Os agentes infecciosos não contam apenas a trajetória seguida pelo homem. Relatam também fatos ocorridos durante essa grande odisseia. Um parasita nos ajuda a estimar a época em que começamos a vestir roupas para vencer as adversidades do clima. Esse mesmo parasita revela ainda se ocorreu encontro do homem moderno com outros hominíneos. Até há pouco tempo acreditávamos que jamais o Homo sapiens encontrara outro hominíneo, exceto o homem de Neanderthal. Porém, essa história está sendo recontada e novas teorias ganham força ao longo dos últimos anos. Houve outro encontro?
O Homo erectus saiu da África mais de um milhão de anos antes do homem moderno. Estendeu sua conquista por quatro continentes. Colonizou a Ásia, Europa, África e Oceania. Apesar da façanha, não suportou as adversidades climáticas. Extinguiu-se e deixou apenas vestígios fossilizados. Achava-se que o Homo erectus não mais existia à época do Homo sapiens deixar a África. Nesse caso, não ocorrera o encontro entre ambos. Exceto se as datações dos sítios arqueológicos dissessem o contrário ou se ouvíssemos a história que um parasita tem para relatar.
Nosso primeiro contato com o Homo erectus ocorreu por intermédio do médico holandês Eugene Dubois. Dubois interessou-se pelas aulas de anatomia comparada, na época em que frequentava a escola de Medicina, no século XIX. A matéria apoiava-se nas teorias evolucionistas de Darwin. Acreditava-se àquela época que os macacos sofreram modificações adaptativas e evoluíram para uma criatura com feições semelhantes às do homem moderno. Achava-se que a evolução humana se dera por uma linha contínua de modificações em macacos até os humanos. A ciência da época aventava a possibilidade da existência de um fóssil animal que comprovaria a ocorrência da transformação do macaco ao homem moderno. Seria o elo perdido que explicaria a teoria da evolução humana.
Dubois decidiu buscar a existência de fóssil do elo perdido. Acreditava-se que orangotangos eram os primatas mais próximos do homem. Dubois procuraria seu fóssil no local em que existiam esses primatas, a região do sudeste asiático e Oceania. Fazendeiros da ilha de Java relataram a descoberta de fósseis. Tal notícia fez o médico holandês transferir sua busca para lá. Dubois encontrou fósseis de partes de esqueleto ao longo do rio Solo em 1891. As medidas de seu crânio tinham um volume intermediário ao dos macacos e homens modernos. Tudo indicava ser uma espécie transitória e, portanto, o elo perdido. O mundo conheceu o "homem de Java", provável homem-macaco que adquiriu a posição ereta. Com o avanço das descobertas científicas do século XX, esse hominíneo foi renomeado como Homo erectus, mas Dubois morreu acreditando ter encontrado a ligação evolucionária que faltava.
Na década de 1920 foi descoberto, em terras chinesas, um outro fóssil semelhante ao "homem de Java". Outro elo perdido surgiu nessa nação, o "homem de Pequim". Foi, posteriormente, reconhecido como outro Homo erectus que também migrou para regiões ao norte da Ásia. Os holandeses continuaram suas escavações na ilha de Java. Terrenos próximos do rio Solo forneceram mais esqueletos parciais do Homo erectus na década de 1930. Os holandeses trouxeram para a superfície mais fósseis de hominíneos e de animais que coabitaram àquela época e serviram como alimentos. Chegou-se ao consenso de que o "homem de Java" e o "homem de Pequim" eram da mesma espécie, o Homo erectus, somente em meados do século XX.
As primeiras técnicas de datação dos esqueletos fossilizados mostraram que esses hominíneos viveram há mais de um milhão de anos nessas terras conquistadas. Sítios arqueológicos mostraram períodos mais recentes, mas sem provar um encontro entre Homo sapiens e Homo erectus. Porém, as técnicas de datações desses sítios arqueológicos aprimoraram-se.
