Com a vinda de D. João VI, chegou ao Brasil Marcos Portugal (1762-1830), considerado então o maior compositor português, e Sigismundo Neukomm (1778-1858), compositor alemão regularmente conhecido no seu tempo. Marcos Portugal foi mestre da Capela Real e diretor do Teatro, onde fez cantar missas e representar óperas de sua autoria. Nessa época, apareceu a figura proeminente do padre José Maurício Nunes Garcia (1767-1831). Era um mestiço carioca, educado em Santa Cruz, no Conservatório dos Negros.
Foi um compositor fecundíssimo. Da sua obra, porém, pouca coisa está impressa. Alberto Nepomuceno fez publicar o Réquiem e a Missa em si bemol. O Réquiem é considerado a obra-prima de José Maurício e, sem dúvida alguma, a obra-prima da música religiosa brasileira.
Depois desse esplendor, em que a Capela Imperial contava com cem executantes, a independência política fez com que a música sofresse um abalo com a mudança do Primeiro Império, ocasião em que as manifestações musicais se tornaram mais variadas e difundidas no país. Por toda parte se organizavam bandas e orquestras, sendo a de Campinas dirigida pelo pai de Carlos Gomes. Com isso, a música religiosa pouco a pouco vai perdendo a sua importância dominadora.
D. Pedro I, autor do Hino da Independência, protegeu a música como pôde. No Segundo Império, D. Pedro II, a instâncias de Francisco Manuel, fundou, em 1841, o Conservatório Nacional (hoje Escola Nacional de Música), e também, em 1857, a Academia Imperial de Música e Ópera Nacional. Essa academia teve um período brilhante em que fez cantar, em português, óperas estrangeiras e numerosas produções brasileiras. Nela Carlos Gomes deu os seus primeiros passos no melodrama com Noite no castelo (1861) e Joana de Flandres (1863).
O Segundo Império foi talvez o período de maior brilho exterior da vida musical brasileira. Nessa época, companhias italianas traziam celebridades em temporadas que chegaram a incluir até sessenta récitas. Os concertos eram numerosos e muitos artistas estrangeiros ficaram no país. Foi ainda no Segundo Império que vieram para o Brasil Artur Napoleão (1843-1925), cuja maneira brilhante de tocar tornou-se tradicional no Rio de Janeiro, e Luís Chiaffarelli (1856-1923), fundador da Escola de Piano em São Paulo.
Nessa época fundaram-se a Filarmônica (1841) e o Club Beethoven (1882) no Rio de Janeiro, e o Club Haydn (1883) em São Paulo, sob a direção de Alexandre Levi. São ainda dignos de menção os concertos populares (1887), instituídos no Rio de Janeiro por Carlos de Mesquita.
Em 1889 veio a República, e o Brasil, pela terceira vez, começou a sua vida. Todas as companhias de óperas e os concertistas estrangeiros que aqui vieram, pouco a pouco foram impregnando o nosso ambiente de composições européias. E mesmo se assim não se desse, como os nossos compositores, com poucas exceções, foram todos educados na Europa ou pelo menos por mestres que lá fizeram seus estudos, é natural que suas obras sejam influenciadas pela música européia da época.
E tanto isso é uma verdade irrefutável, que basta enumerar os nossos mais notáveis compositores e neles encontraremos essa influência de maneira clara. Antônio Carlos Gomes (1836-1896), que fez sua educação artística na Itália, foi, sem dúvida, influenciado pela escola verdiana, e sua óperas têm um cunho italiano muito acentuado. Quase todas as obras de Carlos Gomes são influenciadas pelas músicas européias de sua época. Ele é, se assim se pode dizer, a expressão da ópera brasileira, e por isso mesmo constitui um capítulo separado, preenchendo com seu nome toda a parte referente à ópera na arte nacional.
Sem dúvida alguma seu gênio dramático se manifesta de maneira forte nas óperas. Como melodista, o seu estro produziu páginas comparáveis às melhores da época. Não é verdade que Carlos Gomes, musicalmente falando, nada tenha de brasileiro, e que o Guarani, a sua ópera mais popular, só tenha de brasileiro o assunto.
É ridículo que consideremos como brasileiros os cantos negros, os cantos portugueses e até os ameríndios, as habaneras e os tangos do século XIX, e não vejamos a intensa preocupação nacionalista de Carlos Gomes. E não vejamos que, na obra de Carlos Gomes, a intensa preocupação nacionalista. Se observarmos atentamente o Guarani (1870) e o Escravo (1889), veremos logo certos ritmos que nada têm de música européia. E, embora alguns compositores novos não queiram reconhecer em Carlos Gomes o maior operista brasileiro, e mesmo um dos nomes na arte musical brasileira de maior repercussão no estrangeiro, esse fato não empana a glória de Carlos Gomes.
Texto de J. Otaviano na Revista Brasileira de Música. Rio de Janeiro, Escola Nacional de Música, vol. 5, set. 1938, pp. 70-73. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.