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CAMINHOS ANTIGOS DE MINAS GERAIS

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Os antigos caminhos de penetração em Minas Gerais são ainda pouco conhecidos e muito debatidos, não obstante os trabalhos de Moacyr Silva. Creio mesmo, que todos se firmam nas narrativas de Antonil, o notável jesuíta João Antônio Andreoni, cujas referências são de uma época pouco posterior ás primeiras entradas, ou seja, por volta de 1711. Os cristãos novos que desde o primeiro instante correram para as Minas, fugindo das fogueiras dominicanas do Santo Ofício, organizavam roteiros para os que necessitavam fugir de suas terras da Europa, e atingirem as novas do ouro e dos diamantes. Dêles, além das infqrmações de Jacob de Castro Sarmento, médico judeu português, que de Londres fazia a propaganda do novo El Dorado, existe um trabalho escrito e publicado secretamente em Sevilha, pelo cristão nôvo Francisco Tavares de Brito e cautelosamente distribuído aos interessados em escapar das purificações dos frades pregadores. Inocêncio, em seu "Dicionário Bibliográfico", assim se refere ao autor: “Francisco Tavares de Brito — cuja profissão e mais circunstâncias se ignoram — “Itinerário Geográfico” com a verdadeira descrição dos caminhos, estradas, roças, sítios, povoações, lugares, vilas, rios, montes e serras, que há da cidade do Rio de Janeiro até as Minas do Ouro. — Sevilha — Na Oficina de Antônio da Silva. — 1732 — 8ª — de 26 pags.”.O folheto não tem Licença Régia nem do Santo Ofício. É publicação clandestina e o aparente tipógrafo, Antônio da Silva, é nome de cristão novo. Em Portugal, somente existem dois exemplares desse folheto, sendo um da Biblioteca Nacional de Lisboa. Não se conhecem mais outros a não ser um do British Museum de Londres. Como se vê, trata-se de documento secreto para uso exclusivo dos cristãos novos e de seu uso exclusivo.  Não nos esqueçamos de que a obra de Antonil, sendo publicada em 1711, foi logo recolhida e destruída por quebrar o segredo de Estado, sobre as minas de outro. Realmente, este livrinho é interessante pelos detalhes e pela exatidão de suas informações. É acompanhado de um mapa onde as localidades são numeradas com as etapas de marcha.

O traçado dos caminhos, como se verá, mostra um grande progresso no povoamento sôbre o tempo em que os viu Antonil.

CAMINHO PARA AS MINAS, PARTINDO DE SANTOS

Embarca-se em canoas e se vai pousar ao pé da serra do Cubatão; pela manhã, se sobe a serra a qual hoje está capaz de se subir a cavalo, excepto em dois outros passos, donde se apeiam os que se não querem ver em perigo, porque, para qualquer parte para onde se escorregue se precipita infalivelmente.

Em pouco mais de três horas, se vence a iminência daquela serra da qual se vê o mar e a planície da terra, comunicada de transparentes águas de' infinitos rios, que servem para a vista de agradável e lisongeiro objeto a esta serra e sua cordilheira. Deram os íncolas primeiros, o nome de Paranampiacaba, que significa na Língua Geral do Brasil, lugar de onde se vê o mar e, prosseguindo a jornada, se vai pernoitar no rio dos Couros e no outro dia se entra na cidade até o meio dia ou uma hora em jornada ordinária. Francisco Tavares de Brito, autor do Roteiro, é de uma precisão admirável, no cômputo de etapas de marcha, conforme se verá.

Assim, demarca ele o prosseguimento da viagem para as Minas de Ouro: “Desta cidade (São Paulo) se parte para as Minas, passando-se pelas paragens seguintes: A. N. S. da Penha; — B.  Fazenda dos Padres da Companhia; — C. Vila de Mogy; — D. Vila de Jacareí (passa-se antes de entrar na Vila o rio de Paraíba em canoa) — E. Princípio de Capão Grande — F. Capela — G. Vila de Taubaté — H. Vila de Pindamonhangaba — I. Vila de Guaratinguetá. A esta Vila também vem dar o caminho de Parati, que chamam o caminho velho que sai de Parati vem ao 1º — Bananal. Sobe-se a inecessível serra e se descansa na 2ª. Aparição. 3ª. — Passa- se o rio Pirapetinga, que toma aqui o nome de serranias por onde passa, e logo depois se chama o Paraíba do Sul e se pernoita no sítio que também toma o nome do rio. — 4ª Afonso Martins. Passa-se adiante o Facão, que é um carreirinho que se passa pelo alto de um cume no qual apenas cabe um cavalo ou um homem a pé e se acaso escamba para uma das bandas se precipita. 5ª  A Encruzilhada e se entra depois na Vila de Guaratinguetá já dita e dela se parte para as Minas, passando em canoa daí a breve distância o rio Paraíba no sítio do.......?....... 6.ª  Aipacaré — e se prossegue o caminho das Minas.”