As datações são realizadas também em rochas vulcânicas à época em que o Homo erectus caminhava por esses sítios. Técnicas modernas são empregadas na datação dos ossos fossilizados, inclusive de outros animais dos sítios arqueológicos. Os dentes desses animais também são usados para datar o período em que viveram. Com toda a ciência emergente da datação, sabemos, agora, que alguns Homo erectus permaneceram vivos até 27 mil anos atrás na ilha de Java. Outros fósseis de hominíneos foram descobertos na ilha de Flores, a leste de Java. Há debate se esse homem de baixa estatura da ilha de Flores pertenceria a um descendente ou não de Homo erectus. As técnicas modernas de datação aplicadas aos sítios da ilha de Flores mostraram que esse hominíneo sobreviveu até 18 mil anos atrás. Sabemos que os primeiros homens modernos que deixaram a África chegaram no sudeste asiático e Oceania ao redor de cinqüenta mil anos atrás. Essas datações modernas revolucionaram a História e apontam para um possível encontro do Homo erectus com o Homo sapiens quando este último chegou à região.
Naquele momento poderiam existir Homo erectus caçando e coletando alimentos na região. Em algum momento há dezenas de milhares de anos, alguns Homo erectus habitantes das ilhas da Indonésia podem ter avistado um grupo recém-chegado de seres semelhantes a eles. Se essa cena ocorreu, não sabemos qual a reação de ambos os grupos. Tentaram se comunicar? Podem ter se digladiado ao primeiro encontro ou se afastado de maneira temerosa? Os últimos Homo erectus sobreviventes sucumbiram à competição pela terra com os primeiros homens modernos? Extinguiram-se pelas lutas? Havia àquela época uma provável testemunha que pôde nos contar parte dessa história. Essa testemunha estava em locais privilegiados para presenciar o suposto encontro. Estava nas cabeças de ambos os grupos. É o mesmo parasita que nos relata a data provável em que começamos a nos vestir.
Em 2001, a escavadora de uma obra na cidade de Vilnius, capital da Lituânia, desenterrou acidentalmente fragmentos ósseos. Esqueletos humanos emergiram, e as obras foram interrompidas. O número de esqueletos saltava aos olhos da comunidade à medida que se escavava. Um sítio arqueológico surgiu. O número excessivo de esqueletos, acima de dois mil, e a disposição muito próxima de um corpo ao outro apontavam para a presença de uma vala coletiva. Estávamos próximos ao coração do leste europeu, local em que não faltaram valas coletivas na história.
A Lituânia presenciou parte do holocausto judaico empreendido pelos nazistas. Aqueles corpos poderiam contar a história de famílias judaicas exterminadas e esquecidas pelo tempo. Projéteis de armas de fogo nazista poderiam ter atingido judeus enfileirados que deitaram na vala previamente aberta? Poucas testemunhas teriam visto a terra encobrir os corpos que permaneceram intocáveis até a descoberta.
Outra possibilidade seria uma vala coletiva orquestrada pela polícia secreta soviética. Após a Revolução Russa de 1917, deu-se início às prisões e ao desaparecimento de pessoas contrárias ao novo regime comunista. A cadeia comum foi substituída pela prisão especializada em trabalho forçado, o gulag, que se multiplicaram pelo território soviético em áreas longínquas, em parte, para fugirem de eventuais críticas externas e retaliações internacionais que prejudicassem as exportações comunistas. Stalin transformou o gulag em um "negócio da China". Enviava prisioneiros políticos para diversas prisões com localização privilegiada. Em geral, o gulag estava próximo às áreas de exploração de madeira, carvão, petróleo, níquel, ouro, gás e outros. Os prisioneiros forneciam uma mão de obra barata para a economia soviética. Além disso, contribuíam para colonizar o enorme espaço soviético com a construção de cidades, estradas, ferrovias, canais de irrigação e represas.
