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O MULATO RICO E O RACISMO DO BRASIL COLONIAL

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André Vidal de Negreiros
Por muito tempo, as pesquisas históricas sobre o Brasil Colonial se concentraram nas relações deste com a Coroa Portuguesa. No entanto, desde os anos 90, esse panorama começou a ser alterado, com estudos mais voltados para a dinâmica interna do período, a vida social e as relações de classe. Com isso, a análise das trajetórias de personagens antes relegados às estatísticas tornou-se fonte de informações valiosas sobre como se formou a sociedade brasileira - o livro "O Povo Brasileiro", do antropólogo Darcy Ribeiro (1995), certamente é um expoente desta tendência, cada vez mais forte entre os historiadores que buscam ampliar a visão nacional sobre um período importante na formação da "brasilidade".

Não raramente, esses estudos revelam aspectos nem sempre muito discutidos - às vezes, sequer conhecidos - do Brasil Colõnia. Um exemplo é o artigo "Matias Vidal de Negreiros - Mulato Entre a Norma Reinol e as Práticas Ultramarinas", do historiador Ronald Raminelli, publicado pela revista Varia Historia, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). No trabalho, o autor resgata a trajetória de Matias Vidal de Negreiros, filho ilegítimo de um político e militar português de muitas posses e bem-visto na Corte Portuguesa. Este, jamais reconheceu a paternidade, o que não impediu Matias de procurar seus direitos junto ao rei e tornar-se herdeiro de uma grande parte da fortuna paterna.

"O impedimento da raça de mulato não o impossibilitou de receber as benesses. No entanto, se em Lisboa, devido às qualidades do pai, tornou-se nobre e rico, no ultramar não teve boa aceitação por parte das autoridades", afirma Raminelli. Isso parece deixar claro que o racismo na colônia era muito mais aflorado do que na própria corte.

Após ser recusado como cavaleiro da Ordem de Cristo, Matias mais uma vez recorreu ao rei e teve acatado o pedido de uma "carta de legitimação", tornando-se então filho reconhecido de André Vidal, tempos depois da morte deste. Com isso, foi aceito na Ordem.

Mas o parecer que recomenda sua admissão não deixa de fazer referências pejorativas à sua ascendência. "Como de costume, o documento destacou os serviços do pai e de Matias, ambos beneméritos no serviço do reino de Portugal e, em seguida, asseverou que a sua 'mulatice' estava perdoada porque era 'defeito' muito comum naquela capitania: '(...) por parte de mãe é defeito ordinário em quase todos os naturais de Pernambuco", destaca o artigo.

"A trajetória de Matias reforça a hipótese de que a sociedade escravista era muito mais excludente do que as normas metropolitanas. As determinações régias podiam até beneficiar a mulatos ricos e chefes indígenas, mas não conseguiam cont rariar os hábitos e hierarquias ditados pe.la escravidão", conclui Ronald.

André Vidal de Negreiros (1606-1680) foi um militar e governador colonial português nascido na capitania da Paraíba do Brasil, conhecido principalmente por ser um dos líderes da Insurreição Pernambucana (LC)

Texto publicado em "BBC History Brasil, ano 3, n. 15, dezembro 2016, excerto p. 7. Adaptado e ilustrado para ser postado por Leopoldo Costa.



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