Passa agora Francisco Tavares de Brito a descrever o caminho das Minas na serra da Mantiqueira: 1) Embaú — Passa-se um rio vinte vezes e por isso se chama Passa Vinte. Sobe-se a notável serra da Mantiqueira e passa-se outro rio trinta vezes e por isso se chama Passa Trinta — 2) Pinheirinho. — 3)  Rio Verde — 4)  Pousos Altos. — 5)  Boa Vista. — Sobe-se um monte em cujo cume se dilata a vista circularmente pelos horizontes com prova de sua grande eminência. — 6)  Caxambu — Onde há um monte cuja fralda é lambida de todo o gênero de caça que ali vem gostar daquela terra por ser salitrada. — 7) Maependi — 8) Pedro Paulo. — 9)  Angaí— 10) Taraintuba. — 11) Carrancas — 12) Rio Grande — 13) Tijuca — 14) Rio das Mortes Pequeno. Entra-se na Vila de São João Del- Rei. Desta Vila se vai para as Minas Gerais, em 5 ou 6 dias, por uma de duas estradas, ambas quase iguais, assim na extensão como nas comodidades e caminhos. Uma se intitula Caminho Velho e outra o Caminho Novo. A estrada velha se toma à mão direita; fica a esquerda a nova cujos sítios ou roças de uma ou outra são as seguintes:

Caminho Velho. — Passa-se em canoa o rio das Mortes logo que se sai da Vila e daí se vai — A) Carandaí. — B) Cataguá — C) Camapuam — D) Amaro Ribeiro. — E) Carijós — F) Macabelo.

Caminho Nôvo: — 1) Carandaí — 2) Ala goa Dourada. Este sítio toma o nome de uma alagoa ou “hivezinha”. 3) Camapuam — 4) Redondo. — 5) Congonhas — 6) Macabelo.”

Vamos agora a Caminho do Rio de Janeiro nas informações de Francisco Tavares de Brito.

DO RIO DE JANEIRO ÀS MINAS DE OURO

Nesse roteiro, escrito, em 1731, por Francisco Tavares de Brito observa-se não só uma perfeita exatidão em seus dados geográficos, como um certo entusiasmo literário pelos acidentes naturais dos percursos. Continuando a viagem que interrompemos em Macabelo, junto da serra do Ouro Branco, vamos agora partir do Rio de Janeiro em direção de Vila Rica. Assim escreveu o autor do Roteiro: — “Passa-se da cidade do Rio de Janeiro em lancha e se entra pelo rio do Aguassu e com uma maré-alta se pode chegar ao sítio do 1) Pilar. Daqui em canoa pelo rio acima se vai até o 2) Couto. Aqui se monta a cavalo e se segue jornada. 3) Taquarassu, ao pé da Boa Vista, aonde está o Registro; sobe-se a serra com inexplicável trabalho e do mais eminente da estrada se vê o mar, os rios e a planície da terra. Em recíproco comércio, goza aqui a vista de um formoso espetáculo e prosseguindo a jornada fica à mão èsquerda, um monte inaccessível tão redondo e igual (pico do Couto) que parece feito no torno.É todo de pedra e por uma banda de  sua fralda vai a estrada deixando a gigantaria e eminência e muito atrás os Atlantes e Olispos. No pé da serra, da parte do Norte, se situa a roça de 4) Silvestre. — 5) Bispo, 6) — Governador. 7) Alferes, 8) Rocinha, 9) Paulo Grande, 10) Cavaru-Mirim, 11) Cavaru-Assu, 12) Dona Maria, 13) Dona Maria. 14) Dona Maria. Aqui se passa o rio Paraíba em canoa. 15) Dona Maria/Taquarassu, 16) Dona Maria/Paraibuna. Passa-se aqui o rio deste nome. 17) Rocinha do Araújo. 18) Contraste. 19) Cativo. 20) Medeiros, 21) José de Sousa, 22) Juiz de Fora. 23) Alcaide Mor. 24) Alcaide Mor. 25) Antônio Moreira. 26) Manuel Correia. 27) Azevedo. 28) Araújo. 29) Gonçalves, 30) Gonçalves. 31) Pinho. 32) Bispo. — Sobe-se aqui a grande serra da Mantiqueira. 33) Rocinha. Sai-se ao campo. 34) Coronel (Domingos Rodrigues da Fonseca Leme). Borda do Campo. 35) Registro. Quem quiser ir para a Vila de São João Del-Rei, toma uma estrada à mão esquerda e vai ao sítio do Barroso e em outra jornada pode chegar à Vila.”

