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CATARINA DE MÉDICIS (1519-1589)

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A História acusa Catarina de toda espécie de complôs. A gente a vê velha, com seu rosto duro, apoiada na cadeira real de Carlos IX lhe dando conselhos de traição e de ódio...

Mas há uma outra parte dela: alguns a acham uma mulher corajosa, cujo principal defeito foi ter sido mal educada; transportada à França ela se devotou à saúde do Estado e defendeu por todos meios a seu alcance o trono a seus filhos. Tentemos compreendê-la.

Ela nasceu em 13 de abril de 1519 em Florença, no Palácio da Via Larga, construído por Cosme, o Velho. Seu pai era Lourenço de Médicis, Duque d'Urbino; sua mãe Madalena de La Tour d'Auvergne. Desde o início há algo apontando seu destino. Seus pais logo morrem. Após uma pequena viagem a Roma, onde dois de seus tios - Leão X e Clemente VII - são papas quase sucessivamente, ela volta a Florença onde está havendo uma insurreição popular. Ela encontra asilo no convento das religiosas beneditinas das Murates; dali ela pode ouvir o clamor do povo que saqueia as igrejas e quebra estátuas.

Em 1529 enquanto uma armada de espanhóis e de mercenários alemães a soldo do papa sitia a cidade, ela é tratada como uma garantia. E arrancada de seu convento apesar do choro das religiosas que desejam protegê-la e Catarina é aprisionada em um convento bem menor; um exaltado propõe arrastá-la sobre as muralhas para assim expô-la aos choques inimigos. A cidade cede.

Em 1539 Catarina é levada a Roma, confiada a Maria Salviati, viúva de João de Médicis, o antigo chefe dos Bandos Negros, e à Duquesa de Camerino, damas respeitáveis para época. É uma menina de 11 ou 12 anos e Bronzino no-la descreve: cabelos pretos, a fronte arqueada, os olhos redondos à flor da pele, herança dos Médicis; sobrancelhas fortemente arqueadas, o nariz um pouco grosso... O conjunto está longe de ser bonito, mas ela tem graça e distinção. De caráter é amável, insinuante e sabe se fazer apreciar: no Murates as freiras a amam ternamente; em Roma ela agrada ao pessoal do papa e os embaixadores estrangeiros a acham muito gentil.

A Itália que ela vai logo deixar a marca bem. "O Príncipe" de Maquiavel foi dedicado a seu pai; o livro trata de política e de governo — ensina aos príncipes italianos os meios de conservarem e firmarem seu poder no interesse da Itália. Foi escrito em 1513.

É possível que ela o tenha lido mais de uma vez. Em Florença sua inteligência precoce deve se abrir bem às intrigas e compreender bem as coisas; em Roma ela está bem no centro da diplomacia a mais tortuosa e a mais sutil, como sempre.

Ela tem por professor seu tio, o papa Clemente VII. Então ela aprende a dissimular, se concentrar em si mesma. Mas a civilização romana papal e a arte da Renascença lhe inspiram uma preocupação de vida refinada e de um sentido de Beleza que ela nunca perderá. É assim que ela mantém um ar de dignidade, uma correção de conduta que será conservada durante toda sua carreira de esposa e mesmo de viúva. Muitos anos mais tarde, quando a injuriam com escritos nos muros do Louvre, Catarina pode dizer: "Graças a Deus é a coisa do mundo da qual eu sou a mais limpa e o agradeço a Deus".

Na questão de seu casamento, se ela fosse livre se teria casado com seu primo Hipólito de Médicis, filho natural de Juliano de Médicis. Mas o papa tinha outras intenções para ela - seria melhor um casamento político. Houve muitos pretendentes (apenas como curiosidade, o Rei da Escócia, futuro pai de Maria Stuart também estava nessa lista) e finalmente a escolha recaiu sobre o delfim da França, o futuro Henrique II que na ocasião usava o título de Henrique d'Orleans, segundo filho de Francisco I.

Em 23 de outubro de 1533 Catarina chegou a Marselha — ela tinha 14 anos... O Rei da França e seu noivo a esperavam. Apresentações solenes e, alguns dias mais tarde, foi celebrado o casamento. Segundo os muitos relatos da época há descrição da cerimônia, do cortejo de cardeais, dos pajens, das damas de honra, da magnificência das roupas...

Logicamente a mocinha era o centro de todos os olhares; ela vestia uma roupa de brocado e um corpinho de veludo violeta guarnecido de arminho. Seus cabelos estavam tão carregados de pedrarias que disse dela um contemporâneo: "ela vale um reino!"... Pode haver exagero, mas as pedras de seu enxoval eram belíssimas.

