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D.PEDRO I - APARÊNCIA, MANEIRAS E CULTURA

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Segundo a descrição dos que o conheceram, d. Pedro, se bem que não fosse bonito, era simpático, bem constituído, de cabelos pretos e anelados; tinha nariz aquilino, olhos pretos e brilhantes, uma boca regular e dentes muito alvos. Os sinais de bexiga no rosto ficavam totalmente ocultos pelas suíças espessas. Carl Seidler conta a impressão que teve quando o viu pela primeira vez, em 1826.

"Era antes pequeno que grande, sua atitude denunciava o militar, a severa seriedade derramada sobre todos os seus gestos revelava o senhor. Sua cara era levemente marcada de bexigas, a parte inferior do corpo não estava em proporção simétrica com o tronco cheio, os braços eram curtos demais, e os dedos, demasiado compridos; mas incontestavelmente à primeira vista o homem era bonito. Cabelos negros encaracolados envolviam a testa arqueada, e o olho escuro, brilhante traduzia arrogância, despotismo e felicidade amorosa."

O reverendo Walsh, da primeira vez que o viu, em 1828, no alto do trono, achou-o “alto e imponente”; “um belo e garboso homem”. Mas no segundo encontro, frente a frente, verificou que sua altura era “abaixo da mediana” e que “ele tinha um corpo robusto e atarracado”. Achou-lhe o rosto cheio, as faces “manchadas e bexigosas” e as feições “grosseiras e intimidantes”. Debret diz que ele era forte e de grande estatura, mas que, já em fins de sua estada no Brasil, começava a engordar excessivamente, em especial nas coxas e nas pernas, tipo de deformidade comum aos descendentes da Casa de Bragança. No entanto, completa Debret, o príncipe se apresentava “sempre espartilhado com arte, era de aparência nobre e extraordinariamente asseado”. Asseio que é também destacado pelo reverendo Walsh: “Ele nunca é visto trajando uma peça de roupa suja ou manchada”. O porte elegante do príncipe e a maneira correta como montava e conduzia bem um carro costumam ser elogiados por todos os que o conheceram. Mas no dia-a-dia vestia-se com extrema simplicidade, e no ambiente doméstico até mesmo com desleixo. Conta Cochrane que, indo ao palácio já tarde da noite, o imperador o teria recebido “num desabhillé que em circunstâncias ordinárias haveria sido incongruente”.

D. Pedro nunca foi estudioso nem amante dos livros. Só se interessava e aprendia o que despertava sua curiosidade imediata, mas tinha grande acuidade para desvendar os aspectos mais difíceis de uma questão. Debret destaca a palavra “viva e fácil” e “a palestra cheia de observação e raciocínio” do imperador. Se nunca se tornou um homem culto, longe estava do semi-analfabeto cuja imagem a historiografia popular fixou. Leu bem mais do que os seus tremendos deslizes de gramática fazem crer.

Em um de seus artigos contra o jornalista João Soares Lisboa, em meio aos tantos insultos que lhe lança, diz que alguém indagara “se o sr. Soares descenderia em linha reta do incomparável sargento Aníbal Antônio Quebrantador, um dos heróis que Lesage introduz no seu Diabo Coxo”. O célebre livro de Alain René Lesage foi uma das primeiras traduções publicadas no Brasil, tendo sido impresso em dois volumes pela Impressão Régia em 1810. Sua citação tão precisa no artigo de d. Pedro revela que ele conhecia o livro e seu conteúdo, ao menos de ouvir falar. Em suas cartas, segundo Tarqüínio, há referências aos Sermões de Vieira, às cartas de mme. Sevigné e a algumas obras de Voltaire. Para a feitura da Constituição de 1824, leu atentamente Benjamin Constant e costumava citá-lo em defesa do Poder Moderador, incluído na Carta provavelmente por sua iniciativa.

D. Pedro escrevia de maneira muito descuidada, estilo que não alterou na correspondência particular, onde com freqüência recorria a termos chulos e expunha informações sobre sua intimidade que fazem corar até mesmo o leitor do século XXI. No entanto, ao longo do tempo em que foi imperador, a atividade jornalística e a própria correspondência fizeram que a forma melhorasse, e ele chegou a produzir alguns textos realmente bons. De resto, d. Pedro tinha a mania de escrever. Suas cartas, bilhetes, artigos de jornal, versos, rascunhos de discursos formam um volume considerável. Conhecia o latim, que aprendera na infância e gostava de usar em suas cartas. Lia sem dificuldade o francês, que acabou falando e escrevendo. Entendia, mas não falava o inglês.

Texto de Isabel Lustosa em "D. Pedro I, Um Herói sem Nenhum Caráter", coordenação de  Elio Gaspari e Lilia M. Schwarcz, Companhia das Letras, São Paulo, 2006, cap. III. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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