“Vamos prosseguir nosso caminho para as Minas Gerais ou seja Vila Rica e Carmo. 36) José Rodrigues, 37) José Rodrigues, 38) Alberto Dias, 39) Passagem, 40) Ressaca, 41) Carandaí, 42) Outeiro, 43) Os Dois Irmãos, 44) Galo Cantante, 45) Rocinha. Daqui em diante, vai se por Amaro Ribeiro, Carijós e Macabelo.” Esse nome Macabelo quer dizer cristão novo judaisante e disposto a enfrentar o Santo Ofício. Da relação publicada por Warnhagen, de judeus remetidos a Inquisição de Lisboa nesse tempo, constam vários de Vila Rica. Um dêles deverá ter sido esse corajoso que deu nome ao lugar. Macabelo deriva de Macabeu. Em Macabelo, explica Tavares de Brito: “Passa-se aqui o Rodeio, isto é, ir a roda de uma serra a que chamam Titiaia.”

Seguem-se os pousos de Ilhéus, Lana e daqui se toma mão esquerda quem quer ir caminho direto para Vila Real e se vai pela Cachoeira á vista da Casa Branca, buscar a passagem do Garavato e prosseguindo o caminho das Minas Gerais, do Lana se vai a Três Cruzes e Tripuí. Este sítio fica a meia légua de Vila Rica e logo se entra nela.”

Antes de prosseguirmos viagem para a Vila Real do Sabará neste Roteiro, vamos dar a descrição que Tavares de Brito faz de Vila Rica em 1730, e que suponho ser a primeira que já se fez. É a seguinte: “Entre montanhas de imensa altura e delas rodeada em forma que a vista se não pode estender por quebrada alguma, se levantou esta Vila e suposto que abatida pela profundidade em que está situada a maior parte dela, é mais soberba e opulenta que todas, assim pela frequência dos comerciantes, como pela fiança das suas minas, mormente da inaccessível serra desta tapanhuacanga, em cujas fraldas se encontra e descansa, a qual serra é um Po- tosí de ouro. Mas por falta de águas no verão não enriquece a todos os que nela mineram, suposto que os remedeia. É esta Vila falta de tudo o que depende de agricultura, assim que todo o mantimento lhe vem dos já ditos campos, por distância de três, quatro, cinco léguas.

E como a Vila do Carmo ali estava vizinha, com poucas horas de viagem, Tavares de ,Brito, nos dá notícia nêstes termos: “Está situada em altura de vinte graus e quinze minutos. E’ de clima favorável para todo o gênero de plantas, mas não tem em si, o milho e o feijão que lhe baste e grande parte dos mantimentos lhe vem dos campos da Cachoeira, Curralinho e Casa Branca, conduzido em cavalos, distância de cinco, seis, sete léguas. Está fundada em sítio alegre. Assim do ribeirão como da serra, se tem tirado bastante ouro, mas em forma que tenha conta só a quem a Providência Divina permite, e assim, em todas as mais minas é o mesmo”.

Quanto ao caminho para a Vila Real, Tavares de Brito nos traça o caminho antigo que precedeu de muitos anos o que foi aberto na serra da Cachoeira, em 1782, por Dom Rodrigo de Menezes.