Durante a ocupação da Lituânia pelos russos, não faltaram habitantes deportados para os campos de trabalho soviéticos. Durante a invasão nazista na Segunda Guerra Mundial, a polícia secreta soviética transferiu parte dos prisioneiros da sua fronteira, mas muitos foram exterminados nas celas, pátios ou florestas. Os soviéticos cometeram atrocidades contra prisioneiros durante o abandono da região. Prisioneiros políticos ou estranhos à etnia soviética estariam nessa vala?
Ao contrário do que inicialmente se esperava, não houve qualquer genocídio contra aqueles humanos encontrados na vala coletiva. Muito pelo contrário, amigos os enterraram com respeito. Antropólogos encontraram vestígios de uniformes. Moedas que repousavam entre os corpos e botões denunciavam a provável época das mortes. Traziam a imagem da águia de Napoleão Bonaparte. Os mais de dois mil esqueletos pertenciam a combatentes do exército de Napoleão. Precisaríamos retroceder mais de um século para imaginar o que ocorreu naquela região, que, à época, ficava nas imediações e não no interior da cidade.
Em junho de 1812, Napoleão cruzou o rio Niemen com cerca de seiscentos mil combatentes. Iniciou a invasão do território russo. Seu exército, acostumado a vitórias, adentrou confiante nas terras inimigas. Porém, encontrou cidades abandonadas e algumas incendiadas para que nada pudesse aproveitar. Os russos recuavam em seu próprio território e deixavam para trás plantações destruídas e fome para o exército invasor. Napoleão encontrou cansaço, doenças e fome, em vez de glórias para exibir em Paris. As mortes se somavam, mas Napoleão seguia firme no avanço do território inimigo. Após dois meses de marcha, sobraram pouco mais de cento e cinqüenta mil homens. Apenas cerca de cem mil avistaram Moscou. Novamente encontraram uma cidade abandonada pelo exército do czar. A campanha foi um fracasso. O que sobrou do exército regressou enfrentando frio e neve do inverno russo. Além da fome, do cansaço e de doenças.
Pouco menos de trinta mil homens conseguiram chegar à cidade de Vilnius. Muitos não resistiram ao frio e à fome. Epidemias acometeram os franceses tanto na invasão como na retirada do solo inimigo. As diarréias infecciosas castigaram o exército derrotado.
Membros do exército de Napoleão em retirada cavaram a vala coletiva. Enterraram seus companheiros em algum dia de novembro de 1812. Provavelmente, arrancaram as últimas forças do interior de seus músculos consumidos para propiciar um descanso mais digno aos colegas. Os articuladores do sepultamento estavam depauperados, famintos, emagrecidos, com frio e doentes. Vestiam roupas sujas, lamacentas e rasgadas. Era o que havia sobrado da campanha empreendida contra a Rússia czarina, um exército de mortos-vivos. Depositaram os cadáveres napoleônicos na cova coletiva. Uma infecção em especial contribuiu para o fracasso da invasão russa e suas marcas permaneceram nos esqueletos descobertos no início do século XXI.
Microrganismos percorreram a corrente sanguínea dos combatentes. Alastraram-se pelo corpo dos soldados debilitados e comprometeram órgãos vitais. A fome e o frio prejudicaram suas defesas, que não impuseram restrições para o avanço da infecção. Seus corpos foram lançados na vala coletiva e decompostos pelo tempo. Os microrganismos responsáveis pelas epidemias sumiram com os pulmões, fígado, coração, rins e outros tantos órgãos. Uma região, contudo, preservou-se para nos contar a história. Este local, ricamente vascularizado, recebeu afluxo de sangue contendo os microrganismos que se alojaram nessa estrutura. Foram os dentes. A polpa dentária recebe o nervo responsável pela dor de dente, mas também recebe uma quantidade de sangue. Vestígios do DNA do ou dos microrganismos envolvidos nas epidemias estariam nas entranhas dos dentes daqueles esqueletos?