Quando as festas terminaram, o dote foi contado no tesouro geral da França e houve quem fizesse trejeito de quem não gostou.

Da Itália brilhante e refinada para a França, país de soldadesca dura, a diferença era grande. Esses tempos nos deixaram grandes belezas, mas isso era exceção; a maioria da população era impenetrada. A vida dos senhores assim como a vida dos burgueses era rude; também rudes eram seus modos de falar e suas maneiras. As penalidades eram terríveis: o ladrão era enforcado, o herético era queimado e o moedeiro falso era mergulhado em líquido fervente.

O espetáculo do suplício era muito procurado pela corte e a boa sociedade. Não havia respeito pela personalidade humana. Um tal Tavannes escreveu suas "Memórias"

dizendo que, se murmurando "padres-nossos" se enforcava, matava-se a tiros, se esquartejava, se queimava a cidade — "ponha-se fogo por todo o redor, um quarto de légua..."

Mas havia um lugar onde havia boas maneiras e boa linguagem — era a corte. Lá se agrupavam os funcionários do Estado e os "convidados da casa": oficiais, gentil homens, damas de honra, abades de todas as convicções, sem contar a massa de parasitas, literatos, inventores, pedinchões, etc., etc., todo um mundo de gente vivendo da generosidade do Rei. Cada soberano constituía "seus convidados" segundo seu gosto ao luxo ou à sociabilidade. Uma alegria franca e de bom quilate; alegria de gente cumulada de bens levando uma existência perfeita, sem receios do amanhã e cuja festança nada tinha de monótona, pois a corte peregrinava de castelo em castelo, acampava às vezes sob tendas, sempre enfeitada, e até mesmo luxuosa. Sem dúvida havia pessoas que se ocupavam de coisas sérias, mas a maioria, não. As conversações começavam desde as últimas horas da manhã até tarde da noite. À tarde um príncipe cantava canções napolitanas as quais as damas adoravam... A galanteria era a ocupação constante.

Alguém desse tempo comentou: "o mau é que na França as mulheres se metem em tudo; o Rei lhes devia fechar a boca; é daí que saem os mexericos, as calúnias". E Tavannes, citado acima:

"Nesta corte, portanto, as mulheres fazem tudo, mesmo os generais e os capitães".

A chegada de Catarina, menina de 14 anos passou quase despercebida. Mesmo quando da morte do filho mais velho da casa real, ela se tornando "A Senhora Delfina"—

seu papel foi dos mais apagados. Duas mulheres, as amantes do velho Rei e do futuro Rei influenciavam muito os mandatários: a Duquesa d'Étampes e Diana de Poitiers.

Esta Diana teve dos contemporâneos uma admiração sem limites; fizeram dela o tipo de beleza perfeita. Seus retratos nos dão uma outra impressão. É uma mulher vigorosa, de carnação rica, de traços mediocremente regulares, com um ar de beleza saudável. Viúva do Sr. de Saint-Vallier, casada em 1515, levava todos os dias flores ao túmulo do falecido Luís de Brézé. Mas tanto se empenhou em conquistar Henrique, que o conseguiu, apesar de ser 18 anos mais velha que ele. Em 1536 o laço entre eles estava bem estabelecido.

Para Catarina a luta era impossível. Ela pedia apenas ao esposo um pouco de amizade e se esforçava em criar simpatias entre as pessoas que cercavam o Rei. Ela conseguiu com Margarida d'Angoulême (irmã de Francisco I), Duquesa d'Étampes, e muitos outros personagens de posição. Mas com relação a Diana ela teve de recalcar seus sentimentos.

Se Catarina teve uma ferida secreta, nunca demonstrou, entretanto manteve com essa dama relações muito corteses; Diana tinha por ela "uma proteção um pouco altaneira"...

Úteis precauções! Catarina andava entre os partidos, desarmava inimizades e assegurava os devotamentos. Ligou-se ao Rei, cercou-o de lisonjas, montou a cavalo para lhe dar prazer e seguiu intrepidamente as caças até o final rude e sem piedade ao animal.

Com estes pequenos engenhos ela ganhou as boas graças dele e, de futuro, teve ocasião de apreciar o quanto isto lhe foi útil.

Durante 10 anos não teve filhos. Questão seríssima! O esposo a podia repudiar. Ela foi ao Francisco I, emocionada, chorando, lhe pedindo proteção. Ele, um homem que tão bem soube governar a França, lhe respondeu: "Minha filha, se Deus quis você como minha nora, eu não quero que isto seja doutra forma; talvez Deus queira se render aos seus e aos nossos desejos..."

