Charqueadas no Ceará.
Os registros escritos, referentes ao período após 1777, levam- nos a acreditar no possível exagero de cálculo no prejuízo do rebanho; “reduzido a menos de um oitavo”, uma vez que, já nos anos seguintes, as Charqueadas retomam o antigo ritmo, mas, nem assim, menos significativo. A documentação de 1788, principalmente aquela editada para efeitos fiscais, é de importância fundamental para a compreensão do problema. Aquele ano representa o marco daquelas duas épocas de calamidade. Possivelmente por se situar no período considerado de apogeu da economia colonial, foi o ano mais pródigo em documentos, principalmente os referentes à zona norte da Capitania.
A grande demanda da carne-scca, afetando os preços do gado e reduzindo a oferta de carne fresca para os mercados consumidores e, conseqüentemente, trazendo contenção econômica à receita da Coroa, não foi ignorada pelas autoridades coloniais.
A pressão da Fazenda de Pernambuco, sob a alegação do insuficiente suprimento da carne fresca nos açougues, se concretiza com o fechamento das Oficinas norte-rio-grandenses do Açu e Mossoró e do fornecimento de gado das fazendas dessa área as Charqueadas cearenses. A iniciativa superior beneficiou a Capitania do Ceará, que teve naquele ano (1788) assegurado o consumo por Pernambuco do carregamento de “12 barcos de carne seca ou salgada (...) que vem á ser o total de 60.000 arrobas...”
A capacidade de recuperação do rebanho comprovada pela documentação analisada nos possibilita afirmar que teria sido possível a retomada econômica da Capitania, com as Charqueadas, após 1793, se outros fatores não houvessem interferido na estrutura econômica e comercial, não só da Capitania do Ceará, mas da Colônia como um todo. Mudanças ocorridas na Europa, especialmente na Inglaterra a partir da metade do século XVIII, refletiríam no Brasil, estimulando o renascimento da agricultura; agora não somente dirigida à produção do açúcar, como também para a cultura do algodão. O novo produto ganhou a preferência européia, como matéria-prima têxtil, com o advento da Revolução Industrial e outros eventos políticos internacionais, eliminando do mercado internacional, por período relativamente longo, concorrentes que dispunham de técnica mais aperfeiçoada e de produto de melhor qualidade que o Nordeste brasileiro.
Com o algodão, rompe-se o exclusívísmo pastoril no Ceará. A base da economia passa a ser assentada na agricultura, com a pequena disponibilidade de capital atraído para o financiamento da referida lavoura de exportação.
Com o advento da produção algodoeira, aumenta a necessidade de uma comercialização direta com Portugal, intensificando- se as solicitações, neste sentido, pelas autoridades representativas da Capitania à Coroa. A primeira tentativa de exportação do produto no Ceará deu- se em 1777 e foi através dela que a Capitania entrou claramente na divisão internacional do trabalho, a partir das últimas décadas do século XVIII. Em razão da demanda assegurada, das possibilidades naturais para a produção e da ausência cíe outras fontes de riqueza, o cultivo do algodão passa a ser desenvolvido como principal atividade econômica.
A cultura algodoeira objetiva mudança na própria estrutura política local, sendo o cultivo feito em larga escala, necessitando de escoamento da produção para o litoral, através das estradas que se abrem de Fortaleza para as zonas interioranas. Provoca assim o súbito desenvolvimento dos meios de transporte, assegurando de modo compensador o exercício da atividade agrícola; colocando pela primeira vez a sede administrativa em condições de se impor às demais vilas cearenses como verdadeiro centro político, econômico e social da Capitania.
Surgem outros pólos comerciais em vilas interioranas, como no caso de Icó, núcleo surgido naturalmente com características de pólo de comércio de gado, encaminhando boiada às feiras da Bahia e Pernambuco, por vias diversas, realimentando sua importância com o cultivo e comercialização do algodão, passando a representar o pólo econômico do sertão central. “Em contrapartida, outros núcleos, que tinham como suporte econômico apenas a produção animal, foram forçados a desenvolver uma economia agro-pastoril.
A desvinculação político-administrativa de Pernambuco, a partir de 1799, pelo menos a nível oficial, possibilitou um comércio direto com a Metrópole, criando um mecanismo “independente” de administração financeira, pela instalação da Junta da Fazenda, com as demais regiões econômicas da Colônia. Pode, então, o Ceará, a partir de 1808, atender a demanda de produtos de outras nações, além de Portugal.
Texto de Valdelice Carneiro Girão publicado em "Revista do Instituto do Ceará", Fortaleza, CE. Excertos pp.71-92. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.