A descoberta de fragmentos de DNA de microrganismo na polpa dentária de ossadas não é novidade para a ciência. Já foi realizada em ossadas de pessoas mortas pela peste negra. Cientistas analisaram dentes de europeus mortos pela peste negra de Marselha, em 1722, e encontraram o material genético da bactéria causadora da peste. Foram além e recuperaram ossadas europeias da época da peste de Justiniano, no século VI, e da época da peste negra do século XIV. Conseguiram os testes positivos nas polpas dentárias. Visualizaram o DNA da bactéria que matou milhares de bizantinos na peste de Justiniano e dizimou um terço dos europeus entre os anos de 1348 e 1350. Agora era a vez de esclarecer a causa das mortes do exército de Napoleão.
Cientistas coletaram dezenas de dentes dos esqueletos daqueles soldados desconhecidos da cova. Esse material guardaria parte da história européia.
A coleção de dentes pertencia a 35 soldados mortos. Buscaram a seqüência do DNA de algumas formas de microrganismos, na tentativa de encontrar a doença responsável por parte da catastrófica invasão russa. Em cerca de um terço dos soldados foi isolado o material genético de dois microrganismos: o causador da febre das trincheiras e o responsável pelo tifo.
Essas duas doenças infecciosas foram as responsáveis pelas epidemias infringidas ao exército de Napoleão. Os agentes infecciosos se reproduzem em piolhos. Atingiram o exército derrotado no momento em que ocorreu infestação de piolhos nos combatentes de Napoleão. Os piolhos se proliferaram pelo exército em decorrência do aglomerado humano associado à ausência de higiene e à desnutrição. Os microrganismos presentes nos piolhos transferiram-se aos humanos e causaram as febres da trincheira e o tifo. Esclareceram as epidemias ocorridas na campanha militar frustrada de Napoleão.
A cova coletiva nos forneceu mais evidências entre os quilos de terras esmiuçados. Além de restos de vestuário militar e fragmentos ósseos, encontrou-se também fragmento de corpos de piolhos.
Provavelmente mortos após a fonte de sua sobrevivência secar. Foram encontrados restos de cinco piolhos sobreviventes à decomposição. Número suficiente para se encontrar a presença do material genético do microrganismo causador da febre das trincheiras no interior de três destes. Os piolhos forneceram microrganismo à sua fonte de vida e sem saber precipitaram epidemia e morte daqueles que os sustentavam.
O piolho é um companheiro antigo da humanidade. Foi o responsável por algumas epidemias humanas, principalmente o tifo. Após a introdução do microrganismo causador do tifo, inicia-se uma doença febril grave que causa lesões na pele e danifica os vasos sanguíneos. Compromete a circulação do sangue e pode ocasionar gangrena de braços e pernas. Aglomerados humanos, prisioneiros ou combatentes estão sujeitos às epidemias. Na Inglaterra, a doença foi conhecida como a febre das cadeias, por acometer prisioneiros mantidos sob precárias condições de higiene e infestados de piolhos. Em alguns casos esses prisioneiros adentravam ao recinto da corte e transmitiam seus piolhos aos curiosos que disputavam espaço para assistir à audiência. Terminada a concorrida sentença, a platéia retornava para suas casas e alastrava piolhos com a precipitação de epidemia do tifo entre a população.
Os piolhos também transmitem o microrganismo da febre das trincheiras. A doença não causa tamanha mortalidade como o tifo, porém debilita sua vítima, que se torna imprestável por dias. Na Primeira Guerra Mundial milhares de piolhos atazanaram a vida dos combatentes. Os insetos transmitiram a febre das trincheiras que reinou no front: estima-se que acometeu um milhão de pessoas entre os anos de 1914 e 1918. Mas pior que a febre das trincheiras era o tifo, que os piolhos presentes na guerra ajudaram a disseminar. Uma epidemia da doença na Sérvia suspendeu batalhas travadas na fronteira leste. A pobreza e a fome, que assolaram a União Soviética logo após a Revolução Russa de 1917, contribuíram para a infestação de piolhos na sua população. As epidemias de tifo mataram cerca de três milhões de pessoas. Os judeus sentiram na pele as epidemias tanto nos guetos quanto nos campos de concentração da Segunda Guerra Mundial. O tifo era uma das principais causas de morte natural nesses redutos insalubres.