As crianças foram numerosas — 7 chegaram a adultos. Logicamente sua posição foi fortificada. Os anos se passaram e ela se tornou Rainha. Uma manhã do desastre da Revolução de São Quentim ela foi encarregada da regência provisória do reino e revelou recursos políticos e uma energia que não se supunha ela tivesse. Mesmo com isso ela continuou permitindo o mando da Poitiers.

Seu 1° filho — Francisco, mais tarde se casa com a futura Rainha da Escócia; seu Carlos foi o Rei cujos feitos, alguns, aparecem nesta história; Henrique foi Rei da Polônia e depois, como Henrique III foi Rei da França por 15 anos. Elizabeth se casou com o Rei da Espanha. Seu "bandinho", como eram chamados, cresceu sob suas atenções maternais. Ela acha que suas crianças pertencem à França.

Ela tem afeto pelo marido e às vezes, em suas cartas, deixa perceber uma mágoa.

Talvez sinta que sua posição é falsa e humilhante. Ela escreve à Duquesa de Guise: "se a senhora vir o Rei, apresente-lhe minhas muito humildes recomendações; gostaria de ser Margarida para poder vê-lo... Penso que a senhora tenha ainda muito tempo para estar com seu marido; praza Deus eu pudesse estar com o meu!"

Mas, coisa estranha! Junto a este marido, meninão musculoso, egoísta e limitado, incapaz de uma decisão, destinado a ser dominado, ela tem uma inexplicável timidez, procura ficar em seu favor, sem querer disputá-lo a quem quer que seja. Um prodígio de recalque e de dissimulação numa mulher autoritária de natureza, ávida de mando!

E isto dura 23 anos!

Em 30 de junho de 1559 um acidente trágico interrompe bruscamente as festas que a corte e a cidade davam em honra do casamento de Elisabeth de Valois. Henrique II, num passe de armas, foi ferido por uma lança do Conde de Montgomery, um dos capitães de sua guarda. A ferida se envenenou e em 10 de julho o Rei morreu. Catarina cuidou dele convenientemente, vestiu luto, ficou um dia inteiro pasmada diante do leito de morte e respondeu com voz extremamente fraca quando o embaixador veneziano veio lhe apresentar condolências.

Depois ela cumpriu um ato de autoridade que devia lhe ter tirado um peso do coração: caçou Diana de Poitiers da corte. A favorita tinha 50 anos.

Outros atos vão chegar à natureza há longo tempo reprimida de agir livremente?

Não! O seu filho mais velho tem 15 anos, é maior, ama e respeita sua mãe. Casado, este Francisco II por 14 meses se torna Rei, É quando então ele tem uma infecção de ouvido e, apesar de Ambrósio Pare querer operá-lo, Catarina não permite e o rapazinho morre. Sua esposa, Maria Stuart vai para Escócia.

O povo diz ser esta morte uma fadiga de caça ou um resfriado pego diante da queima de um huguenote.

O novo Rei tem apenas 10 anos — é o nosso Carlos IX. Chegou a hora de Catarina, pois o 1° príncipe de sangue real que tem idade para ser Rei, Antônio de Bourbon, está incapaz de sustentar seus direitos; os Guise estão desacreditados para tal cargo e ela se torna regente, senhora do Estado.

Então ela estava com 41 anos. Estava engordando, mas permanecia ativa, boa cavalgadora. Tinha desenvolvido conhecimentos, falava duas ou três línguas, possuía algumas noções de ciência, e, sobretudo, ela tinha estudado os homens. Mas Catarina ainda estava sob as doutrinas políticas de Clemente VII e dos que o rodeavam. Ela possuía, como no passado o dom de bajular, de se insinuar, espionando amigos e adversários, fazendo complô contra os fortes — aqueles que se teme atacar de frente... todos meios legítimos quando se tratava do Estado. Era a maior mentirosa da França.

Brantôme, o memorialista, escreveu sobre isso: "Quando ela chama alguém de meu amigo, ou ela acha que ele é bobo, ou ela está com raiva..."

E a gente percebe que esta Rainha, que, em circunstâncias ordinárias, com conselheiros de médio talento teria podido verdadeiramente salvaguardar os interesses do reino, se achou em presença duma crise terrível, onde suas habilidades se revelaram impotentes, onde suas práticas se tornaram crimes.

Texto de J.W.Rochester/Wera Krijanowskaia  em "A Noite de São Bartolomeu", Boa Nova Editora, 1993. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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