Segundo o Roteiro, para Sabará, o caminho ia pelo Tripuí, Três Cruzes, pela Bocaina, isto é, no atual Rodrigo Silva e dai. seguia para Casa Branca, Passagem do Garavato, Curralinho, Raposos e logo se chegava à Vila Real.

Da Vila Real do Sabará nos da “Tavares de Brito, a seguinte descrição: “No princípio desta Vila, pela parte que olha para o Sul, corre o rio das Velhas a lavar-lhcs as margens; a este rende vassalagem o rio do Sabará, que saindo-lhe aqui ao segundo, só se despoja do seu nome com o tributo de suas águas (rodeando êste a Vila pelas bandas de Leste e do Norte.) Correm ambos turvos, porque atualmente nêles se minera; mas raras vezes saem os mineiros lucrados, porque não correspondem os haveres ao Ordinário dispêndio, sendo assim que as terras desta Comarca são abundantíssimas de todos os frutos, os quais nelas se compram por menos da metade que nas Minas Gerais.

A Vila está situada em território aprazível e os moradores se tratam com muito luzimento e porque tem em suas fazendas amenos pastos, conservam com pouca despeza muita cavalaria. A esta Vila, vem parar tôdas as carregações que saem da Bahia e Pernambuco, pela estrada dos Currais, Rio de São Francisco e nela, antes que em outra parte, entram os gados (comum sustento destas Minas e quase reputado como o mesmo pão). Essa Vila está em altura de 19 graus e 52 minutos.”

VILA DE SÃO JOÃO DEL REI

A notícia que nos dá o autor do Roteiro, sôbre a Vila de São João Del Rei é a primeira notícia que existe sobre a princesa do Oeste. Agora que ela festeja seus duzentos e cinquenta anos de forais, merece transcrição o texto que lhe dedicou Tavares de Brito. Ei-lo: “Ao Sul de tôdas as Vilas e em graus 21 e 6 minutos, se erigiu esta Vila em uma planície que convida a interior alegria, aos que dela gozam rodeada de amenos campos que servem de proveitosos pastos e não menos e enriquecida de lucrosas minas, mas de suma dificuldade e não para todos, senão no inverno, de cujas enxurradas se aproveitam, indo os negros à gandaia, ao que se chama faisqueiras, pela fralda de um monte que de mais que de mediana grandeza, todo composto de pedra de Beta de ouro que moída com um pedaço de ferro mais se esperdiça do que se aproveita por mera incúria e evidente imperícia de artefatura e no tempo seco perece o comum e sómente lucram alguns particulares com força de escravos, dando catas em fraldas do monte que são de utilidade  e com mais recurso menos conveniência se dão também, por aquela dilatada vargem. E umas e outras muitas vezes, se não aproveitam por não poderem vencer, a água que vertem. Assim, que nas partes inferiores há muita e nas superiores há pouca água. São as dificuldades que se encontram nas fomentadas conveniências. Á pouca distância desta Vila, corre o rio das Mortes, cujo fundo se sabe que em muitas paragens é empedrado de ouro e dele se tiraram o que a boa sorte podia trazer um negro de mergulho, arranhando com um al mocafre, enquanto lhe durava o fôlego, agora com novo artifício se tira em canoas com umas grandes colheres de ferro, quase da forma de um murrião, com um saco de pano pendurado da parte convexa e encheridas numa haste comprida de pau e com sarilhos em terra para puxarem pelas colheres, que se cravam no fundo e tiram tôda a areia e pedras as que possivelmente sofrem os cabos com que se puxam e se deve entender que o mais precioso fica, por se não poderem mover nem arrancar as pedras de extfanha grandeza que estão no fundo, para se raspar o piçarra dele, onde o ouro faz seu natural assento.”

Eis aí algumas informações para certos cavalheiros adeptos do mínimo esforço, que se limitam a encadernar trechos de autores antigos, às vezes tão mal informados quanto os papel-carbono de hoje... A História de Minas Gerais não pode ser vendida nas falsificações que andam por aí. Ela é mais bela e interessante na sua “verdade”...

Texto de Augusto de Lima Junior publicado na "Revista de História e Arte, Belo Horizonte, n.5, outubro/novembro/dezembro de 1963, excertos pp. 38-41. Digitalizado, adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.

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