A facilidade com que o piolho se dissemina entre os humanos justifica a freqüência dessas epidemias históricas. Tanto que a praga existe até hoje e, não raro, recebemos cartas das escolas de nossos filhos com a notificação de casos de piolho. O parasita alcança novos alunos com facilidade. O piolho se aloja nas nossas cabeças, local em que ocorre a postura de seus ovos, que se desenvolvem para as larvas e novos adultos. Não atinge o meio ambiente para se procriar, pelo contrário, necessita permanecer na superfície das nossas cabeças. O calor do couro cabeludo fornece a temperatura ideal para o desenvolvimento de suas larvas e perpetuação da sua espécie. O corte curto do cabelo ajudaria na visualização do piolho, mas não na sua eliminação, uma vez que a postura dos ovos se dá nos locais quentes dos fios de cabelo, portanto, bem próximos à raiz. Hoje em dia, com o avanço nas drogas de tratamento, não se justifica o corte curto do cabelo. Essas qualidades fizeram dos piolhos fiéis à nossa espécie. Acompanharam o homem desde os primórdios da história. Por isso foi possível estudar a evolução dos parasitas e, em conseqüência, descobrir quais hominíneos o Homo sapiens encontrou e a data em que começamos a nos vestir. Para os pesquisadores que os utilizaram nas descobertas, os piolhos passaram de vilões a heróis.
Um grupo de cientistas, predominantemente americanos, estudou o material genético dos piolhos. Notaram que existem piolhos específicos aos macacos e aos humanos. Ambos evoluíram de um ancestral comum. Pela lógica, esse ancestral comum se separou na mesma época da divergência entre os hominíneos e os macacos. Evoluiu em piolhos específicos dos humanos e dos macacos. O material genético, DNA, desses piolhos foi parcialmente sequenciado e comparado. Isso mesmo: estudou-se o DNA de piolhos. As diferenças nas mutações foram submetidas a cálculos retroativos. O estudo mostrou que o ancestral comum aos nossos piolhos e aos dos macacos viveu há cerca de cinco milhões e meio de anos. Uma data extremamente próxima da nossa separação dos macacos. Os macacos ficaram com os piolhos que seriam específicos de suas espécies. Os hominíneos evoluíram com seus piolhos em mutação, que seguiriam na cabeça do Homo sapiens. Mas o estudo tornou-se mais interessante ao analisar os diferentes tipos de piolhos humanos dos dias de hoje.
Esse grupo de cientistas isolou piolhos que acometem a população humana atual. Recolheram piolhos de povos americanos, africanos, asiáticos e europeus. Mapearam segmentos do DNA desses piolhos e compararam suas diferenças. Descobriram que nem todos os piolhos são iguais apesar de causarem o mesmo incômodo. A genética concluiu que os humanos são acometidos por dois tipos diferentes de piolhos. Um é encontrado disperso pelos continentes. O outro, geneticamente diferente do primeiro, encontra-se restrito ao continente americano. Até aqui não chegaríamos a nenhuma descoberta reveladora. Os cálculos mostraram que os dois tipos evoluíram separadamente a partir de um ancestral comum há cerca de 1,2 milhão de anos. Mutações e adaptações culminaram com a origem dos dois tipos de piolhos humanos.
O ancestral dos piolhos humanos estava presente entre os hominíneos africanos. Acompanhou a evolução desses primatas e transferiu-se para os diferentes tipos de hominíneos que surgiam, até atingir o homem moderno, que o carregou para fora da África. Para haver duas formas geneticamente diferentes de piolhos seria necessário que o ancestral se separasse e evoluísse isoladamente. Além disso, o isolamento precisaria ser eficaz para os piolhos sofrerem as mutações necessárias e formar os dois tipos. Para isso, seria necessário que alguns destes ancestrais dos piolhos fossem carregados para fora do continente africano. Há 1,2 milhão de anos somente o Homo erectus pode ter carregado esse ancestral para fora da África.
No continente asiático, o ancestral do piolho presente no Homo erectus evoluiu para um dos dois tipos de piolhos humanos, enquanto aquele que permaneceu no solo africano evoluiria para a outra forma genética do piolho. Teríamos, assim, a evolução para os dois tipos de piolhos que acometem a humanidade. Porém, falta um elo para terminar a nossa conclusão. Aquele ancestral que permaneceu na África foi transferido para os diferentes hominíneos surgidos até chegar ao homem moderno. Este emigrou da África carregando a forma atual de piolho humano. Por isso o encontramos em todos os continentes. Mas e o outro tipo genético de piolho? Aquele que se isolou com a saída do Homo erectus há pouco mais de um milhão de anos?
Essa forma de piolho, após tanto tempo isolado e geneticamente diferente, teria retornado aos humanos modernos para que nós, na atualidade, apresentássemos as duas formas. A única maneira seria o encontro do Homo sapiens com o Homo erectus, que o portava em solo asiático. Essa convivência, por mais efêmera que possa ter sido, seria suficiente para adquirirmos piolhos de Homo erectus. O estudo genético dos piolhos humanos aponta para um provável encontro entre esses hominíneos. O que é possível pelas datações recentes dos sítios arqueológicos asiáticos em que viveram os Homo erectus. E mais, se a aquisição ocorreu na Ásia, os humanos podem ter transportado o piolho para a América. Isso talvez explicaria o motivo dessa forma de piolho só ser encontrada em solo americano. Teríamos adquirido na Ásia, tendo um pequeno grupo migrado para o Novo Continente antes de infestar outros humanos que permaneceram no Velho Continente. Tudo hipótese. A tendência atual caminha para acreditarmos que ocorreu esse encontro e um parasita veio em nosso auxílio trazer parte da história incrustada no seu material genético.
Os piolhos denunciam também outro fato da história humana. Existem dois tipos de piolhos: aqueles presentes em nossas cabeças e os que circulam em nosso corpo. Os habitantes de nossos cabelos vivem e se reproduzem restritamente nessa área. Não sobrevivem no meio ambiente. Por outro lado, aqueles dispersos pelo nosso corpo se reproduzem nas nossas roupas. Podem, portanto, permanecer temporariamente fora do nosso organismo para então retornar.
Podemos, assim, supor que a bifurcação evolucionária entre esses dois tipos de piolhos surgiu com o início do uso de roupas pelos humanos. Somente quando nos vestimos proporcionamos mutações para o surgimento dos piolhos de nossos corpos. Estudaram-se as diferenças do DNA desses piolhos e calculou-se a data provável da separação de ambos. Teria ocorrido entre 42 a 72 mil anos atrás. Isso indicaria que o homem começou a vestir-se nessa data.
Há um outro parasita parente dos piolhos que se restringe aos nossos pelos pubianos. E vulgarmente conhecido como chato. Seu DNA não se assemelha aos anteriores. Porém é muito semelhante ao DNA do parasita presente em gorilas. Acredita-se que o homem pode tê-lo adquirido pelo contato com parasitas desse primata. Os pelos pubianos humanos assemelham-se aos do corpo do gorila. Isso favoreceria a transferência do chato já adaptado. Vencemos as adversidades do clima frio do hemisfério norte com o auxílio do fogo. Provavelmente roupas feitas de pele e couro dos animais contribuíram para sobrevivermos ao clima inóspito. O DNA do piolho pôde acusar a época aproximada em que começamos a nos vestir, que coincide com a época em que encontramos os primeiros vestígios arqueológicos do emprego de roupas, há quarenta mil anos.
Texto de Stefan Cunha Ujvari em "A História da Humanidade Contada Pelos Virus", Editora Contexto, 2012, São Paulo. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.